Edição especial aniversário de Fortaleza - 288 ANOS

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FORTALEZA - CEARÁ - BRASIL Sexta-feira, 11 de abril de 2014

Editorial

Três fortes, dois cajueiros e o banco da opinião pública

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reze de abril de 1726 foi a data em que Fortaleza foi elevada à categoria de vila. O nome Fortaleza, no entanto, se deve a três fortes: o de Santiago, levantado por Pero Coelho de Sousa em 1604 às margens do Rio Ceará; o de São Sebastião, construído por Martim Soares Moreno em 1612 no mesmo local, e o de Schoonenborch, que se chama Nossa Senhora Assunção, atualmente, e foi erguido às margens do Rio Pajeú pelos holandeses. Com o primeiro forte, Pero Coelho deu início à colonização de Fortaleza e, consequentemente, do Ceará. Com o segundo, Martim Soares Moreno continuou o trabalho de seu antecessor enquanto que, com o terceiro, os holandeses terminaram

Expediente

a obra começada pelos dois portugueses. Localizado no Morro de Marajaitiba, também chamado Morro da Misericórdia porque é ali que fica a Santa Casa da Misericórdia atualmente, o Forte de Schoonenborch foi, de fato, aquele que deu nome à cidade de Fortaleza. Assim, pode ser visto às margens do Rio Pajeú que, ainda hoje, sobrevive a duras penas, exibindo seus baluartes para os cearenses e os turistas. Afinal, foi a partir dali que a cidade de Fortaleza, de fato, evoluiu e se tornou a metrópole que se conhece hoje. Completando 288 anos em abril deste ano, a cidade tem muito o que comemorar em sua trajetória de vila, cidade e, finalmente, capital do Ceará. Neste percurso, muita coisa aconteceu. As ruas, que eram tortas, se chamavam Direitas;

os cajueiros, que eram muitos, se destacavam na paisagem e pelo menos dois deles entraram para a História: o Cajueiro da Mentira e o do Fagundes. Como o solo era arenoso, muita gente dizia que Fortaleza nunca teria prédios de dois andares quanto mais de noventa e cinco metros (trinta andares) como acontece hoje até que um arquiteto resolveu arriscar e construiu o primeiro deles em meados do século XIX. Tudo isso faz parte da história de Fortaleza contada neste caderno especial de aniversário publicado pelo jornal O Estado assim como a libertação dos escravos em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, no Rio de Janeiro, e a Praça do Ferreira com a Coluna da Hora, o Banco da Opinião Pública e a famosa vaia ao sol que ocorreu em 1942.

COORDENAÇÃO GERAL: Glauber Luna e Ricardo Dreher • JORNALISTA RESPONSÁVEL: Natalício Barroso (1375/CE) • FOTOGRAFIA: Beth Dreher e Anderson Santiago • DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL: J. Júnior.


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Aniversário

Fortaleza antes e depois de 13 de abril Historiador e pesquisador do Marco Zero, Adauto Leitão faz uma revelação nesta entrevista. Para ele, Fortaleza, fundada em 1604, completa 410 e não apenas 288 anos conforme defendem muitos marqueteiros

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magine uma cidade que completasse 288 anos e a câmara dos vereadores, 313. Pois esta cidade existe e chama-se Fortaleza. Adauto Leitão de Araújo Júnior, historiador e pesquisador do Marco Zero de Fortaleza chama a atenção dos fortalezenses para isso. Diz ele que Fortaleza, na verdade, está completando 410 anos e não 288 e que o início de sua fundação data de 1604 quando Pero Coelho de Sousa, acompanhado por Martim Soares Moreno, esteve no Ceará, a primeira vez, e aqui levantou o Fortim de Santiago às margens do Rio Ceará. Não fosse isso, diz Adauto, Fortaleza não existiria. E diz por quê. A origem do Brasil, segundo ele, se deu, de fato, quando a Coroa Portuguesa instituiu as Capitanias Hereditárias. Assim, surgiu a Capitânia do Ceará que seria governada por Antônio Cardoso de Barros. Como Antônio Cardoso de Barros não veio para o Ceará, as terras destinadas a esta capitania poderiam ter ficado com a capitania do Pará ou do Rio Grande do Norte. Neste momento surgem Pero Coelho de Sousa e Martim Soares Moreno para salvar a situação. Pero Coelho levanta o Fortim de Santiago e Martim Soares o de São Sebastião. A fundação de Fortaleza, portanto, data daí, segundo Adauto Leitão. E se alguém levanta a hipótese de que o Forte de Santiago e de São Sebastião são dois casos isolados na história do Ceará, Adauto responde. Diz que a Câmara Municipal de Fortaleza tem 313 anos e funcionou, a primeira vez, na Barra do Ceará e não na

BETH DREHER

Adauto Leitão questiona aniversário de Fortaleza Thompson Bulcão, onde se encontra atualmente. E conta a história. Aquiraz era uma região rica no

século XVIII e, como toda região rica, resolveu se tornar autônoma para não pagar pelo transporte de

cana-de-açucar na Barra do Ceará. A cana-de-açúcar, afinal, saía de Aquiraz, em lombo de burro, e ia dar na Barra de onde partia, em seguida, para seu destino final. Como não havia ainda a ponte dos ingleses nem o porto do Mucuripe, a única saída dos produtores de cana-de-açúcar de Aquiraz era levar tudo para a Barra e embarcar. A despesa era grande e, por causa disso, os portugueses que moravam em Aquiraz se revoltaram. Pararam de mandar açúcar para Fortaleza. Reuniram-se e redigiram uma ata na qual propugnavam a formação de uma câmara municipal. A primeira do Ceará. Mas cometeram um erro. Não passaram esta informação para Pernambuco, jurisdição à qual o Ceará estava subordinado, nem para a Bahia, onde ficava o Governo-Geral em Salvador. Mandaram uma carta diretamente para Portugal levada por um de seus representantes. Em Portugal o rei quis saber o que, de fato, estava acontecendo e enviou um emissário para Pernambuco a fim de saber se o povo da Barra do Ceará concordava ou não com aquela câmara e, como resultado, surgiu a primeira câmara de vereadores do Ceará na Barra e não em Aquiraz. DATAS INDICATIVAS As datas indicativas para se comemorar o aniversário de Fortaleza antes de 13 de abril, segundo Adauto, eram duas. O Marco Zero, com a chegada de Martim Soares Moreno e Pero Coelho em 1604; o 13 de abril de 1726 que se relaciona com Aquiraz e uma terceira: a formação da câmara dos vereado-

res em 1701. Como não havia uma data oficial até recentemente, Doutora Leirice Porto, que passou por várias administrações municipais ao longo de sua vida, tinha o hábito de comemorar o aniversário de Fortaleza com uma peça de teatro às margens do Rio Ceará na qual mostrava, para os presentes, como teria sido a chegada de Martim Soares Moreno na Barra. Na peça, que contava com a participação da Comédia Cearense, Martim Soares Moreno era interpretado por Jorge Nerdau enquanto Ary Sherlock fazia outro personagem. Nesse tempo, continua o historiador, não se gastava muito com o aniversário da capital cearense. Pegava-se um grupo de teatro e trabalhava-se com ele somente. Todas as cidades oriundas das Capitanias Hereditárias, diz Adauto, têm mais de 400 anos. São Paulo, por exemplo, comemorou 450 agora em janeiro. Rio de Janeiro comemora 460 daqui a um mês. Salvador completará 475 e Recife 470. Só Fortaleza completa 288. Mas existe um projeto de Lei na Câmara dos Vereadores, informa o historiador, que procura mudar isso. Apresentado a primeira vez, ainda no governo de Luizianne Lins, foi votado e aprovado pelo plenário mas, por alguma razão, nunca mais voltou a ser discutido na Câmara. Retirado da pauta, está lá, engavetado. Mas pode voltar a ser discutido e votado novamente. Basta o atual presidente da Câmara dos Vereadores, Walter Cavalcante querer para que Fortaleza comemore mais de quatrocentos e não menos de trezentos anos como tem ocorrido até agora.


