Eclipse da Lua Azul - Mundo Humano

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Débora Knittel & Érica Falcão


Eclipse da Lua Azul

copyright © 2014 Débora Knittel e Érica Falcão EDIÇÃO

Enéas Guerra Valéria Pergentino PROJETO GRÁFICO E DESIGN

Valéria Pergentino Elaine Quirelli CAPA

Enéas Guerra REVISÃO DE TEXTO

Maria José Bacelar Guimarães Giuliana Trovato CONSULTOR LITERÁRIO

James McSill

Texto revisado segundo o novo acordo ortográfico da língua portuguesa que entrou em vigor em 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Knittel, Débora Eclipse da lua azul : mundo humano / Débora Knittel & Érica Falcão. -- Lauro de Freitas, BA : Solisluna Editora, 2014. ISBN 978-85-89059-58-9 1. Literatura infantojuvenil I. Falcão, Érica. II. Título.

14-01518 CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura infantojuvenil 028.5 2. Literatura juvenil 028.5 Todos os direitos desta edição reservados à Solisluna Design Editora Ltda. 55 71 3379.6691 | 3369.2028 editora@solislunadesign.com.br www.solislunadesign.com.br www.solislunaeditora.com.br Contato com as autoras: eclipsedaluaazul@gmail.com


A nossa fam铆lia, aos amigos, e a todos que torcem por n贸s, nossos sinceros agradecimentos. Ao amor...





Polo Norte Magnético, próximo à Ilha Ellesmere imenso bloco de gelo do Polo Norte se partiu e fez surgir, pela primeira vez, a ponta da pirâmide de cristal. O fio de luz sobre ela, conectado ao éter, aos poucos se extinguia. Os Guardiões dos quatro elementos água, terra, fogo e ar se materializaram em círculo, no centro da pirâmide, sobre a plataforma aérea e translúcida. Do lado de fora, milhares de asas brancas cortavam a névoa escura, enquanto o gelo que rachava e caía desvendava, aos poucos, as laterais da pirâmide. – Logo estaremos vulneráveis aos seres das trevas – soprou o Guardião do elemento ar. – Temos que agir rápido, antes que seja tarde. A voz da Guardiã do elemento fogo se iluminou como uma centelha. – Talvez tenhamos uma chance... O Guardião do elemento terra pôs no centro da plataforma um bloco de argila. 9


– Precisaremos da matéria. – E da vida – completou a voz suave da Guardiã do elemento água, que jorrou sobre a argila um líquido azul turquesa. A matéria e o líquido se uniram, dando origem às quatro armas. Forjadas pelos elementos fogo e ar, elas receberam suas formas. Finalizadas, a esfera de cristal, o arco dourado, o bastão de fogo e a espada prateada flutuaram até as mãos de cada Guardião. Quando os estilhaços da pirâmide começaram a cair sobre os Guardiões, um fio de luz iluminou a plataforma e nele desceu um medalhão de quatro pétalas irradiando luz violeta. A névoa escura invadiu a pirâmide e, antes que fosse tarde, os Guardiões lançaram as armas no fio de luz. O Guardião do elemento terra transformou cada um dos Guardiões em pedras preciosas: rubi, água marinha, esmeralda e, por fim, se materializou em uma pedra de citrino. Embora os anjos lutassem contra a névoa escura, os seres das trevas conseguiram capturar os Guardiões para aprisioná-los em lugares inóspitos do Planeta. Dentro do fio luminoso, as armas e o medalhão subiram ao céu, até que se deu uma explosão e o medalhão se partiu em dois. Como estrelas cadentes, as armas e as duas partes do medalhão caíram sobre a Terra. Apenas uma jovem na Floresta Amazônica e outro na Savana do sul da África puderam ver as estrelas rasgarem o céu no crepúsculo da manhã.

