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VIDA LONGA ÀS ROUPAS: ESTUDO DE CASO DA MARCA COMFORT

Jéssica Baptista dos Santos Ventura; PPGCOM UERJ; jessicabsventura@gmail.com

Resumo: O Presente artigo busca investigar o papel das redes sociais na disseminação de um estilo de vida de consumo de moda mais consciente. Nesse sentido, propomos um estudo de caso da #vidalongaàsroupas na rede social da marca Comfort, no Instagram. Para o referencial teórico, utilizamos autores dos campos da comunicação, do consumo e da moda.

Palavras-chave: Instagram; moda consciente; estilo de vida; #VidaLongaasRoupas

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o universo da cibercultura (LEMOS, 2008) envolve, por meio das redes, usuários e objetos, promovendo uma conexão generalizada. Sendo assim, destaca-se como um espaço de produção e de consumo de conteúdos que objetivam estabelecer uma comunicação mais próxima entre as marcas e os consumidores. Nesse contexto, observa-se que as empresas utilizam as redes sociais como forma de engajamento e de promoção de uma imagem mais favorável junto aos públicos de interesse, também conhecidos como os stakeholders.

Dentre as diversas pautas do contemporâneo que podem ser exploradas pelas marcas em suas redes sociais, destacamos, neste trabalho, a questão da sustentabilidade voltada para o universo da moda, mais precisamente das relações sociais que os indivíduos constroem com as roupas que possuem. O interesse em explorar essa abordagem específica surgiu com a semana de moda Fashion Revolution, edição 2021, que trata os relacionamentos como um dos eixos temáticos. De acordo com informação retirada da página do Fashion Revolution1 no Instagram, “a primeira relação de cada um começa consigo mesmo e com o próprio corpo”, somente a partir disso é possível estabelecer conexões verdadeiras no coletivo, ou seja, com os demais sujeitos, com a cadeia produtiva e com a natureza.

Nesse contexto, buscamos analisar a #vida longas às roupas promovida pela marca de produtos de limpeza, Comfort, do grupo Unilever. A empresa incentiva os se-

guidores a cuidarem das suas peças, utilizando uma linha de produtos que promete combater os sinais de envelhecimento das roupas. Como recurso metodológico qualitativo, utilizamos a observação simples que nos auxilia na exploração sobre o tema. Para o aporte teórico, recorremos a autores de diferentes campos do conhecimento, como Lemos (2004;2008), Recuero (2007;2009), Portilho (2010) e Godart (2010). A questão central que move a realização deste trabalho consiste em investigar o papel das redes sociais na disseminação comunicativa de um estilo de vida e de consumo de moda considerado mais consciente.

COMUNICAÇÃO NAS REDES SOCIAIS

A comunicação na era digital possibilita a existência de uma série de práticas discursivas que se adequam ao ambiente da internet. André Lemos em sua obra Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea (2008) afirma que o ciberespaço deve ser pensado como ambiente midiático em que as formas comunicativas são organizadas para articular novas identidades e modelos culturais. Sobre os modelos culturais, Lemos (2004), aponta que a cibercultura possibilita uma reconfiguração cultural de modo generalizado, ou seja, a mediação tecnológica produz um ambiente cultural distinto das relações que ocorrem no offline. Nesse sentido, é preciso analisar como os sujeitos socializam e interagem nessa nova dinâmica em que a troca, a circulação de objetos e de informações ocorrem de maneira frenética, conforme apresentado por Lemos.

Lemos (2008) esclarece que a virtualização da vida social amplia a leitura sobre os fenômenos, fazendo com que as questões que se apresentam no cotidiano sejam problematizadas, considerando que as pessoas, diferente das mídias massivas, podem externalizar seus pontos de vista sobre determinado assunto nas redes. Neste trabalho, consideramos que o consumo de moda consciente é um tema que tem ganhado cada vez mais espaço nas redes sociais, considerando a urgência da problemática ambiental.

A importância das redes sociais online também é um tema explorado por Raquel Recuero que no livro Redes sociais na internet (2009) discute a constituição de laços sociais advindos das conexões em rede. A autora considera a interação social um aspecto fundamental nas relações sociais tanto no mundo concreto, assim como no virtual.

Essas interações virtuais, apontadas pela autora, geram um maior compartilhamento de informações entre indivíduos que dividem um ponto de vista semelhante sobre um tema específico. No caso da presente pesquisa, observa-se que existe um nicho de mercado de pessoas que valorizam produtos de cuidado com as roupas, no sentido de prolongar o seu uso e como, consequência, evitar o descarte precoce da peça.

