B&b dec web2015

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Brasileiras & Brasileiros, Inc.

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Vol 21

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Num 12 ||

DECEMBER 2015

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www.JornalBB.com

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Variedades

Tiago Eloy Zaidan

“Sob a Redoma” narra saga de personagens enclausurados

I

magine uma cidade cujas fronteiras são repentinamente bloqueadas por uma redoma transparente, sutil, mas inumanamente resistente. Tão resistente que nem uma ogiva generosa da mais poderosa força bélica do mundo consegue transpassar. É o que ocorre na cidadezinha de Chester’s Mill, no Maine, no enredo de “Sob a redoma” (2009), do escritor norteamericano Stephen King. De uma hora para outra, todas as divisas políticas da cidadezinha tornam-se indisponíveis, pegando motoristas, pedestres e aves de surpresa. Um pequeno avião explode logo nas primeiras páginas, fazendo chover peças de fuselagem e da hélice, as quais, estranhamente, só caem de um lado. O lado de fora da barreira. As colisões na redoma invisível são as responsáveis diretas pelas primeiras baixas redundantes do estranho evento. A “cidade” de Chester’s Mill, é bom que se diga, é mera ficção. Isto não a impediu de possuir um site na internet (http://www. chestersmill.com/index.php). Supostamente criado pela câmara de comércio e turismo da municipalidade, o website é uma provável ferramenta de promoção do livro – uma obra de fôlego (a edição brasileira, lançada pela editora Sumo das Letras, possui quase mil páginas). O prolífico autor se deu ao trabalho de criar toda uma comunidade, sem se esquecer de incutir aspectos sociais, culturais e políticos. Tais elementos, aliás, roubam a cena em vários momentos da trama. Sob perspectiva, a ganância e a astúcia maquiavélica do líder político local, o vereador e negociador de carros usados James Rennie, causa tantos transtornos aos habitantes da pequena cidade quanto à misteriosa redoma, a qual isola os munícipes de todo o resto dos Estados Unidos e do mundo. O que se constata, afinal, é o oportunismo de King, o qual se aproveita de uma situação de pesadelo kafkaniano para justificar

uma série de reflexões sobre a índole do ser humano. O quanto este pode ser solidário em situações de vulnerabilidade extrema e o quanto alguns, da mesma espécie, podem descambar para o que há de pior. E o quanto cada um de nós pode ser cruel em dadas circunstâncias, inclusive na infância. Mesmo o herói do calhamaço, o cozinheiro de lanchonete Dale Barbara, guarda lembranças sádicas do tempo em que servia nas forças americanas no Iraque. O escritor constrói tais ponderações sem resvalar para a filosofia barata ou para o sentimentalismo meloso, que estragaria a pegada vibrante da obra. Apesar de longo, o enredo é dinâmico em todos os momentos. Não que a imprevisibilidade seja o forte da estória, já que o leitor pode antever, sem dificuldades, ao longo da maior parte do livro, que as investidas do governo americano para romper o isolamento de Chester’s Mill irão falhar miseravelmente (pois, caso funcionassem, as centenas de páginas restantes para o final da obra não teriam sentido). King é um escritor tarimbado, responsável por sucessos populares adaptados para a televisão e para o cinema, como “Carrie, a estranha” (1974), seu primeiro grande feito; “O iluminado” (1977), levado às telas por ninguém menos que Stanley Kubrick (1928-1999), e “A espera de um milagre” (1996). “Sob a redoma”, aliás, não destoou da tradição, e também se tornou multimidiático. Mudou-se para a televisão em um seriado produzido pela emissora estadunidense CBS. Com um portfólio tão respeitado, era de se esperar que o escritor se esforçasse para dotar o enredo de coerência, inclusive com relação a aspectos técnicos inerentes ao mote. Para isso, King contou com a consultoria de um amigo auxiliar médico, Russ Dorr, o qual foi fundamental nas informações relativas aos efeitos que um ambiente isolado por uma redoma pode causar no organismo humano. Livro: “Sob a redoma” Autor: Stephen King

Tiago Eloy Zaidan é mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco; coautor do livro “Mídia, Movimentos Sociais e Direitos Humanos” (organizado por Marco Mondaini, Ed. Universitária da UFPE, 2013) e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). eloyzaidan@gmail.com


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