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CULTIVO DE ALGODÃO ORGÂNICO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A INDÚSTRIA TÊXTIL SUSTENTÁVEL

Maely da Silva Campos; Instituto Federal do Ceará; maelyscampos@gmail.com José Adeilson Medeiros do Nascimento; Instituto Federal do Ceará; adeilson.nascimento@ifce.edu.br

Resumo: O algodão é a fibra natural mais utilizada na indústria têxtil. Mas, por ser uma cultura suscetível a pragas e doenças, o algodão faz uso de muitos pesticidas. A produção orgânica é uma alternativa para garantia de sustentabilidade nos sistemas algodoeiros. O presente trabalho visa avaliar a sustentabilidade da cotonicultura orgânica, sua presença no estado do Ceará e sua relação com os ODSs.

Palavras-chave: Cotonicultura. Agroecologia. Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO

A cotonicultura orgânica preza pelas boas práticas de cultivo que visam a otimização da utilização dos recursos naturais necessários ao processo. Nesse sentido, há a eficácia no consumo de água e a busca por técnicas melhores para o manejo eficiente do solo. E, a pesquisa contínua por novas formas de combate a pragas e doenças que venham a atacar o plantio, para assegurar a existência de zonas livres de agroquímicos.

Portanto, avaliou-se as métricas de sustentabilidade dentro do cultivo do algodão orgânico para reforçar a sua validação como alternativa para construção de uma indústria têxtil mais sustentável. Dessa forma, foram coletados dados, que abrangem duas esferas da produção: a) o papel social e b) as certifcações e comércio justo da fibra. E, por fim, será analisada a contribuição com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem como alvo a produção e o consumo responsáveis.

REVISÃO DE LITERATURA AGROECOLOGIA VERSUS PRODUÇÃO EM LARGA ESCALA

Segundo o Dicionário de Educação do Campo, a agroecologia constitui “um conjunto de conhecimentos sistematizados, baseados em técnicas e saberes tradicionais dos povos originários e camponeses que incorporam princípios ecológicos e valores culturais às práticas agrícolas que, com o tempo, foram desecologizadas

e desculturalizadas pela capitalização e tecnificação da agricultura”. As práticas agroecológicas objetivam a reprodução da vida a partir de uma agricultura de subsistência (que podem ser intercaladas com culturas para aumentar a renda da família, como algodão e gergelim) e fora do ciclo capitalista, prezando pelo acesso à alimentação e distribuição da terra.

Porém, de um outro lado, temos o modelo de cultivo em monocultura liderado por produtores em grandes extensões de terra altamente mecanizada e com base no uso de agrotóxicos e fertilizantes, muitas vezes em rotação com o cultivo de soja, maximizando os rendimentos provenientes da oscilaçõs de preços de ambas as commodities no mercado externo (REIS, 2021).

COTONICULTURA AGROECOLÓGICA NO CEARÁ

Em 2004, a recém-criada empresa francesa Veja Fair Trade procurava algodão orgânico para fabricar calçados esportivos no Brasil, destinados ao comércio justo europeu. Acessando a página eletrônica do Esplar, seus donos obtiveram informações sobre o algodão agroecológico cearense. Logo um deles veio ao Ceará onde adquiriu as primeiras três toneladas de pluma de algodão da Adec, da safra de 2003. Na sequência, negociou a assinatura de um contrato de compra com duração de três anos, firmado em 2005 (LIMA, 2005). A parceria foi de sucesso e dura até hoje.

Também em 2004, a Univens, uma cooperativa de costureiras de Porto Alegre (RS), articulou uma rede de cooperativas e associações de trabalhadores(as) de todos os elos da cadeia têxtil para fabricar confecções, pautando-se pelas normas do comércio justo e mercado solidário (Lima, 2005). Uma dessas cooperativas, a Cooperativa Nova Esperança (Cones), de Nova Odessa (SP), ao aceitar o desafio de produzir fios com volumes de algodão entre 3 e 5 toneladas por ano, superou o principal obstáculo ao funcionamento das cadeias projetadas pela Veja e pela Univens. Assim, em 2005, a Univens pôde lançar a marca Justa Trama, da cadeia ecológica do algodão solidário cearense (LIMA, 2008).

MATERIAIS E MÉTODOS

Os dados foram obtidos em banco de dados de três associações de agricultores que trabalham com algodão no Estado do Ceará, Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (ADEC), a Associação Agroecológica de Certificação Participativa dos Inhamuns Crateús (ACEPI) e a Associação de Certificação Participação Agroecológica do Sertão Central do Ceará (ACEPA). Esse grupo de agricultores encontra se em sua grande maioria na região do sertão central do Estado. Principalmente, nos municípios de Cratéus, Quixeramobim, Nova Russas e Tauá.

Buscou-se explorar inicialmente o tripé da sustentabilidade para mensurar a contribuição da produção agroecológica nos âmbitos social, econômico e ambiental. Para tanto a pesquisa utilizou perguntas norteadoras para análise dos documentos (arquivos .pptx) recebidos pelas assoiações, englobando os escopos social, econômico e ambiental.

De acordo com os dados coletados, pode-se constatar que apesar de haver desenvolvimento social, há alguns pontos que precisam avançar. Podemos citar como exemplo, a baixa participação do gênero feminino no campo. Tal fator é um limitante de um crescimento social que se dá de forma igualitária entre os gêneros.

