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Livremente inspirado em “Odisséia” Dramaturgia baseada em criação coletiva do grupo COMUCO. Lucas Paz e Barbara Borba fev-mar/2010


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Lucas Paz e Barbara Borba

“Deixaria neste livro toda a minha alma. Este livro que viu as paisagens comigo e viveu horas santas. Que pena dos livros que nos enchem as mãos de rosas e de estrelas e lentamente passam ! Que tristeza tão funda é olhar os retábulos de dores e de penas que um coração levanta ! Ver passar os espectros de vida que se apagam, ver o homem desnudo em Pégaso sem asas, ver a vida e a morte, a síntese do mundo, que em espaços profundos se olham e se abraçam. Um livro de poesias é o outono morto: os versos são as folhas negras em terras brancas, e a voz que os lê é o sopro do vento que lhes incute nos peitos - entranháveis distâncias. O poeta é uma árvore com frutos de tristeza e com folhas murchas de chorar o que ama. O poeta é o médium da Natureza que explica sua grandeza por meio de palavras. O poeta compreende todo o incompreensível e as coisas que se odeiam, ele, amigas as chama. Sabe que as veredas são todas impossíveis, e por isso de noite vai por elas com calma. Nos livros de versos, entre rosas de sangue, vão passando as tristes e eternas caravanas que fizeram ao poeta quando chora nas tardes, rodeado e cingido por seus próprios fantasmas. Poesia é amargura, mel celeste que emana de um favo invisível que as almas fabricam. Poesia é o impossível feito possível. Harpa que tem em vez de cordas

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Lucas Paz e Barbara Borba

corações e chamas. Poesia é a vida que cruzamos com ânsia, esperando o que leva sem rumo a nossa barca. Livros doces de versos sãos os astros que passam pelo silêncio mudo para o reino do Nada, escrevendo no céu suas estrofes de prata. Oh ! que penas tão fundas e nunca remediadas, as vozes dolorosas que os poetas cantam ! Deixaria neste livro toda a minha alma...” Este é o “Prólogo” Federico Garcia Lorca

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Episódio 1: Sonho (Flashback) Um mar de sonhos despedaçados, ondas em trapos e fiapos. A ampulheta que gira incessantemente, explode em mil pedaços

len-ta-men-te

num

universo,

e

se

refaz

rapidamente. Continua a girar. A

ave

ciclones

agourenta de

em

fantasias

seu e

rufar

de

asas

provoca

acontecimentos,

flashes

embriagantes e imprecisos. E a cortina de livros abertos tem

suas

páginas

escancaradas

em

sobe

e

desce

assemelhando-se ao movimento dos grãos de areia que caem e

recaem

com

o

passar

das

horas

soltas,

flutuantes,

derretendo-se em lava sobre a neve. Uma voz salta no ar enquanto a ave se empenha em seu ofício: “Não disse oi Nem se despediria Vai sem que a gente visse Quando a gente era rei do mundo E servos do peito, da papinha Virará de cabeça para baixo e As borboletas rufam no estômago O primeiro jato, o primeiro derrame O primeiro gozo, o primeiro sangue Caroço a caroço a cair e passar… Fecundar, germinar, nascer, morrer, lembrar, es-quecer (est que c’est)(this is it) (é isso). Se o sopro do vento agoura ou celebra é, foi, seria, fora, será ordem dele:

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Lucas Paz e Barbara Borba

O tempo. Foi sem que a gente veja... Ah, quando a gente era rei do mundo!... (Estalo de dedos) BU!

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Episódio 2: O lobo (Ninguém acorda) Ele

acorda

de

sobressalto,

encharcado

em

meio

a

trapos e fiapos de lã como se salvando de um afogamento! Com uma única missão: encontrar Penélope e entregar-lhe uma carta, a qual em suma adverte: Ulisses não voltará. O desígnio dado pela ave negra controladora do tempo, o deus Chronos, preconiza um destino inelutável, já escrito e inevitável, não fossem as circunstâncias diversas

que

aparecem durante esse trajeto tortuoso que acabam por formar esse primeiro menino do qual estamos falando em nossa história: Ninguém. Ele

acorda

nesse

bosque-ilha

submersa-devaneio

do

qual na verdade nunca saiu. Mas está destinado a cumprir sua missão, a começar por um “pequeno” empecilho: cadê a carta? Sim, o menino-Ninguém a havia perdido, com mapa e tudo, estava desnorteado, sem rumo. O “grande”empecilho agora

era

o

COMO,

isso

mesmo

o

COMO

ele

faria

para

construir esse trajeto jamais por ele percorrido, se as ferramentas havia perdido. Só lhe restava então procurar a tal carta (sua única pista) pelo bosque. Eis que aparece

por ali olhos de estrela. Num breu

total de escuridão repleto de estrelas (a única fonte de luz),

os

pingos

cintilantes

piscam

em

meio

às

constelações tridimensionais. Não se podendo ver silhueta alguma, não se sabe o quê ou quem (aquilo) é. De repente em devir surge uma barca de dentes que se forma em sorriso. E

o

menino-Ninguém

encontrando

ali

qualquer

esperança de orientação dirige-se ao sorriso sem temor, o qual furtivamente desaparece na escuridão.

