Antologia Brasil, 1890-1930

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― Não é possível que vás sem ver as minhas fotografias. ― Com imenso prazer. ― Nada de ironias. Não sou fotógrafo amador com a mania artística. Por consequência não é pelas fotografias. É pelos tipos. ― Pois claro. Trepamos então ao péssimo garni de Estevão Lartignac. Como bagagem, Lartignac tinha apenas uma velha valise com escasso linho, se é que o tinha, e uma inaudita mala. Foi a mala que abriu. Abriu, curvou-se. Estava cheia de fotografias. Era um desses luminosos dias de Nice, em que a gente pensa nos círculos de cristal de Aristóteles. A atmosfera se tecia de uma maciez de rosa orvalhada. Tudo tinha uma luminosa cor azul. E Lartignac, o homem forte do deserto, o caçador de belezas, o primeiro doente de apolinismo, estava transfigurado, com a boca molhada, os olhos radiantes. ― Olha! Vê! Anda! Olha esta! Então foi, naquelas fotografias, graças talvez ao poder da sugestão, para mim o maravilhamento. Havia pequenas negras nuas, a carapinha enfeitada, como espadas de ônix, lembrando a rainha de Sabá e do Emiar; havia belezas ardentes de Salambós perdidas, havia graças passionais de colos que relembravam o Cântico dos Cânticos, e a palpitação opulenta dos hexâmetros de Virgílio ao falar de Elisa em Cartago; havia poses hieráticas de raparigas apanhadas em Kartum com o olhar e o nariz de Cleópatra; havia adolescentes nus com a face de Antino e a graça levípede das gazelas. E era depois um oriente de feérie, povoado de gandouras, de bournous, de haicks de pedrarias ardentes, um oriente com pátios mouriscos, repuxos em surdina, grandes pavões brancos, abrindo a cauda ao fumo enebriante dos braseiros entre cofres de esmalte, sob uma chuva de flores de amendoeira; um oriente de mil e uma noites, em que as mulheres apareciam com as cabeleiras pesadas, caídas à raiz das sobrancelhas, olhando com aquele olhar oriental, que não vê crime no amor e recorda os ritos secretos do ElKlab, um oriente de vilas escusas em que os adolescentes kabylas ardiam em sorrisos comprometedores e inquietantes... Todo um mundo de beleza, de formas admiráveis, surgia da velha mala estragada, todo um turbilhão de criaturas de um galbo divino, que

O caçador de beleza, 1 909


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