#15 Conexões Urbanas

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Julho de 2008 - Nº 15

Foto: Rogério Resende

Marcello Silva e Fernanda Abreu, apresentadores do Prêmio Orilaxé

AFROREGGAE 15 ANOS Festa multissocial no Theatro Municipal


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Quando a gente cuida do nosso todo mês, fica mais fácil ter dinheiro sempre. Para saber como andam os seus gastos, utilize a tabela ao lado e acompanhe o seu orçamento todos os meses.

Controlar o orçamento mês a mês é a maneira ideal da gente administrar a nossa vida financeira. Por exemplo: se neste mês você entrar no vermelho, já sabe que deve economizar um pouco mais no próximo. E assim por diante. www.bancoreal.com.br



Festa inesquecível Uma festa multissocial, multifacetada, multicolorida... Uma festa na qual o importante foi multiplicar. Multiplicar conhecimento, afeto, cidadania, igualdade entre raças, cores, credos... Uma festa – regada a muita emoção, música e alegria –, que reuniu, democraticamente, gente da favela e do asfalto em um dos locais mais aristocráticos da Cidade Maravilhosa: o Theatro Municipal. Assim foi o 9º Prêmio Orilaxé, que premiou 14 e homenageou 15 personalidades ou ins­ tituições que pensam, agem e trabalham em sintonia com o que preconiza o Grupo Cultural AfroRegggae (GCAR) – idealizador do evento –, ou seja, “não fazer diferença entre as pessoas, não ter preconceitos e misturar tudo: rico, pobre, novo, velho, favelado, mauricinho”, como definiu a madrinha da Banda AfroReggae, a atriz Regina Casé. Os detalhes desta festa, na qual se comemorou, também, os 60 anos da Declaração dos Direitos dos Humanos, são revelados em dez páginas desta edição da Conexões Urbanas (afinal, evento tão grandioso e importante merece destaque), como você poderá conferir no texto de Beatriz Coelho Silva, entre as páginas 14 e 23. Mas, este mês, não falamos apenas do Prêmio Orilaxé. Exemplo disso é a matéria de Nelson Brandão. Ele nos mostra que, mesmo no cenário das favelas, entristecido pela mancha de uma violência que se espalha a cada dia, pode-se perceber, com otimismo e esperança, que dançando é possível não “dançar”, com aspas, e não entrar para as estatísticas do crime. Criado em 1994, o projeto Dançando para não Dançar permite que muitos jovens passem a conjugar o verbo dançar, sem aspas, e aprendam balé clássico, tenham aulas práticas e teóricas de música (bem como suporte social-educativo com atendimento médico, dentário, psicológico, assistência social e fonoaudiologia), e possam exercer um ofício, como o garoto Luan Donato, que teve seu talento descoberto na Mangueira, e, atualmente, integra a Staatliche Ballettschule Berlin, uma das principais escolas de balé da Alemanha.

editorial

Outro projeto vitorioso que levamos até você nesta edição é o Memória Viva – Inclusão Sócio-digital, desenvolvido pela Fundação Brasil Cidadão (FBC) e pela Associação Caiçara, com o apoio da Unesco, que visa incentivar e promover a produção de conhecimento, além da valorização da memória da comunidade de Icapuí – município com menos de 18 mil habitantes, com 49% de sua população até 25 anos, situado no litoral leste do Ceará. Uma iniciativa pioneira na região, que leva crianças e adolescentes em situação de exclusão digital de todas as escolas públicas locais a buscarem – e revelarem – a história e as estórias de cada aldeia local. Graças ao projeto, a juventude tem à disposição cursos de software livre, associados a outras atividades básicas, como oficinas de cidadania, aulas de arte, meio ambiente, história, memória, ética, direitos humanos e educação para a saúde, além de atividades externas como trilhas, pesquisas, entrevistas com filmagens e fotografias nas comunidades e nas escolas. O intuito é fazer a juventude não só agir, mas criar – através do levantamento do patrimônio natural, cultural, material e imaterial da região – o Centro de Referência da Cultura de Icapuí e o Ecomuseu dos Povos do Mar de Icapuí. Por fim, dois exemplos de que, quando se tem vontade e determinação, tudo é possível. O primeiro é a Orquestra da Grota do Surucucu, hoje uma realidade com 45 integrantes e longa lista de sucessos em palcos internacionais – com um repertório que vai da música clássica ao chorinho –, fruto da garra de Dona Otávia Paes Selles. De sua casa, na Favela da Grota, em São Francisco, Niterói (RJ), ela deu o pontapé inicial ao projeto, que, graças à participação de seu filho, Márcio Selles, professor e músico, cresceu (e apareceu). Outro exemplo de superação é o Centro Cultural Tambolelê, de Belo Horizonte, que criou um ambiente virtual que disponibiliza a memória coletiva de grupos culturais de Minas Gerais e possibilita o intercâmbio de histórias e conhecimentos entre grupos envolvidos. Boa leitura. Chico Junior

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Dançando para não dançar

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14 Prêmio Orilaxé

Icapuí

PATROCINADORES INSTITUCIONAIS DO AFROREGGAE

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Grota do surucucu

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Jornalista responsável e editor Chico Junior | Produção, reportagens e textos Alysson Cardinali | Assistente de produção e textos Thaisa Araújo | Projeto gráfico e diagramação Logomotiva Comunicação - www.logomotiva.com.br | Direção de Arte Zilene Bernardino | Design Carlo Filardi, Bruno Portela e André Câmara | Colaboraram nesta edição Beatriz Coelho Silva – Daniela Rotti – Nelson Brandão – Pedro Marra | Conexões Urbanas é produzida em parceria entre o Grupo Cultural AfroReggae e a CJD Edições | Redação e endereço para correspondência Rua Ataulfo de Paiva 1175 / 603 - Rio de Janeiro - RJ CEP: 22440-034 Tel: (21) 2512.2826 - 3904.1386 | E-mail: cjd.edicoes@globo.com e chico.junior@afroreggae.org.br | Conselho Editorial: Chico Junior - Daniela Rotti - João Madeira - José Junior - Tekko Rastafari

expediente



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não ara p çando

Dan

ar ç dan

por Nelson Brandão

Sai de cena o pé na cara e entra o pas de deux No cenário das favelas, tão entristecido pela mancha de uma violência que se espalha a cada dia que passa, pode-se perceber, com muito otimismo e esperança, que no lugar de um agressivo pé na cara ou uma rasteira já se sobrepõe um suave pas de deux, um pas de chat ou um delicado glissé. Em vez de somente se pensar em jovem carente respirando ares do mundo do crime, testemunha-se, com freqüência, uma juventude sadia dançando. Para não “dançar”, com aspas. Esta transformação começou no final de 1994, quando a bailarina e professora Thereza Aguiar resolveu ministrar aulas de balé clássico nas comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Com 45 crianças, entre cinco e 10 anos, surgia o Dançando Para Não Dançar. Estava descoberta uma eficiente fórmula para afastar os jovens da violência. Dançar perdeu as aspas. “Em 1995, o projeto conseguiu aprovar seis crianças do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho para a escola de dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, antes freqüentada exclusivamente por crianças da classe média e de pessoas com alto poder aquisitivo. A partir daí, o projeto se firmou ganhando espaço na imprensa nacional”, comemora Theresa.

