Catálogo 24º AmadoraBD 2013

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24º AMADORA BD 2013 Cenários

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B  ©MCDONNELL, Patrick, Os Nossos Mutts, vol 5, p.40, Lisboa, Edições Devir

pelo mundo fora, Mutts já foi objecto da edição de cinco livros em Portugal, com a chancela da Devir, tendo o último deles, Os Nossos Mutts, sido distinguido com o Prémio Melhor Álbum de Tiras Humorísticas na edição de 2012 dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada. Abdicando do antropomorfismo, estratégia narrativa e de representação com uma longa linhagem na história da banda desenhada, McDonnell mantém os seus personagens com as características físicas e biológicas dos animais que representam intocadas, preferindo alimentar as curtas narrativas de Mutts a partir da exploração de uma dimensão psicológica que os animais poderão não ter, mas que por um lado o leitor identifica a partir de um provável convívio, mais ou menos experimentado, com cães e gatos (ou pelo menos a partir de um certo senso comum sobre estes animais), e por outro permitem o reconhecimento próprio e alheio que faz com que a série não seja apenas uma paródia com personagens animais. O humor de Mutts deve muito pouco ao riso mecânico provocado por quedas, armadilhas ou movimentos inesperados, e ainda menos a qualquer ordem escatológica ou de baixa temática (chamemos-lhe assim, simplificando). Não deixa, no entanto, de ser linear, mas o facto de se erguer a partir de um entendimento dos animais domésticos que cruza as suas características biológicas com a psique humana permite criar uma vasta zona de encontro entre o esperado e o surpreendente. Que um cão passe horas girando sobre si próprio, tentando morder a cauda, ou que um gato prefira arranhar os móveis em vez do objecto que os seus donos adquiriram para esse efeito não oferece qualquer surpresa e não provocará, ao nível humorístico, maior efeito do que um mero sorriso de reconhecimento por parte de quem goste de cães e gatos. Mas que essas duas acções sejam acompanhadas por comentários dos próprios bichos, fazendo pouco delas como um ser humano poderia fazer pouco de um amigo com uma determinada mania, ou encarando-as como perturbações emocionais comparáveis a certas fobias ou certos instintos assumidos por humanos, isso já coloca Mutts num outro patamar de partilha. A essa estratégia humorística junta-se a capacidade que os bichos demonstram na identificação precisa das suas próprias fraquezas e qualidades, algo que não esperaríamos por parte de um animal e que se torna tanto mais interessante quanto podemos reconhecer nessa identificação o nosso modo de avaliar, entender e relacionarmo-nos com os animais domésticos. Na verdade, e como quase todas as narrativas que utilizam animais como protagonistas, das velhas fábulas às modernas parábolas, Mutts diz muito mais sobre nós do que sobre os bichos que representa, e talvez aí resida a explicação para o seu sucesso mundial.


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