Trecho - Diário de Pilar na África

Page 1

Se você quer saber mais sobre a África e aprender de onde vêm a sitatunga e o acarajé, não perca esta viagem! Para acompanhar o dia a dia da Pilar, acesse o blog diariodepilar.wordpress.com.

Diário de Pilar na África

Percorrendo muitas regiões africanas, da Nigéria a Angola, os quatro aventureiros contam com a ajuda de um elefante para atravessar florestas, cruzam o mar bravio num pequeno veleiro, galopam na perigosa savana montados em uma zebra, descem o rio Congo ao lado da poderosa rainha Jinga e enfrentam os donos dos navios negreiros. Na luta pela liberdade e contra a injustiça, Pilar e seus amigos vivem experiências inesquecíveis.

Flávia Lins e Silva

Pilar, Breno e o gato Samba embarcam na rede mágica e vão parar do outro lado do Atlântico, na África, onde conhecem Fummi, uma princesa iorubá. Juntos, eles tentarão salvar sua família e seu povo, capturados por comerciantes de escravos.


1


Copyright do texto © 2015, Flávia Martins Lins e Silva Copyright das ilustrações © 2015, Joana Penna Copyright desta edição © 2015: Jorge Zahar Editor Ltda. rua Marquês de S. Vicente 99 – 1o | 22451-041  Rio de Janeiro, RJ tel (21) 2529-4750 | fax: (21) 2529-4787 editora@zahar.com.br | www.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa p.164-5, Solar do Unhão com a igreja de N.S. da Conceição da Praia, Salvador da Bahia (óleo sobre tela), de François-René Moreaux (1807-60)/Coleção particular/ Foto © Christie’s Images/Bridgeman Images Preparação: Kathia Ferreira | Revisão: Tamara Sender, Carolina Sampaio Projeto gráfico: Joana Penna CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Silva, Flávia Lins e S579d Diário de Pilar na África/Flávia Lins e Silva; ilustrações Joana Penna. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Pequena Zahar, 2015. il. ISBN 978-85-66642-41-4 . África – História – Ficção infantojuvenil. 2. Ficção infanto brasileira. I. Penna, Joana. II. Título. CDD: 028.5 CDU: 087.5

15-22886

2


3


4


Sumário Berimbau 11 Fummi, Funmilola 17 Festa para Oxalá 27 Orixás 33 Os perseguidores 37 Nosso amigo Titi Lailai 45 O mistério dos búzios 51 Pimentas para profissionais 57 Elefantobol 63 Iroco 73 O mercado de Lagos 79 Prisioneiros 87 Margeando o oceano Atlântico 97 Camarões em Camarões 101 Conchas e muitos perigos 109 Pavor! 123

5


No Congo, a verdadeira congada 131 A rainha Jinga 141 No porto de Luanda 145 Notas do por達o 153 A rainha do mar 157 Em Salvador, nosso salvador... 161 A ilha mais linda do mundo 167

6


S贸 duas tran莽as?

N茫o!

Muitas trancinhas, 么! no estilo nag

7


Coisas que sempre lEvo nA malA:

APito de chamAr PaSsARinhos eScova de DEntes

grampo dE cabelo: 1oO1 utilIdaDes

colar com o globo tErRestre parA eu mE AchaR no mundo

mEu Diテ。rio: iNdISpensテ」EL!

8


AutorReTrAto explicado

TrAnças pAra o cabelo não FicAr na cAra

SambA semprE cOmigo ( grAndE coMpanheiro de viagEM )

Meu bolsO onde guardo tudo

LegGing bEm confortável pAra eu não ter de mE preocupaR com “bonS Modos”

Minha mAla sEMpre pRonta pAra novaS viAgens!

9

Tênis sEm cadArço ( pARa colOcar e tirAR bem ráPido )


PAsSos de CapoEirA

bênção (cumprimento inicial) meia-LUA dE FrentE

bananeira Esquiva

macaco

pontEira

martelo

meia-lua de compasso

cocOrinha

10

início de volta por trás


Berimbau Dindindom! Dindindom! Dididi dididi didindom! Tem som mais bonito que o do berimbau numa roda de capoeira? Toda sexta-feira, Breno e eu aprendemos na escola essa arte que uns chamam de luta, outros de dança, e que me fascina cada vez mais. Outro dia cheguei em casa treinando uns passos e ouvi minha mãe comentar com o meu padrasto, o Bernardo, que ela e meu pai se conheceram numa roda de capoeira. Aproveitei para tentar descobrir um pouco mais sobre meu pai, só que minha mãe desconversou, como sempre. De vez em quando escuto um comentário aqui e ali, busco o nome dele na internet, mas ainda não consegui nenhuma informação concreta sobre seu paradeiro. Será que ele vive em alguma floresta distante de tudo? Será que mora em uma ilha sem comunicação? Será que, além de jogar capoeira, ele toca berimbau? Gostaria de saber... Talvez meu pai pudesse me mostrar como se tira o som desse instrumento feito com uma única corda. Ah, se eu conseguisse dominar o berimbau, aposto que seria uma berimbalista de primeira! 11


