revista Oiticica - A Pureza É um Mito

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Em 1986, todos os artistas do já desfeito grupo Casa 7, do qual fiz parte, mudaram o jeito de fazer seus trabalhos. Além disso, passamos a ficar mais atentos à arte produzida no Brasil. O ambiente cultural de meados dos anos 1980 já não era mais o mesmo dos anos 1950 – década em que Hélio Oiticica começou a fazer arte. A situação era bem diferente. A própria ideia de vanguarda – talvez como Hélio e seus colegas do neoconcretismo entendiam –, no sentido de um movimento que gera uma experiência radicalmente transformadora da arte, parecia impossível de se realizar. Sair da figuração para a arte abstrata, depois sair da pintura para ir para o objeto, e por fim sair do objeto para a instalação já não eram acontecimentos pioneiros ou transformadores da arte. Agora saía-se da pintura, ia-se para o objeto depois se voltava à pintura e fazia-se uma instalação como fluxo poético, sem um sentido evolutivo. Ou seja, o meio de fazer arte (performance, vídeo, instalação etc.) não era mais o que importava nos anos 1980. Assim, a mudança que aconteceu no meu trabalho em 1986 – como se minha pintura tivesse saído da tela para o espaço – não tinha a pretensão de ser um acontecimento inaugural de uma nova fase para a arte. Nessa época, abandonar a pintura me parecia uma repetição inútil. Nesse sentido, não era interessante, para mim, ressaltar a diferenciação histórico-evolutiva da arte ocidental – como se fosse a morte sucessiva dos meios de produção, e sua imediata substituição, a questão fundamental da cultura. Eu já achava, então, que podíamos ser menos preconceituosos com os meios tradicionais (pintura, escultura etc.). Essa postura nascia não só dos trabalhos que eu fazia – nos quais a questão da planaridade não interessava mais como parte de um programa, e sim como consciência de uma conquista –, mas também vinha acompanhada de uma mudança do capitalismo, que agora se tornava bem mais agressivo.

Hélio defendia o fim da pintura de cavalete, mas é preciso levar em consideração que ele chegou a essa conclusão baseado em sua própria experiência pictórica, pautada pelo programa evolutivo racionalista dos construtivismos anteriores.Para falar dessa questão, ele costumava citar uma frase de

Mondrian sobre a arte não objetiva do futuro.

Segundo Hélio, Mondrian “dizia [...] que o artista não-objetivo, que quisesse uma arte verdadeiramente não-naturalista, deveria levar seu intento até as últimas conseqüências; dizia também que a solução não seria o mural nem a arte aplicada, mas algo expressivo, que seria como a ‘beleza da vida’, algo que não podia definir, pois ainda não existia”1. A esse programa se somava o romantismo marginal da arte moderna, parecido com aquele que levara Van Gogh ao suicídio e o poeta Artur Rimbaud a desaparecer na Argélia. Uma ideia de artista visionário marginal, que não liga para o dinheiro, nem pode estabelecer laços com a vida comum, pois isso seria optar por uma vivência “pequenoburguesa” comprometida com o sistema capitalista dominante. Difícil alguém que continue a fazer o que Hélio fez. Ainda mais com a força que ele fez. Os tempos mudaram. Já haviam mudado em 1986.

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In: Catálogo da exposição Grupo Frente e Metaesquemas | Hélio Oiticica, Galeria São Paulo, 1989.

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