Antologia Brasil, 1890-1930

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A arte na fotografia

Quem quiser admirá-la, hoje em dia, corra depressa ao ateliê do grande e magistral Nicolas, que não se contenta em retratar as fisionomias das criaturas, mas que procura, através dos seus traçados, a alma que os anima e os faz resplandecer. Num recanto da Avenida, em frente à Cinelândia, o seu lindo gabinete fotográfico revela, desde a entrada, o gosto artístico do seu proprietário. Pelas paredes escuras da salinha tépida e pessoal, alinham-se os retratos de todo o nosso mundo select, alguns rostos clareados pelo sorriso da esperança na vaidade, outros velados pela sombra da melancolia da vida. Nenhuma aparência monótona ou banal nessas revelações espirituais, nenhum retoque vulgar nessas demonstrações físicas do indivíduo. Como se os olhos de Nicolas possuíssem o poder milagroso de adivinhar o que se passa no subconsciente daqueles que o vão procurar, na ânsia de se verem sobre o papel como num espelho, nós vemos o estado de sua alma nessa hora, sobressair das atitudes involuntariamente forçadas do retratado. E, sobretudo, Nicolas é o fotógrafo artista das mulheres. Ninguém, como ele, assimilou o dom de se apoderar rapidamente de um sorriso feminino, da expressão costumeira de uma face desse ente, tão fugitivo nas modalidades apresentadas ao público. Caricioso, suave, quase felino, ele atrai em confiança a mulher, arrancando-lhe os seus segredos, o mais elevado dos seus encantos, a prova mais secreta do seu espírito e traz tudo para a chapa, sem que disso ela se aperceba e se irrite! A violação do seu ego íntimo e que depois a fotografia revela, causandolhe, talvez, um espanto e nunca um desgosto, porquanto a mulher será eternamente um enigma que só suplica ser compreendido e decifrado.

Antologia Brasil, 1 890-1 930

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