Antologia Brasil, 1890-1930

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Imagine-se agora a série formidável de complicações que podem trazer esses exageros da Fantasia, quando empregados em caso sério, de alta monta para a vida moral da nação. Uma folha virá dizer amanhã que o sr. Presidente da República foi a tal ou qual festa, trajando um terno de casimira marrom; outra dirá que S. Ex. levava calças cor de cinza e sobrecasaca preta; uma terceira afirmará que S. Ex. vestia um dólmã branco... E a gente, diante de tantas opiniões diferentes, ficará com o juízo a arder, não podendo adquirir uma ideia assentada e perfeita sobre esse ponto, que tão grave influência pode exercer sobre a integridade da pátria e a solidez das instituições republicanas. Outro caso interessante: o do amigo Galvez, que, depois de ter transposto a porta da eternidade, aparece agora espairecendo pela Puerta del Sol em Madri. É ele? não é ele? quem sabe? fotografem-no, e veremos... Não insistamos sobre os benefícios da grande revolução que a fotogravura vem fazer no jornalismo. Frisemos apenas esse ponto: o jornal-animatógrafo terá a utilidade de evitar que nossas opiniões fiquem, como atualmente ficam, fixadas e conservadas eternamente, para gáudio dos inimigos... Qual de vós, irmãos, não escreve todos os dias quatro ou cinco tolices, que desejariam ver apagadas e extintas? Mas, ai! de todos nós! Não há morte para as nossas tolices! nas bibliotecas e nos escritórios de jornais, elas ficam ― as pérfidas! ― catalogadas; e lá vem um dia em que um perverso qualquer, abrindo um daqueles abomináveis cartapácios, exuma as malditas e arroja-as à face apalermada de quem as escreveu... Daqui em diante não haverá esse perigo: ninguém se arrependerá do que tiver escrito, pela razão única e simples que nada mais se escreverá... No jornalismo do Rio de Janeiro, já se iniciou a revolução, que vai ser a nossa morte e a opulência dos que sabem desenhar. Preparemo-nos para morrer, irmãos, sem lamentações ridículas, aceitando resignadamente a fatalidade das coisas, e consolando-nos uns aos outros com a cortesia de que, ao menos, não mais seremos obrigados a escrever barbaridades... Saudemos a nova era da imprensa! A revolução tira-nos o pão da boca, mas deixa-nos aliviada a consciência.

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