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DIGNIDADE MENSTRUAL: DIÁLOGOS ENTRE MODA SUSTENTÁVEL, DIREITOS HUMANOS E ATIVISMO FEMINISTA

Marina Blank Virgilio da Silva; PPGS/ UFPB; marina.blankvs@gmail.com Thaisa Hasse Bogoni Bachmann; FEBASP; thabogoni@gmail.com

Resumo: Com base na ideia de dignidade menstrual como um direito humano, colocamos em d iálogo as noções de moda sustentável, ativismo feminista, cooperativas e também de responsabilidade social de empresas. O objetivo deste artigo é mostrar alternativas para soluções de enfrentamento à pobreza menstrual.

Palavras-chave: dignidade menstrual; pobreza menstrual; direitos humanos; moda sustentável; ativismo feminista

1 DIGNIDADE MENSTRUAI COMO DIREITO HUMANO 1.1 DIREITOS HUMANOS SOCIAIS E AMBIENTAIS

Direitos Humanos são ao mesmo tempo construções históricas e também dependem da ação de cada uma e cada um de nós. A força motriz dos Direitos Humanos são as lutas por justiça, emancipação e garantia de direitos. O empoderamento de mulheres também é um indicador de avanços sociais, não há desenvolvimento sem que seja permitido o protagonismo das mulheres. A dignidade humana é o fundamento ético dos Direitos Humanos.

Os objetivos do desenvolvimento sustentável, apelo global da Organização das Nações Unidas à ação “para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”1 são uma agenda de solidarismo global e inclusivo. A promoção da igualdade de gênero, o enfrentamento ao racismo e a erradicação da pobreza são eixos fundamentais para se alcançar um verdadeiro desenvolvimento. Além destes aspectos, não há desenvolvimento ético sem proteção ambiental, em uma relação ganha-ganha-ganha, de sustentabilidade ambiental e social. A partir desta perspectiva, precisamos dar visibilidade e enfrentar os impactos da pobreza menstrual.

1.2 DIGNIDADE MENSTRUAL

Para falarmos sobre “Dignidade Menstrual” e então mostrarmos como é uma questão de Direitos Humanos, precisamos compreender o que é “pobreza menstrual”. A Unicef/ONU aponta que a mesma é caracterizada pela falta de infraestrutura,

recursos e até conhecimento por parte de pessoas que menstruam2 para cuidados envolvendo a própria menstruação. Tudo isso afeta a integridade corporal, saúde e bem-estar. Em 2021, a Unicef (e UNFPA) lançou o relatório “Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos”, nele consta uma visão do problema como um fenômeno multidimensional, caracterizado por sete pilares, alguns deles impactados pelas ações de projetos e empresas que traremos mais adiante: falta de acesso a produtos adequados para o cuidado da higiene menstrual; insuficiência ou incorreção nas informações sobre a saúde menstrual e autoconhecimento sobre o corpo e os ciclos menstruais; tabus e preconceitos sobre a menstruação que resultam na segregação de pessoas que menstruam de diversas áreas da vida social; questões econômicas como a tributação sobre os produtos menstruais; efeitos deletérios da pobreza menstrual sobre a vida econômica e desenvolvimento pleno dos potenciais.

Segundo a Unicef, “Dignidade menstrual” significa ter acesso a produtos e condições de higiene adequados, assim como educação. A ONU afirma que o acesso à higiene menstrual deve ser reconhecido como uma questão de saúde pública e de Direitos Humanos. Também vemos o princípio da dignidade humana comprometido quando a menstruação é entendida como um tabu, motivo para exclusão e vergonha.

A saúde também é posta em risco quando pessoas necessitam recorrer a formas improvisadas para conter o sangue menstrual, por falta de acesso a um absorvente higiênico descartável ou um produto reutilizável. Dignidade menstrual é ter acesso a escolhas de como vivenciar seu cuidado físico e emocional. Podemos em conjunto com estas reivindicações de políticas públicas viabilizar mobilizações coletivas, a partir do ativismo feminista e da reponsabilidade social de empresas, como veremos adiante.

