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A MODA ZERO WASTE NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

Isabel Cristina Scafuto, Doutora em Administração; Universidade Nove de Julho (Uninove); isabelscafuto@gmail.com Andréa dos Anjos Moreiras; Doutoranda em Design; Anhembi Morumbi (UAM); amoreiras70@gmail.com Milton Terumitsu Sogabe; Doutor em Comunicação e Semiótica, Universidade Anhembi Morumbi (UAM), miltonsogabe@gmail.com

Resumo: A humanidade está na era do Antopoceno e em direção para a destruição da autopreservação e da própria extinção. O Planeta está sofrendo com as alterações climáticas, a deflorestação, a poluição e escassez de água. O uso excessivo de recursos naturais e a enorme geração de resíduos são fatores determinantes que nos levam a repensar o estilo de vida das pessoas e em particular a forma como a moda está sendo consumida. A produção de produtos de moda precisa ser repensada. Desta forma, o design pode ser uma ferramenta fundamental na concepção de novos produtos e a modelagem zero waste oferece alternativas em termos de soluções mais sustentáveis para produtos de moda.

Palavras-Chaves: Moda Sustentável; Economia Circular; Zero Waste;

INTRODUÇÃO

O Planeta não tem mais condições de suportar o modelo atual de produção de produtos e de consumo. Dessa forma, torna-se necessário cada vez mais uma nova concepção de modelo de produção e processos. A moda é estética, mas também deve ser ética e naturalmente evolutiva. A crise climática é um desafio global, e já há consequências de populações que já têm seus direitos ameaçados. A pressão da sociedade fez a diferença aos resultados na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), a principal cúpula da ONU para debater questões climáticas e criar estratégias em prol de um bem comum, que aconteceu em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021 e reuniu representantes de quase 200 países da ONU e mais de 100 mil pessoas.

As pessoas estão ameaçadas neste caminho rumo ao aquecimento global, acima de níveis seguros para humanidade e com grande impacto sobre o clima, a indústria da moda é responsável por entre 2% e 8% das emissões globais de carbono, e se o ritmo atual for mantido, o setor pode não cumprir as metas de redução de emissões pela metade até 2030. (ONU Brasil 2021b)

Globalmente, existem iniciativas para estimular o compromisso público de grandes empresas da moda como, por exemplo, a Carta da Indústria da Moda para Ação Climática da ONU. Reconhecendo seu enorme papel na promoção da mudança

climática, em uma mensagem integrada algumas organizações de moda e sustentabilidade assinaram uma carta aberta que destaca o papel fundamental do setor e diz que os líderes devem reconhecer essa importância para agir.

A missão da Carta da Indústria da Moda para Ação Climática é levar a indústria da moda a reduzir até 2050 as emissões líquidas de gases de efeito estufa, e ainda manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC. No seu lançamento, em 2018, contou com 130 empresas e 41 organizações de apoio que se comprometeram com a ação climática. O documento fornece uma estrutura para o diálogo e engajamento das partes interessadas na ação climática (ONU Brasil 2021b).

Na COP26, a indústria da moda renovou o compromisso com ações para combater a mudança climática, a nova Carta foi apresentada em uma sessão que explorava como impulsionar a indústria da moda para um caminho de emissões líquidas zero, e a exigência da criação de mecanismos de incentivo para o engajamento do fornecedor no caminho da descarbonização, e as soluções existentes que podem ser escaladas e aceleradas.

Durante o evento foi lançado um chamado por políticas para incentivar o uso de materiais rastreáveis e ecológicos. “Em um momento em que a crise climática está se acelerando a níveis sem precedentes, precisamos que a economia real seja líder na ação climática. O fortalecimento dos compromissos dos signatários da Carta da Moda é um excelente exemplo dessa liderança”, disse Niclas Svenningsen, gerente de Ação Climática Global da ONU Mudança Climática. (ONU Brasil 2021a). O pedido aos líderes é que se comprometam com as seguintes recomendações: ação coletiva para atingir emissões zero até 2050; esforços e criatividade para solucionar a problemática dos resíduos; aumentar a responsabilidade das empresas em relação às suas cadeias de fornecimentos globais; apoiar o desenvolvimento de habilidades na educação para incentivar as crianças a aprender a fazer, consertar e reutilizar suas roupas; e enquadrar quaisquer soluções para a emergência climática em torno de modelos de negócios que mudem o foco do lucro para uma economia do bem-estar. (Artuso, 2021)

Portanto, a sustentabilidade na Moda é necessária e fundamental para desacelerar a crise climática.