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CAPÍTULO UM

Rio de Janeiro, novo caminho

s primeiros raios do sol despontavam no horizonte e iluminavam o tapete de nuvens brancas que impediam Holly de ver a paisagem através da janela do avião. Ela apertou os olhinhos e enxugou as lágrimas com as costas das mãos. Holly esperava um dia voltar ao Brasil, só não imaginava que seria desse jeito. – Dear, você está acordada? – perguntou o pai de Holly, levando o cabelo dela para trás. – Hum, hum. Holly encostou a testa na janela e fingiu estar sonolenta. – Estamos sobrevoando o Rio de Janeiro – disse o pai, olhando por cima do ombro dela. – É uma pena que as nuvens não nos deixem ver a beleza dessa cidade maravilhosa. Holly se virou para o pai e apontou o mapa no visor da tela em frente ao assento. – É aqui dad, que você vai me abandonar?

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Por alguns segundos, em silêncio, o pai fitou a filha, como se aborrecido por voltar a falar no assunto. – Esta é a Amazônia... – o pai pegou a mão de Holly e deslizou os dedinhos dela sob o visor – e nós estamos aqui. – Pensei que eu fosse morar na Amazônia – Holly levantou o queixo e cruzou os braços. – Não foi lá que você conheceu os amigos de mom? – Eles são mais do que amigos. Você pode chamá-los de tia Rita e tio José. – Esses mesmos – Holly torceu o nariz e se ajeitou na poltrona, esticando várias vezes a ponta do seu vestido azul xadrez até os joelhos. – Dear, a amizade é um bem precioso. Sua mãe e Rita se amavam como irmãs – o pai pegou a mãozinha de Holly e, tamborilando os dedinhos dela no apoio de braço da poltrona, sorriu. – Bethânia gostaria que você crescesse próximo a Rita e à filha dela, Maiara. Quem sabe você e Maiara também se tornam grandes amigas? – Não preciso de amiga, preciso de você – respondeu Holly, sem olhar para ele. – Você sempre viveu em um lar repleto de amor e não seria justo ser diferente a partir de agora. Sei que é difícil, mas entenderá quando crescer – ele ajeitou a franja da filha. – Pensei que sem a mom por perto, você não viajaria mais... – ela cravou os olhos cheios de água no pai, que

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endireitava os óculos e parecia se esforçar para continuar a conversa. – Dear, na minha profissão de arqueólogo, as viagens são necessárias. E você sabe que não posso levá-la comigo. – Mas dad, já tenho 8 anos. A voz da comissária de bordo anunciou que o avião passaria por uma forte turbulência. Pela janela, Holly olhou a nuvem cinzenta que cobria a visão. O sinal de apertar o cinto acendeu e o avião começou a balançar. Ela se virou e segurou a mão do pai. – Não se preocupe – o pai levou a outra mão ao pingente pendurado no colar no seu pescoço. Algum tempo depois, a turbulência parou. Aquele pingente deveria significar muito, pois o pai nunca o tirava do pescoço. Assim como as ausências constantes do pai, o pingente sempre fora um mistério para Holly. Quando o pai viajava a trabalho, a mãe dizia que ele procurava por algo muito importante. Mas o que poderia ser mais importante do que a família? “E agora mom? O que vou fazer sem você?” Holly ainda tinha a esperança de que seu pai mudasse de ideia. – Você vai gostar de morar no Brasil, dear. Ela desejou responder, mas calou-se. Suspirando, Holly soltou a mão do seu pai.

