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DESENVOLVIMENTO ESTRATÉGICO E A RECICLAGEM TÊXTIL

Ms. Anerose Perini; Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; aneperini@gmail.com

Resumo: O presente artigo tem como proposta debater as questões sobre o desenvolvimento sustentável produtivo, com foco na reciclagem dos têxteis. O contexto atual de desenvolvimento de produtos propõe uma revisão dos processos, na criação de design, visto que as estratégias da indústria do século XXI organiza sua produção de acordo com as necessidades de consumo de bens e serviços.

Palavras-chave: Reciclagem têxtil, Metodologia sustentável, Desenvolvimento de Produtos, Impacto Ambienta.

INTRODUÇÃO

O índice do IPCC (2018, p.18) adverte que a indústria é um dos grandes culpados pelo aquecimento global por conta das emissões de CO2, e até 2050 o aquecimento global poderá chegar a 1,5ºC acima da temperatura atual, isso significa que ocorrerão diversos problemas ambientais. A mudança nas formas de produção se faz necessária e a redução de CO2 pode ser alcançada ao incluir a tecnologia na produção em combinação a “eletrificação, hidrogênio, matérias-primas bio-sustentáveis, substituição de produtos de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS).”

Na indústria de têxteis e de confecção os designers são os responsáveis pela tomada de decisão em suas pesquisas e desenvolvimento de produtos. CEmbora o desenvolvimento das indústrias perpasse o desejo do consumidor, Papanek (1971) adverte que o desenvolvimento de produtos deve ser mais sustentável e para isso deve-se levar em consideração três principais pilares para se projetar: os seres humanos e suas necessidades, a interação com o ecossistema na escolha de materiais e processos, e por fim, a ética na criação de produtos. O designer, segundo o autor, deve ter uma responsabilidade moral para que os projetos atendam às reais necessidades dos seres vivos, com menor impacto ambiental possível.

Autores como Manzini e Vezzoli (2011) trazem etapas relevantes para criar um produto eticamente viável, pensando em um ciclo de vida contínuo com menor impacto ambiental. Já Gwilt (2015), trás como base para a criação de produtos de moda estratégias como proposta de inovação nas etapas de pesquisa, seleção de materiais, processos de menor impacto até o fim do ciclo de vida de um produto.

O sistema produtivo necessida de mudanças e mediante isso no ENAI (Encontro Nacional da Indústria) realizado em 2022, foi traçado o Mapa Estratégico da Indústria 2023 - 2033. Dos pontos abordados no evento veio a luz a discussão sobre “[...] a criação de condições favoráveis para o desenvolvimento econômico e social do país.” (2022, p.10), que contempla critérios que vão além da internet das coisas, a redução de impostos, a qualificação de mão de obra e o ensino de novas tecnologias e digitalização, e a redução de carbono na produção de bens. Andrade (2022) adverte que as políticas públicas são de extrema importância para que as indústrias possam ajustar seus produtos às necessidades de mercado. Os consumidores, muitas vezes, apresentam tendências de comportamento que acaba por influenciar o tipo de produto ou serviço irão consumir. O autor destaca ainda que a Indústria 4.0 abre oportunidades para que as indústrias nacionais se fortalecam e aumentem a visibilidade no mercado exterior. Por ser esse um assunto relevante para a discussão no meio acadêmico, o presente artigo tem como proposta debater as questões sobre o desenvolvimento sustentável produtivo, com foco no ciclo de vida dos produtos e na reciclagem dos têxteis na indústria nacional, além de traçar um paralelo sobre as metodologias sustentáveis de design difundidos nas faculdades.

A INDÚSTRIA DA MODA E A RECICLAGEM DE TÊXTEIS

Berlim (2012) aponta que o desenvolvimento industrial nos últimos séculos causou danos ao meio ambiente e seres vivos. O consumo exacerbado, o mau uso dos recursos naturais e a baixa qualidade do desenvolvimento de produtos não vieram sozinhos. Tais escolhas tiveram como efeito a poluição da biosfera e geosfera o que impactou as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade. A CNN Brasil (PUENTE, 2022) trouxe dados atuais e questiona o descarte de mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis gerados por ano. Os têxteis tem uma cadeia de produção com diversas etapas, desde a extração de materiais virgens, ou a utilização de reciclagem de fibras e outros materiais, além das etapas químicas e processos de beneficiamento como por exemplo a tinturaria, que acabam por contaminar o meio ambiente. Entretanto as mudanças são necessárias, pois segundo a ABIT o setor de indústria têxtil e de confecção, cresceu 20% no ano de 2021.