Em relação ao pilar econômico, é praticado o Fair Trade, ou Comércio Justo, que tem como objetivo principal estabelecer contato direto entre o produtor e o comprador, desburocratizando o comércio e poupando-os da dependência de atravessadores e das instabilidades do mercado global de commodities, como é o caso do algodão. A prática garante maior rentabilidade para os produtores da fibra.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1, pode-se visualizar os resultados obtidos na pesquisa.

Escopo avaliado: Social e Econômico

Quantidade de agricultores

Escopo avaliado: Ambiental

347

Fertilizantes utilizados

- orgânicos; - esterco animal; - bagana de carnaúba em algumas localidades onde ocorre a exploração das folhas da carnaubeira, servindo como cobertura morta para proteção do solo; - biofertilizantes naturais à base de esterco fresco fermentado em mistura com outros componentes de origem vegetal e animal; - biofertilizante produzido com a urina de vaca fermentada coletada de vacas em lactação.

Escopo avaliado: Certificação e Comércio Justo

Precificação da pluma

- os preços de venda pluma são fixos para cada safra; - uma das empresas que compram a pluma, a cada ano estuda seu fluxo de caixa para saber qual o aumento porcentual que pode pagar e sempre estipula reajuste de valores maiores do que a inflação oficial do Brasil; - além disso, paga duas bonificações, sendo uma para fortalecimento da associação e outra aos agricultores e agricultoras.

Tabela 1. Resultados obtidos.

As terras utilizadas pelos cotonicultores agroecológicos no Ceará podem ser de três modalidades, próprias, arrendadas ou parcerias. A terra é considerada própria quando a propriedade e cultivada pelo seu proprietario ou pela sua família. O arrendamento se conceitua como contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo do imóvel rural, ou seja, a terra é cedida a terceiro mediante retribuição certa em dinheiro (SILVIA, 2012). E, a parceria é um contrato oneroso, pelo qual uma ou mais pessoas, sendo uma ou várias delas proprietárias de um imóvel rural, admitem que outra ou outras delas ocupem dito imóvel, para fins rurais, ou seja, exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial, por certo tempo, mediante a distribuição convencional dos frutos produzidos (SILVIA, 2012).

Na ACEPI e ACEPA todo processo de certificação orgânica é realizado pelos próprios agricultores e agricultoras e sua associação constitui um Sistema Participativo de Garantia (SPG) que periodicamente é auditado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Os agricultores pertencentes a ADEC possuem Certificação por Auditoria do Instituto Biodinamico (IBD). Nessa modalidade a certificação é feita por terceira parte, uma certificadora pública ou privada credenciada no MAPA e acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO).

Do total de agricultores 32 são mulheres. Ou seja, apenas 9% desses agricultores são do gênero feminino. Apesar de que no Brasil as mulheres representam 72% da força de trabalho no setor de confecção. É significativo o número de mulheres agricultoras com dificuldades no acesso à assistência técnica, crédito e recursos. (ITM, 2022).

CONCLUSÕES

As práticas sustentáveis no cultivo do algodão estão diretamente ligadas com cinco desses objetivos. O Objetivo 2 que visa Fome Zero e Agricultura Sustentável, pois a cotonicultura orgânica assegura um campo livre de agroquímicos e com uso eficiente dos recursos naturais. Também contribui com o Objetivo 8 que apoia Trabalho Descente e Crescimento Econômico, tendo em vista que estimula um mercado justo para os pequenos produtores e gera a inclusão de gênero na agricultura. Está em linha com o Objetivo 12 que busca Consumo e Produção Responsáveis, pois o ciclo de vida dos produtos se inicia no plantio das culturas que dão origem as fibras. Ademais, contribui com o Objetivo 13 que articula uma Ação Contra a Mudança Global do Clima, pois aspectos como colheita manual reduzem as emissões de carbono por combustíveis fósseis utilizados para o funcionamento de maquinários e a não utilização de compostos químico para fertilização também reduzem as emissões de óxido nitroso. E, por fim, está em linha com o Objetivo 15 que busca proteger a Vida Terrestre, pois contribui com a conservação do solo e de todo ecossistema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUAINAIN, A. M. Cadeia Produtiva do Algodão. 4º Ed., 2007.

CONAB. Perspectivas para a agropecuária – Safra 2019 / 2020. Brasília, DF. Disponível em: <http:// www.conab.gov.br>.

ITM, Índice de Transparência da Moda. Fasfion Revolution Brasil. 2022. LIMA, P.J.B.F. Algodão agroecológico: uma experiência no semi-árido cearense. Revista agriculturas: experiências em agroecologia. v. 2, n. 3, p. 19-22, Out. 2005. LIMA, P.J.B.F. Algodão agroecológico no comércio justo: fazendo a diferença. Agriculturas - v. 5 - no 2 - junho de 2008. MODEFICA. 1.2 bilhão de toneladas de CO2: a Contribuição da Moda Para o Colapso Climático. 2019. Disponível em: <https://www.modefica. com.br/moda-mudancas-climaticas/#.XzLufyjD_IV>. Acesso em: 03 fev 2022.

REIS, Y. O agronegócio do algodão: meio ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Livros Ilimitados, 2021.

SILVIA, C. B. OPTIZ, O. Curso completo de direito agrário. 6 ed, pag. 381, Saraiva. São Paulo, 2012.

SILVIA, C. B. OPTIZ, O. Curso completo de direito agrário. 6 ed, pag. 429, Saraiva. São Paulo, 2012.