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Ao empinar o corpo no banco de trás do carro, Holly observou pela janela que as casas e os prédios construídos entre as montanhas contornavam o mar. Rio de Janeiro, onde Bethânia, a mãe de Holly, nascera. – Então filha, o Rio não é mais lindo do que nas fotos? – É, mas nunca vou poder fazer boneco de neve aqui – Holly respondeu, embora preferisse o verão. O pai riu e balançou a cabeça. Durante o caminho à beira da praia, eles passaram por um longo calçadão de pedras pretas e brancas desenhadas como se fossem ondas no mar. Nele, as pessoas transitavam a pé e de bicicleta. – Dear, esse é o famoso calçadão de Copacabana – o pai apontou para a praia. – Hum, hum. Seguiram por uma via, até encontrarem uma placa indicando o bairro São Conrado. Ao entrarem na rua de calçadas largas e arborizadas, ela notou que as casas eram separadas por muros e grades. “Puxa! Que diferença da nossa casa em Londres”. Pensou Holly, enquanto o pai estacionava em frente a uma casa branca de dois andares e janelas azuis. – Dear, chegamos. O pai saiu do carro e abriu a porta traseira para pegar a mala de bolinhas cor-de-rosa.

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De mãos dadas, eles atravessaram o passeio. Próximo ao portão branco, Holly apertou a mão do pai e desacelerou os passos até parar. – Dear, o que foi? – Dad, estou com medo. O pai colocou a mala no chão e agachou para segurar as mãos da filha. – Você sempre foi uma menina corajosa. Holly olhou para ele e fez beicinho. – Dear, não dificulte as coisas. Preciso que você me ajude. Sua mãe está no céu. Agora somos você e eu – ele tocou a ponta do nariz da filha e sorriu. Então levantou, abriu o portão, pegou a mala e fez sinal para que Holly passasse. Ela olhou para os lados onde rosas enfeitavam a cerca de madeira. Elas pareciam as flores violeta e pink do muro de sua antiga casa. Holly queria fugir, mas para onde? Não tinha escolha, a não ser acatar a decisão do pai. Ela fechou os olhinhos e, ao respirar profundamente, sentiu o cheiro das flores que lembrava o perfume usado por mom. Ao abrir os olhos, Holly resolveu atravessar o portão e parou ao lado do pai em frente à porta. – Dear, que tal você tocar a campainha? – ele mexeu as sobrancelhas, como sempre fazia quando queria alegrar a filha. Holly cedeu um sorriso forçado, ficou na ponta dos pés e apertou o botão abaixo da placa de azulejo de número vinte e dois. Eles aguardaram por uns instantes até que a porta se 15


abriu e uma mulher de cabelos castanhos curtos os recebeu com um sorriso nos lábios. – Olá John – a mulher deu um abraço nele e depois se abaixou em frente a Holly. – Sou tia Rita e você deve ser a pequena Holly. – Pequena não – Holly se empinou. – Você tem razão, já é uma mocinha. Um homem alto de roupa branca e bigode engraçado aproximou-se por trás de tia Rita. Ao lado dela, sorriu e estendeu a mão para Holly. – Olá querida, sou tio José. – Hum... hum – Holly balançou a cabeça e tentou abrir um sorriso também. Até que eles pareciam legais. – Há quanto tempo John Crane – tio José fez sinal para que eles entrassem na casa. – Sejam bem-vindos. Tio José pegou a mala de bolinhas e levou-a para sala. O pai de Holly colocou a mão nas costas dela e a incentivou com um empurrãozinho. Holly travou os pezinhos no chão em uma última tentativa, sem sucesso. – Querida. Venha conhecer Maiara – tia Rita estendeu a mão para Holly. Holly não imaginou que as coisas mudariam tanto depois da morte da mãe. Agora ela seria obrigada a passar um tempo na casa daqueles tios, enquanto o pai retornava ao trabalho. Para Holly não parecia justo ficar sem a família. – Vai filha. 16


Holly olhou para o pai e suspirou.