Dançando e crescendo Em um ano, o Dançando chegou às comunidades da Rocinha e da Mangueira, e com apenas uma bolsa de estudos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), além do apoio da Vídeo Filmes e da Vila Olímpica da Mangueira. Thereza foi ministrando suas aulas de balé clássico em salas cedidas pelas associações de moradores ou nos CIEPs das redes municipal e estadual de ensino. “Em 1996, mais 12 crianças passaram na escola do Teatro Municipal. O ano foi um marco na história do projeto: fizemos o primeiro espetáculo de balé montado numa favela e Ana Botafogo, primeira bailarina do Municipal, subiu o morro do Cantagalo para dançar com os nossos alunos e mostrar a sua arte”, diz, acrescentando que outro marco foi o espetáculo, no final de 1997, montado embaixo do viaduto da Mangueira. “Mais uma vez Ana Botafogo dançou para o projeto e acabou sendo acolhida como madrinha do Dançando. O cineasta Walter Sales foi escolhido o padrinho”, lembra Theresa. Em 1998, surgiu a Associação Dançando Para Não Dançar. Além das aulas de balé clássico, passaram a ser ministradas aulas de prática e teoria musicais, além de suporte social-educativo com atendimento médico, dentário, psicológico, assistência social e fonoaudiologia, inclusive para os familiares diretos. “Atualmente, o Dançando atende 480 crianças entre cinco e 19 anos e atua em 13 comunidades”.

Outros projetos, novos desafios Para prestar apoio às famílias dos alunos atendidos pelo Dançando identificadas como vivendo em situação de risco e de extrema carência, foi criado, em 2004, o Dançando em Família. O objetivo é oferecer uma formação profissional, além de assistência social, psicológica e material. No rastro de sucesso do projeto veio também o Dançando em Cultura, que promove o acesso de alunos e familiares aos eventos culturais da cidade – teatros, cinemas, museus, circos e, obviamente, aos espetáculos de dança –, bem como a Cia. Dançando Para Não Dançar, com os alunos mais adiantados (em 2006 foram


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Da Pavuna para o mundo

Thereza, entre alunas e alunos Luan: curso de cinco anos em palcos europeus

Fotos: divulgação

Luan Donato nasceu pobre e ia crescendo pobre no Morro da Lagartixa, na Pavuna, Zona Norte do Rio de Janeiro. Mas sua vida mudou quando, ajudando o pai pintor em serviços na Mangueira e no Jacarezinho, descobriu o Dançando Para Não Dançar. E o Dançando descobriu um raro talento: Luan se encantou pela dança, ingressou, inicialmente, na turma da Mangueira e, depois de muita dedicação, fez o teste para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi aprovado e continuou com as aulas na comunidade. Hoje, Luan está na Staatliche Ballettschule Berlin, na Alemanha, para onde viajou em março. Fará um curso de cinco anos em palcos europeus. O bailarino, agora com 17 anos, tem quatro anos de balé e divide seu tempo entre aulas, estudo normal e apresentações da Cia. Dançando Para Não Dançar. Se ele seguir os passos da aluna Bárbara Melo – contratada pela Staatstheater Schwerin, também na Alemanha – estará apto a construir uma carreira internacional em renomadas companhias. Thereza Aguilar, coordenadora do projeto, escolheu Luan para a bolsa na Ballettschule Berlin pela dedicação e técnica do jovem. “Estamos preparando o rapaz há pelo menos quatro anos. Desafiamos esse jovem bailarino a assumir primeiros papéis e solos nos espetáculos montados pelo projeto. Agora, colhemos os resultados do nosso trabalho”, diz ela. E Luan colhe os dele: “O mundo do balé é o meu mundo. Aprendi mais do que uma profissão, aprendi a ser cidadão brasileiro e agora quero ser cidadão do mundo”, ressalta. “Estamos todos apostando no Luan”, diz Thereza, torcendo pelo sucesso do seu talentoso discípulo. Dançando feliz: as apresentações encantam platéias do Brasil e do exterior

20 espetáculos para mais de 11 mil pessoas e hoje a companhia conta com 20 bailarinos já profissionalizados). O novo desafio do projeto é a criação da Escola Dançando Para Não Dançar.

Sucesso internacional O projeto inseriu, até hoje, quase uma centena de crianças na prova de acesso à Escola de Dança Maria Olenewa, da Fundação do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Além disso, alunos foram encaminhados para estágios e especializações no exterior, por meio de convênios firmados com a Staatiliche Ballet Schuller Berlin, uma das principais escolas de balé alemã, e com o Balé Nacional de Cuba, graças ao apoio do cineasta Walter Salles, que garante a estadia de duas meninas na escola alemã, e da Lufthansa, que fornece as passagens aéreas. Os primeiros alunos foram em 1999. Hoje, já são dez os que passaram por esta experiência. Há, também, alunos em Nova Iorque, no Ballet Stagium, de São Paulo, no balé de Déborah Colker e em outras companhias nacionais. Uma vez por ano, desde 1996, o projeto realiza uma apresentação envolvendo alunos de todas as comunidades, durante o mês de dezembro. Foto: divulgação


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A beleza exuberante de Icapuí faz com que cresçam as atividades turísticas desordenadas, o que compromete a qualidade de vida dos jovens

a v i V a i r ó m Projluesãto soócioM-edigital a Icapuí, no Ceará leva inc

por Alysson Cardinali

Incentivar e promover a produção de conhecimento, além da valorização da memória da comunidade de Icapuí – município com menos de 18 mil habitantes, com 49% de sua população até 25 anos, situado no litoral leste do Ceará. Estes são os ideais do projeto Memória Viva - Inclusão Sócio-digital, desenvolvido pela Fundação Brasil Cidadão (FBC) e pela Associação Caiçara, com o apoio da Unesco. Uma iniciativa pioneira na região, que leva crianças e adolescentes em situação de exclusão digital de todas as escolas públicas locais a buscarem – e revelarem – a história e as estórias de cada aldeia local. Graças ao projeto, a juventude tem à disposição cursos de software livre (linux), associados a outras atividades básicas, como oficinas de cidadania, aulas de arte, meio ambiente, história, memória, ética, direitos humanos e educação para a saúde, além de atividades externas como trilhas, pesquisas, entrevistas com filmagens e fotografias nas comunidades e nas escolas. O intuito é fazer a juventude não só agir, mas criar – através do levantamento do patrimônio natural, cultural, material e imaterial da região – o Centro de Referência da Cultura de Icapuí e o Ecomuseu dos Povos do Mar de Icapuí.


Valorização do lugar

1) Icapuí: sinônimo de sol, cores e felicidade - 2) Pintando o (dezes) sete: empolgados com a criação do Memória Viva, alguns pescadores de Icapuí, no litoral leste do Ceará, até reformaram seus barcos, felizes com o projeto voltado para a juventude local - 3) Oficina de cidadania antes de atividade prática. Ação para a ampliação de oportunidades de formação, de informação, de desenvolvimento de potencialidades, de incentivo à produção de conhecimento e de valorização da cultura e da memória locais

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“Queremos que cada aluno faça um trabalho de pesquisa e valorização de sua aldeia (técnicas de entrevistas para resgate de memória oral, fotografias, vídeos, textos, poemas, crônicas) no sentido de despertar o gosto de escrever e digitar seus próprios textos sobre temas da região”, diz Leinad Carbogim, diretora-executiva da Fundação Brasil Cidadão (FBC). Um dos maiores desafios do Memória Viva é impedir que a juventude tenha cada vez mais acesso ao consumo de bebidas alcoólicas, de drogas, à violência, à gravidez na adolescência e à ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis, entre outras mazelas. Afinal, Icapuí, por estar situado em zona costeira, se vê cada vez mais ameaçado pelos danos das atividades turísticas desordenadas, que comprometem a qualidade de vida dos jovens. Por isso, a atuação é voltada, também, para a promoção dos direitos e da melhoria da qualidade de vida dos que se encontram em vulnerabilidade social “Queremos ampliar oportunidades de formação, de informação, de desenvolvimento de potencialidades, de incentivo à produção de conhecimento e de valorização da cultura e da memória locais”, frisa Maria Leinad, acrescentando que o projeto já atende a 550 crianças, adolescentes e jovens das oito escolas públicas e das 34 comunidades que constituem o município de Icapuí. A forma encontrada para atrair a atenção e o interesse dessa juventude pelo projeto foi permitir que ela não só conhecesse um pouco mais a região em que vive, mas passasse a amá-la e assumisse, de forma responsável, o destino do município. “Por que estudar a pré-história de Icapuí? Para conhecermos a origem de nossos antepassados, saber quem somos, de onde viemos, valorizar a nossa identidade cultural, fortalecer a nossa auto-estima e a nossa cidadania. Queremos contribuir na construção dos valores, da identidade e desenvolver o sentido de pertencer e de zelar pela cultura material e imaterial e pela preservação e conservação da natureza”, revela Maria Leinad.