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Lucas Paz e Barbara Borba

Ninguém desolado tateia o nada em busca, em busca de quê? De luz, de matéria, da carta? De si!?! O menino podia

sentir

passeando

pelo

espaço,

mas

qualquer

tentativa de buscar sua imagem, seu reflexo, seu rosto, pernas e braços era inútil diante daquele breu absoluto de nada. Num esvaziar de corpo ouve-se uma voz secante que ecoa

o

ambiente

inteiro:

Ach...

ar...,

ach...

ar...,

ach... ar... o menino busca com ansiedade crescente a voz que toma conta de tudo, e o vácuo faz-se ar, agora o menino pode respirar com um pouco mais de tranqüilidade, como se após todos esses anos renascesse e fosse essa a primeira

vez,

mais

uma

vez

que

experimentasse

aquela

sensação. Após uma breve pausa ouve-se a voz novamente: Ache... o..., ache... o..., ache... o... e o ar vira brisa

da

noite.

A-cha-mar...

ache-o-mar...

a-cha-

mar.... ache o mar (bem claramente falada de forma mais concisa e menos suspirada). BU! Ele

acorda

de

sobressalto,

encharcado

em

meio

a

trapos e fiapos de lã como se salvando de um afogamento! Nesse bosque-ilha submersa-devaneio do qual na verdade nunca saiu. Ninguém

desolado

tateia

o

nada

em

busca,

intuitivamente em busca da carta e do mar, sem saber muito por quê. Mais uma pista para o trajeto surgia. Pingos cintilantes piscam em meio às constelações tridimensionais.

Ouve-se

um

chocar

de

ecos

e

sons

diversos que delineam o espaço como partindo de um centro principal para todas as direções, palavras e onomatopéias no ar que se propagam a partir dessa infinidade de vagalumes coloridos: Ave, ave, ave Maria... Au, au, au

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Lucas Paz e Barbara Borba

Muuuuuu “Oi

nós

que

viemos

de

outras

terras

de

outro

mar”1... Uma voz se destaca das outras que seguem ao longe: Onissa urê... Auuuuuuuuuuuuuuuuuuu! De repente em devir surge uma barca de dentes que se forma

em

sorriso.

E

o

menino-Ninguém

encontrando

ali

qualquer esperança de orientação dirige-se ao sorriso sem temor,

o

qual

furtivamente

desaparece

na

escuridão.

Aparece novamente em outro ponto, e em outro ponto e em outro ponto e começa aí um jogo de pega-pega de gostosas gargalhadas

gostosas

propositadamente).

(a

palavra

Ninguém,

gostosas

depois

de

é

repetidas

ofegante,

em

buscando e achando o ar (como se renascesse e fosse essa a primeira vez que experimentasse aquela sensação), ouve a voz atrás de si e assusta-se: -Perdeu alguma coisa? -É, uma coisa. -Que coisa? Posso saber? -Não sei... -Não sabe se eu posso saber ou não sabe da coisa em si? -Não sei? -Não sabe por que não sabe ou não sabe porque não se lembra? -É. -É o quê? Uma coisa ou a outra? -A outra. -A outra o quê? -Coisa! -Estou confuso. Vou embora. 1

“Peixinhos do mar” por Milton Nascimento

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Lucas Paz e Barbara Borba

-Não! espera! -O que você quer? -Estou perdido! - BU! Ele

acorda

de

sobressalto,

encharcado

em

meio

a

trapos e fiapos de lã como se salvando de um afogamento! Nesse bosque-ilha submersa-devaneio do qual na verdade nunca saiu. “Onisaurê aulaxé Onisaurê oberiomã Onisaurê aulaxé babá Onisaurê oberiomã Onisaurê Babasaurê aulaxé Babasaurê oberiomã Babasaurê aulaxé babá Babasaurê oberiomã Babasaurê Onisaurê aulaxé”2 O menino-Ninguém busca a voz já conhecida e quando pensa ter achado, -Siga

a

ouve em diferentes extremidades:

estrada

de

tijolos

amarelos

e

talvez

me

ache... não as siga e talvez me ache... em achando-me: por favor, perca-me logo! Para logo em seguida achar-me novamente! -O que é você? -Ora, sou... Eu! 2

