Catálogo 24º AmadoraBD 2013

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24º AMADORA BD 2013 Cenários

razão. É também pela forma como trabalham, como constroem as estruturas dos seus textos, como fazem circular os seus objectos publicados, seja através do livro comercialmente distribuído e até recebedor de prémios, seja através da tira diária numa publicação, o zine vendido online, ou a imagem no tumblr. Eles criam um espaço de reflexão que, como tal, estando na esfera pública, pode dialogar com o resto do mundo das formas mais diversas. Repare-se no seguinte exemplo. Toda a produção da Turma da Mônica, pelo menos até anos recentes, parecia querer apresentar algo “universal” (como as tiras em que se basearia, de Nancy a Peanuts), mas por isso mesmo criava uma plataforma politicamente problemática, por não ter factores directos ou mais claros da realidade brasileira, o espectro racial/étnico parecer diluído, e tudo existir num patamar semi-burguês e confortável, ou transformado numa qualquer comodidade possível (mais uma vez, a defesa que é um título “infanto-juvenil”, de “mero entretenimento”, apenas confirma o modo de auto-invisibilidade que as ideologias dominantes põem a funcionar). Daí que em MSP + 50, uma série de trabalhos criados por vários autores em homenagem a Maurício de Sousa e suas famosas criações, André Diniz tenha escolhido, e como o próprio escreve, “não muito por acaso o personagem Jeremias, o único negro da turminha”. Kitagawa, no mesmo projecto, ainda que se atenha ao imaginário actancial das personagens originais, desdobra o ambiente social em que elas se inserem, não apenas tornando as coisas mais ancoradas na realidade, como mostrando a sua “invisibilidade” na obra original. Também Diego Gerlach, quer nas suas histórias quer nas suas ilustrações “livres”, revisita muitas das personagens do universo das HQs para lhes incutir uma torção subversiva. Enquanto reportagem ou “autobiografia do outro”, Morro da Favela de André Diniz cria um texto vastamente diferente das demais obras presentes agregadas neste núcleo, contrastando com as ficções dos restantes autores. Porém, essas mesmas ficções, bebam elas de géneros mais convencionais (Franz e Gerlach reempregando elementos das BDs/HQs de super-heróis, da mangá comercial, da ficção científica, Kitagawa inflectindo aspectos do policial/crime urbano), de campos contemporâneos (D’Salete reforçando a linguagem da banda desenhada “alternativa” mundial, com um poderoso foco no mundano, na normalidade e ubiquidade do quotidiano) ou do absurdo e experimental (Sica), convergem com Morro na focalização da re-presentação daqueles grupos menos privilegiados, usualmente sem voz própria, no palco do político. Em vez de surgirem essas personagens como representantes de classes desfavorecidas numa economia de melodramas que os reduziria a uma

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