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Personalidades aderem ao projeto Brechó Social

Arte multicolorida na Vila Cruzeiro Já imaginou uma favela inteira se tornar uma obra de arte de dimensões gigantescas, um monumento para seu povo e sua cultura? O primeiro passo para isso foi dado no Brasil, precisamente no Rio de Janeiro, onde os artistas plásticos holandeses Dre Urhahn e Jeroen Koolhaas chegaram, em 2006, e implantaram, na Vila Cruzeiro, na Penha, o programa Favela Painting Project. Trata-se de uma verdadeira galeria de arte a céu aberto. O projeto consiste em pintar inúmeras casas vizinhas descrevendo uma só imagem, formando um imenso mural. O primeiro deles, terminado há um ano, retrata um menino soltando pipa atrás de um dos gols do campinho de futebol no centro da favela (a alguns metros dali, fora do mesmo plano, a pipa aparece pintada em outra casa). O painel, que ocupa quatro casas, levou dois meses para ficar pronto. O segundo painel – um rio escaldante com peixes, pintado entre duas escadarias – será terminado em setembro, após oito meses de trabalhos quase ininterruptos em um local de dois mil metros quadrados.

Para o mundo A intenção, inicialmente, era pintar todas as moradias da Vila Cruzeiro de um jeito que as casas exibissem, juntas, um único desenho. Mas os planos serão, digamos, alterados pelos próximos três anos. O sucesso do programa Favela Painting Project foi tão grande que Dre e Jeroen, conhecidos em países europeus por traduzirem o cotidiano através de de-

senhos, foram convidados para levar sua arte para outros países. Em outubro, eles voltarão para a Holanda, onde traçarão metas para implantar o projeto na África e na Ásia. Engana-se, porém, quem acha que os trabalhos na Vila Cruzeiro serão interrompidos. “Queremos expandir o nosso projeto em outros lugares, mas, mesmo de longe, iremos coordenar as ações na Vila Cruzeiro. Temos três jovens (Vitor, Geovani e Robson) muito promissores, excelentes pintores, que darão prosseguimento ao nosso trabalho”, revela Dre Urhahn. Isso se dará, também porque o Favela Painting Project não se limita apenas à produção de obras de arte nas paredes das casas das favelas. Ele é voltado para projetos sociais e educativos, com a oferta, por exemplo, de cursos de arte, design, filmagem e fotografia. “Queremos fornecer à juventude as ferramentas para comunicar seu talento ao mundo e possivelmente buscar uma carreira criativa. Já fizemos contato, inclusive, com algumas ONGs, que irão nos ajudar em relação ao futuro do projeto, levando-o a outras comunidades do Rio de Janeiro, oferecendo atividades como aulas de pintura e dança”, frisa Dre, acrescentando que o Favela Painting trabalha, sempre que possível, em parceria com centros culturais locais, como o Instituto Brasileiro para Inovações em Saúde Social (Ibiss), uma organização não governamental – que tem na Vila Cruzeiro o Projeto Ibiss –, que luta contra exclusão social em mais de 50 favelas no Rio. Mais informações em www.favelapainting.com

A modelo Gisele Bündchen, a apresentadora Ana Maria Braga e o jogador Kaká são algumas das personalidades que aderiram ao projeto Brechó Social – criado e administrado pela Social Moda (empresa de marketing social) –, que pretende, com a venda de objetos doados por formadores de opinião, tornar-se importante ferramenta de captação de recursos para ONGs, revertendo os valores arrecadados em incentivos para a manutenção das instituições. A participação no projeto é muito fácil. Basta que o interessado disponibilize uma peça pessoal para ser colocada à venda no site do Brechó Social (ainda em construção e que deverá estar no ar em outubro), juntamente com uma foto que comprove o vínculo do doador, além de uma autorização do uso de imagem. Com isso, a peça será catalogada e inserida no site com um valor fixo definido, junto a uma foto deste doador – Kaká, por exemplo, doou um par de chuteiras. Para cada peça escolhida, uma ONG será beneficiada com a venda, a critério do participante. Cada peça vendida terá o valor integral doado à ONG escolhida – mas 18% deste valor será deduzido para a manutenção do projeto. “Quanto mais relevante for o objeto doado, maiores serão os resultados apresentados. Vale lembrar que a participação das pessoas não terá custo algum, apenas a doação de uma peça do seu acervo pessoal”, diz Sergio Morisson, diretor da Social Moda, que conta com o Shopping Iguatemi (SP) para o apoio e lançamento do projeto.


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Natura Musical: inscrições abertas Você adora música brasileira? Tem algum projeto voltado para ela? Pois a chance de demonstrar tal apreço e concretizar suas idéias chegou. Estão abertas, até o dia 4 de agosto, as inscrições, gratuitas, para o Edital Nacional do Natura Musical, programa de apoio da Natura a iniciativas artísticas que valorizam a nossa música. A intenção é estimular, difundir – com a gravação de um disco, a realização de uma pesquisa, a distribuição de um livro, a circulação de um show, a produção de um filme ou uma ação educativa – e valorizar o rico patrimônio cultural brasileiro, proporcionando o encontro de cada vez mais pessoas com os sons, histórias e cantos do Brasil. Desde 2005, mais de 100 projetos já foram viabilizados pelos editais públicos do Natura Musical (de diversos gêneros artísticos e estágios de produção). Este ano, as inscrições devem ser feitas no site www.natura.net/patrocinio, mas, para participar, o projeto deverá estar inscrito ou aprovado na Lei Rouanet ou do Audiovisual. Todas as propostas inscritas serão analisadas a partir de um transparente processo de seleção, conduzido por uma comissão técnica independente, e os resultados serão divulgados no dia 30 de setembro. A intenção da Natura é apoiar, por meio de patrocínios diretos e editais públicos de seleção de projetos, iniciativas de diferentes áreas artísticas e de todos os estágios do processo de produção para representar a diversidade de nosso cenário musical.