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Passeio poético

Ruas, praças e avenidas de uma cidade cheia de sol, flores e alegria As plaquinhas que sinalizavam ruas, praças e avenidas de Fortaleza, nem sempre exibiam nomes de pessoas ou datas. Houve época em que se denominavam Rua da Alegria, do Sol ou das Flores. Também foram numeradas como em Nova Iorque

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aula Ney escreveu que Fortaleza é uma “loura desposada pelo sol”. A poesia de Fortaleza, no entanto, não está apenas neste verso de Paula Ney. Está, também, no nome das ruas. Para os que conhecem somente a Fortaleza oficial, nunca vão perceber o quanto a alma do povo cearense é poética e isso se torna claro quando se compara os nomes das ruas de hoje com aqueles que foram dados pelo povo no passado. A Costa Barros, por exemplo, já se chamou Rua da Aurora e, depois, Rua do Sol. A Floriano Peixoto, por sua vez, era a Rua da Alegria e a José Avelino, onde se realiza uma das maiores feiras a céu aberto do Norte e Nordeste, era a Rua do Chafariz. E não para por aí. A cidade de Fortaleza tinha nomes de rua de fazer inveja a qualquer outra que quisesse competir com ela em termos de beleza: Rua das Flores, por exemplo, Rua das Belas, Rua Formosa e Rua das Palmas. Também tinha nomes de ruas estranhos como da Cachorra Magra e da Apertada Hora. Isso no tempo em que avenidas, como a Dom Manuel, se chamavam Boulevard. Assim, havia o Boulevard da Conceição, que era a própria Dom Manuel, o Boulevard do Livramento, a Duque de Caxias, e o Boulevard de Jacarecanga, atual Philomeno Gomes. Morar em Fortaleza, como se vê, era muito mais poético do que hoje quando a política e as datas comemorativas tomaram conta das ruas e os nomes dados pelo povo desapareceram.

As praças também tinham a sua poesia e a sua razão de ser. A Praça da Lagoinha tinha este nome por causa de uma lagoa que havia no local. Mudando para Praça Capistrano de Abreu, a população, mesmo assim, continua chamando “da Lagoinha” por causa da tradição. O mesmo acontece com a Praça dos Leões que, por mais que se diga que se chama General Tibúrcio, o povo não admite: prefere chamar “dos Leões” por causa da imagem de alguns destes animais que foram esculpidas em Paris, no início do século XX, e colocadas na praça em 1915. A Praça Castro Carreira, assim como a dos Leões e da Lagoinha, também é chamada “da Estação” por causa da Estação João Felipe e o mesmo acontece com o Passeio Público que se chama praça dos Mártires, oficialmente, mas, na prática, mantém o nome antigo de Passeio Público. Muita coisa mudou ao longo do tempo. Nada, no entanto, se compara com o que um intendente de Fortaleza quis fazer na cidade por volta de 1890. Impressionado pelo método de Nova Iorque, que enumerava as ruas, o intendente tentou trazer o modelo nova-iorquino para a capital cearense. Rua como a Floriano Peixoto, que se chamava da Alegria, passou a ser a Rua 7 e a Clarindo de Queiroz a Rua 2. A moda não pegou. Fortaleza perdeu seus nomes poéticos e populares, mas manteve, pelo menos, o nome de gente famosa e de datas históricas em seus becos, travessas, praças e avenidas no lugar de números. Menos mal.

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Praça da Lagoinha na década de 1970


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Bairros de Fortaleza

Parques e jardins crescem em torno da capital cearense Fortaleza é a capital de um estado no qual a seca prepondera de vez em quando. Os bairros que compõem esta cidade, no entanto, lembram a primavera. Bom Jardim e Parquelândia são dois deles. Bela Vista e Bom Futuro são outros dois

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uer conhecer a história de sua cidade? Comece pela história de seu bairro. A Barra do Ceará, por exemplo, em Fortaleza, é uma prova disso. Afinal foi ali que a cidade de Fortaleza e, depois dela, o Ceará, surgiram após a vinda de Pero Coelho de Sousa, em 1604, e de Martim Soares Moreno, em 1612. Impressionado com o Rio Ceará, possivelmente, que desembocava sua água doce no mar naquela região, foi ali que Pero Coelho levantou o Forte de Santiago e Martim Soares Moreno o de São Sebastião. Com a chegada dos holandeses em seguida, alguma coisa mudou. Mais interessados em explorar uma jazida de prata que, supostamente, havia em Maranguape, os holandeses que ocuparam a Barra do Ceará, inicialmente, mudaram-se, depois, para o Morro de Marajaitiba, onde ergueram o Forte de Schoonenborch, em homenagem ao governador holandês de Pernambuco, Walter van Schoonenborch. E foi em torno deste forte, que fica no centro de Fortaleza, que a capital cearense se concentrou. Com o tempo, surgiram outros bairros e outras histórias que, somadas, contam a trajetória da capital cearense. A Aldeota, por exemplo, foi o primeiro bairro de Fortaleza, planejado. Até então os bairros surgiam aleatoriamente. Com a Aldeota foi diferente. Fortaleza, nes-

ta época, já dispunha de iluminação pública; os carros já haviam invadido a cidade e os arranha-céus começavam a despontar às margens das avenidas. Assim, quando se pensou em um bairro como a Aldeota, tudo foi planejado: ruas, prédios e asfalto. Diferente de São João do Tauape que, no início, foi quase um campo de concentração para onde os retirantes que fugiam da seca no interior do estado eram largados para morrer ou sobreviver à míngua. Muitos, na verdade, são os bairros de Fortaleza. Alguns deles têm nomes tão exuberantes quanto algumas ruas da cidade antes de virar nomes de políticos ou de datas comemorativas. Bela Vista, por exemplo, é um destes nomes assim como Bom Futuro, Bom Jardim e Bom Sucesso. Jardim América, Jardim Cearense, Jardim das Oliveiras, Jardim Guanabara e Jardim Iracema são outros tantos nomes que encantam pelo que dizem ainda que o que anunciam não corresponda, necessariamente, à realidade. Mas em que lugar do mundo haverá tantos “parques” como em Fortaleza? Parque Araxá, Parque Dois Irmãos, Parque Iracema, Parque Manibura, Parque Santa Maria, Parque Santa Rosa e Parquelândia. Se a cidade tivesse tantos parques assim, Fortaleza seria, talvez, do jeito que o povo quer e não, necessariamente, como certos setores do poder constituído pretendem: desprovida de áreas verdes.