Recuero (2007) defende que as informações que circulam nas redes sociais estão relacionadas ao capital social dos atores, ou seja, as pessoas buscam conteúdos relevantes e altamente especializados. Nesse sentido, as hastags da rede social Instagram, por exemplo, são consideradas ferramentas de busca altamente especializadas, além de serem um meio de comunicação estratégico, utilizado pelas marcas que desejam agregar determinada imagem perante os públicos de interesse. É importante ressaltar que as hashtags, além de estratégia de comunicação das marcas, também são utilizadas para fomentar o ativismo online. O Instagram desenvolveu o botão de seguir, para acompanhar o que é publicado sobre as hashtags, e, em 2022, lançou o botão de apoiar, recurso que pode ajudar os movimentos sociais a arrecadar fundos e disseminar ideias2.

CONSUMO CONSCIENTE NAS REDES SOCIAIS

Fátima Portilho em sua obra Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania (2010) aponta que: “a emergência do tema consumo e meio ambiente traz para o centro do debate um novo ator social preocupado com as questões ambientais − o “consumidor responsável” (2010, p.34). De acordo com a autora, essa figura vê na esfera do consumo uma possibilidade de ação política, considerando o impacto das escolhas individuais sobre o sistema de produção vigente.

Segundo Portilho, as ações individuas não são consideradas a estratégia mais adequada para desafiar os problemas que envolvem o meio ambiente. Mudanças mais eficientes devem ser elaboradas por organizações e instituições eleitas democraticamente. No entanto, a autora ressalta que o debate sobre consumo e meio ambiente pode abranger ambas as esferas, assim tanto a vida pública como a privada devem fazer parte dessa mudança.

Nesse sentido, as redes sociais configuram um espaço de debate em que os sujeitos podem manifestar apoio ou até mesmo boicotar uma marca que não considere os problemas ambientais oriundos do seu modo de produção ou, até mesmo, ignore a urgência de traçar um planejamento de comunicação mais horizontal com os consumidores do seu produto.

Ainda de acordo com Portilho (2010), os consumidores de hoje apoiam um estilo de vida que preza pela liberdade de consumir o que faz sentido para eles. Trazendo o consumo para a esfera da moda, observa-se que os indivíduos se relacionam com as roupas como forma de ação política, questionando o modelo de produção fast fashion que incentiva o intenso descarte de peças para que a próxima tendência possa ser consumida, gerando um ciclo vicioso de compra e descarte.

Para Frédéric Godart em seu livro Sociologia da moda (2010) “a mudança frequente de roupas que não estão gastas, que é a essência da moda, procede desse consumo ostentatório que visa desperdiçar recursos sem qualquer razão, a não ser pela diferenciação social” (p. 27). Nos últimos anos e, principalmente, depois da chegada da pandemia do Covid 19, as pessoas foram levadas a refletirem sobre seus hábitos de consumo e, diante de medidas restritivas e de isolamento, terem um olhar mais atencioso e relacional com o que se tem no guarda-roupa.

Para Godart, “a moda é uma produção e uma reprodução permanente do social” (GODART, 2010, p. 36). Assim, diante do cenário atual, vemos que o estilo de vida mais consciente tem obtido cada vez mais espaço, sendo as redes sociais uma importante ferramenta de comunicação que auxilia na divulgação desse modo de existir politicamente.

ESTUDO DE CASO DA MARCA COMFORT

À medida que a questão ambiental se destaca nas discussões em redes sociais, observa-se que as empresas, que desejam comunicar uma imagem atrelada ao tema, precisam criar uma estratégia comunicativa eficaz, considerando que há uma demanda de consumidores que estão mais conscientes sobre o impacto de suas escolhas no meio ambiente.

