revista Oiticica - A Pureza É um Mito

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Agrippina É Roma-Manhattan (1972), filme considerado inconcluso de Hélio Oiticica, feito em Nova York, tem sido mostrado desde então em inúmeras circunstâncias. Pode ser também pensado como um filme super-8 concluído, contemplada a natureza do suporte que essa bitola adquiriu entre artistas e cineastas experimentais e/ou amadores, mas também em virtude de alguns desígnios pertinentes à trajetória do artista entre os anos 1960 e 1970, bem como naqueles anos de EUA. Esse filme de H.O. reúne características que podem mesmo ser descritas como um prolongamento das experiências não só do cinema marginal como do próprio cinema novo. Curiosamente, ele também antecipa características outras, distintas daquele cinema, e que seriam desenvolvidas especificamente pela produção experimental superoitista brasileira durante os anos 1970 e início dos 1980. Analisando-se alguns de seus aspectos, podem ser evidenciadas tais relações mais ligadas à experimentação cinematográfica brasileira por um lado e, por outro, indicar pontos de contato com o cinema experimental norte-americano, caso, por exemplo, dos filmes de Jack Smith, para citar um de importância na cena underground do cinema e do teatro nova-iorquino, bastante desconhecido no Brasil. Isso não quer dizer que H.O. tenha se desprendido minimamente de seu percurso na arte brasileira, em que empreendia o que Celso Favaretto expôs em cada fase: o caminho que leva o artista da bidimensionalidade para um salto no espaço. Ainda que se apontem os parâmetros de sua mudança em solo norte-americano – de um mundo à margem, da favela e do samba, para o universo do rock e do underground artístico de Manhattan –, ele se mantém de algum modo na linha do próprio e pregresso processo. No tocante ao aspecto arte-vida, central nesse percurso, já seria significativo o quadro de atores-personagens de Agrippina, trabalhados simbolicamente, em mise-em-scène variada, livre e desenvolta: Cristiny Nazareth, uma das “ivamps” dos super-8 rodados no Rio de Janeiro por Ivan Cardoso desde 1970, a série “quotidianas kodak”; Antonio Dias, artista de projeção, visto como pioneiro do pop no Brasil e autor da série em super-8 The Illustration of Art – I-X (1971-1980); Mario Montez, performer criado no cinema underground local, mítico travestimento da star homônima, do apogeu do cinema mexicano nos anos 1940, conhecida como “a rainha do Technicolor”. O filme agenciaria também elementos diversos relacionados a criadores como Sousândrade, Haroldo de Campos, Glauber Rocha e José Agrippino de Paula, entre outros.

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