Trecho: "Os detetives do Prédio Azul"

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1. O caso do

anel de brilhante

Podem me chamar de Capim, detetive Capim. Acabo de me mudar para o Prédio Azul, um edifício antigo e malcuidado. Vim parar aqui por causa do meu pai, que foi contratado como porteiro sem nem perguntar quanto ganharia por mês. Este é o Severino! Estava precisando, aceitou. Afinal, nossa casa no morro havia desabado na última chuva e o quarto nos fundos deste prédio nos pareceu um lugar seguro para morar. Mas, desde o primeiro momento, notei que teríamos problemas. E não deu outra! – Pestes, pulgas, pirralhos! – ouvi alguém gritar, assim que pisamos na portaria. 9


Pouco depois, surgia a síndica, dona Leocádia, correndo desesperada atrás de um menino magricela e de uma garota com rabo de cavalo. Com um único puxão, ela tirou o estilingue que estava na mão dele: – Está confiscado! – Devolva o meu estilingue, dona Leocádia! Por favor! – Esta arma perigosa está proibida aqui no MEU prédio. Agora sumam da minha frente! – Mas por quê? O que foi que eu fiz? – insistiu o menino. – Você sabe muito bem: quebrou o pote que estava em cima da minha mesa, seu irresponsável! Vá para a sua casa e fique por lá pelo resto dos seus dias! E você também, sua terrorista em miniatura! Circulando, andem! Os dois garotos se entreolharam, cúmplices, desaparecendo logo depois. Mal se livrou deles, a síndica veio andando na minha direção, e senti que eu corria sério perigo. Ela me olhou de cima a baixo e depois encarou meu pai, irada: 10


– Quem é esse pirralho, Severino? Você não me avisou que tinha filho. Quem é esse pequeno selvagem? Meu pai olhou para mim, tenso. Ele precisava daquele emprego. Precisava muito. E estava tão nervoso que não conseguia responder. Então, falei por ele: – Meu nome é Capim. Cícero Capim. Mas não se preocupe, dona Leocádia, eu não sou nenhum selvagem. Ela me olhou no fundo dos olhos e sorriu, maquiavélica: – Aposto que é! Agora desaparece da minha frente. E se aprontar alguma bobagem no MEU prédio, seu pai vai pro olho da rua! Entendeu? Fiz que sim, já recuando. A partir desse momento, a síndica passou a agir como se eu não existisse e saiu dando ordens a meu pai: – Largue suas coisas, Severino. Tem muito trabalho para você aqui. Vamos começar com um problema que aconteceu na pia da minha cozinha… 11


– Na sua cozinha? Mas… eu vou ser porteiro do prédio, certo? – E vai cuidar da minha casa também! Este prédio todo é MEU! E você trate de me obedecer! Venha! Meu pai nem respondeu. Apenas seguiu a síndica, rumo ao apartamento dela. Que mulherzinha mais abusada! Que autoritária! Que vontade de fugir dali! Acontece que não tínhamos outro lugar para morar, e eu sabia que não podia atrapalhar as coisas. O jeito era achar um canto onde pudesse ficar quieto, sem incomodar ninguém. Assim que ela e meu pai sumiram, o garoto magricela surgiu por trás das plantas: – Não ligue para essa tirana! O problema dela não é só com você. Ela detesta TODAS as crianças do mundo. Seu nome é Cícero, não é? – É, mas todo mundo me chama de Capim. – Meu nome é Tom. Logo depois, a garota com rabo de cavalo apareceu também, me cutucando, meio implicante: 12


– Você não ficou com medo dela, ficou? – Não – falei, um pouco tímido. – Na verdade, já vi gente pior. Muito pior! A menina sorriu para mim e se apresentou: – Pode me chamar de Mila. Ela e Tom vestiam capas incríveis, dessas de filme de detetives. De repente, Mila abriu sua capa vermelha, que mais parecia um armário, e notei que ali havia binóculo, lanterna, fita métrica... Ela tirou uma lupa da capa e começou a me examinar, enquanto conversava com Tom: – E aí, detetive Tom? Acha que ele é de confiança? Tom também abriu a sua supercapa verde e, tirando uma caneta e um bloco lá de dentro, começou a anotar: – Vamos checar item a item. Primeiro: coragem! Isso parece que ele tem. Segundo item: você sabe guardar segredos, Capim? – Claro que sei – afirmei. – Jura? – insistiu Tom. – Juro pela minha mãe. 13