Uhu, Nova Iguaçu!

de

u t n e v ju à o r t a e t a v e l a Nós da baixad

Ensinar atividades artísticas para jovens de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e capacitá-los para uma vida mais digna. Estes são alguns dos objetivos do Nós da Baixada, projeto criado em 2006, através de parcerias firmadas com a prefeitura de Nova Iguaçu e o grupo teatral Nós do Morro (Vidigal), para, paralelamente, complementar o projeto Bairro Escola, serviço que visa a capacitação e a geração de renda para jovens em situação menos favorável nos pilares da sociedade. A escolha do corpo artístico do Nós da Baixada (com o apoio da Petrobras) se deu através de uma seleção de diversos grupos de teatro já atuantes, mas que pudessem mostrar um diferencial, uma formação histórica e artística adquiridas da própria vivencia em comunidade. “Eles queriam grupos de dentro da favela e o Grupo Cultural Nós do Morro se encaixou no perfil que a comunidade de Nova Iguaçu precisava”, diz Renan Torres, coordenador do núcleo de produção do Nós da Baixada. Inicialmente, o grupo Nós da Baixada dava aulas improvisadas de teatro em escolas de Nova Iguaçu (municipais, estaduais, federais e particulares). Hoje, tem quatro sedes próprias, localizadas nos distritos de Austin, Jardim Tropical, Nova América e Cerâmica, onde ocorrem aulas gratuitas para 280 alunos que têm aulas de contação de história, jogo de cena, expressão corporal e sonora, canto, voz e História do Teatro. “A meta é transformar todos esses elementos no fazer da cultura. De comunidade para a Comunidade”, acrescenta Renan.

Espetáculos

por Thaisa Araujo

O Nós da Baixada já produziu dois espetáculos de sucesso: “Fotos e Fatos”, que lhe rendeu apresentações no Fórum Mundial de Educação, realizado em Nova Iguaçu, em março de 2006, e “Folias Brasileiras”, que participou do Teia Cultural, evento realizado em Belo Horizonte, em 2007. “Nordestes” será o novo espetáculo, com encenação, dança e, claro, muita música. Abordará o universo nordestino, baseado na obra Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Ainda em fase de ensaio, os 30 atores da peça têm se dedicado, de segunda a sexta-feira, todas as noites, para fazer uma apresentação digna de um grande espetáculo. A estréia do musical será no dia 20 de setembro, no Espaço Cerâmica – R. Geni Saraiva, 1285 – Bairro Cerâmica, em Nova Iguaçu. Mais informações pelo telefone 30452705 ou email renantorres@click21.com.br


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A melodia brota suave das entranhas da

u c u c u r u Grota do S por Thaisa Araújo

O grande entra e sai de moradores, amigos e vizinhos da Favela da Grota, em São Francisco, Niterói, em busca de ervas medicinais e de tempero da sua sortida horta, sempre fez a alegria de Dona Otávia Paes Selles. Até que em um dia de 1994 deu o estalo: por que não aproveitar toda essa popularidade para oferecer algo mais, além das suas iguarias, à comunidade? Aposentada, com disponibilidade de tempo e uma longa experiência como professora, ela resolveu se dedicar a uma nova atividade, que denominou de “carreira da solidariedade”. Passou, então, a ministrar não só reforço escolar, mas noções de costura e artesanato para as crianças e os jovens da comunidade. Começava ali um projeto que iria se completar no mágico universo musical. Em uma das aulas de reforço, Márcio Selles, filho de Dona Otávia, professor e músico, levou, de brincadeira, uma flauta para a sala. Mostrou o instrumento para as crianças. Tocou uma melodia e percebeu grande interesse dos alunos de sua mãe pela flauta. E a música passou a fazer parte, até com certo destaque, da relação de disciplinas na escola improvisada. Logo, um conjunto de quatro jovens flautistas surgiu naquela casa da favela. Depois, até violinos já podiam ser ouvidos. E bem afinados. Estava surgindo a Orquestra da Grota do Surucucu, hoje uma realidade com 45 integrantes e uma longa lista de sucessos em palcos internacionais, com um repertório variado que vai da música clássica ao chorinho.

Foto: Paulo de Tarso

Os garotos (e garotas) estão com a agenda lotada. Em setembro irão a Belize e Panamá, mas já têm propostas para tocar em Honduras, Nicarágua e El Salvador


Dona Otávia morreu em 1998, mas seu sonho, não. Márcio e sua mulher, Lenora Pinto Mendes, professora de Teoria Musical e flauta doce, passaram a lecionar música regularmente na comunidade e a oferecer a um universo maior de jovens a oportunidade da iniciação à arte através do instrumento preferido do casal e, também, dos de corda, além do canto. “Queremos ensinar aos jovens a prática de instrumentos clássicos como a flauta doce, o violino e o violoncelo acompanhada pela técnica vocal e, assim, oferecer uma atividade muito saudável e prazerosa a eles. Mas tudo sempre atrelado aos compromissos escolares complementares que oferecemos no espaço. Todas as atividades são conciliadas com o ensino convencional, o do colégio. Isso é fundamental”, garante Márcio, que, além de professor, toca flauta doce, violino, é o diretor do projeto e o maestro. No começo, ele conseguiu instrumentos para os quatro músicos pioneiros. Mas, como o interesse na comunidade cresceu muito, teve de correr atrás de parceiros e patrocinadores como Brasil Foundation, Instituto Cooperforte, Passaporte para o Futuro, Vídeo Filmes e Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil. Ele negociou bolsas e verbas enquanto o grupo de jovens crescia, sempre no cenário pobre do morro, e logo passou a ter o jeito de uma orquestra de verdade. Com as verbas, a sede da velha casa da família Selles pôde ser ampliada. Daí para o sucesso foi um pulo. A orquestra, hoje, apresenta-se com três formações distintas: a mais avançada, que vem desde os tempos de Dona Otávia, com 15 integrantes; uma intermediária avançada, com 20 músicos; e a intermediária, com 10 jovens. E tem incontáveis iniciantes e aspirantes a um lugar lá na frente do maestro.

O exemplo de Tiago A história de Tiago Cosmo, de 23 anos, 12 deles dedicados ao projeto, ora como aluno ora como professor, serve como exemplo de uma empreitada bem sucedida. O rapaz se tornou um multiplicador. Na Grota, ensina, faz parte do grupo titular da orquestra e ainda consegue tempo para tocar mais projetos musicais, dando aulas de violino no AfroReggae, do núcleo de Parada de Lucas e também no Projeto Aprendiz, em escolas municipais de Niterói, com a parceria da prefeitura, e na cidade do Rio de Janeiro, com o apoio da Secretaria Estadual de Educação.

“Comecei no grupo com quase 12 anos de idade e com 14 já fazia apresentações. Ir a outros lugares para conhecer pessoas ligadas à música e descobrir que poderia ter novas perspectivas de vida foram grandes conquistas pessoais. Guardo com carinho a lembrança do meu primeiro passeio, atravessando a ponte para uma apresentação no Rio de Janeiro. Se não vencermos pelo talento, venceremos pelo esforço”, diz emocionado Tiago, que adora tocar VillaLobos, Bach e Bethoween.

Orquestra de Cordas com o Coral da Escola Nossa na Igreja de São Sebastião, em Itaipu, Niterói Foto: Humberto Medeiros

Ponto de referência Conhecido desde a fundação como Orquestra da Grota do Surucucu, em 2007 a organização passou a se chamar Espaço Cultural da Grota, novidade que veio acompanhada por outras atividades, como aulas de desenho, pintura, inglês e até curso preparatório para vestibular. Em abril, começou um curso de fotografia para crianças a partir de 12 anos, com o patrocínio da Secretaria de Cultura de Niterói. As sementes lançadas por Dona Otávia germinaram e são hoje ponto de referência de cultura, educação e cidadania na comunidade da Grota do Surucucu. A Orquestra da Grota tem sido convidada a apresentar-se nos mais diversos espaços, entre eles o Teatro Villa-Lobos e o núcleo do AfroReggae, em Parada de Lucas. Este ano, os garotos da Grota estão com uma agenda lotada. Irão, em setembro, a Belize e Panamá e têm propostas para tocar em Honduras, Nicarágua e El Salvador.

