O Bazófias - Número 34

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Entrevista “Aqueles pais entendiam a educação dos filhos como algo essencial e merecedor de todo o sacrifício, que os filhos deveriam devolver com o seu esforço nos estudos„ messo para ajustar contas, aproveitando as eleições, para pressionar uma das partes a favorecer a outra. Decidi não publicar a história, com o apoio do editor, mas durante dias ainda recebi telefonemas em que nos acusavam de estarmos “na mão” daquele político. Felizmente, para mim, esta ainda é uma situação fora do comum e que não deve passar a regra. Percebi que muitas vezes, as percepções que ficam do nosso trabalho dependem dos interesses de quem nos lê.

Quais são os teus tipos de reportagem preferidos? Todas as que envolvam pesquisa e investigação. Dá-nos tempo para ver a história crescer e ter desenvolvimentos com que os prazos do trabalho diário não se compadecem. E trabalhos mais pessoais e intimistas, como entrevistas de vida ou perfil.

Qual a reportagem que mais gostaste de fazer?

Um dos trabalhos que mais gostei de fazer foi uma entrevista a um casal de pais com cinco filhos, todos eles doutorados em áreas científicas, e com percursos profissionais e académicos muito relevantes. Aqueles pais entendiam a [ 28 ]

educação dos filhos como algo essencial e merecedor de todo o sacrifício, que os filhos deveriam devolver com o seu esforço nos estudos. E entendiam isso como parte do seu trabalho de pais, e por isso nada de extraordinário ou merecedor de elogios. Mas também gostei bastante de uma reportagem em que acompanhei uma equipa de apoio a um grupo de sem-abrigo, durante a noite, e um dos primeiros trabalhos que fiz, quando o aborto ainda era ilegal, e percorri várias farmácias a tentar perceber se alguém me venderia pílulas abortivas sem

“a informação já não pode ser guardada para o dia seguinte„ receita médica. Eu não consegui, mas houve quem o conseguisse para mim.

A televisão é hoje um dos principais meios de comunicação. Sentes que os jornais têm os dias contados? (espero que não!)

É difícil fazer futurologia, mas todos os novos meios surgiram com a promessa de tornar os anteriores obsoletos e ditar o seu desaparecimento, e isso até hoje não se confirmou. Julgo que os jornais devem ser reformulados e reestruturados, ter em conta novos públicos e nichos, e perceber que a informação já não pode ser “guardada” para o dia seguinte. Mas a “ameaça” dos novos meios deve ser vista como uma oportu-

nidade. Se os meios digitais podem dar, na hora, a notícia, então o jornal deve pensar-se como o campo privilegiado para a investigação exaustiva, que requer tempo e paciência, algo pouco concretizável num órgão que vive do instantâneo, como os jornais online.

É difícil fazer uma reportagem sendo completamente imparcial? A imparcialidade não existe, e é bom que o jornalista o assuma à partida, caso contrário não está a ser intelectualmente honesto. Noutros países, como o Reino Unido ou os EUA, essa questão não se coloca porque os jornais são declaradamente de esquerda ou direita, contra ou a favor determinados assuntos. Em Portugal, no entanto, isso não acontece. E ser o mais imparcial possível não significa apenas ouvir as duas partes, algo que até está consagrado no código deontológico. Mas temos a obrigação de ser objectivos, ouvir as todas as partes interessadas. Se o jornalista não se sentir preparado para tal, ou se souber que, por exemplo, uma opinião ou relação pessoal com um facto ou fonte pode influenciar a sua notícia, deve assumi-lo abertamente e passar a outro esse trabalho. Na reportagem, no entanto, é

“o jornal deve pensar­se como o campo privilegiado para a investigação exaustiva, que requer tempo e paciência„


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