Antologia Brasil, 1890-1930

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Quantas questões a estética moderna suscita no meio das evoluções sociais!... Daí uma série de sistemas ― realismo, idealismo, impressionismo etc. etc. Não se pretendeu que a arte não fosse, senão a cópia servil da realidade material e positiva? Não elevou-se a fotografia à altura de uma das artes modernas? Os idealistas não apavoraram-se diante desta invasão de bárbaros? Por que, pergunta um escritor moderno, a fotografia, outrora tão desprezada dos artistas, pelo contrário, hoje como que domina sobre os confins da própria arte? Ora, eis aí um fecundo assunto de conversação estética para os leitores do Kosmos. Tem-se falado muito mal dos fotógrafos e da fotografia, escreve outro autor, cujas páginas lemos com vivo interesse. É verdade que a fotografia, tal qual a conhecemos, abunda de muitos defeitos, que são a negação da arte, sem ser absolutamente a nudez, a realidade, afirmação da natureza: não está tão perto da verdade como não está da natureza. Ela exagera a perspectiva a tal ponto, que uma estrada, tomada de frente, fugindo direto para o horizonte, parece-se com uma pirâmide; uma mesa quadrada, vista da mesma maneira, mostra-se quase triangular, ou uma das mãos estendida é mais volumosa do que a cabeça da pessoa, a quem a estendemos. Em verdade, não há negar, a fotografia traduz com excessivo desazo as cores, as mais necessárias, de sorte tal, que um teto vermelho torna-se escuro e o céu azul faz-se branco. Observa o autor que, desta guiza, suprime o céu e o Mediterrâneo e, desde que altera as cores e formas, não conservando aquilo, que é mais importante, não pode ser considerada capaz de exprimir a realidade. As montanhas de nuvens, enfileiradas no céu, rompem-se, como o papelão dos parafogos: as barcas pintadas de preto, que harmonizavam-se com a onda de azul carregado, ou sombrio, assemelham-se a moscas caídas dentro de um vaso de leite. As folhas douradas do outono e os bagos brancos de uvas bem maduras convertem-se em objeto de cor negra, como gotas de tinta preta esparsas por sobre papel. O reflexo do sol tão brilhante se nos afigura o alvor da neve. Uma árvore, vista contra a luz, toma aspecto muito sombrio de tal sorte, que se lhe não pode discriminar a forma.

A arte, 1 904


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