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A SUSTENTABILIDADE ESQUECIDA DO RAMI

Heloise Arriola Sperandio; heloise.as@gmail.com

Resumo: Após o auge do seu cultivo no Brasil, a cultura do rami entrou em grande declínio no fim dos anos 1980 para dar lugar à outros commodities. Hoje, esquecido pela indústria têxtil, o rami ainda pode ser considerado um forte aliado para a moda sustentável.

Palavras-chave: rami, fibras naturais, produção têxtil, agricultura regenerativa.

INTRODUÇÃO

O Rami é uma planta nativa da Ásia e amplamente utilizada na fabricação de cestaria, cordas e tecidos. Sendo assim, pode ser definida como planta ou como fibra têxtil. É conhecida como “seda vegana” graças ao longo comprimento das suas fibras, o que lhe agrega características como brilho e maciez após passar por processos têxteis (CUNHA, 2019). Comparado ao algodão, linho e ao cânhamo, o rami, como produto têxtil possui diversas vantagens: pode ser utilizado para produzir produtos e subprodutos, possui mais propriedades absorventes que o linho; roupas feitas com essa fibra possuem vida útil mais longa que as feitas em algodão pois não desbotam e não encolhem; além de ser mais resistente que a fibra de cânhamo (BENATTI, 1985). Graças as suas características físicas, o rami é a fibra vegetal mais durável e resistente de todas as fibras celulósicas conhecidas. Por ser extremamente adaptável, a fibra do rami não precisa de um maquinário têxtil próprio, podendo ser trabalhada nas mesmas máquinas que fiam e tecem seda, algodão e até mesmo lã (FREIRE, 1996). Facilmente confundido com o linho, o tecido de rami apresenta vantagens dentre todas as outras fibras vegetais na tinturaria e na retenção de corantes (PALHARES, 2016). Esse artigo têxtil sempre teve uma boa aceitação no mercado, não somente por se parecer com o linho, mas principalmente por ter um preço muito mais acessível do que o seu similar. Muitas vezes ele é encontrado em lojas de tecidos com o nome “linho rami”, e poucas pessoas conseguem distingui-los.

CULTIVO NO BRASIL

No Brasil, o rami foi introduzido como produto agrícola em 1884, em uma colônia rural no estado de Santa Catarina. Os estados do Espirito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina foram conhecidos como os precursores desse tipo de cultura (FREIRE,

1996). A cultura do rami no Brasil atingiu o seu apogeu entre os anos 1960 a 1980 na cidade de Uraí, no Paraná, quando a mesma ficou conhecida como “Capital Mundial do Rami”. Nesse período a cidade era prospera e as plantações de rami geravam empregos direta ou indiretamente. (OLIVEIRA; GUSMÃO; ALEGRO, 2009).

Durante o seu auge produtivo, a fibra de rami deixou de ser exclusiva para produção de fios rústicos como cordas e sacarias e passou a produzir fios mais nobres, transformando-os em tecidos finos. O Brasil passou a ser o terceiro maior produtor de rami mundial, ficando atrás somente da China e das Filipinas (PALHARES, 2016). Nesse período prospero da cultura do rami, três indústrias têxteis se destacaram no setor fazendo o beneficiamento da fibra: a Toyo Sen I do Brasil, Itimura Têxtil e Carambeí Industria Têxtil Ltda. As três industrias paranaenses chegaram a fiar aproximadamente 5000 toneladas por ano de rami, cada. Vale lembrar que além dessas, as fábricas Barbero e Fama, que na época fabricavam tecidos de linho, passaram a trabalhar também com rami devido a grande demanda do mercado.

Mesmo assim, no final da década de 1980, outros commodities, como a soja, tomaram conta das fazendas da região, em parte para diversificar a produção de alimentos e em grande parte pela recém liberada importação com tarifas médias reduzidas de 45% para 14% em produtos têxteis (MERLO; SANTORO, 2012). Havia ainda o agravante dos grandes acidentes de trabalho causados pela falta de tecnologia das máquinas desfibradoras e descorticadoras que separavam as cascas das hastes das plantas, preparando-as para a indústria têxtil (CUNHA, 2019). Hoje, o rami no Brasil só é utilizado para forragem - alimentação de animais na atividade pecuária - por possuir um alto teor proteico (cerca de 28%). Porém, somente suas folhas são comestíveis e o seu caule fibroso não possui outra função além da têxtil (FREIRE, 1996).