Para além da quantidade de peças descartadas, a preocupação ambiental se estende aos materiais utilizados na produção das roupas, que são, majoritariamente, provenientes de petróleo. Segundo o relatório Fashion on Climate, da organização Global Fashion Agenda com a consultoria McKinsey and Company, as empresas do mundo da moda emitiram, em 2018, cerca de 2,1 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa em todo o mundo. (PUENTE, 2022)

Visto tais efeitos produtivos como comprometedores aos seres vivos a indústria da moda necessita de novos direcionamentos. Salcedo (2014) adverte que a indústria têxteil e de confecção são responsáveis por índices elevados de poluição, e propõe seis principais desafios para reduzir os impactos social e ambiental a nível global. O primeiro desafio é o uso so tratamento de água, o segundo desafio é minimizar o consumo de energia e as emissões de CO2, o terceiro desafio tem como proposta reduzir o uso de químicos e descarte de dejetos tóxicos. Já o quarto desafio tende a minimizar a geração de resíduos e contempla também a gestão de resíduos de produção, e o fim do ciclo de vida de um produto. O quinto desafio contribuir para as condições de trabalho dignas, e por fim, o sexto desafio é a modelagem de novos modelos de negócios. Visto isso, a ABIT (2022) descreve que existem novas iniciativas no mercado brasileiro, como por exemplo a Plataforma Circular Cotton Move que tem como propósito gerenciar a logística reversa, por meio de geolocalização, para realizar a reciclagem de fibras têxteis, e assim diminuir a geração de lixo. Lojas parceiras varejistas como C&A, Reserva e Youcom fazem parte dessa iniciativa para a coleta em pontos físicos.

As fibras recuperadas serão utilizadas no desenvolvimento dos produtos que voltarão às lojas, sem a adição de fibras sintéticas, valorizando assim a reciclabilidade do algodão. O público poderá levar aos pontos de descarte peças que contenham fibras de algodão, como calças jeans, sarjas, peças em malha e outras.(ABIT, 2022)

Para o uso dos fios reciclados as indústrias têxteis como a Vicunha Têxtil, Cambos e Dalila Têxtil tem como prossibilidade o uso dessa matéria prima já reciclada para criar novos têxteis. Entretanto a rastreabilidade que a plataforma Cotton Move pretende realizar vai além do mapeamento e fluxos, abrage as etapas da pré ao pós consumo dos têxteis. Nesse contexto a tecnologia blockchain ajuda a registrar cada passo dos materiais e controlar a produção e os atributos para a sustentabilidade dos processos, com certificações, transparência e credibilidade acessível aos designers, empresas e ao consumidor final.

ESTRATÉGIAS DE DESIGN PARA PROJETOS SUSTENTÁVEIS

No Brasil, em março de 2022 a Câmara dos Deputados apresentou o Projeto de Lei 270/22 tem como proposta criar um sistema nacional de logística reversa para resíduos têxteis, e consiste basicamente em coleta e reciclagem após o uso. Tal proposta complementa a Política Nacional de Resíduos Sólidos Lei 12.305/10, que regulamenta a realização da logística reversa para alguns tipos de materiais “ba-

seando a obrigatoriedade da medida conforme o volume de resíduos gerados e o risco potencial de dano ao meio ambiente e aos cidadãos.” (Agência Câmara de Notícias, 2022). A Lei12.305/10 abrange a logística reversa para fabricantes, importadores, distribuidores e comerciais de produtos como pilhas, baterias, pneus, lâmpadas, eletrônicos, dentre outros. Entretanto, para que o Projeto de Lei 270/22 dê os próximos passos, questões relevantes como educação aos consumidores, informações em embalagens e etiquetas, recompensas se tornarão parte da proposta. Já as empresas terão incentivos tributários, e os pontos comerciais precisarão de espaços estabelecidos para armazenar os materiais, gerar documentos com identificação e peso dos materiais recebidos, sendo este o ponto de armazenamento primário. Os distribuidores, por sua vez, deverão custear a coleta até o ponto de armazenamento secundário, para posteriormente os produtos coletados terem seu destino final em reciclagem ou reuso. Em princípio, políticas públicas e projetos de lei auxiliam no melhor desenvolvimento econômico e social, quando condizentes com as mudanças de produção e consumo tentem a melhorar a vida dos seres vivos. Autores como Manzini e Vezzoli (2011) abordam que a interação sobre os ciclos produtivos tem interação com a “dimensão material” dos sistemas se dividem em consumo biocompatível e a não-interferência. “Se biocompatibilidade significa integração, e a não-interferência significa a separação, as condições que tornam mais fácil a primeira orientação implicam, necessariamente, em uma maior dificuldade para realizar a segunda. E vice-versa.” (MANZINI e VEZZOLI, 2011, p.35)

