Antologia Brasil, 1890-1930

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O caçador de beleza

Nós vinhamos de Turim em automóveis velozes. Era todo um grupo de gente, cuja profissão principal é divertir-se. Três ou quatro raparigas, estrelas de pequenos teatros, três ou quatro rapazes encantadores desenvolvendo um vago parasitismo, uma vaga exploração, uma evidente gigologismo, e duas criaturas ricas, proprietárias dos autos de course, dono das estrelas, e infinitamente amáveis. Oh! aquela corrida pela Riviera, diante da Grande Bleu, o venerável Mediterrâneo! Aquela invasão de cidades feitas para as luxúrias dos trains de luxe, para o vício errante dos príncipes russos, dos milionários esgotados e das velhas damas delirantes, curva airosa da terra, onde moram a luz suave e o perfume enebriante!... E precisamente, depois de um almoço com muito Pommery bruto na sala do Hotel de Paris, nós distendíamos as pernas pelas ruas de Nice, eu e Olegário Pradal, quando nas proximidades do mercado, subitamente Pradal estaca. ― Tiens! C'est loi! Era um sujeito de face violenta, barba ruiva, olhos brilhantes. O fato acusava longo uso e falta de tratamento. O chapéu mole tombava-lhe sobre o olho esquerdo um pouco inconvenientemente. Deu-me a impressão de um anarquista inteligente a princípio. Logo em seguida a de um Diógenes cicerone. E afinal, pelo modo que agitava os braços, por que grifava as palavras com os gestos, a lembrança de Michelangelo moço, a deblaterar contra Da Vinci... ― Mas há dois anos que não recebia cartas tuas! ― Achei inútil dar-te lições de beleza sã, quando tu não deixas de refocilar na infecta Paris ! ― E ficaste todo esse tempo?

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