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Base e monumento doados pela Galicia, Espanha, a Fortaleza por sua fundação na Barra do Ceará


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Primórdios

Primeiros casarões e sobrados de uma cidade de 288 anos Lançada pelo jornalista Jáder de Carvalho em 1969, a “Antologia de João Brígido” traz, em suas 596 páginas, informações preciosas sobre os primódios da capital cearense. Aqui, uma delas sobre edificações da cidade

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atural de São João da Barra, Rio de Janeiro, João Brígido chegou ao Ceará muito pequeno. Aqui apaixonou-se pela capital cearense e tornou Fortaleza a sua principal preocupação. Assim, não foram poucas as vezes em que escreveu sobre ela e um de seus textos trata das suas casas, ruas e avenidas. Intitulado “A Edificação de Fortaleza”, João Brígido, neste trabalho, chama a atenção do leitor para a Espanha que, quando mandava seus colonos para a América, enviava, ao mesmo tempo, informações de como as cidades deveriam ser construídas. Assim, o foco principal da nova povoação deveria ser uma praça e uma igreja em frente das quais se colocaria o pelourinho e, nas imediações, se ergueria a Cadeia Pública e a Casa da Câmara. Portugal agia de outra maneira. Segundo João Brigido neste livro que foi publicado em 1969 por Jáder de Carvalho e se chama “Antologia de João Brígido”, os portugueses iam fazendo as suas casas tendo em vista somente os cômodos necessários. O costume, diz ele, era edificar-se à beira da água, guardando as suas sinuosidades. E conta algo muito interessante. Foi assim, diz ele, que surgiram as ruas Direitas, como as que existiam em Fortaleza, às margens do rio Pa-

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Prédio edificado por Adolpho Herbster no centro histórico de Fortaleza jeú, e uma outra no Rio de Janeiro. Cada uma delas mais torta do que a outra. E conclui dizendo que a vila do Forte, neste caso, era “toda ela tortuosa e entaramelada”. As casas, por sua vez, eram quase todas elas cobertas de palhas de carnaúba. Muito poucas existiam, continua, cobertas de telhas. Telhas que vinham, segundo ele, do Aracati. Os

tijolos, por sua vez, vinham do Cocó ou da Lagoa do Tauape. A sua serventia, porém, só se dava na frente das casas porque, nos fundos, eram todas elas de taipa. PRIMEIROS ARQUITETOS E URBANISTAS O primeiro engenheiro que chegou ao Ceará com o objetivo de

mudar um pouco esta realidade foi um português chamado José da Silva Feijó. A forma como chegou em Fortaleza, no entanto, foi tão difícil – veio a pé para a capital cearense – que, tal como chegou, foi embora sem mexer em quase nada. Depois dele apareceu Silva Paulet com o governador Manuel Inácio Sampaio. Diferente de Feijó, Paulet

deu início, de fato, a um projeto urbano e arquitetônico para a cidade, mas quem primeiro se aventurou a levantar casas de dois andares em Fortaleza foi um outro arquiteto chamado Conrado, que aportou em Fortaleza depois de Paulet. Havia uma suposição, na cidade, de que, como o areal em cima do qual a capital cearense fora levantada era muito frouxo, era impossível erguer um prédio de dois andares. Conrado arriscou. Preocupado com a possibilidade de que a lenda tivesse algum fundamento, mandou abrir alicerce enorme para uma casa que estava construindo e, assim, levantou o primeiro prédio de dois andares da capital cearense. Depois de Conrado, apareceu um outro arquiteto, Simões que, a exemplo de Conrado, continuou a construir prédios de dois andares. As coisas estavam neste pé quando despontou Adolpho Herbster. Natural da Suíça, Adolpho Herbster é responsável, dentre outros prédios, pelo edifício do Museu do Ceará que, no passado, foi sede da Academia Cearense de Letras e da Assembleia Legislativa. Depois dele foram muitos os arquitetos que surgiram e transformaram Fortaleza no que ela é hoje: de asfalto e cimento com prédios de setenta e dois metros (vinte andares) que se firmam sobre a beira mar e, muitas vezes, impedem a circulação do ar por toda a capital do estado. Mas esta é uma outra história.


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Da Cidade Eterna à Terra da Luz

As colinas de Roma e as sete colinas da Capital cearense

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Fortaleza surgiu a partir de sete colinas. Roma também. As sete colinas de Roma deram origem a um povo que conquistou o mundo; as sete, de Fortaleza, foram o berço de um outro que vaiou o sol

ete são os pecados capitais. Sete as colinas de Roma e sete as que deram origem a Fortaleza. As colinas de Roma são o Capitólio, Quirinal, Viminal, Esquilino, Célio, Aventino e Palatino. As de Fortaleza são mais modestas. A primeira delas, que se localizava entre as ruas Liberato Barroso e Guilherme Rocha, se chamava Taliense, por causa do Teatro Taliense que ficava sobre ela. Não existe mais. A segunda, o Morro da Misericórdia, ou Marajaitiba, ainda pode ser observada. Afinal, é ali que fica a 10ª Região Militar, o Passeio Público e a Santa Casa. No tempo em que o mercador inglês, Henry Koster andou no Ceará, 1920, o Morro da Misericórdia, segundo ele, ainda era uma montanha de areia. A terceira colina ficava ao sul do córrego do Garrote, atual Parque das Crianças, e ia dar na praça Clóvis Beviláqua ou da Bandeira. Por isso

que a Ceará Water Works Co. Ltd instalou, em 1867, as caixas de água que ainda hoje estão lá e distribuíam água para Fortaleza por intermédio de chafariz. Era um lugar alto. A quarta colina, mais conhecida, era o planalto ou outeiro da Prainha. No mesmo lugar onde hoje fica o Seminário da Prainha e, ao lado dele, a praça Cristo Redentor. Em baixo ficavam o trapiche e a alfândega velha. O mar, nesse tempo, batia na encosta deste planalto. Denominada Morro do Croatá, a quinta colina ficava no local onde, até recentemente, funcionava a estrada de ferro João Felipe. A sexta, no Alto da Pimenta, também era chamada de Morro do Pecado. Foi ali que o boticário Ferreira, que foi presidente da Câmara dos Vereadores durante muito tempo, deu início à construção da igreja de Nossa Senhora das Dores que nunca foi concluída. Em seu lugar, foi erguida a Igreja do Coração de Jesus. A sétima e última colina é o planalto da Aldeota.

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Seminário da Prainha fica em cima da quarta colina onde surgiu Fortaleza

Porto das Jangadas, Praia do Peixe e Praia de Iracema a partir de 1925 Paraiso intocável até a década de 1920, foi neste período que o coronel Zé Porto construiu, na Praia de Iracema, a chamada Vila Morena que, com o tempo, veio a ser o Estoril Falar de praia, no Ceará, lembra logo jangadas e coqueirais assim como falar de sertão lembra o vaqueiro e sua vestimenta de couro. Falar de Praia de Iracema, por outro lado, lembra mais ainda as características do mar cearense praticamente quando se sabe que, antes de se chamar do Peixe ou de Iracema, a praia se chamava Porto das Jangadas porque era dali que elas partiam, no passado e para onde, em seguida, retornavam. Terminada a Primeira Guerra Mundial, porém, com a vitória da Inglaterra e da França sobre os alemães, a Praia de Iracema se transforma. Era a década de 1920 e Fortaleza sentia ímpetos, tal como o resto do mundo (que não pensava, ainda, na possibilidade de uma débâcle, tal como ocorreu em 1929) em se expandir o máximo que pudesse aproveitando a onda de prosperidade que tomava conta do planeta. Foi assim que se deu a passagem do bairro de Jacarecanga, onde morava a elite da capital cearense, para regiões mais poéticas e afastadas como a praia de Iracema.