Ultimamente, estava com tanta vontade de aprender a tocar que, no último dia de aula, grudei os olhos nos músicos, batendo palmas e cantando com eles: verga

Paranauê, paranauê, paraná! Quando eu era criança e jogava capoeira, os mais velhos me diziam: esse não está de brincadeira...

arAme

BaquetA

Vou jogando capoeira com o pé e com a mão. E na roda da escola quem me enfrenta cai no chão. No caminho lá de casa, uma cobra me mordeu. Mas meu veneno é mais forte e foi a cobra que morreu. Paranauê, paranauê, paraná! cabAça

12


CAPOEIRA e BERIMBAU Capoeira é uma mistura de dança e luta, provavelmente de origem banto, que se desenvolveu no Brasil. Hoje, essa arte é considerada pela Unesco um patrimônio imaterial da humanidade. No jogo de capoeira, nunca falta música e há sempre várias pessoas tocando berimbau, caxixi, agogô, pandeiro e atabaques. Alguns historiadores dizem que o berimbau se originou na África, pois se assemelha a vários outros instrumentos africanos, como o hungo, o urugungo, o macungo, o gunga. Outros acham que é criação brasileira e que seu nome teria vindo da madeira usada para fazer a verga: a biriba.

agoGô

pandeiro

13

caxiXI

AtabAqu E


Assim que a aula de capoeira terminou, eu disse para a diretora da escola que, após as férias, gostaria de fazer aulas de berimbau. Para minha surpresa, ela me perguntou se eu não preferia aprender piano ou violão, como todo mundo… Já ia responder que eu não era como todo mundo quando ela sumiu apressada e eu fiquei com aquilo entalado na garganta. No caminho para casa, comentei com Breno: – Por que todo mundo tem que aprender a tocar piano ou violão? – Ah, eu adoro o meu violão – ele respondeu. – Pois eu queria tocar berimbau. E vou aprender! Você vai ver! Breno então teve uma ideia ótima: sugeriu que inventássemos logo um berimbau, lá em casa mesmo, feito de vassoura, arame e uma cumbuca qualquer. Fomos para o meu apartamento, procuramos a vassoura na cozinha e pegamos apenas o cabo. Depois, esvaziamos uma lata de milho, achamos um arame prendendo uma planta e fomos direto para o meu quarto, com algumas ferramentas, para criar o instrumento. Martelamos um prego na madeira, enrolamos o ara14


me, fizemos dois furos na lata e a prendemos ao cabo da vassoura, porém… não conseguimos arrancar dali nenhum som decente. Breno já queria olhar na internet outras instruções para fazer um bom berimbau quando escutei o som de um agogô vindo de longe. Corri para a janela pensando que pudesse haver uma roda de capoeira na praça em frente ao prédio, mas nada! De repente, vi Samba rosnar para a rede mágica, como se houvesse alguém lá dentro. – Está ouvindo isso, Breno? – Claro que estou, Pilar! Quem será que está tocando esse agogô? – É o que nós precisamos descobrir. Estávamos tão intrigados que deixamos nossa criação de lado e embarcamos com meu gato na rede mágica, dizendo: – Rede mágica, me leva aonde for. Me leva que eu vou! Foi eu falar e a rede começar a girar. Girou, girou, girou até perdermos a noção de onde era o teto e de onde era o chão. Quando, enfim, parou, estávamos sobre um terreno de mato rasteiro, meio seco, perto de algumas casas de barro com teto de palha. 15