Os dois me olharam, desconfiados: – Cadê a sua mãe? – Mila quis saber. – Ela não vem morar aqui? Seus pais também são separados? – Tom perguntou. – Minha mãe morreu, mas não gosto de falar sobre isso – respondi, seco. – Morreu mesmo? – Tom insistiu. – Terceiro item: você mente, Capim? – Minto só de vez em quando. E minha mãe morreu, sim. Agora vamos mudar de assunto, tá? – Acho que ele é de confiança, Mila. Vamos mostrar logo! – Mostrar o quê? – perguntei, quase explodindo de curiosidade. Sem responder, os dois me puxaram pela mão até o pátio, empurraram alguns vasos de planta que escondiam uma portinha e, ao passarmos por ela, chegamos a um esconderijo incrível! O lugar tinha teto baixo, paredes cheias de recortes de jornal e uns caixotes de feira, que serviam como bancos. Nós nos sentamos ali e Tom falou, orgulhoso: 14


– Bem-vindo ao nosso clubinho secreto, Capim – Nenhum adulto sabe que este lugar existe – segredou Mila. – Estávamos mesmo precisando de um ter­­ceiro detetive para o grupo – continuou Tom. – Desde que o João saiu, ficou faltando um detetive no time. – Quem é João? E o que houve com ele? – perguntei. – O pai dele foi demitido em menos de um mês. Como todos os outros porteiros… Pensei novamente em meu pai, que andava sem casa e completamente sem dinheiro, com a família longe... Eu precisava ajudar o bom e velho Severino a se manter naquele emprego pelo maior tempo possível, e meus dois novos amigos pareciam saber tudo sobre a tal síndica. – Quer dizer que a dona Leocádia não apronta só com as crianças? – Claro que não, Capim! Nossa “adorável” síndica ama enlouquecer os porteiros. É um dos passatempos favoritos dela – respondeu Tom. 15


– Seu pai vai precisar de muita paciência – disse Mila. Pouco depois, ouvimos o grito de dona Leocádia: – Severiiiinooooooooo! Mila, Tom e eu nos entreolhamos em estado de alerta. Era óbvio que alguma coisa tinha acontecido e que o emprego do meu pai já corria sério risco. – Sempre que ela grita, a gente começa a espionar – explicou Mila. – É a nossa sirene de alerta. – Tome esta capa de detetive – ofereceu Tom. Poucos minutos depois, eu estava vestido com uma capa amarela, me sentindo um verdadeiro detetive. Dentro dela encontrei bloco, caneta, lupa, durex, luvas, lanterna e até um canivete! Enquanto isso, Tom espiava pelo buraco da fechadura. Assim que o caminho ficou livre, ele fez um sinal e entendi que estávamos prontos para começar uma investigação. Antes, porém, unimos nossas mãos e dissemos juntos: 16


– Essa é uma missão para os incríveis, os imbatíveis, os insuperáveis… detetives do Prédio Azul! Em seguida, empurramos a portinha com todo o cuidado e voltamos correndo para a portaria, onde, escondidos atrás do sofá, ouvimos a síndica gritar com meu pai: – Fale logo, Severino! Foi você quem roubou o meu anel de brilhante que estava na pia da minha cozinha, não foi? Confesse, seu gatuno! – N… Nã… Não. Juro que não! Nem sei que anel é esse! – gaguejou meu pai, apavorado. – Mentiroso! Entrou na minha casa para consertar a minha pia e aproveitou para afanar o que era meu, aposto. – Eu n... nunca faria isso, dona Leocádia. – Se não foi você, só pode ter sido uma das crianças! Talvez o pestinha do seu filho – a síndica sugeriu, já me acusando. – Meu filho? Não! Jamais! Ele é um garoto honesto, a senhora tem que acreditar! – Então, cadê o fedelho? Por que se es­ con­d eu? Hein? Hein? Diga àquele pequeno 17


selvagem que, se meu anel não aparecer hoje até o fim do dia, você está demitido! Ouviu? Demitido!

Agora era questão de sobrevivência: ou encontrávamos o anel da síndica, ou meu pai perderia o emprego, e nós dois ficaríamos novamente sem dinheiro e sem lugar para morar. De uma coisa eu tinha certeza: a culpa não era dele. Muito menos minha! Meu pai sempre foi um homem corretíssimo. Desses certinhos mesmo, que não sabem improvisar respostas, muito menos mentir. Preocupado em manter seu emprego, ele não perdeu tempo: pegou o balde e o esfregão e começou a limpar as escadas. Sem nenhum adulto pelo caminho, Tom, Mila e eu saímos de trás do sofá já decididos a solucionar o caso. Mas ainda não tínhamos nenhuma pista. – Por onde começamos? – perguntei, totalmente inexperiente. 18



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