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Vila Morena, atual Estoril, deu início à Praia de Iracema Nada disso teria acontecido, no entanto, se um pernambucano, descendente de português e chamado José de Magalhães Porto, não tivesse dado início a esta emigração. Morador da rua São Paulo, esquina com a Senador Pompeu, José Magalhães Porto, mais co-

nhecido como Coronel Zé Porto, praticou essa temeridade. Abandonou o centro da cidade e construiu, na década de 1920, o primeiro solar da praia de Iracema com alicerce em maçaranduba para conter a força do vento e do mar. Conhecido como Estoril, hoje em dia, o solar,

quando foi levantado com vitrais, escadas helicoidais inglesas e louças germânicas, se chamava Solar da Vila Morena, em homenagem à mulher do coronel, dona Francisca da Frota Porto. De Morena, a vila passou a Moreninha, como dona Francisca era tratada na intimida-

de. Assim, de Porto das Jangadas, Praia do Peixe e de morada de pescadores, a praia de Iracema foi se transformando. Foi nesta década, 1920, que apareceram as primeiras construções nas imediações da Vila Morena e se introduziu luz artificial depois dos primeiros arruamentos. Tudo isso por causa do Coronel Zé Porto que se encarregou, também, em mudar o nome da praia que, do Peixe, tornou-se Iracema, em 1925, em homenagem à “virgem dos lábios de mel” de José de Alencar. E um detalhe importante. A influência francesa, nessa época, era muito grande em Fortaleza. A praia de Iracema, portanto, poderia ter um nome francês assim como no Ceará tudo passou a ter nome inglês depois da II Guerra Mundial. Mas não foi o que aconteceu. A cidade adotou o nome de Iracema, para o bairro, e de tribo indígena para as ruas. Assim, a rua onde fica o Estoril se chama Tabajara e as outras, nas imediações, têm os seguintes nomes: Groaíras, Tigipió, Ararius, Potiguaras, Cariris e Pacajús.


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Lei Áurea cearense

Greve de jangadeiros e manifestação popular libertam escravos no Ceará Com a libertação dos escravos em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, no Rio de Janeiro, foi em Fortaleza que a luta pela abolição, no Ceará, se tornou mais acirrada com a participação de João Cordeiro e Dragão do Mar

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á 130 anos, no dia 25 de março de 1884, o Ceará declarava, por intermédio do presidente da província, Sátiro Dias, a Libertação dos Escravos: “Para a glória imortal do povo cearense, disse o presidente diante de quatro mil pessoas, proclamo ao país e ao mundo que a província do Ceará não possui mais escravos”. Estava, desta forma, extinta a escravidão no Ceará. Depois desta declaração do presidente da província, o Brasil entrou em ebulição. José do Patrocínio, quando soube disso, que o Ceará havia sido o primeiro estado da federação a abolir os escravos, declarou, no Rio de Janeiro, que o Ceará era a Terra da Luz. A LUTA A luta pela libertação dos escravos no Ceará, no entanto, não foi pequena. Começou com a Sociedade Cearense Libertadora, que foi instalada no dia 8 de dezembro de 1880 em Fortaleza com 227 sócios. Dela participava João Cordeiro que em uma de suas reuniões levou pelo menos 20 membros para uma sala a que chamava de Aço e fez a seguinte proposta. A sala estava ocupada por uma mesa coberta por pano preto e, sobre ela, dois castiçais nas extremidades. João Cordeiro, sentando-se no meio dela, tal como Jesus Cristo na Última Ceia de Leonardo da Vinci, tirou um punhal

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Dragão do Mar libertou os escravos, no Ceará, em 1884 do colete e o fincou ruidosamente sobre a mesa. “Meus amigos”, disse em seguida, apontando para o punhal: “exijo de cada um de nós juramento sobre este punhal para matar ou morrer, se for preciso, pelo bem da abolição dos escravos”. Considerando que aquela luta não seria fácil, disse, para cada um dos presentes que, se tinham algum vínculo com o governo ou dele dependiam, que se retirassem ou assumissem as responsabilidades por seus atos futuros. Pelo menos 11 dos 20 que estavam na reunião se retiraram e a sessão continuou. Dentre os

itens que consta no estatuto da Sociedade, um deles afirma que a instituição libertará os escravos “por todos os meios ao seu alcance” e um destes meios, naturalmente, era o de esconder negros fugidos ou o de raptar alguns deles que eram logo alforriados e mandados para longe do Ceará. A OUTRA SOCIEDADE Dois anos depois, em 1882, surgiu o Centro Abolicionista. Diferente da Sociedade Cearense Libertadora, o Centro não tinha nenhum caráter revolucionário. A intenção dele era a

de promover a libertação dos escravos sem, para isso, entrar em choque com o governo ou os proprietários de negros cativos. Participavam deste movimento o dr. Meton de Alencar que, como João Cordeiro, é nome de rua em Fortaleza, José Martiniano Peixoto de Alencar, e o Barão de Studart, outro nome de rua. Na data de fundação, 19 de dezembro, o Centro alforriou três negros e, no dia 4 de janeiro de 1883, cinquenta e quatro. JANGADEIROS EM AÇÃO O maior movimento abolicionista ocorrido no Ceará se deu com a intervenção dos jangadeiros que teve, como líder, Chico da Matilde, natural de Canoa Quebrada, Aracati, e que este ano, 2014, completa cem anos de morte. Chamado Francisco José do Nascimento, a participação de Chico da Matilde, futuro Dragão do Mar, no movimento abolicionista, começou, na verdade, nos teatros de Fortaleza. Foi em um deles, o Teatro São Luís, que Pedro Artur de Vasconcelos, aproveitando o intervalo de uma peça, fez uma proposta: interditar o porto de Fortaleza para embarque e desembarque de escravos. Foi quando Chico da Matilde foi contactado e começou a participar da emancipação dos escravos no Ceará. Considerando que os navios que chegavam em Fortaleza precisavam das jangadas para embarcar ou desembarcar suas mercadorias, pelo menos uma delas, a dos negros es-

cravos, deixou de ser levada por eles. No dia 27 de janeiro de 1881, por exemplo, o vapor Espírito Santo estava para levar um grupo de escravos para fora do Ceará quando os donos foram surpreendidos pelos jangadeiros que cruzaram os braços. Indignados, chamaram a polícia. A população de Fortaleza, no entanto, foi para a praia, ajudar os jangadeiros, e impediu o embarque dos cativos. Eram mais de mil pessoas, registra O Libertador, jornal dos abolicionistas do Ceará, que apoiavam a greve dos jangadeiros. Revoltados com aquilo, os escravocratas insistiram e foram vaiados pela população. “No porto do Ceará, dizia o povo, não se embarca mais escravo”. A partir deste dia o movimento abolicionista cresceu e o futuro Dragão do Mar passou a frequentar a Sociedade Libertadora. Proclamada a Libertação dos Escravos, em 1884, Chico da Matilde foi para o Rio de Janeiro e para aqueles que pensam que a libertação, na Terra da Luz, foi um caso isolado (não interferiu na Lei Áurea assinada pela princesa Isabel, em 1888), basta dizer que a visita do jangadeiro cearense, à capital do império, Rio de Janeiro, foi um fato histórico. Recebido pela população e embevecido, Chico da Matilde escreve para a mulher dizendo que estava tonto de tanta festa e cumprimentos recebido por parte de gente importante. Tamanha foi a repercussão da Lei Áurea cearense.


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Turismo Cultural

Centro histórico de Fortaleza cativa turistas com praças e monumentos Guia turista há 38 anos, Augusto C. B. de Melo dá a dica para quem quer conhecer o centro histórico de Fortaleza. Começando seu roteiro na praça José de Alencar, termina a caminhada na Barra do Ceará após passar pela Praia de Iracema

