Antologia Brasil, 1890-1930

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O retrato

A INVENÇÃO da fotografia trai, no homem, um duplo anseio de fundo inconfessável: vaidade e eternização. Entretanto, um retrato antigo sempre desperta, a pouco e pouco, no coração, com a frouxa tristeza de uma luz na bruma, toda a época afastada a que se remonta, como se ele fosse, antes, um mudo gemido do passado. Vemos que o radioso clarão de ventura, que o envolvera outrora, esbatendo-se na deliquescência dos anos, se reduziu, por fim, em torno dele, a uma vaga e fugitiva auréola de saudade... Mas... não importa: pois, a despeito do esmaecimento da obra, a expressão do momento evolutivo do homem, que ele fixou, ganha a longevidade, que já é uma forma aproximada da imortalização. E o intuito vaidoso fica justificado... *** O espírito humano, moldado pela versatilidade do tempo, não se conforma, entretanto, com o afeamento e a destruição. Envelhecer? Nunca! Morrer ? ― Muito menos. Poderia geometrizar-se a fórmula da felicidade completa, no mundo, pela figura de um triângulo, cujos lados fossem assim designados: liberdade, beleza e eternidade. De fato, no foro íntimo de cada ser pensante, a existência só é aceitável sob esse tríplice aspecto. Daí, a revolta surda das criaturas contra o Criador, apenas disfarçada pela moral religiosa, que só fora, como se propõe a ser, a pedra filosofal da paz terrena, se não assentara sobre estas três bases visceralmente opostas àquelas condições: sujeição, recolhimento e morte.

Antologia Brasil, 1 890-1 930

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