2 MODA SUSTENTÁVEL E INICIATIVAS CONTRA A POBREZA MENSTRUAL 2.1 A MODA E SEU PAPEL NA SOCIEDADE

A moda protagoniza há muito tempo um papel de grande importância para as pessoas, sendo um canal para a expressão de preferências e individualidades. No âmbito social, permite a organização de forma coletiva, cada escolha feita é uma oportunidade de criar identificação, conexão, pertencimento a um determinado grupo. Também pode ser considerada sinônimo de inclusão ou exclusão social, seja pelo acesso a marcas ou pela falta dos itens mais básicos. “Os progressos da ciência, a lógica da concorrência, mas também o gosto dominante pelas novidades, concorrem para o estabelecimento de uma ordem econômica organizada como a

moda (...). A oferta e a procura funcionam pelo Novo” (LIPOVETSKY, 2017, p.186). Muitas são as opções para se consumir moda, todas passíveis de consequências. Entender como isso impacta a sociedade, a economia e o meio ambiente é uma questão pautada pela moda sustentável, como será visto a seguir.

2.2 O CONCEITO DE MODA SUSTENTÁVEL

A moda sustentável é um movimento focado em propor alternativas na cadeia produtiva e no modo de consumir os produtos desta indústria. De acordo com Cline (2017), as pessoas podem mudar seus gastos sem pagar mais do que estão acostumadas, comprando menos e com mais intenção, sem se importar onde compram, mas consumindo o melhor possível, fazendo bom uso e cuidando das peças. Com o objetivo de diminuir os impactos socioambientais e incentivar um comportamento mais consciente com relação às opções existentes, a moda sustentável questiona a necessidade da compra de itens novos e apresenta outras possibilidades com menos consequências negativas.

O consumo de moda tem sido repensado por pessoas que buscam ser conscientes do seu papel frente aos problemas que assolam a sociedade e o meio ambiente. Neste caminho, questionar #QuemFezMinhasRoupas3, buscar informações, comparar as opções e priorizar marcas comprometidas com políticas e práticas sustentáveis, contribui para o crescimento deste nicho no mercado da moda.

2.3 EMPRESAS DE MODA SUSTENTÁVEL NO COMBATE À POBREZA MENSTRUAL

A cada dia um número maior de marcas têm buscado um posicionamento atrelado às boas práticas da moda sustentável, se propondo a estruturar seus negócios com um processo produtivo transparente e eticamente responsável, buscando tecnologias inovadoras e priorizando a economia de recursos. De acordo com Fletcher, para muitos fabricantes, “ser inovador significa adicionar tecnologia para solucionar um problema, particularmente quando tenta amenizar os impactos negativos da tecnologia existente” (2008, p.53). Mas inovação é também apresentar soluções criativas para gestão dos impactos sociais ligados ao seu negócio. No segmento de produtos reutilizáveis para higiene menstrual, serão apresentadas a seguir duas empresas que apoiam a causa da dignidade menstrual.

A Pantys possui em sua linha de produtos diversos tipos de calcinhas, absorventes ecológicos, além de recentemente ter inovado com linhas específicas para maternidade, incontinência urinária e cueca absorvente para pessoas trans e não-bináries. A marca possui tecnologia patenteada de absorção que é clínica, dermato e

ginecologicamente testada. Promove uma campanha de doações e disponibiliza em seu relatório anual de sustentabilidade quais instituições são beneficiadas e os resultados alcançados. Em 2021 aponta que com esta campanha a empresa doou 8612 calcinhas para 26 diferentes projetos4. Já a Korui possui em sua linha de produtos calcinhas, absorventes reutilizáveis, coletores e discos menstruais. Em seu site a marca cita que todos os produtos são fabricados no Brasil, com mão-de-obra local e capital 100% nacional. Também apresenta algumas ações focadas em moda sustentável, como a doação de 1 coletor menstrual para comunidades em necessidade a cada 10 coletores vendidos. Outro projeto apresentado chama-se Dona do meu Fluxo, que ocorre junto à instituição Raízes, levando para comunidades instruções sobre o uso do coletor menstrual e informações que incluem empoderamento feminino, sexualidade e autoconhecimento por meio de workshops. A marca apresenta sua atuação anual no seu site5, citando as instituições envolvidas e comunidades beneficiadas, e expõe como resultados 21 comunidades visitadas e 1200 coletores doados. Na página do Instagram (@_korui_) também há uma postagem sobre a ida da fundadora para a Amazônia para visitar o coletivo Amaronai Ita, formado por mulheres indígenas e não indígenas do Rio Negro, que possuem acesso restrito a produtos para higiene menstrual, onde as ensinou a costurar seus próprios absorventes reutilizáveis.