Atualmente com 45 integrantes, a Orquestra da Grota do Surucucu tem uma longa lista de sucessos em palcos internacionais, com um repertório que vai da música clássica ao chorinho

Foto: Mila Petrillo

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O sonho ficou


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é x a l i r O Prêmio

s e s s la c a r tu is m e u q ta s fe m e União de favela e asfalto asil r B o d s o c ti á r c to is r a is a m is a c sociais em um dos lo por Beatriz Coelho Silva fotos: Rogério Resende

F

oram quase três horas de festa, muita emoção, música e alegria. A entrega do 9° Prêmio Orilaxé, realizada na noite de 25 de junho, lotou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro de gente da favela e do asfalto. O prêmio, criado para homenagear personalidades que têm um trabalho na mesma direção do Grupo Cultural AfroReggae (GCAR), foi distribuído a 12 pessoas ou instituições. Além deles, 15 amigos do grupo foram homenageados, como a atriz e apresentadora Regina Casé, que, na ocasião, comemorava 12 anos de casamento com o diretor Estevão Ciavatta. “A maior vantagem do grupo é não fazer diferença entre as pessoas, não ter preconceitos e misturar tudo: rico, pobre, novo, velho, favelado, mauricinho”, disse Regina, que, no início dos anos 90, quando fazia o Programa Legal, na Rede Globo, foi chamada pelo AfroReggae para uma visita a Vigário Geral. Virou madrinha da Banda AfroReggae (assim como o compositor Caetano Veloso): “Se foi bom para eles me ter como madrinha, para mim foi maravilhoso, pois mudou a minha vida”, revelou Regina, emocionada.

As bandas AfroReggae e 190, da PM do Rio, e mais um grupo Hare Krishna se uniram para cantar Imagine, de John Lennon. Um dos momentos mais emocionantes do Prêmio Orilaxé 2008


União de classes

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Emoção que também estava explícita na fisionomia do coordenador do AfroReggae, José Junior. Vestido em um terno preto indiano, ele enaltecia, entre outros fatores, a união de classes promovida pelo AfroReggae ao longo dos anos. “Vieram o Luciano Huck e os mediadores de conflito, as mães de Acari e a PM de Minas Gerais, o pessoal do Morro do Alemão e gente rica. Estamos todos juntos, misturados”, comemorava. “É simbólico festejar a história de um grupo de uma comunidade no teatro mais aristocrático e elitista do Brasil. Muitas dessas pessoas nunca tinham entrado aqui”, acrescentou. O pessoal das comunidades, aliás, chegou cedo. Foram 23 ônibus fretados, provenientes de 27 favelas, entre elas Rocinha, Nova Era (em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense), Nova Holanda, Complexo do Alemão, Parada de Lucas e, claro, Vigário Geral, onde o AfroReggae começou, após a chacina ocorrida no bairro, em 1993, quando 21 pessoas foram assassinadas. O figurino esbanjava esmero: muita trancinha, brilhos, bonés maneiros, sapatos salto alto e tênis irados. “Só tinha entrado aqui quando cobravam o ingresso a R$ 1”, contou Jucélia Souza Santos, de Nova Era. “Mas só o AfroReggae para trazer a gente de noite, como nos shows dos bacanas”, brincou. A festa, na qual se comemorou, também, os 60 anos da Declaração dos Direitos dos Humanos, teve um cenário simples e funcional. Apresentada por Fernanda Abreu e Marcelo Silva (músico que apresenta o programa Conexões Urbanas nas rádios MPB-FM, do Rio, e Eldorado, de São Paulo), que se colocaram nas pontas do palco enquanto a Banda AfroReggae ficava ao fundo, teve um imenso telão, que descia entre os números musicais e mostrava cenas de fome, violência e miséria, mas, também, de projetos que, pelo Brasil afora, lutam para que se cumpra o que preconiza a Declaração.

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O ministro Carlos Minc (Prêmio Políticas Públicas), José Junior e Mário Cesar, da TIM

Mercedes Batista (sentada), recebe o Prêmio Tradição Afro-Brasileira de Roberta Rodrigues (primeira à esquerda) e Guti Fraga, do Nós do Morro

LG, Anderson e Dinho, os vocalistas da Banda AfroReggae


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A diretora do Theatro Municipal, Carla Camuratti; a secretária estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Benedita da Silva, e o ator Antônio Pitanga

Muito mais do que música “Se o AfroReggae fizesse só música, já seria o máximo. Mas ele faz muito mais. Com pelo menos dez grupos como este no Brasil, seríamos uma nação de verdade”, elogiava o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, um dos premiados da noite, na categoria Políticas Públicas. Já o advogado João Tancredo – defende as vítimas de Vigário Geral, Acari e Morro do Alemão e recebeu o prêmio na categoria Direitos Humanos – disse que abriria mão de sua premiação. “Eu preferia não estar recebendo este prêmio. Gostaria que os motivos que me trazem aqui fossem apenas de comemoração”, frisou. O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) lembrou que o AfroReggae faz a ponte entre a cidade rica

e a esquecida, enquanto o “casseta” Hélio de La Peña ressaltou o poder que o grupo tem de abrir portas. O compositor Zeca Pagodinho, que já tocou com o AfroReggae, na Rocinha, demonstrou seu interesse em dividir o palco com o grupo outras vezes. “Sempre que eu for convidado”, afirmou. Mesmo com a roupa ensopada de chuva, mas linda como sempre, a atriz Letícia Sabatella era só elogios ao GCAR. “Eles são muito bacanas, meu contato foi com o Afrolata, quando trabalhamos com textos de Shakespeare”, contou ela, que entregou o troféu a Edson Cardoso, do Canal Motoboy, na categoria Veículo de Comunicação. Pelo palco passaram, também, os músicos Siba (premiado como grupo musical), Rappin’Hood (cantor), Roberta Sá (cantora, que estava acompanhada do marido Pedro Luiz), Leandro Sapuchay e, é claro, a Banda AfroReggae, que cantou hits como Tô Bolado e Imagine, de John Lennon, esta com a banda 190, formada por soldados da PM carioca, e um grupo de Hare Krishnas. Mas ainda teve lugar para artistas de outras áreas, como Luciano Huck, que, emocionado com a homenagem, fez uma declaração de amor ao Rio. “É a cidade onde vivo há nove anos e que escolhi para criar meus filhos.”

Parceiros

Regina Casé: “Se foi bom para o AfroReggae me ter como madrinha, para mim foi maravilhoso.”

Parceiros importantes do AfroReggae nesses 15 anos, como o diretor da Central Globo de Comunicação, Luis Erlanger; a gerente de Patrocínios Culturais da Petrobras, Eliane Costa; Guilherme Leal, da Natura; Fernando Martins, do Banco Real; o pastor Marcos Pereira (que media conflitos entre o tráfico e as comunidades); o antropólogo Hermano Vianna; e o Dj Rômulo Costa também estiveram no palco, onde foram homenageados de forma muito original: cada um deles recebeu um troféu de uma criança trazida de uma favela, cujo retrato foi a imagem que antecedeu a cada prêmio. Ainda chovia fino, por volta de meia-noite, quando a festa acabou. A atriz Luana Piovani, com o namorado Dado Dolabella, não dava conta dos pedidos de foto, enquanto parava para atender as crianças e os adul-


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tos que a abordavam. A secretária de Cultura, Adriana Rattes, e a diretora do Theatro Municipal, Carla Camurati, comemoravam o sucesso do espetáculo. “Queríamos dar importância a esse projeto, que é um divisor de águas”, comentava Adriana. Quem deu o tom da mudança foi Zeca Pagodinho. “Antigamente, a gente nem podia passar na porta do Municipal. Agora, o samba ganha prêmio aqui toda hora. Que venham mais, porque o pessoal merece e precisa”, disse.

