Catálogo 24º AmadoraBD 2013

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Prémio Nacional 2012

Ricardo Cabral O Olhar Constrói o Mundo

É inútil, por isso, querer ver em livros como Israel Sketchbook e New Born. Dez dias no Kosovo, bem como em algumas histórias de Pontas Soltas ou no mais recente Comic Transfer, um registo da realidade de cada um dos locais que motivaram os livros. O realismo que se imprime às imagens, através da utilização da cor a partir de fotografias tiradas no local, ou a possibilidade de um reconhecimento dos espaços através dos desenhos não são indícios de um registo milimetricamente coincidente com a a realidade ou a verdade, categorias que pouco contribuem para a seriedade de um registo como estes e que se oferecem mais ao descanso de uma leitura preguiçosa do que ao desafio de uma leitura atenta – e veja-se, a título de exemplo, as páginas 124 e 125 de Israel Sketchbook, onde o autor representa um segmento da cidade de Jerusalém incluindo a Cúpula da Rocha, sobre a qual o narrador avisa “que não está realmente ali, mas que eu forço para aparecer no desenho”. Outro autor poderia ter estado nos mesmos locais e optado por manter o seu foco nas pessoas com quem se poderia ter cruzado, na narrativa dos conflitos – os geo-políticos e os do quotidiano, presentes em qualquer lugar – ou em histórias recolhidas através de relatos. Do mesmo modo, esse hipotético outro autor não nos daria a ler o registo da realidade, pela simples razão de esse ser um gesto inalcançável. O que Ricardo Cabral regista nestes dois livros, bem como em Pontas Soltas (mesmo quando a ficção se impõe como registo principal, como em “Lágrimas de Elefante”), é o seu olhar sobre a realidade que pôde experimentar. Com esse olhar, Cabral constrói o mundo que nos dá a ver, e esse não é um gesto pequeno no âmbito da criação.

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