DESIGN E ECONOMIA CIRCULAR

A criatividade nunca foi tão importante e o design se tornou uma ferramenta essencial para a construção de futuros mais sustentáveis por meio de uma abordagem circular e inovadora a partir de um novo olhar sobre materiais e processos. O conceito de circularidade pode ter várias definições. Para Global Fashion Agenda a Circularidade é poder limitar o consumo dos recursos finitos, reutilizando os produtos no seu fim de vida, mas também eliminar os desperdícios do sistema. A sustentabilidade e a Economia Circular estão no topo da agenda da indústria têxtil

nacional. Perspectivam-se desafios e soluções que prometem mudar radicalmente este setor. E o design é fundamental na concepção do produto, que deve ser projetado seguindo as diretrizes do desperdício zero, ou Zero Waste sem renunciar a estética e os atributos de funcionalidades. (GLOBAL FASHION AGENDA)

O MÉTODO E PROCESSO ZERO WASTE

O Zero Waste na moda é uma técnica de modelagem que o desenho de uma peça de roupa é concebido e elaborado de forma que 100% da superfície do tecido é aproveitado e nada é desperdiçado, e desta forma, não gera resíduos. Além disso, significa projetar e gerenciar produtos e processos para evitar e eliminar sistematicamente o volume e a toxicidade dos resíduos e materiais, em vez de queimá-los ou enterrá-los, pode-se conservar e recuperar todos os recursos. A implementação do Zero Waste eliminará todos os descartes de terra, água ou ar que constituem uma ameaça à saúde planetária, humana, animal ou vegetal (ZERO WASTE INTERNATIONAL ALLIANCE, 2017).

O Zero Waste pode ser um método de modelagem, no qual o molde é projetado para não produzir resíduo (Imagem 1), e caso gere, o resíduo deve ser aproveitado na própria peça, de forma que componha algum detalhe que faça parte do projeto. Também pode ser considerado no nível da empresa, em que as peças são projetadas e cortadas da forma tradicional, mas o resto de tecido é reutilizado ou reciclado. “O Zero Waste (resíduo ou desperdício zero) é uma abordagem contemporânea desde a criação, o desenvolvimento e a produção, que abrange várias metodologias que visam à prevenção e à redução de resíduos durante o processo produtivo”. ANICET E RÜTHSCHILLING (2013, P. 20)

Imagem 1 – Modelagem utilizado a técnica zero waste Fonte: Skarlett Costura

O designer e o modelista precisam trabalhar em conjunto com o objetivo de visualizar o produto de moda sobre diversos prismas, alinhado aos aspectos sustentáveis e minimizando o seu impacto por meio de uma meta de não gerar resíduo (RIZZI; ANICET; MEURER, 2017).

...evitar o desperdício de tecido por meio de uma modelagem mais eficiente desempenhou um papel importante na produção de roupas nos tempos históricos. A túnica da Grécia Antiga e o quimono japonês eram painéis de linhas simples que faziam a peça poder ser cortada no tecido com pouquíssimo desperdício – isso por razões econômicas, pois o tecido era caro. Entretanto, quando a moda passou a se tornar mais ajustada ao corpo, era preciso que as partes da roupa tivessem um formato. Com a combinação de linhas retas e curvas, os moldes agora não se encaixam de maneira precisa e eficiente, o que resulta na criação de espaços negativos e positivos no tecido, e são as peças negativas (ou sobras) que são desperdiçadas”. (GWILT, 2014, p. 80, apud RIZZI; ANICET; MEURER, 2017, p. 7)

Para ser aplicado o processo de modelagem Zero Waste, é preciso conhecer as especificidades dos tecidos e dos processos de produção utilizados por todos os tipos e tamanhos de empresas. Assim, podem ser visualizados as possíveis barreiras do processo de produção (FRAGA, 2020).