“Canto para Oxalá” por Rita Ribeiro

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-E quem sou Eu? -Ah! você é você! -E Eu? -Sou eu! -Você sou eu? -Não! Ah... eu já não sei mais! -Hum.......... Você parece meu gato! Rápido! Vive sumindo parece

e de

aparecendo! um

É...

cordeirinho

sua

voz

quando

é

canta,

meio

estranha,

macia...

mas

quando você fala ai ai ai! Me assusta um pouco, que nem o lobo da chapeuzinho vermelho! -Perdeu alguma coisa? -É, uma coisa. -Que coisa? Posso saber? -Não sei... -Não sabe se eu posso saber ou não sabe da coisa em si? -Não sei? -Não sabe porque não sabe ou não sabe porque não se lembra? -É. -É o quê? Uma coisa ou a outra? -A outra. -A outra o quê? -Coisa! -Estou confuso. Vou embora. -Não! espera! -O que você quer? -Estou perdido! -Que pena. -Fica! -Não. Regra do Bosque: Não se pode ficar aqui. -Quem não pode?

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Lucas Paz e Barbara Borba

-Ninguém -Mas eu não posso sair daqui sem... Ah (puxa o ar e leva

as

mãos

à

boca,

escondendo

informação,

tosse

desajeitado e ri amarelo) -Sem o quê? -Sem saber como... -Como o quê? -Como?! Como! -Como come? Com a Boca! -Não , não! Ah (suspira), como faço para chegar no mar!(fala ligeiro) -Ah era isso? Essa é fácil! Óh (olha), por ali! Ou... por ali! Ah e também por ali e ali e ali e ali ali ali ali ali ali! Todos os caminhos dão no mesmo lugar, entendeu? -Hum... é... Tá mais qual é o caminho mais rápido? -O mais rápido ou o mais curto? -É... o mais curto! -Mas o mais curto pode ser mais demorado e o mais rápido pode ser mais longo, ou o mais curto pode ser mais rápido e o mais demorado ser o mais longo, o mais curto pode ser mais curto e o mais rápido mais rápido! Qual você escolhe? -Noossa! Agora me pegou! Tô perdido! -BU! -Perdeu alguma coisa? -É... uma coisa... (tonto, meio exausto do eterno retorno, deja vu, que nunca se lembra direito) -Siga

a

estrada

de

tijolos

amarelos

e

talvez

se

ache... não as siga e talvez se ache... em achando-se: por favor, perca-se logo! Para logo em seguida achar-se novamente!

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Lucas Paz e Barbara Borba

- Boca de forno -Forno -Furando bolo -Bolo -Jacarandá -Dá -E se não der -Vou -E se não for -Apanha (assustador, áspero) -Quantos bolos -Dez -Isso,

tirou

dez!(comemorando)

Vamos!

Digo...

Vá!(histérico) Vá!(ordenando áspero) Rema, remã quem sair primeiro do booooooooooooosque! Váááááá! O menino-Ninguém parte, ao mesmo tempo hesitante, assustado e apressado, e o lobo fala como se ele ainda estivesse ali, mas também como se estivesse sozinho. “Vai e não esquece de chorar Vê se não esquece de mentir Dizer: até manhã E não regressar mais Vê se não esquece de sumir É ficou assim, caiu no ar É passou assim, não quer passar Não pára de doer E não vai parar mais Nem de vez em quando vai sarar Me xinga me deixa me cega Mas vê se não esquece de voltar

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Lucas Paz e Barbara Borba

Tentar compreender Quase não falar mais E nem ser preciso perdoar Me xinga me deixa me cega Mas vê”3

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“Dona Olimpia” de Toninho Horta e Ronaldo Bastos

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Lucas Paz e Barbara Borba

Episódio 3: Nômades Assim o menino corre sem rumo certo, por entre as árvores. Cai. Levanta. Não fosse sua pressa,o motivo de tamanha

queda

era

um

simples

sapato.

Sim!

Ele

tinha

achado, bem... Não um sapato, era uma chinelinha! Já meio gasta pelo tempo, mas ainda sim poderia ser útil! Ele continua a andar e, logo a frente, vê uma escova de dente,

que

também

apanha.

E

assim

ele

prosseguiu

caminhando e achando um monte de artefatos de utilidade duvidosa:

uma

bússola

sem

ponteiros,

um

relógio

sem

pilhas, mais a frente a pilha... estourada (!), uma caixa de sapato vazia, um vidrinho de acetona, um pé... OPA! O pé tinha pernas, e tronco, e cabeça! Era uma pessoa! Muitas pessoas. –

Ei, menino, de quem são essas coisas?

Minhas...

Suas?! (diz largando a mochila que carregava,

com dor nos braços) –

A-ham.. Ah, achado não é roubado, quem perdeu

foi relaxado! –

Opa! Pera aí! A gente não perdeu nada não! A

gente só deixou aí para não se perder da trilha... Ah! Agora

sim

estamos

perdidos!

