Antologia Brasil, 1890-1930

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acidentes, escolhendo os que concorrem para o efeito desejado e desdenhando os outros. É necessário ter sempre em vista que, ao ar livre a luz banha todas as cousas porque, mesmo nas sombras mais densas, há luz refletida, de sorte que, na paisagem, massas negras impenetráveis denotam sempre erro artístico, causado por deficiência de técnica ou da observação. Sendo a luz o espírito da fotografia, sendo a luz a autora do quadro, esse, antes de tudo, deve ser uma pintura de luz. Não é a forma das cousas, não é a substância das cousas o que temos que fixar; é a luz que as banha, é a luz que elas refletem o que nos interessa. Mas a fotografia só registra a luz em suas variantes coloridas com flagrante infidelidade, de sorte que a tarefa inicial do artista está em corrigir os erros da emulsão sensível, vivificando a correção com sua comoção pessoal. Não sei se me explico claramente. Quero dizer que não fotografamos os objetos, ao contrário dos desenhistas que lhes fixam os contornos com um traço arbitrário. Nós só fotografamos a luz que as cousas refletem, de sorte que a iluminação adequada ao assunto é a base de nosso trabalho. Falsa esta base ou fraca, a obra, mesmo que se não desmoronasse inteiramente, seria aleijada, apesar de todas as qualidades de imaginação, sentimento ou decoração que apresentasse. Admitindo isto, a primeira qualidade de uma fotografia pictorial não é o assunto, por mais belo que seja: é o desenho da luz e da sombra, são as massas de luz e sombra, seus contrastes e seu equilíbrio. Que o assunto importa pouco em uma pintura é cousa banal. De outro modo não se compreenderia que admita toda a gente que uma natureza morta da Chardin, por exemplo, seja incomparavelmente mais valiosa do que um nu, de formas impecáveis, pintado por Bouguereau e os anões de Velásquez mais belos artisticamente do que as madonas lambidas de Carlo Dolci. Mas em fotografia, esta verdade corriqueira ainda não adquiriu foros de axioma, criando, para a arte da luz, uma estética especial, ― o que é uma heresia. Querem muitos que a beleza da fotografia esteja no modelo e não na obra. Há entretanto, uma razão que explica este contrassenso. Quando a fotografia apenas copia, é natural, pois a cópia de uma cousa bela é mais interessante do que a de uma cousa vulgar.

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