Nesse sentido, propomos a seguir um breve estudo de caso da estratégia de comunicação da marca Comfort, do grupo Unilever, que utiliza a temática da sustentabilidade atrelada aos seus produtos. De acordo com informações retiradas do site da marca, “Comfort está comprometida em fazer do mundo um lugar melhor ao pensar de forma ecologicamente mais consciente e ajudar a prolongar a vida útil das roupas”3. Nesse sentido, a marca lançou uma linha específica que combate, segundo eles, os sinais de envelhecimento de uma peça de roupa, fazendo com que as roupas durem por mais tempo. Além disso, no site observa-se matérias específicas sobre moda sustentável, destacamos um trecho:

Escolhas conscientes sobre as nossas roupas precisam ser feitas urgentemente. Inspirada pela alternativa mais orgânica ao fast fashion, o guarda-roupa sustentável é a força que resiste às tendências passageiras. A ideia é simples: escolha peças de qualidade e duradouras, cortando radicalmente a aquisição de novas peças4 . Para Godart (2010), no caso de uma mudança consistente nas preferências dos consumidores, a moda teria que se sujeitar a questão ambiental, por exemplo. Se adequando a tendências como: o slow fashion, considerado um movimento que

objetiva desacelerar ou até mesmo anular os ciclos de moda, apresentando aos sujeitos vestuários “duráveis”.

Outra estratégia comunicativa da marca é a adoção da hashtag vida longa às roupas. Pesquisando na rede social da marca no Instagram5 , encontramos quase seis mil publicações, utilizando a hashtag. É relevante apontar que as primeiras imagens que aparecem são produzidas em estúdio ou associadas ao espaço da lavanderia com máquinas de lavar em segundo plano, por exemplo, também há influenciadores digitais realizando a publicidade da marca, em sua maioria mulheres que têm perfis na rede social sobre afazeres do lar e personalidades a exemplo de Fernanda Paes Leme6 .

De acordo com Lemos, “a cibercultura potencializa aquilo que é próprio de toda dinâmica cultural, a saber o compartilhamento, a distribuição, a cooperação, a apropriação dos bens simbólicos” (LEMOS, p.11, 2004). Assim, a hashtag vida longa às roupas se torna uma ferramenta de comunicação importante para a imagem de marca, ganhando outros espaços para além do virtual.

Nesse sentido, a marca realizou parceria com uma produtora para lançar a atração: Se essa roupa fosse minha7 exibida no canal GNT, do grupo Globosat, no ano de 2019. A atração trata do consumo de roupas de segunda mão em brechós e a Comfort aparece no quadro: “Fica a dica”, em que são mostradas orientações sobre como higienizar as roupas com os produtos da marca. Já a expressão vida longa às roupas aparece na fala das apresentadoras, durante o episódio ou no encerramento. Além do programa, em 2021, a marca apoiou a realização do primeiro evento do Projeto Gaveta online,8 higienizando todas as peças trocadas entre os participantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O poder de influência da comunicação digital em redes, mediando comportamentos e promovendo determinados estilos de vida, se apresenta como discussão pertinente e urgente no campo da comunicação, considerando que vivemos em uma ambiência comunicativa biosmidiática (Sodré, 2002) que busca a integração do sujeito por meio do capital informacional.

5 Disponível em: Comfort Brasil (@comfortbrasil) • Fotos e vídeos do Instagram Acesso em: 08.04.2021 6 A atriz apresentou duas atrações no canal GNT que tratavam do universo da sustentabilidade: o programa Desengaveta, celebridades doam peças de roupas em excesso para ajudar causas sociais e o Missão design, arquitetos produzem espaços com materiais reutilizáveis. 7 Disponível em: (11) Se Essa Roupa Fosse Minha | Comfort - YouTube Acesso em: 08.04.2021 8 Disponível em: Projeto Gaveta (@projetogaveta) • Fotos e vídeos do Instagram Acesso em: 08.04.2021

Conforme apresentado nesta breve análise, consideramos que as marcas precisam estar atentas as questões ambientais e as demandas dos sujeitos que podem utilizar as hashtags, como estratégias de comunicação e ferramentas de engajamento e ação política, promovendo um estilo de vida de consumo de moda mais consciente e relacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GODART, Frédéric. Sociologia da moda. São Paulo: Editora Senac, 2010.

LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e Vida social na cultura contemporânea. Sulina, Porto Alegre, 2002.

____________. Cibercultura, cultura e identidade. Em direção a uma “Cultura Copyleft”. Contemporânea,vol.2,n 2 p 9-22 Dez, 2004.

____________. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2008. LEMOS, André; PASTOR, Leonardo. Experiência algorítmica: ação e prática de dado na plataforma Instagram. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 2, p. 132-146, ago./nov. 2020. PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2010.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre, Sulina, 2009.

________________. A Conversação em Rede. Porto Alegre: Sulina, 2012.

SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.