(todos

muito

cansados,

ofegantes e exaustos devido as coisas que carregam) –

Olha só! Eu também.

Ta, mas como seguimos?

Pra onde vocês estão indo?

Já fomos! Estamos voltando. E você?

Eu preciso chegar ao mar, mas eu não sei o

caminho mais curto! –

Ah, não sei se o caminho do rio é o mais curto,

mas é certo que você vai chegar lá porque ele sempre

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Lucas Paz e Barbara Borba

deságua no mar! –

E onde fica o rio?

Ali mais a frente. (pausa. Olha para as coisas

pesadas que carregavam, olha para o menino) Pensando bem, essa sua jornada não vai ser tão fácil, você vai precisar de algumas coisas... e se chover? (guarda-chuva) e se fizer muito sol? (protetor solar) e se chover e fizer sol? (uma sombrinha) E se você sentir calor? (ventilador) E se você ficar com frio? (cobertor) E se você tiver fome? (muffin) E se você comer de mais? (sal de fruta) Daí você vai precisar de um copo e água E se a água do rio congelar? (patins) e se você tiver que andar na lama? (botas) E se você estiver entediado? (baralho de cartas) E por último, um espelho, para você lembrar quem você é. –

Bom, bom...Está muito bom já! Agora eu preciso

ir porque tenho pressa. –

É, nós também. (a parte) Sorte a nossa aquele

menino ter aparecido porque estava tudo tão pesado... Agora podemos prosseguir mais tranqüilos. Ops! (olham a falta da trilha com pesar) Já que não há mais trilha, só nos resta voltar...

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Lucas Paz e Barbara Borba

Episódio 4: Lotófagos O

menino-Ninguém

segue

a

beira

rio,

com

seus

trambolhos e cacarecos, bugingangas e trecos, mal podendo andar ou ver o que está a sua frente. Até que ele avista um

barquinho

com

uma

criatura

verde

e

pançudinha,

remando. –

TaRRRRRRRde.

Tarde.

(diz

largando

as

coisas

no

chão

e

descansando) Tem espaço pra mais um aí? –

Bom, acho que teria. Mas pra onde você iria?

Pro mar!

Ah,

mas

terminarei

a

vigília

do

meu

reino

porque amanhã será dia de guerra! Você poderia vir comigo daí você iria conhecer o reino! Oh, seria muito bom! Estrangeiros serão bem vindos! –

Mas depois eu precisaria...ria..iso..preciso ir

para o mar. –

Tudo

bem,

daí

quando

a

gente

chegar

eu

emprestarei o barco pra você. –

Hummm..Ok!

Então, o menino-Ninguém entra no barco e começa a colocar dentro as coisas que trazia. - Ow!! Será que a gente estaria afundando? Sim, sim! Oh, você vai ter que tirar essas coisas, do contrário não chegaremos. O

menino-Ninguém

relutante

vai

jogando

as

coisas

menos “importantes” no rio, uma a uma. Eles prosseguem viagem até atracar o barco com segurança no Reino de Lótus. Com certa estranheza e deslumbre ele não acredita no que a sua vista pode alcançar: lá tudo havia de ser verde desde as pequenas pedras que recobriam o chão até a grande

mesa

central,

que

mais

parecia

um

tabuleiro 16


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Lucas Paz e Barbara Borba

gigante de xadrez, verde e branco, ao redor da qual se reuniam

todos

exaltados!

O

os

pequenos

grande

reino

seres, que

que

ora

o

pareciam menino

muito

tinha

em

mente, na verdade não passava de uma mesa e pequenas redes de folhas gigantes que pendiam das

árvores. Não

espere ouvir muito mais, o reino de Lótus se resumia a isso, ah! E claro uma gaiola, mas isso fica pra depois... Em meio ao calor da discussão, eis que o lotofágo cozinheiro, relance

e

munido vê

serzinho no

o

das

bandejas

lotofágo

para

vigilante

a

ceia,

olha

acompanhado

de

de um

mínimo estranho, uma vez que não era verde.

Aproxima-se perguntando: -Chá? (a parte para o vigilante) quem seria esse daí? -Ah

eu

vigília.

De

o

teria

fato

encontrado

ele

haveria

a

beira-rio

de

proceder

durante de

a

terras

estrangeiras... -Uiiiii, um estrangeiroooo! (jogo do pato) -Um estrangeiro? (rainha dos lotófagos) (coroa dela fazer menção à flor e ao esquecimento) -Um estrangeiro. -Ah, um estrangeiro! -Gostaria de ficar para a ceia? -Siiiim! - Respondem todos, eufóricos. Ninguém é arrastado à mesa, quase sem outra opção. Já sentados, com o jantar servido: ensopado de folhas de lótus acompanhado de lotorradas, é retomada a discussão, até serem interrompidos

pelo tilintar da taça da Rainha:

-Assim não iremos a lugar algum!