Ligando os pontos Ligar pontos dissociados na experiência social: favela e asfalto, elite e popular, ONGs e empresas. Esta é uma das missões a que se propõe, nos últimos 15 anos, o Grupo Cultural AfroReggae. Missão às vezes árdua, difícil, mas quase sempre recompensadora, por tornar viáveis as perspectivas de contato e de diálogo entre os integrantes desta experiência social, composta por gente como qualquer um de nós, como qualquer outra pessoa – independentemente de sua raça, credo ou nível social. Gente que, graças ao AfroReggae, consegue livrar-se da violência, das drogas, da morte e passa a valorizar a vida, o crescimento pessoal, intelectual, profissional, cultural. Gente que começa, cedo, a compreender o verdadeiro significado e a importância de ser um cidadão de bem, de conhecer – e usufruir – o que entendemos hoje como Direitos Humanos (sem esquecer seus deveres como cidadão). As ações para se unir tantas e diversificadas pessoas tiveram começo em 1993, no Rio de Janeiro, através da cultura e da arte (música,

dança, circo...), instrumentos (“armas”?) para derrotar a desigualdade social, as chacinas, os massacres, a covardia policial e toda forma de covardia voltada a quem, teoricamente, estivesse à margem do progresso, nas periferias. Hoje, o AfroReggae é a prova cristalina de que o progresso é não só possível, mas ainda mais fácil de ser alcançado com a presença das periferias, com a união de todos: favela e asfalto, elite e popular, ONGs e empresas. Assim precisa caminhar a Humanidade. No que depender do AfroReggae...

Tekko Rastafári, um dos fundadores do AfroReggae


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Os representantes do Canal Motoboy (Prêmio Veículo de Comunicação): munidos de celulares com câmeras registram o dia-a-dia dos motoboys de São Paulo e publicam na Internet

Amélia Gonzalez, editora do caderno Razão Social, do jornal O Globo. Prêmio Jornalismo

OS PREMIADOS Jornalismo Amélia Gonzáles Editora do caderno Razão Social, do jornal O Globo.

Veículo de Comunicação Canal Motoboy Projeto de comunicação audiovisual celular realizado para os profissionais motociclistas de São Paulo. Doze motoboys percorrem a cidade, munidos de celulares com câmera integrada, para registrar e publicar na internet suas experiências.

Fotografia Berg Silva Há quatro anos é fotógrafo do jornal O Globo. Idealizou projetos como o Arte de Portas Abertas, com o foto-jornalista Severino Silva, e o ImageMovimento. Atualmente, Berg trabalha com retratos, idéia que surgiu ao fazer retratos para as colunas Gente Boa, de Joaquim Ferreira dos Santos, e do Ancelmo Góis, ambas do jornal O Globo.

O paulista Rappin’Hood (Prêmio Cantor) é um dos mais criativos rappers em atividade no país

Cantor Rappin’ Hood Rapper paulista, fundador da Posse Mente Zulu, Rappin’ Hood fez grande sucesso com a música “Sou negrão”, gravada em parceria com Leci Brandão. Em seu segundo CD, Sujeito Homem 2, Rappin reafirmou a parceria com o samba e com a MPB, reunindo artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Arlindo Cruz, Péricles e Jair Rodrigues, entre outros.

Cantora Roberta Sá O repertório de seu primeiro CD, Braseiro (MPB, 2005), traz sambas e canções entoados por uma cantora em estabelecimento, que alia a idéia de resgate, comum à música popular nos últimos anos, a um ânimo de renovação que, felizmente, escapa à armadilha de uma “nova MPB” estéril e aguada

Grupo Musical

Cultura Popular

Siba e a Fuloresta

Mestre Felipe

Um dos criadores do grupo Mestre Ambrósio, Siba Veloso trocou a cidade de São Paulo pela tranqüila Nazaré da Mata, em Pernambuco, onde formou o grupo Fuloresta, voltado para gêneros como cavalo marinho e maracatu rural. O grupo gravou um disco – Fuloresta do Samba – que já é importante contribuição à cultura brasileira.

Desde os três anos de idade já brincava de tocar tambor nas muitas festas realizadas em seu povoado, tradição que herdou dos avós. Em São Luís, firmouse nas rodas de tambor como exímio tocador e organizou uma turma de coreiros: Tambor de Crioula União de São Benedito. Felipe é, hoje, o mestre vivo de maior expressão do tambor de crioula.


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Empreendedorismo Social Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri

Sandra Magalhães, do Banco Palmas (Prêmio Projeto Social): microcrédito, moeda própria e economia solidária na periferia de Fortaleza

A Fundação é uma Escola de Protagonismo e Gestão Cultural que tem como missão a formação de crianças e jovens através de seus quatro programas: memória, comunicação, artes e turismo. Francisco Alemberg de Souza Lima, seu idealizador, também é músico de formação popular e historiador autodidata.

Produção de Conhecimento

Direitos Humanos

Jornal Irohìn

João Tancredo

Criado em 1996, resultado da movimentação em torno da Marcha Zumbi 300 anos, contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida (1995), o jornal Irohìn é um dos mais importantes veículos da imprensa negra no país. Sediado em Brasília, tem na democratização da informação um caminho para a elevação dos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais da comunidade negra brasileira.

João Tancredo é advogado e tem dedicado a vida à causa dos Direitos Humanos. Hoje é um dos nomes mais expressivos do país e referência das lutas nessa questão. Foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas demitido porque se posicionou, firmemente, contra as violações cometidas no Complexo do Alemão.

Tradição Afro-Brasileira

Inovação social

Mercedes Batista

Cultura Viva – Ministério da Cultura (MinC)

Mercedes Batista é uma grande referência da dança no Brasil. A bailarina e coreógrafa de 84 anos foi a primeira negra a integrar o Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, além de ser a criadora do balé afro no Brasil. Na década de 60, desenvolveu coreografias para a Escola de Samba do Salgueiro, contribuindo para que a agremiação ganhasse vários títulos no período.

Projeto Social Banco Palmas Projeto realizado no Conjunto Palmeira, uma ex-favela e, hoje, bairro popular de 30 mil habitantes na periferia de Fortaleza, no Ceará, cujo objetivo é fomentar pequenos negócios e estimular a comunidade a consumir o que ela mesma produz. Desenvolveu importante linha de produtos a partir da lógica da economia solidária, como o Palmacard, um cartão de crédito válido dentro do Conjunto, e uma “moeda social”, o Palmas, que circula dentro do bairro e pode substituir o real nos estabelecimentos cadastrados.

Lançado em 2004, o Cultura Viva é o maior programa de fomento cultural que o país já teve. Envolve vários ministérios, empresas estatais e a sociedade civil em uma rede promotora do desenvolvimento cultural. Foi concebido como uma rede orgânica de criação e gestão cultural, mediado pelos Pontos de Cultura, sua principal ação. Representa hoje importante inovação na área de políticas culturais.

Políticas Públicas Carlos Minc Com uma trajetória de vida dedicada à defesa das questões ambientais e dos direitos humanos, Carlos Minc realizou, nos últimos dois anos, destacada gestão na Secretaria Estadual de Meio Ambiente, do Rio de Janeiro. Logo após a confirmação de seu nome como premiado nesta categoria, tornou-se ministro do Meio Ambiente, no lugar de Marina Silva.

O advogado João Tancredo é referência na luta pelos Direitos Humanos

Olinta Cardoso, da Vale. Prêmio Responsabilidade Social


Guilherme Leal, da Natura

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OS HOMENAGEADOS Para comemorar os seus 15 Anos o AfroReggae decidiu homenagear 15 pessoas que, ao longo desse tempo, têm contribuído para o sucesso e crescimento da instituição Fernando Martins, do Banco Real

Aécio Neves Governador de Minas Gerais O economista Aécio Neves abraçou o projeto Juventude e Polícia – que tem como objetivo reduzir os conflitos e o preconceito que colocam em lados opostos policiais e jovens da periferia – e fez do seu estado o primeiro a realizar a ação nos batalhões de Polícia Militar. A experiência também deu origem ao documentário Polícia Mineira (2006), dirigido por Estêvão Ciavata.

