Esse é meu tipo: um livro sobre fontes

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Simon Garfield

Um livro sobre fontes

Tradução: Cid Knipel Revisão técnica: Luiz Fernando Gerhardt


Para Ben e Jake

Título original: Just My Type (A Book about Fonts) Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 2010 por Profile, de Londres, Inglaterra Copyright © 2010, Simon Garfield Copyright da edição brasileira © 2012: Jorge Zahar Editor Ltda. rua Marquês de S. Vicente 99 – 1o andar | 22451-041 Rio de Janeiro, rj tel (21) 2529-4750 | fax (21) 2529-4787 editora@zahar.com.br | www.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98) Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Preparação: Juliana Romeiro | Revisão: Eduardo Monteiro, Joana Milli, Mônica Surrage | Indexação: Leonardo Lucas | Capa: warrakloureiro CIP-Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Garfield, Simon G217e Esse é meu tipo: um livro sobre fontes / Simon Garfield; tradução Cid Knipel; revisão técnica Luiz Fernando Gerhardt. – Rio de Janeiro: Zahar, 2012. il. Tradução de: Just my type Inclui bibliografia e índice isbn 978-85-378-0829-0 1. Tipos para impressão. 2. Projeto gráfico (Tipografia). 12-0918

CDD: 686.224 CDU: 655.24


Em Budapeste, cirurgiĂľes operaram o aprendiz de grĂĄfico Gyoergyi Szabo, 17, que, melancĂłlico com a perda de uma namorada, havia composto e engolido os tipos com o nome dela. Revista Time, 28 de dezembro de 1936



Introdução

Letras de amor N

o dia 12 de junho de 2005, um homem de cinquenta anos se apresentou diante de uma multidão de alunos na Universidade Stanford e falou de seus dias de universitário em uma instituição menor, o Reed College, em Portland, Oregon. “Por todo o campus”, lembrava-se ele, “cada cartaz, cada rótulo em cada gaveta era escrito em uma caligrafia maravilhosa. Como eu havia abandonado a faculdade e não tinha de assistir às aulas normais, decidi fazer um curso de caligrafia para aprender a fazer aquilo. Aprendi sobre tipos com e sem serifa, sobre a variação do tamanho do espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia excelente. Foi maravilhoso, uma aula de história artisticamente sutil em um sentido que a ciência não consegue capturar, e achei aquilo fascinante.” 9


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Na época, o estudante desertor acreditava que nada do que ele aprendera teria aplicação prática em sua vida. Mas as coisas mudaram. Dez anos depois da faculdade, aquele homem, que se chamava Steve Jobs, projetou seu primeiro computador Macintosh, uma máquina que vinha com uma coisa inédita – um amplo leque de fontes. Além de incluir tipos conhecidos como Times New Roman e Helvetica, Jobs acrescentou diversos designs novos, evidentemente tomando certo cuidado com a aparência e os nomes. Eram batizados em homenagem a cidades que ele amava, como Chicago e Toronto. Jobs desejava que cada um deles fosse tão distinto e bonito quanto a caligrafia que conhecera uma década antes, e pelo menos duas das fontes, Venice e Los Angeles, tinham um ar caligráfico. Era o início de algo importante – um abalo sísmico em nossa relação cotidiana com as letras e os tipos. Uma inovação que, em uma ou duas décadas, introduziria a palavra “fonte” – antes, um componente da linguagem técnica limitado ao design e ao ofício gráfico – no vocabulário de todos os usuários de computador. Hoje não é fácil encontrar as fontes originais de Jobs, o que também se justifica: elas são grosseiramente pixelizadas e de incômoda manipulação. Mas a simples possibilidade de alterar fontes parecia tecnologia de outro planeta. Antes do Macintosh de 1984, os primeiros computadores ofereciam apenas um tipo insípido, e boa sorte para você se quisesse usá-lo em itálico. Mas a partir de então passou a existir uma seleção de alfabetos que faziam o máximo para recriar algo a que estávamos acostumados no mundo real. O principal deles era o %, que a Apple usou para todos os seus menus e caixas de diálogos até a primeira geração de iPods. Mas era possível optar também por letras góticas antigas que lembravam o trabalho de escribas chaucerianos ( ) ), letras suíças limpas que refletiam o