16


Fummi, Funmilola Debaixo de uma árvore, uma menina tocava agogô e cantava, animada. Breno e eu começamos a bater palmas e ela tomou o maior susto, claro! – Nossa! De onde vocês vieram? Quem são vocês? E que falta de cor é essa? Parece que vocês não cozinharam bem na barriga antes de nascer... – Eu ouvi a sua música de longe e resolvi descobrir de onde vinha. Meu nome é Pilar e esse é o meu amigo Breno. Você também gosta de capoeira? – Capoeira? Isso eu não conheço. Eu gosto de dançar, de tocar agogô, de gingar… Meu nome é Funmilola. Só que meus amigos me chamam de Fummi. – Oi, Fummi, você toca bem pra caramba, sabia?! – elogiou Breno. Ela sorriu, orgulhosa. De dentro da casa mais próxima, ouvimos alguém chamar: – Fummi, Funmilola, você já está pronta? Está na hora da festa! – Mmmhum! – ela respondeu, soltando um muxoxo engraçado. – Fique tranquila, mãezinha, estou quase 17


pronta, iyá, quase-quase, yeyé. Com um sorriso brincalhão, Fummi olhou para mim e para Breno pedindo ajuda: – Na verdade, não estou nada pronta. Estou atrasada e ainda preciso trançar os cabelos com estas conchas e miçangas. Vocês podem me ajudar? – Claro. Que miçangas lindas, Fummi! – São lindas e valiosas, Pilar. Meu pai trouxe para mim de uma viagem. Então, me ajudam? Com seis mãos vai ser mais rápido e assim não me atraso para a festa. – E que festa é essa? – perguntei, curiosa. – É uma homenagem a Oxalá, o grande pai de todos, o orixá que cuida da nossa paz. – Ah, acho que meu avô falava dele de vez em quando. Volta e meia dizia assim: “Oxalá termine a violência no mundo; Oxalá todos vivam em paz…” – lembrei. – Com certeza seu avô sabia quem era Oxalá. Nesta época do ano, sempre fazemos uma celebração para ele, para o nosso povo ter paz. Querem vir comigo? – Claro que queremos! – Breno e eu falamos juntos. Nós adorávamos uma boa festa e ficamos bastante empolgados, ainda que não soubéssemos onde estáva18


mos. Com seu jeito observador, Breno comentou comigo: – Essa vegetação parece savana, Pilar. Eu vi em algum livro de geografia. – Savana não é uma vegetação típica da África? – É, sim. Mas a África tem tantos países… Em qual deles viemos parar?

áf ric a

Tunísia

Marrocos Argélia

Saara Ocidental

Egito

Líbia

(território disputado)

Mauritânia

Cabo Verde

Senegal Gâmbia

Guiné

Guiné-Bissau Serra Leoa

Libéria

Mali Burkina Faso Benim

Costa Gana do Marfim

Níger

Chade

Nigéria

Togo Guiné Equatorial São Tomé

Camarões

Rep. Centro-Africana

Rep. Gabão do Congo

Sudão

Sudão do Sul Uganda

Rep. Dem. Ruanda

Eritreia

Djibuti

Etiópia Somália Quênia

Seychelles do Congo Burundi A África tem hoje e Príncipe Tanzânia 54 países independentes Comores Angola (48 no continente e seis Zâmbia Malawi Moçambique ilhas), cada um deles com Madagascar Zimbábue Namíbia muitas culturas. No total, Botswana Ilhas Maurício falam-se quase 2 mil idiomas Suazilândia África do Sul diferentes nesse continente, Lesoto que é o segundo maior do mundo em tamanho, com 30.065.000 metros quadrados, e o segundo mais populoso, com 1,1 bilhão de habitantes.

19


esSAs MiçangAs LiNdAs, de vidro ColoRIdO, feitAS em venEzA, na ItáliA, Eram muito USadAs no comércio na África noS séculoS XVII e XVIII. Com elas compravam-se eScravos, marfim, ouro, óleo de palmeira etc...

20


Orgulhosa, Fummi nos mostrou uma infinidade de miçangas coloridas lindíssimas. Samba ficou encantado com elas e fez uma bagunça danada. Ainda bem que Fummi não ficou chateada. Ao contrário, pegou meu gato no colo e fez um carinho nas orelhas dele. Depois, começamos a brincar de cabeleireiro e foi cômico ver a falta de talento de Breno para trançar cabelos. Saía uma trança de cada tamanho, mas Fummi não ligava a mínima. Enquanto trabalhávamos, ela cantarolava. Parecia que não podia viver sem música. Com tantas mãos trabalhando ao mesmo tempo, rapidinho os cabelos dela ficaram cheios de trancinhas com miçangas. Em seguida, Fummi colocou um vestido branco rodado e avisou à mãe: – Estou pronta, iyá, prontinha, yeyé. Como Breno e eu continuávamos meio perdidos, perguntei: – Fummi, onde estamos, hein? Qual o nome deste lugar? – Ah, vocês se perderam, foi? Esta é a cidade de Oxogbo, na África, ora essa! Todo o povo iorubá conhece este lugar. É a terra da grande Oxum, orixá da maternidade e da beleza. Fazemos festas lindas, vocês vão ver só! 21


