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PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE UPCYCLING

PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE UPCYCLING

Andréa dos Anjos Moreiras; Doutoranda em Design; Anhembi Morumbi (UAM); amoreiras70@gmail.com Isabel Cristina Scafuto, Doutora em Administração; Universidade Nove de Julho (Uninove); isabelscafuto@gmail.com Milton Terumitsu Sogabe; Doutor em Comunicação e Semiótica, Universidade Anhembi Morumbi (UAM), miltonsogabe@gmail.com

Resumo: Este estudo é um ensaio teórico sobre Economia Circular1 na moda sustentável. O objetivo é mapear as empresas brasileiras de Upcycling com o intuito de estimular e gerar reflexões para a área. Justifica-se, pois no Brasil, segundo dados divulgados pelo Sebrae estima-se que 170 mil toneladas de resíduos têxteis são descartadas anualmente e 85% desse material vai parar em aterros sanitários, podendo levar centenas de anos para se decompor. (INSTITUTO AKATU)

Palavras-chave: Upcycling; Moda Sustentável; Moda Circular.

INTRODUÇÃO

As ações humanas têm alterado drasticamente a forma de funcionar e os fluxos naturais do Planeta ao promover grandes mudanças globais, assim, a influência humana teria impactado permanentemente a Terra, a ponto de justificar a adoção de uma nova época geológica que caracterize sua atividade. Antropoceno é um novo período geológico batizado pelo biólogo Eugene Stoermer na década de 1980 e popularizado pelo Nobel de Química, Paul Crutzen, em 2000, eles defendem que as mudanças globais observadas, impulsionadas pela crescente e intensa ação humana, teriam afetado tão profundamente o Planeta que deveríamos enfatizar o papel central da humanidade na geologia e na ecologia. (ECYCLE, 2020)

A indústria da moda é uma das responsáveis pela forma que os recursos naturais estão sendo consumidos desenfreadamente. Estima-se que a produção anual é cerca de 100 milhões de toneladas de têxteis. E, para isso, usa-se desenfreadamente as reservas de água, poluí-se os rios com os pesticidas e produtos químicos tóxicos, e destrói-se o solo e as florestas, usa-se grandes níveis de energia, enche-se o ar com partículas de poluição e explora-se vidas irresponsavelmente. (SCHUCH, 2020) O modelo atual de negócio da indústria da moda é conhecido como fast fashion.

Ele traduz que os principais atributos são vendas e geração de crescimento econômico. (FLETCHER; GROSE, 2011) Com o crescimento econômico neste setor promovido pelo fast fashion, o olhar se voltou para os processos produtivos, as difíceis condições de trabalho e a deterioração ambiental, provocadas pelas etapas de produção e isso despertou a atenção de poderes públicos e instituições. O alinhamento da cadeia produtiva da indústria da moda às leis trabalhistas e ao meio ambiente ganhou destaque e adeptos à causa. Nasceram vários movimentos acompanhados de diversos conceitos com a proposta de uma moda ética e sustentável. (NISHIMURA; GONTIJO, 2017)

A Moda Sustentável prevê a melhoria ambiental dos fluxos ao longo da cadeia de abastecimento e oferece padrões e condições de trabalho adequadas aos trabalhadores, fornecendo um modelo de negócio sustentável no país de origem das roupas (JOERGENS, 2006). Uma proposta que exige respeito pelo meio ambiente e pelas pessoas em que toda a cadeia deve ser observada está ganhando cada vez mais espaço no Brasil, e com isso, valorizando processo, procedência, matéria prima, relação justa com produtor, produto e consumidor. Para a moda ser considerada sustentável ela precisa cumprir alguns critérios (JOERGENS, 2006):

A)

Economia Circular com a filosofia “cradle to cradle” mudando os processos, como Upcycling e produção zero waste: que significa o aproveitamento máximo do tecido pela modelagem. Criar produtos alinhados a teoria do ecodesign em que o fim do produto também é pensado para ser reutilizado, virando matéria prima para outros produtos é uma abordagem que ajuda no destino dos resíduos têxteis.

B)

C)

D)

E)

F)

Economia colaborativa: biblioteca de roupas ou bazares de troca, em que o acesso é mais importante que a posse.

Sistema B: nova identidade de mercado com elevados padrões sociais, ambientais e de transparência.

Tecnologias: como reciclagem de tecidos, inovação e blockchain, entre outros.

Social: além de ambientes saudáveis de trabalho, cumprimento das leis e salários justos, práticas efetivas de inclusão social, valorização das minorias, e respeito a todos tipos de gênero. Valorização das técnicas locais, ancestrais e saberes culturais.