Cabisbaixa, ela acompanhou tia Rita enquanto o pai e tio José sentavam no sofá. Elas passaram pela sala de jantar e Holly notou o cheiro adocicado que parecia vir da travessa de frutas sobre a mesa de vidro. Ao lado, em um móvel antigo, Holly observou as fotos da família expostas em porta-retratos. Ela parou em frente a um que chamou sua atenção. Nele uma menina de longos cabelos pretos fazia carinho em um golfinho. – Essa foi a primeira viagem de Maiara a Amazônia. Ela foi conhecer um projeto onde as comunidades locais protegem os últimos golfinhos, conhecidos como boto cor-de-rosa – tia Rita disse. – Sabia que Maiara nasceu na Amazônia? Holly fez que não enquanto passava os dedos pelas delicadas flores de biscuit que decoravam o porta-retratos. Legal! Maiara também gostava de animais. – E vocês moraram lá? – Não querida – tia Rita falou. – Um dia contarei a história de Maiara. – OK – Holly se virou e a seguiu. Tia Rita abriu a porta de vidro que dava para o quintal atrás da casa. Nele, uma menina de vestido floral molhava um canteiro de flores, segurando um regador amarelo. – Filha! Venha conhecer sua nova amiga. 17


Maiara sorriu, ao correr na direção delas. – Hi! – Oi. Você quer me ajudar a cuidar das plantas? – Maiara perguntou e, sem esperar a resposta, foi até uma treliça ramada por pequenas flores brancas. – Meninas! Vou até a cozinha verificar o almoço e já volto – tia Rita deu uma piscadela e saiu. Holly olhou para os lados, sem saber o que fazer. – Ei, venha molhar o jasmim estrela comigo – Maiara indicou o outro regador, próximo a Holly. – O dia está quente e elas precisam de água. – Nunca vi essa flor onde moro – Holly pegou o regador para molhar as flores. – Quer dizer, onde eu morava. Maiara deu um pulinho para trás e arregalou os olhinhos pretos. – Então como são as flores de lá? – Ah, elas são muito bonitas. Lá também existe uma flor em forma de estrela chamada Clematis. – Clematis, que nome estranho... – Elas têm várias cores... branco, lilás, rosa... – Devem ser lindas! – Maiara exclamou e abriu um sorriso no canto dos lábios. – Quero contar um segredo – cochichou no ouvido de Holly. – Um segredo? – Eu sabia que você chegaria antes da minha mãe contar. – Como? 18


– Às vezes, uma moça muito bonita aparece em meu sonho. Ela tem o cabelo longo e preto sempre enfeitado por uma pena branca. Foi ela que me contou que você chegaria e seria minha amiga. – Incrível! – exclamou Holly. – Você não vai rir de mim? – Por que eu faria isso? – Minhas amigas da escola riem quando conto para elas sobre os meus sonhos. Holly colocou o regador no chão e cruzou os braços. – Então elas não são suas amigas. – Não? – Claro que não. Amiga de verdade nunca ri do segredo da outra amiga. A conversa foi interrompida no momento em que tia Rita retornou. Maiara olhou para Holly e levantou o dedo em frente à boca como se pedisse segredo. – Já vi que vocês se entenderam – tia Rita colocou a bandeja em cima de uma mesa branca de sombreiro. O pai de Holly e tio José apareceram no quintal e foram ao encontro delas. – Dear, amo muito você – o pai de Holly pegou-a no colo e deu-lhe um forte abraço. – Também amo você, dad – a voz de Holly soou chorosa. Ela deitou o rosto no ombro do pai e deslizou os dedinhos pelo pingente em forma de infinito preso ao pescoço dele. – Você já vai? 19


– Sinto muito sair assim tão rápido. Mas preciso que você fique aqui por alguns dias até eu organizar a nossa mudança – ele colocou Holly no chão, pôs as mãos nos joelhos e falou baixinho. – Prometo que voltarei logo. Holly alisou a barba do seu pai, que retribuiu com um beijo em sua testa. Por alguns minutos, ela observou ele se despedir dos tios e de Maiara. Holly queria gritar, mas isso não impediria o pai de deixá-la ali. “Preciso ser forte. Preciso ser forte”, ela pensava. – Venha – Maiara chamou. – Vamos brincar. Holly deu a mão a Maiara e, juntas, correram pelo jardim até deitarem lado a lado na grama macia. Talvez essa mudança não fosse tão ruim quanto imaginara. O coração de Holly batia forte e ela voltou a ter esperança.

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