Mandarei chamar o

general: Generaaaaaal! O general vem de imediato, correndo e tropeçando, desajeitado que só ele!

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Lucas Paz e Barbara Borba

-Vossa

alteza

sem

dúvida

alguma

a

batalha

será

nossa! (diz colocando o grande mapa em cima da mesa) Eu diria que a trilha a noroeste ainda seria a melhor opção de trajeto para se chegar ao inimigo pelo mar (nesse momento o menino-Ninguém redobra sua atenção), uma vez que a passagem por terra será brevemente destruída pelo batalhão arqui-inimigo. um

grupo

chave

que

Desta forma, deveremos aprontar

se

encarregará

da

abertura

das

falanges, veja (aponta no mapa) primeiro a da direita que irá para a esquerda que rumará ao norte, e depois a da esquerda vai se transladar para noroeste que vai outra vez para a esquerda, ou então vai primeiro a esquerda e a esquerda novamente, ou seja, isso seria a direita!... ...e o poente há de nascer no leste outra vez! - Bom... (um tanto confusa) Perfeitamente, mas o que faremos? -

Só sei que nada sei! Só sei que nada sei!!

- Eu acho que cabeça de prego é tacho porque ao redor do buraco tudo é beira. - Ah, claro que não! Seria falta de visão isso. Deveremos ser mais duros! Dessa forma todos começam a opinar ao mesmo tempo. Em meio a algazarra, o menino-Ninguém se distrai e começa a observar com mais curiosidade aquela figura estranha presa

em

uma

coloração

gaiola.

verde

bem

Um

ser

miúdo,

clarinho...Com

magro, uma

com

uma

respiração

forçosa, difícil. E então ouve-se a voz do menino pela primeira vez: - Quem é aquele lá? Nesse

instante,

o

silêncio

toma

conta

do

lugar.

Todos se entreolham. Um deles comenta com o outro: -­‐

Ah, aquele ali é um estrang...

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1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

Estranho!

-­‐

Sim

de

fato

bem

estranho.

Quem

gostaria, em sã consciência, de ficar preso? -­‐

Ah, eu gostaria de ficar preso...

-­‐

Sim, as vezes ficar preso garante um pouco de

ordem A

rainha,

incomodada

com

o

rumo

da

conversa,

exclama: ORDEM! Comeremos, sim?! Ao jantar!

-­‐

Assim, todos iniciam o jantar. O menino-Ninguém, a princípio

estranhando

um

pouco

o

prato

servido,

pela

fome, come! E não é que era bom? Lembrava... Lembrava... Lembrava...Al...Alg...Algo...Alguma coisa! Enquanto comiam cada vez mais rápido, a discussão a respeito da guerra prosseguia: -­‐

De onde paramos?

-­‐

Da... Do que a gente tava falando mesmo?

-­‐

De chá!

-­‐

Não...Era de laranja..falanges! Sim, Falanges!

-­‐

Ah, sim. Seria da direita ou da esquerda?

-­‐

Da (boceja).... sua direita.

-­‐

Então isso seria a sua esquerda.

-­‐

A nossa esquerda! Ou a nossa direita?

-­‐

Seria na frente!

-­‐

Bom...

Todos começam a ficar sonolentos. O menino-Ninguém sente como se seus olhos pesassem muito, como se seu corpo gradativamente afundasse, tudo pesava. Sua vontade era de deixar tudo o que carregava para trás, como fizera outrora, mas estava sendo vencido pelo sono. E se antes disso ele deitasse um pouquinho, só por um minuto... O menino acorda com uma criatura verde e pançudinha olhando para ele: -­‐

TaRRRde! Quem é você? 19


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Lucas Paz e Barbara Borba

Eu... aonde eu...

-­‐

(Efeito dominó) -­‐

Um estrangeiro?

-­‐

Um estrangeiro?

-­‐

Um estrangeiro?

-­‐

É... um es-tran-gei-ro...

-­‐

Uiii!

Um

estrangeiro!

Um

estrangeiro!

Um

estrangeiro! Ele ficará para o jantar, não é (dito para o

-­‐ menino)?

O menino-Ninguém, ainda confuso, segue todos os que, animadamente, o conduziam para a mesa de jantar que mais parecia um tabuleiro gigante de xadrez, verde e branco, ao redor da qual se reuniam todos os pequenos seres, que pareciam muito exaltados. Ninguém é arrastado à mesa, quase sem outra opção. Já sentados, com o jantar servido: ensopado de folhas de lótus acompanhado de lotorradas, é retomada a discussão, até serem interrompidos

pelo tilintar da taça da Rainha:

-Assim não iremos a lugar algum!

