3 minute read

ANASTÁCIA, ALTO-ASTRAL E TALENTO AOS 80

Rainha do Forró, parceira de Dominguinhos em “Eu Só Quero um Xodó” e “Tenho Sede”, ela agora brilha em colaborações com Zeca Baleiro e Mariana Aydar

por_ Christina Fuscaldo | do_ Rio fotos_ | de Manoel Araújo/Man Produções

Advertisement

O forró e suas vertentes foram apresentados aos brasileiros na década de 1940 por Luiz Gonzaga, um pernambucano que se vestia de cangaceiro para chamar a atenção para a realidade do sertão de onde havia saído. Duas décadas depois, o mesmo fez uma pernambucana quase 30 anos mais jovem chamada Lucinete Ferreira, que saiu de Recife e construiu sua carreira em São Paulo, onde virou Anastácia.

Como para as outras mulheres do seu tempo (e dos seguintes), o caminho dela seria bem mais árduo. Anastácia ganhou o título de Rainha do Forró, compôs mais de 800 canções, sendo quase 300 em parceria com Dominguinhos, amor de sua vida, mas por, muitos anos, viu os créditos de “Eu Só Quero Um Xodó”, “Tenho Sede” e outros clássicos serem atribuídos só a ele. Prestes a completar 80 anos, no próximo dia 30 de maio, esta grande artista que não para de compor celebra o redescobrimento de seu talento por músicos mais jovens, entre eles Zeca Baleiro, produtor do álbum “Anastácia Com Vida”, que ela lança ainda este ano.

“Estou gravando este disco e, depois, quero produzir outro. Vou fazer o que puder para tirar o que tenho da gaveta. Tenho muitas composições inéditas, porque componho todos os dias. Compus uma música com Baleiro, ‘O Sertão Está Chorando Com Saudade de Você’, que gravei com Amelinha. Fiz uma letra em cima de uma melodia de Dominguinhos, ‘Venceu a Solidão’, que ele faleceu sem conhecer, e chamei Mariana Aydar para cantar comigo”, conta.

Ela esbanja alto-astral. Mas sua vida não foi tão fácil quanto seu sorriso. Lucinete teve o nome alterado para Anastácia por seu empresário e pelo diretor artístico da gravadora na época do lançamento de seu primeiro álbum, em 1965, e ela só descobriu quando viu a capa do disco. Ao longo dos anos seguintes, para conseguir gravar suas próprias composições, precisou enfrentar seu primeiro companheiro.

“Quem sabe daqui a cem anos minha história se eterniza?! Já escrevi um livro com a historiadora Lêda Dias (‘Eu sou Anastácia: histórias de uma rainha’, 2011). Depois que o disco sair, vou correr atrás para gravar um DVD. E também quero minha história nesse filme aí”, diz ela, que é a personagem principal de um roteiro de ficção desenvolvido pela autora desta reportagem.

“Um dia fiz um samba e mostrei para Venâncio (que, além de pai de duas filhas dela, também foi compositor e empresário). Antes de jogar na lixeira, ele disse: ‘Presta não, minha fia!’ Catei o papel, quieta, e, um dia, mostrei ao sambista Noite Ilustrada. Ele, então, gravou ‘Conselho de Amigo’ em seu álbum. Foi a primeira vez que ganhei grana com uma composição. Venâncio só foi saber depois, quando pegou o disco e viu meu nome nos créditos.”

Depois desse episódio, Anastácia teve composições registradas por Waldick Soriano, Claudia Barroso, Gal Costa, Gilberto Gil, Marinês, Nana Caymmi e, entre outros, Luiz Gonzaga, que a apadrinhou. Já separada de Venâncio, conheceu Dominguinhos. Acabou impulsionando a carreira do acordeonista, incentivando-o a cantar e compor. Por 12 anos, eles viveram uma paixão tórrida, compuseram juntos e atuaram como dupla nos palcos. No fim dos anos 1970, ele arrumou outra namorada, seguiu seu rumo, e Anastácia se viu sozinha, de cabeça baixa, tentando se recuperar para recomeçar:

“Ele foi o amor da minha vida. E uma doença. Ficamos 20 anos sem nos falarmos. Ele dava entrevistas e não falava no meu nome, nem para dizer que eu era parceira nos sucessos. Isso foi o que me deixou mais mordida. Mas, aos poucos, fui superando e voltando à batalha.”

TENHO MUITAS COMPOSIÇÕES INÉDITAS, PORQUE COMPONHO TODOS OS DIAS.”

Batalha esta que, na medida do possível — num mercado em que, ainda hoje, as mulheres cantoras e compositoras arrecadam apenas 7% do montante de direitos autorais recolhidos no país, segundo dados do Ecad —, ela venceu. Anastácia já lançou 35 discos. Em 2017, teve seu “Daquele Jeito” indicado ao Grammy Latino. De cabeça erguida, não desistiu de alcançar Chiquinha Gonzaga (e ultrapassar muitos homens) em número de composições e de continuar nos palcos e estúdios destilando suas mensagens de amor, amizade, fé e esperança. Porque é disso que seu forró fala.

OUÇA MAIS // “Desilusão”, com Anastácia e Mariana Aydar, e “Doce Cachaça”, dela e de Zeca Baleiro // ubc.vc/Desilusão

OUÇA MAIS // “Desilusão”, com Anastácia e Mariana Aydar, e “Doce Cachaça”, dela e de Zeca Baleiro // ubc.vc/Desilusão