2.4 OUTRAS INICIATIVAS SUSTENTÁVEIS NA BUSCA DA DIGNIDADE MENSTRUAL

Atuações no combate à pobreza menstrual têm se destacado por suas ideias e resultados. Um exemplo importante é o caso das mulheres em cooperativas na Índia, retratadas no documentário Absorvendo o Tabu (2018), vencedor do Oscar de melhor documentário em curta-metragem, que trouxe a temática para um público amplo. O filme mostra como a menstruação é tratada com vergonha e o quanto isso impacta negativamente a vida de meninas e mulheres. A realidade desta pequena comunidade é representativa para entendermos a situação de pobreza menstrual de tantas outras pessoas que menstruam. Também mostra a força de uma cooperativa de mulheres que produzem absorventes higiênicos de baixo custo, gerando renda para si e suas famílias e têm um papel na educação menstrual de outras mulheres da comunidade.

2.5 RESPONSABILIDADE SOCIAL - PROJETO LIS E AS MULHERES DE ARATU

O Projeto Liberdade Igualdade Sororidade (LIS) é um grupo de produção cultural feminista, atua com base no empoderamento de mulheres e pessoas não-bináries. Uma das ações desenvolvidas pelo projeto é Dignidade Menstrual também

é meu direito, em parceria com o grupo Mulheres do Amanhã, de moradoras da comunidade do Aratu, em João Pessoa/ Paraíba. A primeira etapa ocorreu em dezembro/21, onde a comunidade recebeu uma roda sobre saúde menstrual com uma profissional da área de enfermagem. Durante a roda ficou evidente o quanto a educação menstrual é necessária, a desinformação leva a riscos de saúde, vergonha e preconceitos. As mulheres foram ouvidas num espaço de transformação de tabu em educação. A próxima etapa está aguardando financiamento, a proposta é levar outras rodas temáticas e oficinas de confecção de absorventes ecológicos e de empreendedorismo. A escolha do absorvente reutilizável como item de higiene vem de uma preocupação tanto social quanto ambiental, pois as mulheres podem aprender a confeccionar seus próprios produtos, não dependendo mais de ter que custear todo mês a compra de absorventes descartáveis (produtos com taxação de imposto na categoria “item de luxo”), muitas delas deixam de comprar o item para não comprometer o orçamento familiar e improvisam a contenção menstrual de formas arriscadas para a saúde. Elas também podem produzir em cooperativa e vender a baixo custo para outras mulheres, gerando possibilidade de autonomia financeira. O cuidado também com o meio ambiente está presente, pois absorventes ecológicos diminuem o descarte de lixo, o uso de químicos e de matéria-prima não renovável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para alcançarmos o pleno direito à dignidade menstrual, precisamos de políticas públicas com investimentos em infraestrutura, educação, acesso a itens de higiene. Enquanto seguimos lutando por estes direitos, podemos olhar para estas alternativas exemplificadas anteriormente e buscar mais soluções de empoderamento e garantia de dignidade às pessoas que menstruam em contextos de vulnerabilidade e questionar os mitos sobre menstruação e a desigualdade de gênero. Projetos envolvendo fabricantes, ONG´s e comunidades fomentam propostas que podem ser simples de executar e ao mesmo tempo capacitam uma cadeia produtiva preocupada com as questões ambientais. A moda pode estar interconectada com a sustentabilidade tornando-se parte fundamental da relação entre a cultura material e humana e o florescimento ecológico (FLETCHER, 2008), com a compreensão do uso de ferramentas e o empreendimento de projetos cooperativos.

REFERÊNCIAS

CLINE, E. L. Overdressed: the shockingly high cost of cheap fashion. The Penguin Group, New York, NY, USA, 2012.

FLETCHER, K. Sustainable fashion and textiles: design journeys. London, EN.: Routledge, 2008. UNFPA/UNICEF. Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos. (Maio/ 2021).

LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo/SP: Companhia das Letras (2009).