Mandarei chamar o

general: Generaaaaaal! O general vem de imediato, correndo e tropeçando, desajeitado que só ele! -Vossa

alteza

sem

dúvida

alguma

a

batalha

será

nossa! (diz colocando o grande mapa em cima da mesa) Eu diria que a trilha a noroeste ainda seria a melhor opção de trajeto para se chegar ao inimigo pelo mar (nesse momento o menino redobra sua atenção), uma vez que a passagem

por

terra

será

batalhão arqui-inimigo. um

grupo

chave

que

se

brevemente

destruída

pelo

Desta forma, deveremos aprontar encarregará

da

abertura

das

falanges, veja (aponta no mapa) primeiro a da direita que irá para a esquerda que rumará ao norte, e depois a da

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1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

esquerda vai se transladar para noroeste que vai outra vez para a esquerda, ou então vai primeiro a esquerda e a esquerda novamente, ou seja, isso seria a direita!... ... e o poente há de nascer no leste outra vez! - Bom... (um tanto confusa) Perfeitamente, mas o que faremos? -

Só sei que nada sei! Só sei que nada sei!!

- Eu acho que cabeça de prego é tacho porque ao redor do buraco tudo é beira. - Ah, claro que não! Seria falta de visão isso. Deveremos ser mais duros! Dessa forma todos começam a opinar ao mesmo tempo. Em meio a algazarra, o menino se distrai e começa a observar presa

com

em

mais

uma

curiosidade

gaiola.

Um

ser

aquela

figura

estranha

miúdo,

magro,

com

uma

coloração verde bem clarinho, imóvel. E então ouve-se a voz

do

menino

pela

primeira

vez,

pela

primeira

vez?

Hum...: -­‐

Quem é aquele? Por que ele está preso? Por que

ele não se mexe? Todos param, observam e ficam em silêncio absoluto. A sacerdotisa, sob consentimento real, aproxima-se da

gaiola

e

prisioneiro,

repousa

a

mão

por

entre

os

olhos

do

volta-se a todos e anuncia:

-Está morto. -Que se dê início ao Okabatch! Diz a Rainha -O que é o Okabatch? O menino pergunta baixinho ao lotófagong -Ora o Okabatch é o Okabatch! -Ah..... claro. Todos

retiram

os

pratos

da

mesa,

a

sacerdotisa

conduz o corpo à mesa e entrega à rainha o livro das

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1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

Lembranças, que estava na gaiola. A rainha toma posse do livro e diz em voz alta: - Deixaria neste livro toda a minha alma E todos repetem: -Deixaria neste livro toda a minha alma! A rainha devolve o livro à sacerdotisa, a qual o coloca na barriga do morto. A sacerdotisa puxa uma adaga, corta fora a língua do morto e a antropo-deglute de gute, gute... logo em seguida cospe (fala cospe fazendo barulho de cuspe)! Coloca a mão na boca do morto (ou na cabeça do morto) e canta: Okabatch ao teu corpo

oproc uet oa Okabatch

Okabatch em saudação

oãçaduas me Okabatch

À memória tão saudosa

asoduas oãt airómem à

Que nos traz essa canção

oãçnac asse zart son euq

Okabatch em lembrança

açnarbmel me Okabatch

Ao que fui e já não sei

ies oãn

Okabatch vem nos serve

evres son mev Okabatch

Estrangeiro é tua vez.

Zev aut é oriegnartse.

áj e iuf euq oa

E todos cantavam junto. A sacerdotisa vai em direção ao menino, toma-o pela mão, dirige-o ao corpo morto, e curiosamente ele não se aflige pela presença da figura. Diz-lhe: -Lê O menino-Ninguém, sem entender bem o que se passava, faz como lhe mandam e lê a história narrada no livro, de um povo guerreiro em preparação para uma de suas grandes batalhas. Mesmo povo que por isso mesmo, ser causador de tanta destruição, foi condenado ao eterno retorno. Sempre um passo atrás do que seria essa próxima guerra.

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1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

Após terminada a leitura entra o cozinheiro, serve o menino com uma grande flor de lótus e serve os outros respectivamente: lotofagong... aprisiona-o

na

a

rainha,

esperam jaula

a

o e

sacerdotisa,

menino

segundos

o

dormir. depois

general,o O

todos

general estão

a

dormir ao redor da grande mesa. Na noite seguinte o menino-Ninguém é o primeiro a acordar e para sua surpresa está preso numa jaula, não sabe aonde está, nem como foi parar lá. Sua

única

companhia

é

um

livro,

o

Livro

das

Lembranças. Não se contendo de curiosidade e meio que instintivamente ele põe-se a ler. Descobre a história do tal povo e vê que pertence a ele, uma vez que também é verde, e que, como dizia o livro: ele tinha a função de registrar,

nas

páginas

em

branco

seguintes,

toda

a

história do povo. A condenação deste povo se tratava em amaldiçoá-lo ao

esquecimento,

tornando

cada

dia

de

sua

existência

igual. Para tanto, tal efeito se dava a partir de sua única fonte de alimentação, flores de Lótus. Sim, o reino inteiro

estava

cheio

delas,

e

apenas

delas,

não

lhes

restava outra alternativa a não ser comê-las. A forma que encontraram de burlar essa condenação foi delegar sua memória sempre a alguém que jamais come e por isso nunca esquece, estando esse alguém eventualmente fadado a uma vida

bem

breve.

