Antologia Brasil, 1890-1930

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O flou é justamente para o limpo, o que a esperança é para a saciedade. É o equivalente, na arte, de uma das cousas amadas da vida: ― esta deliciosa incerteza de uma alma, onde já penetrou a esperança e ainda não entrou a seguridade; onde o desejo, que começa a aparecer como realizável, não deixa de ser avigorado na luta contra os óbices, que o atrapalham; onde tudo promete-se e não dá-se; onde adivinha-se e não se confessa; onde as figuras e as paisagens, o céu e a terra ― até o próprio amor ― aparecem ao impulso de incertas sugestões da alvorada e não sob a tórrida, enfadonha e fatigante definição dos meios-dias... *** Tendo dado aos leitores, como matéria de passageira conversação, algumas ideias sobre a arte, não queremos privá-los de acompanhar o autor, cujos conceitos continuaremos a reproduzir, ora fielmente, ora com aquela ampla liberdade, que o velho Horácio ― pedia e concedia ― pictoribus atque poetis. O nosso autor é um crítico que tomou para assunto de suas observações estéticas a fotografia e os fotógrafos. Mas, perguntarão, o que tem a estética ― ciência do ideal, do belo, que Platão denominou o esplendor da verdade, o que tem essa grandiosa disciplina intelectual com a fotografia, a menos ideal das artes, ― antes pura e simples máquina... Esta pergunta, que alguns farão inconsideradamente, obriga-nos a pedir-lhes que atendam bem às considerações que o nosso autor expõe a respeito da máquina e do artista: num e noutro compreende-se a arte. O artista e a arte identificam-se. Um vive do outro; se o artista for genial, as criações estéticas serão sublimes; a arte, que as exprimir, estará em correspondência. O nosso autor mostra como, na máquina, cintila a luz maravilhosa do belo; como o artista comunica à máquina as comoções, que experimenta ao influxo do ― Deus in nobis, agitante calescimus illo... No primeiro artigo apontou os defeitos da fotografia e os erros e dogmas dos fotógrafos, os processos viciosos, que produziam obras defeituosas, por exemplo, céu sem cor, ou que faziam do azul branco, do preto ruivo etc.

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