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odas as cidades têm um núcleo histórico, diz Augusto César B. de Melo, guia turístico há 38 anos em Fortaleza. E a capital cearense, continua, também tem o seu. O núcleo histórico de Fortaleza, segundo ele, está entre quatro avenidas: Dom Manuel, Duque de Caxias, Imperador e Castro e Silva. No meio deste quadrilátero, afirma, fica o Theatro José de Alencar, um dos mais bonitos do Brasil. Em frente ao teatro, que se localiza na praça José de Alencar, antiga Marquês de Herval, encontra-se a segunda igreja católica mais antiga de Fortaleza, a de Nossa Senhora do Patrocínio. A praça que, por si só, também é histórica, possui, ainda, um monumento do escritor José de Alencar que foi dada pela Associação de Jornalistas do Estado do Ceará a Fortaleza em 1929, cem anos após o nascimento do romancista cearense. Outra preciosidade histórica do centro de Fortaleza, é o Passeio Público que foi inaugurado em 1864 pelo comerciante Tito Rocha e o governador Augusto Aguiar. Dividido em três partes, na primeira frequentava a aristocracia da cidade. Na segunda, a classe média e, na terceira, o povo de maneira geral. A praça do Ferreira é outra preciosidade histórica. Nela se localizavam os principais cinemas da cidade com

destaque para o Majestic e o São Luís. Era ali, também, que ficavam os melhores hotéis. Dentre eles, o Excelsior. Rodeado por quatro cafés, em um deles, o Java, surgiu, no século XIX, um dos movimentos literários mais importantes do Ceará e, possivelmente, do Brasil, a Padaria Espiritual. A praça General Tibúrcio, que fica nas imediações e é mais conhecida como praça dos Leões por causa dos leões que foram esculpidos na Europa e colocados lá em 1915, possui uma estátua do general Tibúrcio e o mausoléu no qual estão enterrados os restos mortais deste militar cearense que nasceu em Viçosa em 1837 e participou da guerra do Paraguai que ocorreu de 1864 a 1870. E não é só. A praça dos Leões também está cercada por vários prédios e instituições históricos. A Academia Cearense de Letras, a primeira do Brasil, que se localiza no antigo Palácio da Luz, o Museu do Ceará, que foi erguido por Adolpho Herbster no século XIX, e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, fundada em 1726 pelos pretos e é tida como ntor, ladeada pelo Teatro São José e o Seminário da Prainha com sua igreja, está a Coluna do Cristo Redentor. Era ali que, antigamente, antes da televisão, Fortaleza se reunia para contemplar, do alto da coluna, o litoral da capital do estado. Fazia fila para penetrar no interior da coluna, subir por ela e, finalmente, atingir o topo. Dali a

população via o litoral de Fortaleza em toda sua extensão. Era a diversão principal deste tempo. Descendo a ladeira, em cima da qual fica a praça Cristo Redentor e o seminário da Prainha no qual estudaram padre Cícero e Dom Helder Câmara, começa a praia de Iracema propriamente dita com o Estoril, a estátua de Iracema esculpida por Zenon Barreto e o aterro da Praia de Iracema que chama a atenção dos turistas por suas cores. O contraste da água do mar, azul, com o branco da areia. A Barra do Ceará também é importante neste contexto. Afinal, foi ali que Pero Coelho de Sousa e Martim Soares Moreno chegaram no século XVII e fundaram, primeiro, o forte de Santiago e, depois, o de São Sebastião. Ali também foi a primeira sede administrativa do Ceará e o primeiro local onde os holandeses entraram em choque com os portugueses na terra de José de Alencar. Para visitar a Barra do Ceará, no entanto, informa Augusto César, é preciso de guia turístico pois só ele sabe mostrar as belezas do lugar: o encontro do rio Ceará, que nasce em Maranguape, com as águas do mar na Barra do Ceará, os manguezais das imediações e as dunas (as únicas, segundo ele, que ainda existem em Fortaleza) além do por do sol que, segundo Augusto César, morre, impreterivelmente, às 17h15min e é o mais bonito da cidade, conclui.

ANDERSON SANTIAGO

Guia turístico, Augusto César traça o roteiro histórico do Centro

Lendas e verdades sobre o Forte de Schoonenborch e suas imediações Foi em uma região cercada por rios, palmeiras e colinas que o Forte de Schoonenborch, atual Nossa Senhora Assunção, deu origem à cidade de Fortaleza no século XVIII Fortaleza, assim como Roma, nasceu a partir de sete colinas. Duas delas são o Morro da Misericórdia, antigo Marajaitiba, onde hoje se encontra a 10ª Região Militar, e o da Prainha, onde estão a Igreja e o Seminário da Prainha. No tempo em que os holandeses chegaram ao Ceará com Matias Beck, o Rio Pajeú, à margem do qual levantaram o Forte de Schoonenborch, atual Nossa Senhora da Assunção, ficava entre estas duas colinas. Assim, para Matias Beck e seus companheiros, não havia lugar mais adequado para se construir um forte do que ali, onde se podia ver o litoral fortalezense em

todas as direções e se defender dos portugueses que, na época, eram seus principais inimigos. Marajaitiba, por sua vez, tem um significado altamente bucólico. Diz João Brígido em “Ceará: Homens e Fatos”, que o Rio Pajeú se chamava Marajaik ou Maraja-ig. E dá uma explicação. “Maraja”, segundo ele, quer dizer “palmeira” em tupi-guarani e o “i”, nesta língua, quer dizer “pequeno”. “Maraja-ig”, portanto, significa “palmeira pequena”. O rio Pajeú, neste caso, se chamava “Riacho das Palmeiras” no tempo em que Matias Beck chegou em Fortaleza com seus homens.

Dada esta explicação, dá para imaginar, mais ou menos, como seria a paisagem que cercava o Forte de Schoonenborch quando foi erguido pelos holandeses. Dá, também, para imaginar como seria a região quando os portugueses a retomaram, em 1654, e deram o nome de Nossa Senhora da Assunção para o forte. Aparentemente é um nome aleatório, mas tem uma razão de ser. Afirma Gustavo Barroso em seu livro “À Margem da História do Ceará” que, na verdade, é quase uma réplica de “À Margem da História do Brasil” de Euclides da Cunha, que no tempo

em que os Paiacus, Anacés e Jaguaribaras entraram em choque com a população de Aquiraz que, derrotada por eles, fugiu para Fortaleza, nesse mesmo período se construiu um quartel e uma capela defronte do forte em um terreno doado pelo padre José Rodrigues que, por sua vez, era proprietário de uma fazenda perto de Caucaia no interior da qual possuía outra capela destinada a Nossa Senhora da Assunção. Construído o quartel e a capela diante do antigo forte de Schoonenborch, o padre José Rodrigues levou a imagem de Nossa Senhora da Assunção de sua cape-

la, na Fazenda Soledade, para lá e, como consequência, Fortaleza passou a se chamar Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção tal como se denomina ainda hoje. A imagem da santa, no entanto, desapareceu depois de 1857 quando foi levada para a catedral. Diz Gustavo Barroso que foi dada pelo arcebispo Dom Joaquim José Vieira para o coronel Licínio Nunes de Melo, administrador da Irmandade de São José, em 1857, que a levou para o sítio Jucurutuoca, de sua propriedade, que ficava nas cercanias de Messejana. Depois disso não se tem mais notícias dela.


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Praça do Ferreira

Cajueiros que mentem e bancos que falam no Centro da cidade

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Considerada o coração de Fortaleza, a Praça do Ferreira concentra, em sua trajetória, passagens pitorescas da capital cearense. Aqui estão dois cajueiros, um banco e o sol vaiado em 1942