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modernismo empresarial ( ' ), letras altas e arejadas que poderiam ter adornado cardápios de transatlânticos ( & ). Havia até (, uma fonte que parecia ter sido feita de recortes de jornal – útil para trabalhos de colégio tediosos e anotações aleatórias. A IBM e a Microsoft logo fariam o máximo para copiar o exemplo da Apple, enquanto as impressoras domésticas (um conceito novo na época) começavam a ser comercializadas não só pela velocidade, mas pela diversidade de suas fontes. Atualmente o conceito de “desktop publishing” ou “editoração eletrônica” evoca um universo de convites de festas de layout duvidoso e revistas comunitárias poluídas, mas ele simbolizou uma libertação gloriosa da tirania dos compositores profissionais e das frustrações de ter que raspar uma cartela de transferência de caracteres da Letraset. Uma mudança pessoal de fonte real-

A Chicago num dos primeiros iPods

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mente dizia algo: um passo criativo rumo à expressividade, uma experiência libertadora de brincar com palavras. E hoje nem sequer podemos imaginar uma liberdade artística cotidiana mais simples do que abrir o menu de fontes. Nele se encontra o derrame da história, o eco de Johannes Gutenberg a cada toque de tecla. Nele estão nomes que reconhecemos: Helvetica, Times New Roman, Palatino e Gill Sans. Nomes de fólios e de velhos manuscritos: Bembo, Baskerville e Caslon. Possibilidades de elegância: Bodoni, Didot e Book Antiqua. E os riscos do ridículo: Brush Script, Herculanum e Braggadocio. Vinte anos atrás mal os conhecíamos, mas todos temos os nossos favoritos. Os computadores nos deram todos os deuses do tipo, um privilégio que não poderíamos jamais prever na era da máquina de escrever. No entanto, quando optamos por + e não /, ou quando o designer de um anúncio prefere Centaur a Franklin Gothic, o que está por trás dessa escolha e qual impressão esperamos criar? Quando escolhemos uma fonte, o que estamos realmente dizendo? Quem faz essas fontes e como eles trabalham? E exatamente por que precisamos de tantas? O que devemos fazer com Alligators, Accolade, Amigo, Alpha Charlie, Acid Queen, Arbuckle, Art Gallery, Ashley Crawford, Arnold Böcklin, Andreena, Amorpheus, Angry e Anytime Now? Ou Banjoman, Bannikova, Baylac, Binner, Bingo, Blacklight, Blippo ou Bubble Bath? (E como é delicioso o som de Bubble Bath, com seus finos círculos flutuantes e interligados, prontos para explodir e molhar a página?) Existem mais de 100 mil fontes no mundo. Mas por que não podemos nos ater a uma meia dúzia – talvez fontes familiares como Times New Roman, Helvetica, Calibri, Gill Sans, Frutiger ou Palatino? Ou a clássica ,, batizada com o nome do de-


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Bubble Bath – light, regular e negrito

signer de tipos Claude Garamond, que trabalhava em Paris na primeira metade do século xvi e cujo tipo romano altamente legível liquidou o ranço pesado de seus predecessores alemães e, mais tarde, adaptado por William Caslon na Inglaterra, forneceria as letras para a Declaração de Independência americana. As fontes têm hoje 560 anos de idade. Assim, quando um inglês chamado Matthew Carter desenhou Verdana e Georgia em seu computador nos anos 1990, o que podia ele estar fazendo a um A e um B que não havia sido feito antes? E como um amigo seu desenvolveu a fonte Gotham, que facilitou a chegada de Barack Obama à Presidência? E o que exatamente torna uma fonte presidencial ou norte-americana, inglesa, francesa, alemã, suíça ou judia? São mistérios obscuros, e a tarefa deste livro é chegar ao cerne deles. Mas começaremos por um caso de cautela, uma história do que acontece quando se perde o controle sobre uma fonte.

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