Danilo Santos de Miranda SESC-SP Diretor do SESC Regional de São Paulo, Danilo Santos de Miranda é um exemplo de gestão e de reflexão contemporânea sobre o fazer e o saber cultural no Brasil. Importante parceiro do AfroReggae, e um dos primeiros a acreditar no seu potencial, introduziu o GCAR em São Paulo, gesto que deu origem ao lançamento da grife AfroReggae no São Paulo Fashion Week; ao programa de rádio Conexões Urbanas, na rádio Eldorado FM; e à participação no seminário Antídoto, realizado todo ano pelo Itaú Cultural; entre outras ações. É Conselheiro do grupo e foi o responsável por conceituar a questão dos patrocinadores institucionais.

Denise Dora Fundação Ford É Assessora do Programa de Direitos Humanos da Fundação Ford no Brasil, primeira instituição a apoiar, de maneira expressiva, o Grupo Cultural AfroReggae. Essa é uma parceria histórica, iniciada em 1996, que permitiu ao GCAR realizar projetos importantes, como ações na Índia, na China e na Colômbia. Ainda contribui decisivamente no fortalecimento interno do grupo.

Eliane Costa Petrobras Grande incentivadora de projetos sociais e culturais na periferia no Brasil, Eliane Costa foi a primeira representante de uma grande corporação a acreditar no AfroReggae (a Petrobras foi a primeira patrocinadora institucional de grande porte do grupo).

Fernando Martins Banco Real Diretor Executivo de Marketing do Banco Real, Fernando Martins representa um dos patrocinadores institucionais do AfroReggae, que tem contribuído decisivamente para o desenvolvimento institucional do grupo. É grande incentivador de ações ligadas a economia e microcrédito nas favelas onde o AfroReggae atua.


Eliane Costa, da Petrobras

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Guilherme Leal

O antropólogo Hermano Viana

Natura É, hoje, fonte de inspiração das ações do grupo. Além de parceiro e representante de um dos patrocinadores institucionais do AfroReggae, é profundo conhecedor e referência na questão da relação entre empresas, o Terceiro Setor e novos negócios, além de um dos principais responsáveis pelas ações da Natura com o AfroReggae no Complexo do Alemão e na Rocinha.

Hermano Viana Antropólogo e autor de livros importantes sobre o funk e o samba, Hermano Vianna representa uma força de pensamento sobre a periferia e a mídia. É outro parceiro de longa data do AfroReggae e curador do Centro Cultural Waly Salomão, que está sendo construído na favela de Vigário Geral. Hermano foi responsável por apresentar novas experiências ao grupo, ao costurar sua relação com as mais variadas instituições.

Luciano Huck Apresentador do programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo, Luciano é um grande aliado quando se trata de levar cultura e entretenimento para as favelas. Contribui tanto através do programa que apresenta, quanto pelo seu envolvimento pessoal e direto na mediação de conflitos.

Luis Erlanger Diretor da Central Globo de Comunicação Erlanger é parceiro do Grupo Cultural AfroReggae há sete anos e um dos principais responsáveis pelo grande envolvimento da Rede Globo em ações ligadas a comunidades. A cobertura jornalística tem papel fundamental ao “blindar” o AfroReggae na mediação de conflitos em áreas de risco, além de fomentar a criação da ponte de mão dupla tão difundida pelo GCAR. A forte penetração e a visibilidade foram importantes para a captação de recursos de parceiros e patrocinadores.


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Luis Roberto Ferreira Vice Presidente de Responsabilidade Social do Grupo ABC

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Luís Roberto Pires Ferreira é parceiro do AfroReggae desde o tempo em que era gerente de Projetos Sociais da Central Globo de Comunicações, quando apoiou diversas ações do grupo, do qual é conselheiro. Atualmente, é diretor de Responsabilidade Social do Grupo ABC, onde investe em projetos e parcerias que levem benefícios sociais e ambientais para a sociedade.

Regina Casé Atriz, apresentadora de TV, criadora... Regina Casé é uma expressão de inteligência, criatividade e alegria na mídia e na cultura brasileiras. Madrinha da Banda AfroReggae – junto com Caetano Veloso –, não é exagero dizer que foi ela quem apresentou a instituição para o mundo. Grande disseminadora da cultura da periferia.

Rômulo Costa Furacão 2000

Pastor Marcos Pereira Igreja Assembléia de Deus dos Últimos Dias O Pastor Marcos Pereira é o maior dos mediadores de conflitos. Para o coordenador-executivo do AfroReggae, José Junior, enquanto o grupo tira os jovens do tráfico e da criminalidade no varejo, o pastor tira no atacado. Coloca-se à disposição para amenizar qualquer problema, a qualquer hora. Grande inspiração e fortalecedor do AfroReggae no Rio de Janeiro.

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Fundador da Equipe Furacão 2000, Rômulo Costa é mais que um empresário do funk carioca – é parte da própria história deste gênero musical. Parceiro do AfroReggae em diversas atividades, Rômulo é o maior empreendedor social e artístico do Rio de Janeiro, pois não só fomenta a geração de recursos, mas descobre e projeta ícones e ídolos que se tornarão referências entre os jovens das favelas. Sua participação é fundamental em qualquer iniciativa ou mobilização do jovem negro, pobre e favelado.


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Sérgio Cabral Governador do Rio de Janeiro O Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, terá como legado de sua gestão inúmeras iniciativas em parceria com o GCAR nas mais diversas comunidades do Rio de Janeiro (em especial naquelas onde o AfroReggae tem núcleo). Entre as mais relevantes se destacam as ações em conjunto com a Polícia Militar do Rio de Janeiro, as obras do PAC no Complexo do Alemão e, através da Secretaria estadual de Cultura, os shows do Conexões Urbanas e do Conexões Funk.

Silvia Ramos Cesec Coordenadora do Centro de Estudos em Segurança e Cidadania da Cândido Mendes, Sílvia Ramos tem presença importante na luta por Direitos Humanos. É mais uma incentivadora e parceira do projeto Juventude e Polícia. As discussões conceituais, teóricas e de sistematização que realizou junto ao grupo contribuíram e continuam a contribuir para o amadurecimento do AfroReggae.