Ambiental: com o tingimento natural, uso do látex colorido, algodão orgânico que já nasce colorido.

Pesquisa e desenvolvimento de fibras alternativas: como o cânhamo, abacaxi, laranja, leite entre outros.

ECONOMIA CIRCULAR

O modelo econômico atual e vigente é a Economia Linear 2e pode estar ameaçado devido à disponibilidade limitada de recursos naturais e limites do Planeta em termos de capacidade de assimilação da poluição gerada. Para contrapor este modelo que é nocivo para o meio ambiente, os pesquisadores Michael Braungart e William McDonough criaram um modelo conhecido como Economia Circular, trata-se de um novo modelo que procura desvincular o consumo de recursos finitos à um desenvolvimento econômico global, e responde a desafios quanto à questão de recursos para empresas e países, os quais poderiam atribuir crescimento, gerar mais empregos e reduzir impactos ambientais (FUNDAÇÃO ELLEN MACARTHUR, 2017).

A Economia Circular constitui o paradigma do sistema do futuro que estimula novas práticas de gestão e mostra novas oportunidades criando valor às organizações em harmonia com o meio ambiente, capaz de estimular um ecossistema mais regenerativo e restaurativo (BRAUNGART; MCDONOUGH, 2013).

Um dos pontos chave das discussões sobre a prática da Economia Circular é seu reconhecimento no design de produtos. Representantes da comunidade de designers afirmam que “resíduos são um erro de design”, e 80% dos fatores causadores dos impactos negativos ambientais de ciclo de vida de um produto são definidos durante a concepção, por isso é fundamental projetar eliminando os resíduos da economia, com todas as vantagens associados a essa ação. (Royal Society Of Arts, 2013) Na moda, tem surgido iniciativas para questionar e desafiar os padrões da Economia Linear, mostrando oportunidades pautadas pela criatividade, inovação embasadas no ecodesign e diretrizes da Economia Circular.

MODA CIRCULAR

A Economia Circular não é apenas a reciclagem de materiais, há outras esferas, como a venda de roupas em segunda mão. Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE mostram que as empresas que comercializam artigos usados cresceram 210% em cinco anos. O número passou de 3.691 para 11.469 entre 2007 e 2012, com um olhar em novas perspectivas entre design e negócios e no encontro de Moda Sustentável e Economia Circular. Desta forma, deve-se desenvolver ações e orientar linhas que se reúnam na forma circular, sempre com o pensamento no fim do ciclo de um produto antes de criá-lo (SCHUCH, 2020).

2 também conhecida como “berço ao túmulo” é um modelo de negócios baseado na extração de recursos naturais para serem matéria prima de produtos que serão utilizados ate serem descartados como resíduos.

UPCYCLING

A fala do pesquisador francês Lavoisier, não poderia ser mais atual: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, e é assim o Upcycling, que pode ser entendido como a capacidade de reaproveitar descartes em que o destino seria o lixo para a confecção de novos produtos, com valor agregado e sem o uso de energia, normalmente, usado na confecção da matéria prima. Apesar de ser um conceito novo, o Upcycling foi cunhado durante a última década do século XX. Um dos primeiros a citá-lo foi o ambientalista Reine Pilz, em 1994.

O Upcycling já é uma técnica dentro de um sistema de Economia Circular que conglomera o design, a produção, o consumo, o reuso, a reciclagem e o descarte, com a probabilidade de quase infinitos ciclos de consumo, reuso e reciclagem na cadeia, prorrogando o tempo de vida útil de materiais e produtos no ecossistema (AVILA et all. 2018).

METODOLOGIA, RESULTADOS E REFLEXÕES SOBRE A PESQUISA

Esta pesquisa foi feita com intuito de conhecer a Moda Upcycling no Brasil e foi utilizado técnicas como a pesquisa bibliográfica e a consolidação das respostas de um questionário aplicado em empresas de Upcycling brasileiras. No desenvolvimento da pesquisa, a escolha pela aplicação do questionário decorreu pelo fato de considerar as empresas analisadas como propulsoras do Upclycling no país e para investigar em que períodos elas foram abertas e sua localização. As empresas foram escolhidas como como unidades de análises por vários meios: pesquisa em comunidades de Moda Sustentáveis, motores de busca como o Google, entre outros. Utilizou-se a palavra-chave “Upcycling”e optou-se por pequenas e médias empresas deste segmento, que tiveram seus nomes preservados, e o critério de seleção foi embasado nas práticas utilizadas por essas empresas.

