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Fernando Medina

Fernando Medina

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa Mayor of Lisbon

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u, que não costumo ser muito otimista — e durante muitos anos, infelizmente, tivemos todos que acompanhar o que foi o problema do evoluir da crise de 2008 — creio que a resposta que hoje temos montada pela Europa nos devolveu confiança. Devolveu-nos aquela Europa que durante muitas vezes vimos como grande instrumento de desenvolvimento — nomeadamente em Portugal, aquele país que se ancorou à Europa na ideia de Mário Soares para estabilizar o seu sistema democrático — uma Europa capaz de nos propiciar essa luz de prosperidade e de bem-estar. É essa Europa que estamos a ver aparecer. Aquilo que neste momento está em marcha, aquilo que foi conseguido e aquilo que irá propiciar-se nos próximos anos é uma rutura no bom sentido. Viemos de uma crise violentíssima que estilhaçou o quadro de recuperação europeia, sendo que vivíamos a crédito do Banco Central, que com uma política de juros muito baixos, foi ganhando tempo, permitindo que os fatores de contradição interna da Europa não se tornassem politicamente ainda mais insustentáveis ao nível de cada estado. É evidente que não foi suficiente para evitar alguns dos acontecimentos a que assistimos, como o Brexit ou outros fenómenos

Eem países da Europa onde as evoluções não foram positivas. Esta pandemia trouxe, de certa forma, a salvação do projeto europeu, no sentido em que forçou a resolução de um bloqueio na frente que considero ser a mais importante: a frente da reposta económica e social. Esta será a frente mais violenta e penosa, já que irá arrastar-se com consequências muito pesadas e durante muito tempo. Esta será uma crise da qual iremos demorar tempo a recuperar e precisamente por isso é que a resposta da União Europeia foi importante, indo ao coração do problema. Hoje os países têm uma oportunidade e uma responsabilidade, não sendo pela falta de recursos que não temos os instrumentos para dar uma resposta cabal a uma parte importante dos desafios que são colocados. Eu sinto esse ânimo e essa responsabilidade. Quando falamos da Europa, sejamos claros, falamos dos estados europeus, já que as instituições europeias responderam, no seu fundamental, muito bem a esta crise desde o início, desde o Banco Central à Comissão Europeia, apesar dos obstáculos no Conselho Europeu — problema esse que, em última análise, residia nos Estados-Membros. Existe agora uma diferença de fundo muito importante e com um sentido estratégico, nomeadamente, o posicionamento menos receoso da Alemanha, mostrando ter aprendido bem o problema de gestão da crise de 2008. O facto de esta ser uma crise transversal, em que a maior economia exportadora tem

uma dificuldade objetiva se não tiver compradores, pesou na aceleração da interpretação da urgência.

É para mim indiscutível que iniciámos um novo ciclo, aberto num ponto muito importante relativamente à questão do crescimento económico, do emprego e da coesão social, respondendo a uma questão chave colocada neste painel: poderá a recuperação económica ajudar a combater o populismo?

É hoje claro que o populismo se alimenta da falta de respostas a perguntas legítimas, nomeadamente por parte daqueles que durante muito tempo procuraram uma resposta de aspiração e ascensão social ou resolução de necessidades básicas, e que durante muito tempo a viram estagnada.

A Europa pós-moeda única teve sempre taxas de crescimento bastante reduzidas, muitas dificuldades nos elevadores sociais e muitas tensões dentro dos vários estados, sendo esta

a primeira vez que vemos uma resposta com solidez e dimensão, apesar do muito que teremos para resolver.

Nesta pandemia também veio ao de cima muito do que é a fragilidade da coesão política dentro do projeto europeu, aliás, muitos países geriram esta pandemia não numa lógica cooperativa, mas numa lógica concorrencial. Quando a pandemia começou, os vários países europeus competiram entre si pelos carregamentos de máscaras e ventiladores vindos da China, momento em que se assistiu a cenários incríveis como o de mercadorias paradas em aeroportos comunitários perante o envio para outros países comunitários. O que assistimos hoje em relação às regras de circulação e voos são sinais de uma abordagem competitiva que está condenada ao fracasso, pelo facto de este vírus ser bastante democrático entre os países do norte e os países do sul, ou entre os países do ocidente e os países da zona oriental, não medindo as fronteiras políticas, capacidades, cores políticas, ou estilos políticos dos países.

Esta lógica competitiva é uma que rapidamente falha, mas que continua presente, sendo que as lideranças de vários países não mudaram, as dificuldades objetivas são reais, e aguardamos ainda para ver que realidades europeias emergirão do ponto de vista nacional. Neste momento, esperamos conseguir avançar na limitação da interferência externa daqueles que pretendem fragilizar o projeto europeu — em particular a Rússia e os Estados Unidos — e na valorização do lugar da Europa no mundo.

Apesar dos problemas e dificuldades associados aos egoísmos e nacionalismos, mantém-se o elemento mais importante: temos já e vamos ter um instrumento de resposta ao problema económico e social. A partir daqui teremos uma arma muito poderosa para fazer face ao populismo e ao crescimento das forças de desagregação que são muito poderosas e profundamente negativas.

Esta pandemia trouxe, de certa forma, a salvação do projeto europeu, no sentido em que forçou a resolução de um bloqueio na frente da reposta económica e social.