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1) Luciano Huck, parceiro antigo 2) A atriz Letícia Sabatella 3) Gringo Cardia, responsável pela direção artística e cenografia do Prêmio Orilaxé, e Adriana Rattes, secretária estadual de Cultura 4) O maranhense Mestre Felipe (Prêmio Cultura Popular) é a maior expressão viva do tambor de crioula 5) Fernanda Abreu entre Rômulo Costa e Priscila Nocetti 6) Roberta Sá (Prêmio Cantora), entre o marido Pedro Luis e Altair Martins, do AfroReggae 7) Luana Piovanni e o namorado Dado Dolabella 8) Zeca Pagodinho: “Antigamente, a gente nem podia passar na porta do Municipal”

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a v i t e l o c a i r memó m a n i b m o c s a i g o l o n c e t e novas

Ambiente virtual disponibilizará memória coletiva de grupos culturais de Minas Gerais, possibilitando o intercâmbio de histórias e conhecimentos entre grupos envolvidos por Pedro Marra

Foto: divulgação

“Para sair da rua e vir para a sede, precisávamos alugar um espaço. Esta casa era de posse de um especulador. Eu o procurei para alugá-la e ele respondeu: não alugo, porque vocês vão mexer na casa. Insisti muito, mas ele não quis nem vender. Então, tive a idéia de pedir ao Alexandre, que trabalhava conosco, é branquinho, tem olhos verdes e mora na Savassi, para alugar a casa, sem citar o Tambolelê. E não é que deu certo? Mais tarde, o dono veio aqui e estranhou a nossa presença: uai, mas vocês aqui? Respondi: nós alugamos a casa. ‘Eu não aluguei para vocês, mas para um rapaz branco da Savassi!’ Eu disse: pois é, ele é funcionário nosso.” Esta história, contada por Santone Lobato, é um dos casos do Centro Cultural Tambolelê, localizado no bairro Novo Glória, região noroeste de Belo Horizonte, disponíveis no Centro Virtual de Memória Coletiva (CVMC). O ambiente virtual já está no ar, em caráter experimental, no endereço 200.244.52.139/cvmc, e traz vídeos, entrevistas em áudio e fotos coletadas nas Oficinas de Memória e Patrimônio realizadas pelo Centro de Convergência de Novas Mídias – UFMG

Alguns dos jovens que participaram da Oficina de Memória no Centro Cultural Tambolelê. Da esquerda para a direita: Pedro Pedrosa, Edson Rogério, Daniel Guedes, Diarlem Fernandes e Natália Sem Dó

(CCNM), nos diversos pontos que integram a rede por ele articulada. O primeiro curso foi realizado no Centro Cultural Tambolelê, entre setembro de 2007 e março de 2008. Nos próximos meses, outras comunidades receberão a iniciativa. “Além de oferecer o material bruto coletado durante as entrevistas, o CVMC traz os produtos finais resultantes da sua edição, além do processo nas comunidades, por meio de blogs construídos durante as oficinas”, diz Karime Marcenes, uma das coordenadoras do projeto. O ambiente virtual disponibiliza dois tipos de blogs: um, mais abrangente, no qual qualquer usuário pode postar materiais multimídia. O outro, restrito, um para cada comunidade em que a ação for desenvolvida. “A intenção é criar um grande banco de dados que dê visibilidade aos grupos envolvidos, além de instrumentalizar o intercâmbio entre os participantes”, explica Daise Diniz, outra coordenadora da ação.

Tambores de Minas

Santone conta que o Tambolelê surgiu em 1995, durante o cortejo de tambores de todo o mundo, na abertura do I Festival Internacional de Arte Negra de Belo Horizonte. “Eu olhava os tambores passando, e não me vi representado. Aquilo me deixou tão chateado, pois estavam na minha cidade, e não havia ninguém do congado”. Ele e os amigos Sérgio Pererê e Sasá Nunes decidiram, então, criar um grupo de percussão na tradição dos tambores de Minas. “A gente tirou o nome daquele instrumento chamado tabuletê, que você gira e ele bate. Mas achamos que faltava uma sonoridade e chegamos em Tambolelê”, lembra Sasá. O sucesso do grupo e a vocação dos integrantes para a educação popular levou-os a criar o Bloco Oficina Tambolelê, que atende a população na região do bairro Novo Glória. No início, as oficinas eram realizadas na rua. Com o Centro Cultural, foi possível consolidar e ampliar o trabalho. “Eu cheguei a fazer aula de artes plásticas, capoeira e canto, e foi aqui que eu comecei a tocar cavaquinho. O Bloco é importante porque construiu uma família, onde conhec-


Foto: divulgação

Patrimônio e Memória

A oficina foi desenvolvida com sete jovens, de 13 a 21 anos, membros do Bloco Oficina Tambolelê. Eles participaram ativamente do processo de mapeamento da memória coletiva do grupo e do bairro, decidindo as pessoas a entrevistar e o roteiro das conversas. Eles também realizaram todos os registros, bem como a edição do produto final em vídeo. Denísia Martins, coordenadora de equipe CCNM, afirma que o trabalho “possibilita mostrar como estas pessoas se vêem por meio de histórias que carregam sua memória, e como o que cada um tem para contar se torna importante para a formação dos grupos sociais a que pertencem e do espaço onde estão”. Um exemplo é Dona Fininha, mãe de Sérgio Pererê, figura base para a formação da comunidade do entorno do Centro Cultural, por lutar por importantes melhorias na infra-estrutura da região, mas que muitas vezes não é lembrada. O conceito do software livre também é importante, pois os materiais e o ambiente virtual foram editados e construídos nesta plataforma, além de trazer consigo a idéia da liberdade e compartilhamento do conhecimento. Pedro Pedrosa, outro jovem que participou do projeto, lembra o papel da memória no estimulo à convivência. “Ela é importante para que os de fora conheçam quem somos, mas também para quem está dentro conhecer aquele que está a seu lado”, completa. Denísia destaca ainda que os resultados mostram que, ao contrário do que se costuma pensar, não são somente os velhos os portadores da memória coletiva.

Bloco Oficina Tambolelê

Foto: divulgação

Todo ano, no dia de São Cosme e São Damião, Dona Fininha organiza cortejo no bairro Novo Glória em homenagem aos santos

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emos vários amigos que influenciaram muito a vida da gente”, destaca Allan Guedes, um dos jovens que participou da ação. “Antes, os meninos do Novo Glória eram conhecidos como os meninos do lixão, pois o aterro sanitário fica no bairro. Agora a cidade os vê como os garotos do Tambolelê”, completa Cássia Carla, bolsista do CCNM.



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Radiocomunitaristas Nos meus quase dez anos atuando em rádio comunitária vivi experiências incríveis. A melhor delas é capacitar pessoas. Muita gente acha que rádio comunitária tem que ser igual a rádio comercial. Eu creio que não. Nós temos um grande diferencial, o de fazer com que a população seja o eixo principal da comunicação. Desde dezembro de 2005, a rádio Alto Falante foi escolhida pelo Programa Multicultural (ação da Prefeitura do Recife onde são ministradas oficinas culturais em vários bairros) para realizar oficinas em vários pontos da periferia da cidade, como o Coque e Chão de Estrelas. A partir de 2007 as oficinas passaram a ser realizadas no Alto José do Pinho, onde está instalada a rádio. A procura foi grande. Já capacitamos, gratuitamente, cerca de 100 pessoas que vêm de vários locais do Recife e Região Metropolitana, tornandoas “radiocomunitaristas”. Esta palavra enorme nasceu em uma das aulas, quando os alunos e eu falávamos de jornalistas e radialistas. Eles queriam uma definição. Daí surgiu a expressão, que quer dizer: pessoa capacitada na área de comunicação comunitária.

Paulo Xavier*

Aproveitando o método do saudoso educador Paulo Freire, trabalhamos conteúdos como radiojornalismo, locução, comunicação cidadã, saúde vocal, a lei da radiodifusão comunitária (9.612/98), produção e prática ao vivo na rádio. Os resultados são ótimos. Os alunos entram com uma idéia e, no final, saem com outra totalmente diferente. A grande maioria deles está fazendo parte do quadro de comunicadores da rádio Alto Falante, e da conta do recado. Meu grande sonho é ver mais pessoas em qualquer parte do Brasil nesta mesma praia. Saber que não é só no Alto José do Pinho e no Recife, que “radiocomunitaristas”, homens, mulheres, jovens e idosos possam ter esta mesma oportunidade de comunicar com seriedade por uma sociedade mais justa e melhor. Que outras pessoas sigam este exemplo.

* Paulo Xavier é educador e comunicador da rádio comunitária Alto Falante, do Alto José do Pinho (www.radioaltofalante.zip.net)



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