Beco do Cotovelo ficava na região onde hoje se encontra a Praça do Ferreira em Fortaleza. Em uma de suas extremidades, que dava para a atual rua Pedro Borges, via-se um cajueiro em baixo do qual trabalhava um açougueiro. Chamava-se Fagundes. Certo dia, o governador do Ceará, Feo e Tôrres passeava pelas imediações e passou perto do cajueiro. Nada demais se um dos galhos da árvore não tivesse tirado o chapéu do governador de sua cabeça. Irritado com aquilo, o governador chamou o açougueiro e pediu para que lhe desse o chapéu de volta. O açougueiro não saiu do lugar. Revoltado, Feo e Tôrres disse que a intenção dele era apenas a de cortar o galho que havia tirado seu chapéu da cabeça mas, diante daquela atitude arrogante do açougueiro, ia derrubar a árvore toda. No dia seguinte, mandou alguns de seus homens para fazer o serviço. Fagundes, no entanto, se rebelou e, ajudado por outros magarefes que, como ele, também estavam com a sua ferramenta de trabalho, a faca, nas mãos, assustaram os homens do governador que foram embora. Mas logo voltaram. Acompanhados, desta vez, pela polícia. Fagundes, felizmente, obteve reforços. Muitos foram os fiandeiros, merceeiros, ferreiros e até pescadores que se aliaram a ele nesta luta. Assim, quando os trabalhadores do governo apareceram acompanhados pela polícia, se depararam com os amigos de Fa-

gundes armados de pistola e bacamarte. A polícia, quando viu aquilo, recuou e o açougueiro virou herói. A rua onde ficava o cajueiro, portanto, passou a se chamar Rua do Cajueiro; a outra, onde Fagundes se encontrou com os amigo, Rua das Trincheiras, e a terceira, a partir da qual a polícia recuou, Rua do Fogo que são, respectivamente, as seguintes: Rua Pedro Borges, Liberato Barroso e Major Facundo. O OUTRO CAJUEIRO Construída a praça do Ferreira mais ou menos no lugar onde ficava o cajueiro do Fagundes, apareceu outro: o Cajueiro Botador ou, como passou a ser conhecido posteriormente, Cajueiro da Mentira. Localizado perto do Café Java, que ficava em uma das pontas da praça do Ferreira, o Cajueiro Botador tinha este nome porque, diferente dos outros, frutificava o ano todo. Ninguém sabe dizer, exatamente, quando passou a se chamar Cajueiro da Mentira. Mas se sabe, perfeitamente, porque tinha este nome. Primeiro de abril, Dia da Mentira, em Fortaleza, era comemorado quase como festa nacional. Muita gente esperava por esta data e por uma razão muito simples. Era neste dia que se elegia, à sombra do Cajueiro Botador, o maior mentiroso de Fortaleza. Para isso, era posta uma urna, sob o cajueiro, que, dirigida por alguns mesários, recebia os votos da população. Terminada a votação, à noite, a urna era aberta e, quando o nome era conhecido,

Banco da Opinião Pública e seus frequentadores diários a cidade ficava em festa. Colocavam o nome do mentiroso em uma placa que, em seguida, era exposta no tronco do cajueiro e tinha início uma pequena sessão de discursos, aplausos, risos e palmas que eram interrompidos por fogos de artifícios e músicas tocadas por uma bandinha próxima. A população também aproveitava a oportunidade para colocar cartazes na árvore que, quando lidos, fazia o povo rir com as mentiras (e, quem sabe, algumas verdades) que continham. Derrubado em 1920 pelo prefeito Godofredo Maciel, nunca mais o Cajueiro da Mentira foi o mesmo. Plan-

tada uma outra árvore no mesmo local pelo prefeito Juraci Magalhães que governou Fortaleza de 1990 a 1993 a primeira vez e de 1997 a 2005, a segunda, nem assim retomou o mesmo ânimo do passado. Hoje existe uma placa na praça falando do Cajueiro da Mentira. A árvore, no entanto, desapareceu. O BANCO A praça mais importante de Fortaleza, antes da Praça do Ferreira, foi o Passeio Público. Inaugurada em 1890, a praça tinha suas particularidades. Dentre elas, a de ser frequentada por três categorias sociais sem que nenhuma delas se misturasse. Na

Passeio Público descrito por Adolfo Caminha Adolfo Caminha publica “A Normalista” em 1893. Nele, trata do relacionamento de Maria do Carmo, a normalista, com o padrinho, João da Mata, e Cazuza, estudante de Direito. Escrito para mostrar a realidade social de Fortaleza, Adolfo Caminha, neste romance, também descreve um pouco da geografia da capital cearense em sua época. O trecho a seguir é uma descrição do Passeio Público. “Numa quinta-feira à noite, uma belíssima noite de luar (..) a avenida Caio Prado tinha o aspecto fantástico de um terraço oriental onde passeavam princesas e odaliscas sob um céu de prata polida, com suas filas de combusto-

res azuis, encarnados e verdes, com as suas esfinges... Senhoras de braço dado, em toaletes garridas, iam e vinham ao macadame, arrastando os pés, ao compasso da música, conversando alto, entrechocando-se, numa promiscuidade interessante de cores, que tinham reflexos vivos ao luar: de um lado e de outro da avenida duas alas de cadeiras ocupadas por gente de ambos os sexos, na maior parte curiosos que assistiam tranqüilamente o vaivém contínuo dos passeantes.

O plenilúnio muito alto dir-se-ia uma grande medalha de prata reluzente com o anverso para a terra, suspensa por um fio invisível lá em cima na cúpula azul do céu. Defronte da avenida o mar, na sua aparente imobilidade, tinha reflexos opalinos que deslumbravam, crivado de cintilações, minúsculas, largo, imenso, desdobrando-se por ali afora a perder de vista, e para o sul, muito ao longe, a luz branca do farol tinha lampejos intermitentes, de minuto a minuto. No porto a mastreação dos navios destacava nitidamente, inclinando-se num movimento incessante para um e outro lado, como oscilações de um pêndulo invertido”.

primeira parte da praça, a Caio Prado, frequentava a classe mais abastada da cidade. Na segunda, a Carapinima, a classe média. Na terceira, a Padre Mororó, a população, de uma maneira geral. Foi na Caio Prado, no entanto, que surgiu o Banco, também chamado Banco dos Velhos, que depois foi transferido para a praça do Ferreira com outro nome. Nele se concentravam os velhos e as pessoas mais ilustres da capital cearense. Com a inauguração do Jardim 7 de Setembro pelo prefeito Guilherme Rocha na Praça do Ferreira, o Passeio Público foi, pouco a pouco, perdendo a sua hegemonia. Principalmente quando surgiram os primeiros cinemas nas imediações: o Politheama, em 1911, e o Majestic, em 1917. O Banco dos Velhos do Passeio Público, portanto, foi para a praça do Ferreira e lá ficou até 1968 quando o prefeito José Walter movido, possivelmente, pela ditadura militar, resolveu levantar o que, com o tempo, passou a se chamar de Jardim Suspensos e, para isso, teve que retirar não só o Banco dos Velhos que, na praça do Ferreira, passou a se chamar Banco da Opinião Pública, mas, inclusive, a coluna da Hora. A VAIA DO SÉCULO XX Foi em 1942 que Fortaleza vaiou o sol pela primeira vez. Contam os cronistas que havia chovido três dias seguidos depois de uma seca violenta, quando a população que estava na Praça do Ferreira vendo que o sol voltou a aparecer, vaiou o astro demoradamente. Era uma desforra.

A Fortaleza Paula Ney Ao longe, em brancas praias embalada Pelas ondas azuis dos verdes mares, A Fortaleza, a loura desposada Do sol, dormita à sombra dos palmares. Loura de sol e branca de luares, Como uma hóstia de luz cristalizada, Entre verbenas e jardins pousada Na brancura de místicos altares. Lá canta em cada ramo um passarinho, Há pipilos de amor em cada ninho, Na solidão dos verdes matagais… É minha terra! A terra de Iracema, O decantado e esplêndido poema De alegria e beleza universais!