CONCLUSÃO:

A sustentabilidade na moda é necessária e fundamental para o setor que está passando por profundas transformações. Quanto mais sustentável for a produção mais contribuirá para a manutenção do meio ambiente para as futuras gerações. A busca por desenvolver produtos têxteis sustentáveis com o menor desperdício possível de materiais na produção das peças é o grande motivador para a descoberta destes novos modelos de produção. E o design aparece como resposta, e mais do que ser uma “mega” tendência, conceber peças sem geração de resíduos impede o seu descarte excessivo que acontecem diariamente. Portanto, o design de produtos é um grande aliado nesse processo, pois a fase de concepção é muito relevante, vale ressaltar a importância de pensar no objetivo e na função de cada peça que será desenvolvida. Os produtos de Moda devem contribuir para um desenvolvimento positivo e bem-estar dos ecossistemas e sociedades e seu ciclo de vida não deve causar nenhum impacto negativo socioambiental. Algumas estratégias são necessárias para permitir uma vida longa e maximizar a circularidade de produtos e materiais na sociedade como conceber produtos que

possam ser facilmente desmontados ou remodelados a fim de facilitar o reparo, redesign, reuso e a reciclagem dos materiais. Para não gerar estoque desnecessário, deve-se criar roupas sob encomenda, diminuindo o desperdício, criando produtos que maximizem a eficiência de recursos, como a modelagem zero waste, e produção mínima de lixo, design modular e combinações limitadas de materiais. A escolha de materiais orgânicos, reciclados ou biodegradáveis, que possam ser processados de maneira segura, usados, reusados e, reciclados ou compostados ao final da vida útil. A agenda da indústria têxtil nacional precisa estar pautada pela sustentabilidade e a Economia Circular. Deseja-se que os desafios existentes promovam soluções que prometem mudar radicalmente este setor.

Por meio da colaboração, unida pela transparência e de uma visão para as economias regenerativas, a moda pode ser um agente transformador e tem a oportunidade de usar sua influência para o bem do planeta e das pessoas perante a maior ameaça que a humanidade enfrenta. Mas, para que o potencial da moda seja reconhecido como parte das soluções climáticas, é preciso que os esforços sejam coletivos e visem o bem comum.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANICET, Anne; RÜTHSCHILLING, Evelise. Contextura: processos produtivos sob abordagem Zero Waste. Moda Palavra E-periódico, v. 6, n. 12, p. 18-3, 2013. Disponível em: http:// www.revistas.udesc.br/index.php/modapalavra/article/viewFile/3473/2488. ARTUSO, Eloisa. Carta Capital. Cop-26: Os compromissos, as emissões, as comunidades afetadas e a indústria da moda. Disponível em https://www.cartacapital.com.br/blogs/ fashion-revolution/cop-26-os-compromissos-as-emissoes-as-comunidades-afetadas-e-a-industria-da-moda/ Acesso em: 22 jul 2022.

FRAGA, Denis. O zero waste frente à pragmática do consumo no setor de corte da confecção do vestuário: a falácia do aproveitamento na modelagem com foco na redução do resíduo. 2020. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental — Universidade de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, 2020.

GLOBAL FASHION AGENDA. Disponível em https://www.globalfashionagenda.com/ Acesso: 20 out 2021.

GWILT, Alison. Moda sustentável: um guia prático. São Paulo: Gustavo Gili, 2014. 176p. Tradução de Márcia Longarço.

RIZZI, Suelen; ANICET, Anne; MEURER, Heli. Alternativas inovadoras e sustentáveis para o desenvolvimento de produtos de moda, com ênfase nas técnicas de ideação e modelagem focadas no Zero Waste: uma abordagem slow fashion. In: 5o Congresso Científico Têxtil Moda – Comtexmod. Anais... São Paulo, 2017.

ONU BRASIL. Indústria da moda intensifica ambição climática durante COP26. 2021a. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/157504-industria-da-moda-intensifica-ambicao-climatica-durante-cop26. Acesso em: 10 ago. 2022.

ONU BRASIL. Na COP26, mais de 130 empresas de moda prometem reduzir emissões de CO2. 2021b. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/11/1769992. Acesso em: 6 ago. 2022. SKARLETT COSTURA. Zero Waste ¿Conoces el patronaje cero residuos? Dispoível em: https:// skarlett.es/zero-waste-patronaje-cero-residuos/ Acesso em: 12 dez 2021.

ZERO WASTE INTERNATIONAL ALLIANCE - Creating a World Without Waste. Disponível em: https://zwia.org/. Acesso em: 6 jul. 2022.