Catálogo 24º AmadoraBD 2013

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24º AMADORA BD 2013 Cenários

A partir do trabalho realizado na sequência da viagem a Israel, parece seguro dizer que o conceito de cenário já não é o mais produtivo para analisar a obra de Ricardo Cabral, sendo preferível abrir o foco exegético para uma categoria mais ampla e com mais possibilidades de abarcar outras categorias e modos de olhar, ou seja, o espaço.

O espaço como eixo da obra Mais do que o cenário, concebido enquanto categoria dramática e ajustada à narrativa em banda desenhada, é o espaço enquanto construtor de sentido que vai ganhando peso na obra de Ricardo Cabral à medida que esta progride no tempo. O olhar sobre o espaço enquanto composição de conjunto reforça-se com a atenção dada ao seu significado, às potencialidades que encerra enquanto componente essencial de um lugar (cidade, deserto, casa ou estrada sem fim aparente) e à capacidade de registar episódios, mas sobretudo de representar relações, conflitos e identidades. Num trabalho sobre a relação entre o espaço e as práticas religiosas, o sociólogo Émile Durkheim questiona as características do espaço do seguinte modo: “Por si só, o espaço não tem nem direita nem esquerda, nem alto nem baixo, bem norte nem sul, etc. Todas estas distinções vêm evidentemente do facto de valores afectivos diferentes terem sido atribuídos às regiões, e como todos os homens de uma mesma civilização representam o espaço da mesma maneira é preciso evidentemente que esses valores afectivos e as distinções que deles dependem lhes sejam igualmente comuns, o que implica quase necessariamente que sejam de origem social.” (E. Durkheim, As Formas Elementares da Vida Religiosa, Celta,[1912] 2012). Os estudos antropológicos e sociológicos sobre o espaço avançaram muito, e em múltiplas direcções, desde esta afirmação de Durkheim, datada relativamente ao que é, hoje, o debate e a análise sobre esta categoria, mas digamos que a sua referência isolada é um bom ponto de partida para compreendermos que o espaço só adquire valores, hierarquias e percepções bem definidas a partir do momento em que é interpretado pelos que o habitam ou nele se movem. O trabalho de Ricardo Cabral confirma esse entendimento ao criar espaços a partir de um ângulo bem definido relativamente ao enquadramento social e cultural que envolve o narrador e o seu modo de mover-se nos locais que visita. É assim que a imagem da igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém (Israel Sketchbook), se apresenta numa composição visual cujas leituras dependem

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