Entretanto o desenvolvimento de produtos sustentáveis para os autores Manzini e Vezzoli (2011) o ciclo de vida do produto tem como ponto central os cuidados com a geosfera e biosfera, e é dividido cinco etapas de atenção. A primeira etapa da metodologia circular aborda a “Pré-produção”, a fase em que são produzidos matérias-primas semielaboradas e materiais. A segunda fase é a “Produção” onde se estabelece a transformação dos materiais, montagem e acabamentos. A terceira etapa é a “Distribuição” caracterizada por três processos sendo a embalagem, o transporte e o armazenamento. A etapa seguinte é o “Uso” que contempla o uso do produto ou o consumo do serviço. E por fim, como última etapa o “Descarte” podendo ser o produto ou material recuperado em sua funcionalidade, onde pode se “valorizar as condições do material empregado”, utilizando dos processos de reciclagem em anel aberto ou reciclagem em anel fechado ou ainda, existe a terceira opção de não aproveitar ou recuperar nada do produto, sendo esse produto compostado se biodegradável, ou incinerado.

Já no campo do design de moda, Gwilt (2014) mapeia o ciclo de vida dos produtos para identificar cada etapa e impactos causados a partir da escolha do Designer de moda. Diferente de Manzini e Vezzoli (2011), Gwilt (2014) coloca no centro de

sua metodologia circular o Designer de moda como ator responsável por cada uma das decisões e etapas que o produto percorre até o fim de seu ciclo de vida. A primeira etapa é o “Design” em que são escolhidos os materiais, a composição e são escolhidos os processos que serão usados e quais recursos. Na etapa “Produção” os pontos importantes são as entradas de suprimentos, mão de obra, e recursos, além do descarte dos resíduos de produção, e seus impactos. Na etapa seguinte, a “Distribuição” contempla informações sobre distância percorrida, transportes usados, embalagens e estoque. Já a quarta etapa é conhecida como o “Uso”, identifica serviços possíveis para ajudar no maior ciclo de vida e duração do produto como processos de lavanderia, frequência das lavagens, produtos químicos usados para a limpeza, além das necessidades de cuidados especiais com as peças, e o consumo de energia e água para manter a peça em bom estado. Na última etapa o “Fim da vida” estabelece as relações sobre os serviços de descarte correto, reciclagem, reuso, compostagem ou incineração e os impactos ambientais e a saúde humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No estudo se percebe que as políticas públicas as indústrias nacionais iniciam no ano de 2022 um discurso mais pontual sobre as mudanças possíveis para a implementação de processos mais sustentáveis, mas só agora apareceram as emergências de mudança no mercado. Ao mesmo tempo, se considera de extrema importância que existam tais iniciativas, visto que os autores de design para a sustentabilidade já iniciarem este discurso desde a década de setenta, revisando os processos em metodologias aplicadas a indústria no século XXI. Enquanto não existir incentivo à população e industrias sobre a produção e o consumo mais consciente, será difícil existir uma coleta de resíduos e/ou peças prontas para sistemas de reciclagem de materiais têxteis efetivos. Para os próximos estudos se pretende compreender como as indústrias de reciclagem têxteis realizam as etapas de separação de fibras e qual seus impactos ambientais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABIT. Plataforma Circular Cotton Move: aplicativo inédito promove reciclagem de roupas e moda circular. 12/04/2022

Agência Câmara de Notícias. Projeto cria sistema nacional de logística reversa para resíduos têxteis. Câmara dos deputados. 28/03/2022. Brasília. ANDRADE, Robson Braga de. A Indústria na próxima década: Um mapa estratégico para o Brasil - Revista da Confederação Nacional da Indústria. Ano 7 número 68. Julho, 2022. BERLIM, Lilyan. Moda e Sustentabilidade: Uma reflexão necessária. São Paulo: Estação das Letras e Cores Editora, 2012.

FLETCHER, Kate & GROSE, Lynda. Moda & Sustentabilidade: design para mudança. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011.

IPCC. Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Suíça, Outubro, 2018. GWILT, Alison. Moda Sustentável: um guia prático. São Paulo: Editora Gustavo Gili, 2014.

MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: Edusp, 2002. reimpressão: 2011.

PAPANEK, Victor. Design For The Real World: human, ecology and social change. Chicago:Academy Chicago Publishers, 1971.

PUENTE, Beatriz. Brasil descarta mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano. CNN Brasil. 03/06/2022. Rio de Janeiro. SALCEDO, Elena. Moda ética para um futuro sustentável. São Paulo: G. Gili, 2014.