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Tipos inesquecíveis

Capital do humor, Fortaleza foi palco de Chaga dos Carneiros e José Sales

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Contemporâneos de Quintino Cunha e Paula Ney, Bembém Garapeira, Mestre Arcanjo e Chico Coruja transformaram Fortaleza na capital do humor com suas anedotas e estilo de vida diferente

ien-Bien Garapière, na verdade, se chamava Bembém da Garapeira. Era, como o próprio nome indica, dono de uma garapeira que ficava em um quiosque perto do antigo Mercado Público. Vendia a sua garapa chamada, hoje, caldo de cana, a um tostão o copo. O que sobrava, deixava para o dia seguinte e, se não fosse vendido tudo, comercializava o produto no terceiro dia a um preço cada vez mais baixo. A população de Fortaleza gostava da garapa de Bembém que, dessa maneira, ia vendendo o caldo até ficar azedo. A população, mesmo assim, procurava por ela e havia alguns filósofos que diziam que o melhor caldo que existia era o do terceiro dia porque, segundo eles, era capaz de tornar corado até defunto. A grande ambição de Bembém Garapeira, no entanto, era a de conhecer a França. Assim, juntou dinheiro e estimulado por um comerciante até conhecido na capital cearense, foi para Paris. Queria ver a Notre-

-Dame de perto, o Arco do Triunfo, as Tulherias, Versalhes, o Louvre e a Torre Eiffel. Foi depois desta viagem que mudou de nome. Passou a se chamar Bien-Bien Garapière. E ele mesmo explica. Estava em um hotel, em Paris, quando foi obrigado a assinar o nome. Em Paris, dizia para os amigos, a língua é outra. No Brasil, se fala português. Na França, no entanto, se fala francês. Assim, escreveu o seguinte: “Bien-Bien Garapière”, e o nome pegou. De volta ao Brasil passou a ser chamado com esse apelido pelos amigos. Outras histórias de Bien-Bien Garapière em Paris também são bastante interessantes. Conta Otacílio de Azevedo em “Fortaleza Descalça” publicado pelas Edições UFC, que costumava dizer, para os amigos, que, em Paris, só andava com um homem chamado “Cicerone”. Era o único que, como ele, também sabia português porque os outros, inclusive as mulheres, as crianças e carregadores de bagagem só falavam o francês com exceção de uma palavra que, segundo ele, era

a única que entendia: “mercibocu” ainda que não soubesse, exatamente, o que significava. Escultor nas horas vagas, Bien-Bien tinha o hábito de transformar quengas de coco em cabeças semelhantes às dos seres humanos. O quiosque dele, portanto, além de garapas, também tinha, nas prateleiras, estas cabeças hediondas trabalhadas por ele. FIDALGOS E NOBRES DO CEARÁ Outra personagem inesquecível do anedotário fortalezense, é o Chaga dos Carneiros. Monarquista ferrenho, tinha a mania de por o nome dos presidentes da República nos três carneiros dos quais cuidava e que pintava de azul-claro, o primeiro, verde-claro, o segundo, e rosa-choque, o terceiro. O primeiro deles, se chamava Afonso Pena; o segundo, Rodrigues Alves, e o terceiro, Campos Sales. Era assim que se vingava dos republicanos. Como amigo, tinha o José Sales, sobrinho do célebre Antônio Conselheiro, de Canudos, que andava por Fortaleza

com suas unhas retorcidas porque, como era de família nobre, não deveria trabalhar nem, muito menos, cortar as unhas. SAPATEIROS E CORUJAS Sapateiro conhecido em Fortaleza, o Mestre Arcanjo tinha um péssimo hábito. Vendia tudo aquilo que lhe caía às mãos. Assim, mal recebia um par de sapatos para trocar as solas ou para pintar, passava adiante, desde que houvesse comprador. E quando o dono chegava para receber a mercadoria consertada, a desculpa era tão convincente que o dono do produto até agradecia ao sapateiro por o ter livrado de tamanho trambolho. Procurado por alguém para fazer a bainha de um punhal, mal o dono do punhal deu as costas, Mestre Arcanjo vendeu a arma. No dia seguinte, quando o tal sujeito voltou para pegar a arma e a bainha tomou conhecimento, por parte de Mestre Arcanjo, que a polícia tinha andado em seu estabelecimento comercial

e levado a peça. Queria saber, também, quem era o dono dela. O desconhecido, ouvindo isso, foi embora e nunca mais voltou. Como a sapataria de Mestre Arcanjo ficava perto do Palácio da Luz, atual sede da Academia Cearense de Letras e antigo palácio do governo, foi interpelado por um negro que procurava um pato branco que havia fugido do palácio. O sapateiro, mostrando um pato preto que havia aparecido em seu negócio, perguntou se era aquele. O preto disse que não. Depois se descobriu que Mestre Arcanjo simplesmente pintou o pato com tinta de sapateiro. Chico Coruja era barbeiro e costumava dizer que preferia barbear defunto a gente viva porque os defuntos, segundo ele, nunca reclamavam da navalha. Marido de dona Porangaba, antigo nome do bairro de Parangaba, contam que, um pouco antes de morrer, disse o seguinte para a mulher: “Adeus, Porangaba, vou até o Mondubim”. Mondubim é o próximo bairro depois de Parangaba. Dito isso, morreu.

O humorista cearense sempre passa por Fortaleza antes de conquistar o Brasil Conhecida como a capital do humor, no Brasil, Fortaleza, se não foi berço, foi passagem para vários humoristas cearenses que partiram para o sul do País. Renato Aragão e Tiririca foram alguns deles Fortaleza pode não ser o berço onde todos eles nasceram, mas certamente foi a partir dela que se tornaram conhecidos inicialmente. Nascido em Itapajé, em 1875, Quintino Cunha veio para Fortaleza muito cedo. Aqui é autor de várias presepadas. Dentre elas aquela de que recebeu um par de chifres de presente e, em troca, mandou um buquê de flores. Intrigado com aquilo, o ofensor mandou um amigo perguntar a Quintino por que havia agido daquela maneira, e o poeta, que havia acabado de defender alguns ladrões que haviam invadido a sua casa, no júri, respondeu: “Cada um dá o que tem”. Paula Ney nasceu em Aracati, mas amava Fortaleza. Afinal, é dele o poema que melhor define a capital cearense quando diz que Fortaleza é “uma loura desposada pelo sol”. De Paula Ney se conhece várias histórias de humor. A mais citada, no entanto, é aquela na qual mantinha um secretário que tinha, como função, levar seus artigos para os jornais do Rio de Janeiro. Em troca, Paula Ney o levava para os almoços e jantares para os quais era convidado a fim de que comesse e bebesse às custas de seus amigos.

Chico Anísio é de Maranguape, cidade que, atualmente, faz parte da Grande Fortaleza. Com o surgimento do rádio, no Brasil, e da televisão, Chico Anísio teve uma dimensão muito maior do que Quintino Cunha e Paula Ney com suas piadas. Morando no Rio de Janeiro, se projetou por todo o País. Ele e Renato Aragão, que nasceu em Sobral, mas, como todo artista cearense, também passou por Fortaleza antes de se aventurar pelo sul do País. Tiririca nasceu em Itapipoca e, em poucos anos, estava em Fortaleza de onde partiu para São Paulo. Conta o humorista, em suas apresentações, que a pessoa mais engraçada na casa dele é a própria mãe. E conta várias piadas dela. Certa vez a mãe do Tiririca telefonou para o açougue e perguntou ao açougueiro se ele tinha orelha de porco, rabo de porco e pata de porco. O açougueiro disse que sim. A mãe do humorista, ouvindo isso, não resistiu: “Mas como o senhor é feio!”, exclamou, e desligou o telefone.