Olhei no meu globo terrestre e entendi: estávamos no país que hoje chamamos de Nigéria. Quando eu era pequena, meu avô me contava histórias inesquecíveis do povo iorubá. A que eu mais gostava era uma sobre um obá, um grande chefe que reinava na cidade de Oyó, que um dia pediu a seu cozinheiro para comprar a melhor comida do mundo. O homem foi ao mercado, voltou, preparou o prato e apresentou ao obá a iguaria: língua assada. O chefe africano estranhou. E desde quando língua assada era a melhor comida do mundo? O cozinheiro se justificou dizendo que com a língua se comandava um reino, com a língua se recitavam as mais belas poesias, com a língua se cantavam as mais lindas músicas. O obá se convenceu, comeu e gostou. No dia seguinte, o obá pediu ao cozinheiro que lhe trouxesse a pior comida do mundo. Para sua surpresa, o prato servido foi o mesmo da véspera: língua assada. O obá se irritou: afinal, aquela não era a melhor das comidas? O homem explicou que com a língua se falavam maldades, com a língua se criavam discórdias, com a língua muitos casais brigavam. O obá ficou tão espantado com a sabedoria do cozinheiro que fez dele 22


nigéria A Nigéria tem 924 mil quilômetros quadrados e mais de 150 milhões de habitantes. A capital foi Lagos até 1991, quando o centro político se mudou para Abuja. O país ficou sob o domínio da Inglaterra por quase sessenta anos, de 1901 até 1960 (quando se tornou independente), por isso, hoje, quase todo mundo fala inglês por lá. No entanto, há mais de cinquenta idiomas e 250 dialetos falados por grupos étnicos diferentes (os três maiores são o hausa-fulani, o igbo e o iorubá). A Nigéria tem muito petróleo e uma indústria cinematográfica que não para de crescer, chamada Nollywood. Quem sabe um dia Breno, Samba e eu rodamos um filme por lá? Nigéria

23


seu conselheiro. E passou a tomar muito cuidado com a própria língua, claro... Muito elegantes, surgiram os pais de Fummi, vestidos de branco. Nas mãos, a mãe trazia uma coroa prateada cravejada de búzios que imediatamente colocou na cabeça da filha: – Não se esqueça de usar o seu adê, filha, a sua coroa. Você é e sempre será uma princesa. – Princesa?! – Breno e eu exclamamos, espantados. – Sim! Ela é princesa do povo iorubá! – disse a mãe de Fummi, toda orgulhosa. Fummi nos apresentou a eles, e seu pai, a princípio, estranhou um pouco a nossa presença. Sua mãe, porém, muito gentil, me ofereceu um tecido colorido e o enrolou em minha cabeça, fazendo um ojá para enfeitar meus cabelos. Adorei! Seguindo Fummi e seus pais por uma estrada de terra batida, chegamos a uma praça cercada por árvores, onde até as plantas estavam enfeitadas, com laços brancos. Por sorte, Breno e eu usávamos camisetas brancas, ou seja, estávamos com o traje certo. A festa, no entanto, seria bem diferente do que estávamos imaginando... 24


Se você quer saber mais sobre a África e aprender de onde vêm a sitatunga e o acarajé, não perca esta viagem! Para acompanhar o dia a dia da Pilar, acesse o blog diariodepilar.wordpress.com.

Diário de Pilar na África

Percorrendo muitas regiões africanas, da Nigéria a Angola, os quatro aventureiros contam com a ajuda de um elefante para atravessar florestas, cruzam o mar bravio num pequeno veleiro, galopam na perigosa savana montados em uma zebra, descem o rio Congo ao lado da poderosa rainha Jinga e enfrentam os donos dos navios negreiros. Na luta pela liberdade e contra a injustiça, Pilar e seus amigos vivem experiências inesquecíveis.

Flávia Lins e Silva

Pilar, Breno e o gato Samba embarcam na rede mágica e vão parar do outro lado do Atlântico, na África, onde conhecem Fummi, uma princesa iorubá. Juntos, eles tentarão salvar sua família e seu povo, capturados por comerciantes de escravos.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.