VANTAGENS

Em comparação com outras fibras têxteis, o rami possui diversas vantagens, o que a torna uma das fibras de origem vegetal mais sustentáveis do mundo. A baixa necessidade de irrigação faz com que sua produção independa de água mesmo atravessando grandes períodos de seca, e por ser uma planta que adapta-se bem em climas subtropicais e temperados (FREIRE, 1996), ela pode ser cultivada em vários estados brasileiros sem grandes necessidades de manutenção. Ainda, quando em situações climáticas propensas, o rami pode ser colhido até quatro vezes no mesmo ano, podendo produzir até três toneladas por alqueire em cada colheita, além de não necessitar de pesticidas em suas lavouras, o que classifica a planta como um recurso renovável rápido (CUNHA, 2019).

Utilizar o tecido de rami em um artigo têxtil, garante uma grande ação antibacteriana natural, e também uma ótima durabilidade da peça. O rami é mais resistente que o cânhamo, o algodão e a lã, e também pode ser misturado as mesmas evitando desperdício de fibras na fabricação. Além de possuir uma grande capacidade de resistir a manchas – diferente de outras fibras naturais, possui aparência brilhante, é facilmente tingido, não encolhe com facilidade, seca rapidamente e mesmo assim é macia ao toque.

Tecidos com a composição pura da fibra de rami possuem características próprias como leveza e sedosidade, com fios desiguais que formam uma trama parecida com a do linho. A fibra de rami é ainda uma excelente opção para ajudar no melhoramento de produtos têxteis: quando misturado com outras fibras, como o algodão. O resultado é um tecido com mais brilho, resistência e melhor afinidade com corantes. Ao ser misturado com lã, faz com que a fibra de origem animal tenha menos encolhimento ao ser lavada ou submetida a grandes temperaturas (GARG, 2010).

Comparado ao cânhamo, o rami possui fios mais finos, o que faz com que a trama dos tecidos compostos por essa fibra sejam mais maleáveis enquanto o primeiro possui tramas mais grosseiras (BELTRÃO, 1996). Além das diferenças estéticas, há uma grande diferença no cultivo dessas duas plantas: enquanto o cânhamo é uma espécie anual, o rami é uma variedade perene que pode fornecer várias produções por ano, assim diferenciando-as quanto aos seus potenciais produtivos.

CONSIDERAÇÕES

Com a escassez de recursos naturais, principalmente recursos hídricos, o rami é uma alternativa que pode substituir os grandes commodities como o algodão. Além de precisar de pouca água para manter suas lavouras saudáveis, o cultivo do rami também não necessita de agrotóxicos e pesticidas para manter-se, o que faz com que essa cultura possua um baixo ou quase nulo impacto ecológico. O fato de utilizar-se todas as partes da planta para diversas finalidades, faz com que o rami seja uma ótima opção agrônoma para fazendas regenerativas. Pode-se considerar o rami uma ótima escolha para ser base de vestuário tingido naturalmente, por ser uma fibra celulósica com um alto teor proteico, o que facilita o tingimento botânico. As grandes dificuldades enfrentadas durante o auge do seu plantio, nos anos 1960 a 1980, já não seriam mais uma preocupação na indústria têxtil e agrícola atual. Os acidentes sofridos pelos trabalhadores rurais para extrair a fibra dos caules, hoje não aconteceriam, graças as mudanças tecnológicas de ambos os setores. A desfibração do rami pode acontecer de forma totalmente automatizada, poupando agricultores de esforços físicos extremos.