Contudo,

o

menino

sentia

fome.

Muita

fome. Muitos por ali passavam na sua estranha rotina, e parecia que ninguém o via. Ele pedia comida, mas todos o ignoravam.

Os

olhar,

cochichavam

ou

que

olhavam

para

entre

ele,

si.

logo

Até

que

desviavam o

o

pequeno

Lotofagong passa por ele e diz baixinho: -­‐

Você nunca come. 23


1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

Neste instante, uma ave passa rasgando o céu e o seu grito faz um frio tomar conta de todo o corpo do meninoNinguém: uma aflição, um vazio de algo que ele deveria fazer. Ele precisava sair dali. (Flashback) “Beira-mar, beira-mar novo Foi só eu é que cantei Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia Vou levando minha canoa Lá pro poço do pesqueiro Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia Arriscando minha vida Numa canoa furada Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia”4 O menino-Ninguém tem a carta nas mãos. Segue andando junto ao povo que carrega lamparinas em meio a névoa. “Adeus, adeus, toma adeus Que eu já vou me embora Eu morava no fundo d'água Não sei quando eu voltarei Eu sou canoeiro Eu não moro mais aqui Nem aqui quero morar Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia 4

Trecho de “Beira mar” de Elcio Dias

24


1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

Moro na casca da lima No caroço do juá Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia” Param defronte a um rio seco e colocam a pequena canoa sobre as suas cabeças. Aquele grupo de pessoas era como as ondas do mar. “Adeus, adeus, toma adeus Que eu já vou me embora Eu morava no fundo d'água Não sei quando eu voltarei Eu sou canoeiro Rio abaixo, rio acima Tudo isso eu já andei Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia Procurando amor de longe Que de perto eu já deixei Ô beira-mar, adeus dona Adeus riacho de areia”. A

ave

atravessa

o

céu

e…

ARGH!

Rouba

a

carta!

Ninguém, distraído, mal teve tempo de ver o que havia levado sua carta, mas logo avista a ave negra agourenta. Sem muito pensar, larga o grupo e tenta seguir a ave que foge pelo céu. Não vê onde pisa, que rumo toma, apenas tenta, com muito esforço, não perder a ave de vista. De

repente,

o

escuro.

O

menino-Ninguém

anda

cautelosamente até que, quando sua vista se acostuma, reconhece o lugar: um cemitério!

25


1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

A ave está em cima de um túmulo, quieta com a carta nas

patinhas.

Parece

fazer

muito

esforço

como

se

estivesse prestes a por um ovo. E então o ovo sai pela boca, cai e quebra em cima da carta. O menino-Ninguém lê a lápide e, surpreso, balbucia: -­‐

Vô?

“Filho Oh meu menino Será esse o destino Viajar em seu navio Pelos mares, pelos rios Andar? Sou filho Oh meu pequeno Será esse o caminho Navegar assim sozinho Sem alguém que nos espere Nos cais? Toda vida existe pra iluminar O caminho de outras vidas Que a gente encontrar. Homem algum será deserto ou trilha Como não pode o rio negar o mar Seja lá em qualquer norte ou no sul Seja lá na Dinamarca ou aqui Sonho, sonho solidário Faz crescer o amor diário Faz amigo em cada rua Ou bar

26


1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

Vai Abre as portas do navio! Beba o mar e beba o rio Viva a vida e viva o tempo De amar Filho Vai tua vida”5 -­‐

VÔ?! Vô?!

-­‐

Vá! Vá!

A ave segue voando adentrando a escuridão, o meninoNinguém

sai

correndo

atrás

dela.

Eis

que

aparece

ali

olhos de estrela... - Nomeio o homem no meio da fome.6 (fim do Flashback) O

menino-Ninguém,

de

um

verde

bem

pálido,

lembra-se de tudo o que o moveu até ali, entende agora a razão

pela

lugar para

qual

aquela

jaula

definitivamente

não

é

o

ele ficar. Mas como sair de lá e prosseguir

viagem? Nesse

momento

o

menino-Ninguém

o

lotofagong

passando por ali: -Ei como faço para sair daqui? -Você tá falando comigo? Você tá falando comigo? Só sei que nada sei, só sei que nada sei! Hehehehe Ninguém sai daí! 5

“Filho” de Milton Nascimento

Adaptação dos versos de “Poesia em tempo de fome” de Haroldo de Campos 6

27


1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

O menino-Ninguém se lamenta, mas por um segundo lhe ocorre que se Ninguém sai dali... Logo... Havia um problema, seu corpo recém-formado empatava a

passagem

por

entre

as

grades.