Fizeram parte da base inicial 40 empresas, distribuídas pelas categorias de vestuário, calçados e acessórios. Das 40 empresas mapeada, 11 responderam, o que corresponde a 27,5% do total. Sobre a avaliação das respostas, verificou-se que oscila muito a quantidade de empresas fundadas, como pode ser observado na Figura 1. Houve 3 anos que não se constatou nenhuma empresa aberta (2012, 2018, 2020), sendo o último, um ano bem atípico, na medida que globalmente o mundo passava por uma pandemia originada pelo Novo Corona Vírus e a economia global ficou bastante abalada. Em 2017 houve a abertura de 3 empresas, registrando o ano com maior abertura. Os demais anos marcaram 1 abertura por ano.

Figura 1: Número de aberturas de empresa de upcycling brasileiras Fonte: Elaborado pelos autores

Outro resultado apresentado nesse estudo é sobre a distribuição geográfica das empresas entrevistadas. A região com mais aberturas de empresas de Upcycling é a sudeste, responsável por 64% do mercado, com a cidade de São Paulo na liderança. A região centro oeste e nordeste possuem 9% do mercado cada, sendo 1 no Distrito Federal e 1 em Pernambuco. A região sul possui 18% com duas empresas no Rio Grande do Sul. Já a região norte não apresentou nenhum resultado.

A pauta Moda Sustentável está em alta, e as empresas de Upclycling ainda têm um grande potencial de crescimento, mesmo que o acesso as informações por meio da pesquisa tenham se limitado a 27,5% das empresas mapeadas, com a consciência socioambiental cada vez mais verificada no comportamento do consumidor, somado a tantos sinais de desgaste que o Planeta vem mostrado, espera-se que o número de novas empresas deste segmento aumente exponencialmente nos próximos anos. Outra questão que vale considerar são as empresas deste segmento que possam ter sido fundadas e posteriormente encerradas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVILA, Ana Paula Santos de; MACIEL, Dulce Maria Holanda; SILVEIRA, Icléia; RECH, Sandra Regina. Os Resíduos Têxteis Sólidos no Contexto de Abordagens Sustentáveis: Ciclo de Vida, Economia Circular e Upcycling. Mix Sustentável. Disponível em: https://ojs.sites.ufsc. br/index.php/mixsustentavel/article/view/2555 Acesso em: 20 jun 2022

BRAUNGART, Michael; MCDONOUGH, William. Cradle to Cradle: criar e reciclar ilimitadamente. São Paulo: Editora G. Gili, 2013. 192 p. Tradução de Frederico Bonaldo.

ECYCLE. O que é Antropoceno? 2020 Disponível em: https://www.ecycle.com.br/5719-antropoceno.html. Acesso em 14 dez. 2022.

FLETCHER, Kate; GROSE, Lynda. Moda & sustentabilidade: design para mudança. São Paulo. Ed. SENAC. São Paulo, 2011.

FUNDAÇÃO ELLEN MACARTHUR. Rumo à Economia Circular: O racional de negócio para acelerar a transição. 2017. Disponível em: https://www.ellenmacarthurfoundation.org/pt/publicacoes. Acesso em: 12 mar. 2021.

INSTITUTO AKATU - Moda consciente: o que fazer quando uma peça de roupa chega ao final de sua vida útil? Disponível em: https://www.akatu.org.br/noticia/moda-consciente-o-que-fazer-quando-uma-peca-de-roupa-chega-ao-final-de-sua-vida-util/ Acesso em 19 jun 2022.

JOERGENS, C. Ethical fashion: myth or future trend? Journal of Fashion Marketing and Management: An International Journal, vol. 10, is 3, p. 360 – 371, 2006. NISHIMURA, Maicon Douglas Livramento; GONTIJO, Leila Amaral. Vestuário Sustentável. Pensamento & Realidade. [S.l.], v. 32, n. 2, p. 110, set. 2017. ISSN 2237-4418. Disponível em: http://bit.ly/2oRsHl3. Acesso em 03 mar. 2021.

ROYAL SOCIETY OF ARTS. Investigating the role of design in the circular economy. The Great Recovery Project -Report 01 Revisited. Londres: RSA, 2014

SCHUCH, Alice Beyer. Blog Brasil Eco Fasion Week. Moda Circular antes que seja tarde demais! 2020. Disponível em: https://brasilecofashion.com.br/moda-circular-antes-que-seja-tarde-demais/ Acesso em: 24 nov. 2021