O cenário mundial atual, referente a produção de rami, se mostra cheio de oportunidades para o Brasil caso haja a reintrodução dessa cultura na agricultura nacional. Os maiores produtores dessa fibra atualmente são a China, Filipinas, India, Coreia do Sul e Tailândia, porém somente uma pequena parte de produtos feitos com essa fibra é exportada, e o resto é utilizado somente no mercado interno desses países. Os maiores importadores de rami são Japão, Alemanha, França e Reino Unido, entretanto, esses países não conseguem importar as quantidades desejadas por falta de oferta no mercado internacional (GARG, 2010). Dentro do mercado interno, a crescente procura por alternativas sustentáveis, a conscientização da indústria, assim como dos consumidores finais, faz com que a reintrodução dessa fibra na indústria têxtil seja uma alternativa imprescindível para o setor. A indústria têxtil brasileira pode beneficiar-se muito do rami no momento atual, pois como exposto acima, essa fibra pode ser usada juntamente com sobras têxteis, evitando assim desperdícios; no melhoramento de outras fibras, principalmente naturais, por suas propriedades (tenacidade, regain, lustro e resistência química). Por ser naturalmente antibacteriana é uma alternativa natural e pode substituir tecidos sintéticos com essa mesma propriedade; proporciona conforto térmico e tem imensa durabilidade, fazendo com que não haja alto descarte das roupas confeccionadas com essa fibra. Além disso, o seu alto potencial de produtividade agrícola, sem a necessidade de agrotóxicos nas lavouras, faz com que não haja possibilidade de escassez no mercado e continue sendo uma das fibras naturais mais sustentáveis. Levando em consideração o impacto climático já causado pela indústria têxtil, é necessário que profissionais e pensadores da moda - sejam eles engenheiros têxteis, estilistas ou designers, procurem incentivar a indústria têxtil à produzir fibras mais sustentáveis para que os danos causados pelo consumo excessivo sejam minimizados. A restauração do cultivo do rami seria uma das melhores opções do momento, tendo em vista que, comparado ao algodão, essa cultura necessita de pouca água para sua manutenção e de nenhum pesticida para sua proteção, situações essas que são muito preocupantes no cenário brasileiro atual. O rami é uma fibra altamente sustentável desde o seu plantio até sua fiação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENATTI JÚNIOR, Romeu. Rami: planta têxtil e forrageira. Campinas: Fundação Cargill, 1985. BELTRÃO, N. E. de M. Dossiê sobre o Cânhamo – Cannabis Sativa L. Campina Grande: EMBRAPA, 1996. CUNHA, Renato. Rami sustentável e ecológico promete ser o tecido do futuro; – 2019 – Disponível em: https://www.stylourbano.com.br/rami-sustentavel-e-ecologico-promete-ser-o-tecido-do-futuro/ – Acesso em: 20 de julho de 2022.

FREIRE, Eleusio. Cultura do Rami no Agreste Nordestino. Campina Grande: EMBRAPA, 1996. GARG, Nitan. Study of Ramie Fibre – A Review; –2010 – Disponível em: https://www.fibre2fashion.com/industry-article/4787/study-of-ramie-fibre-a-review – Acesso em: 3 de setembro de 2022.

MERLO, Márcia; SANTORO; Maria Luiza. Importação de Têxteis no Brasil: um olhar para o mercado de moda. Curitiba: FAE, 2012.

OLIVEIRA, C.; Gusmão, A.; Alegro, R. Crônicas da Cultura do Rami em Uraí: lembranças de trabalhadores, 1960-1980; – 2009 – Disponível em: https://journals.openedition.org/ confins/5973 – Acesso em: 22 de julho de 2022.

OGAWA, Vitor. – A ascensão e a queda do rami no Norte do Paraná – Folha de Londrina - Londrina – 06 de março de 2021 – Disponível em: https://www.folhadelondrina.com.br/folha-rural/a-ascensao-e-a-queda-do-rami-no-norte-do-parana-3060990e.html -Acesso em: 19 de julho de 2022.

PALHARES, Izabel Porto. Rami, uma cultura em extinção. ; – 2016 – Disponível em: https://silo. tips/download/rami-uma-cultura-em-extinao# – Acesso em: 4 de setembro de 2022.

UDALE, Jenny. Fundamentos de Design de Moda: Tecidos e Moda. Porto Alegre: Bookman, 2009.