Se

queria

chegar

à

Penélope haveria de abdicar de mais algumas coisinhas... Agora segue o fluxo do vento, aos poucos vai sentindo cheiro

de

aproximando

brisa do

mar

marítima. mais

ouve

E

quanto uma

mais

balburdia

vai de

se sons

estridentes,agudos, fortes. (Sons de animais, frases de gabar-se).

28


1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

Episódio 5: Ítaca Ao chegar à praia, ele vê um amontoado de bichosgente e gente-bicho que berrava e se embolava em frente a um grande castelo de pedra. Por um segundo, um alívio. Finalmente

parecia

ter

encontrado

o

que

procurava...

Contudo, como passar por aquela muralha de corpos? Nesse momento, lá de cima do Olimpo, os Deuses que observam

a

saga

do

menino-Ninguém,

chegam

no

momento

crucial de sua aposta. De fato, todo esse caminho é uma grande disputa que começou com Afrodite dizendo que se Ulisses pudesse escolher, ele viveria tudo de novo para poder ficar com a Penélope. Em contrapartida, Apolo lança a aposta rebatendo que Ulisses não voltaria. Afinal de contas, o interesse do deus era de ele mesmo ficar com Penélope. Mas, como fazer com que Ulisses não voltasse? Como

fazer

com

que

o

menino-Ninguém

não

adentrasse

o

castelo? Dessa maneira, a única forma de o menino-Ulisses não entrar seria se alguém dissesse para ele não fazê-lo. As

moiras,

que

brincar com o destino

tecem

o

fio

da

vida,

resolvem

no instante da chegada do menino à

Ítaca, e juntam as pontas da vida de Ulisses: a única maneira de por à prova a decisão do menino Ulisses seria colocá-lo diante do Homem Ulisses. O menino perdido por entre patas, pernas e mãos não sabe

como

parece

achar

encontrar

a

tal

alguém

Penélope. bastante

Por

alguns

familiar

instantes

(Ulisses

em

pele de cordeiro), vai em direção a ele para pedir ajuda. Mas de repente aparece outro alguém bastante parecido com aquele que acabara de encontrar (lobo em pele de bode). O menino-Ulisses confusamente reconhecendo os dois não sabe a quem perguntar primeiro. A questão é que, de alguma forma,

ele

se

assemelhava

com

esses

dois

seres 29


1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

extremamente parecidos, como se ele se reconhecesse. Como se já tivesse visto aquelas mãos e aqueles olhos. Mas em qual

das

duas

figuras

confiar?

Assim,

ele

resolve

perguntar aos dois o seguinte: -­‐

Oi!

-­‐

O...i? – responde com um sorriso indeciso

-­‐

Se eu perguntar aquele bicho-homem como entrar

no castelo o que ele dirá? O Homem olha para o castelo, fita o menino por algum tempo, e diz: Não vá.

-­‐

Então, o menino se dirige ao outro homem-bicho e faz a mesma pergunta: -­‐

Oi!

-­‐

OOOi

diz

com

um

sorriso

simpático

e

acolhedor. Se eu perguntar aquele bicho-homem como entrar

-­‐

no castelo o que ele dirá? O

homem-bicho

olha

para

cima

como

se

estivesse

pensando consigo mesmo, olha para o outro bicho-homem e responde: Não vá.

-­‐

Ninguém ouviu o que precisava. Diante da unanimidade das respostas, ele tinha a certeza de que deveria ir, de algum jeito! A

barulheira

permanece

por

séculos!

Todos

são

surdos: ninguém ouve ninguém. Ninguém é capaz de ouvir um canto ao longe, quase que imperceptível, em meio a tanta gritaria.

Instintivamente

ele

o

segue,

rastejando

por

entre as patas-pés. Cada vez o som fica mais nítido... É a voz de uma mulher.

Até que ele se depara com uma

grande porta de mármore vermelho. Ele abre.

30


1 ° ato:

Lucas Paz e Barbara Borba

O menino-Ulisses vê Penélope cantando, desfiando uma grande colcha de tricô azul. Aproxima-se e diz: -­‐

Mãe?

-­‐

Não.

-­‐

Ele não vem.

-­‐

Ulisses já está aqui. De repente, de trás dela, surge o lobo, com seu

sorriso matreiro. Um segundo é suficiente para que ele chegue ao pé do ouvido do menino: -­‐

BÚ!

Agradecimentos ao grupo COMUCO pela colaboração para criação dos episódios deste enredo.

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