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Natural de Itapipoca, Tiririca foi para São Paulo depois de fazer a Capital cearense rir


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Personagens de Fortaleza

Um bode no museu antropológico Exposto no primeiro andar do Museu do Ceará, o bode Ioió é o único animal, no mundo, que se encontra em um museu antropológico e não zoológico. Pode ser visto de terça-feira a domingo, das 10h às 22h

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tingidos por uma seca monstruosa em 1915, os retirantes do interior do Ceará começaram a se dirigir para Fortaleza. Bebendo com alguns amigos no centro da cidade, o representante da Rossbach Brazil Company, empresa inglesa que trabalhava com couro, no Ceará, viu um bode, levado por um dos retirantes, e se interessou por ele. A pele do animal era luzidia e parecia adequada para sua empresa. Assim, comprou o bode, amarrou nas imediações e, como ia matá-lo, embriagou o animal. De repente, algo muito estranho aconteceu. O grupo, no qual se encontrava, se pôs a cantar uma música da qual um amigo, que havia morrido, gostava muito, e o bode berrou. Estava chorando. Isso enterneceu a todos. O amigo, afinal, havia se matado. Tinha se apaixonado por uma coquete, em Fortaleza e, como não foi correspondido, fez uma serenata para a amada tocando, praticamente, aquela música e, em seguida, se matou. Os amigos, quando viram aquilo, o bode embriagado e chorando

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toda vez que ouvia aquela música, chegaram a uma conclusão: a alma do amigo havia passado para o bode. O representante da Rossbach Brazil Company, portanto, não poderia matá-lo, e soltaram

o animal. Levado, inicialmente, para a Praia de Iracema, o bode adquiriu um hábito que, no futuro, lhe rendeu o nome. Dormia na praia de Iracema e toda manhã cedo caminhava para o centro

da cidade. Passou, portanto, a se chamar Ioió por causa deste percurso que não mudava nunca. MULHERES E PADRES No centro de Fortaleza, quando

frequentava a praça do Ferreira, corria atrás de mulheres e de padres. Boêmio inveterado, estava sempre acompanhado de artistas e, como eles, bêbado. Em 1922, revoltada com a atuação dos políticos na Câmara dos Vereadores, a população de Fortaleza resolveu eleger o bode. E conseguiu. Mas não conseguiu empossar o candidato que, segundo dizem, teve uma votação bastante expressiva. Morto em 1931, a empresa que o comprou, em 1915, embalsamou o bicho e o deu ao Museu do Ceará onde ainda hoje se encontra. É o único animal no mundo, pelo que se sabe, que está em um museu antropológico e não zoológico. Assim, está ao lado de figuras como o boticário Ferreira, que deu nome à praça do Ferreira, em Fortaleza, padre Cícero e o beato Zé Lourenço. Do bode, a única peça que não pode ser vista é o rabo porque, segundo a tradição, foi roubada por alguém depois de embalsamado. Relíquia que nunca mais apareceu. De tão famoso existe hoje, nos Estados Unidos, uma réplica dele no Museu de Hollywood. Ao lado, quem sabe, de Fred Astaire e Marilyn Monroe.

Forte de Schoonenborch, rio Pajeú e o chafariz do coronel Franklin DIVULGAÇÃO

Elevada à condição de vila em 1726, Fortaleza surgiu em torno do Forte e às margens do rio Pajeú, que passava pelas terras do coronel Franklin sombreadas por um pomar dentro do qual funcionava um chafariz Reza a lenda que as cidades normalmente surgiam em torno de um campo santo. Como os seres humanos eram nômades, havia apenas um lugar fixo: aquele em que os mortos eram enterrados. Assim, quando os povos se dispersavam e se reuniam novamente, o ponto de encontro, normalmente, era em torno dos cemitérios onde reverenciavam os seus antepassados e, em seguida, negociavam. Com o surgimento das primeiras cidades, aqueles que costumavam caçar, se tornaram líderes e políticos enquanto os agricultores eram protegidos por eles. Com o tempo, os cemitérios foram abandonados e, em seu lugar, surgiram as igrejas. Foi neste período que os europeus chegaram à América e deram início à sua colonização. A cidade de Fortaleza, no entanto, surgiu de maneira diferente. Como Antônio Cardoso de Barros, indicado para governar a Capitania do Ceará, não veio tomar posse, as terras, por sua vez, se tornaram devolutas. Feliz-

mente Pero Coelho e Martim Soares Moreno tomaram conta da região e o que poderia ter ido para a Capitânia do Pará ou do Rio Grande do Norte passou a ser ocupada por eles para, no futuro, se tornar um estado, o Ceará, e uma capital, Fortaleza. O surgimento de Fortaleza, portanto, se deu em torno de um forte. Primeiro o de Santiago e São Sebastião levantados por Pero Coelho e Martim Soares Moreno, respectivamente, às margens do Rio Ceará e, depois, do Forte de Schoonenborch erguido pelos holandeses às margens do Rio Pajeú. Em 1726, quando o antigo povoado do Pajéu se elevou à condição de vila, a futura cidade de Fortaleza cresceu em torno do Forte de Schoonenborch, atual Nossa Senhora Assunção onde funciona a 10ª Região Militar. Conta a história que o sítio do naturalista João da Silva Feijó, por dentro do qual passava o Rio Pajeú, ficava para o leste. A intenção do naturalista, quando veio para Fortaleza, em 1799, era a de estudar a geografia da região, seus recursos

naturais e sua produção. No mar, para onde corria o Rio Pajeú, a praia formava um grande Maceió ou pocinho que servia de aguada e de banho público dentro do qual navegavam pequenas embarcações. Nesse recanto sossegado e privilegiado pela natureza, moraria, posteriormente, Manuel Franklin do Amaral, meio-irmão do Visconde de Jaguaribe e pai do Barão de Canindé. A partir de 1911 seria residência de João Eduardo Torres Câmara Filho, pai de Dom Helder Câmara, futuro arcebispo de Olinda e Recife. Diferente de hoje, o Rio Pajeú, que passava pelas terras do coronel Franklin, era um lugar animado. Ali ficava uma nascente d’água que abastecia um chafariz, inaugurado em 1813, e decantado em prosa e verso por causa de sua importância para o desenvolvimento da vila. Com o tempo, o chafariz mudou de lugar. Rodeado de gente, dia e noite, era dali que os escravos, negros, saíam com potes de barro para todos os lados. Assim, a população foi crescendo, de forma desordenada, em

torno dessa fonte de água potável e às margens das barrancas sinuosas do Rio que deu origem a Fortaleza.

reuniu um grupo de homens interessados não apenas em trabalho e negócio mas, inclusive, em obras de arte.

O GOVERNO SAMPAIO Assumindo o governo em 1812, Manuel Inácio Sampaio, mais conhecido como Governador Sampaio, tratou de reparar aquele desalinho e, para isso, chamou o engenheiro Silva Paulet para, pela primeira vez, fazer um plano urbanístico para a vila. Com isso, Sampaio, quando foi embora, deixou uma vila de alvenaria com alfândega e Correios depois de ter se deparado com um povoado composto de um casarão simples em formato de caixote e um só pavimento. Acompanhando essa boa administração, o grau de pobreza da vila diminuiu e, em breve, apareceram os primeiros homens de posse. As residências deixaram de ser somente moradia para exibir ornamentos principalmente em sua fachada. E não só isso. A instrução pública se intensificou e, em torno do governador, se

O FELICIDADE E A FLOR DO MAR Morador das vizinhanças do palácio do governo, o português José Pacheco Spinoza participava dos saraus literários organizados por Sampaio ao mesmo tempo em que, associado com Antônio Maciel Alves, dono de terras, começou a negociar algodão levando, diretamente para a Europa, o produto. Coisa que, nesta época, não acontecia porque, como Fortaleza estava sujeita à jurisdição de Pernambuco, todo produto levado para a Europa teria, primeiro, que passar por lá depois de aportar em Aracati ou Mossoró. José Pacheco Spinoza, no entanto, e Antônio Maciel Alves, romperam com isso. Montaram dois navios, “O Felicidade” e a escuna “Flor do Mar” e foram dar em Portugal em 1808 justamente no ano em que Dom João VI partia de lá para o Brasil.


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