Psicopatologia - uma abordagem integrada - Tradução da 8ª edição norte-americana

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Psicopatologia UMA ABORDAGEM INTEGRADA

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Barlow, David H. Psicopatologia : uma abordagem integrada / David H. Barlow, V. Mark Durand, Stefan G. Hofmann ; tradução técnica Silmara Batistela. -- 3. ed. -- São Paulo : Cengage Learning, 2020. Título original: Abnormal psychology 8. ed. norte-americana. ISBN 978-65-555-8002-0 1. Distúrbios mentais 2. Doenças mentais 3. Psicologia patológica 4. Psicopatologia I. Durand, V. Mark. II. Hofmann, Stefan G. III. Batistela, Silmara. IV. Título. CDD-616.89 20-52993

NLM-WM 100 Índice para catálogo sistemático: 1. Psicopatologia 616.89 Cibele Maria Dias – Bibliotecária – CRB-8/9427

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Psicopatologia UMA ABORDAGEM INTEGRADA Tradução da 8a edição norte-americana

David H. Barlow Boston University

V. Mark Durand University of South Florida – St. Petersburg

Stefan G. Hofmann Boston University

Tradutora técnica dos trechos novos da 8a edição norte-americana Revisora técnica da tradução da 8a edição norte-americana

Silmara Batistela Graduada em psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestre e doutora pelo departamento de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM). Docente do curso de Psicologia do Centro Universitário São Camilo.

Austrália • Brasil • México • Cingapura • Reino Unido • Estados Unidos

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Psicopatologia – Uma abordagem integrada Tradução da 8a edição norte-americana 3a edição brasileira David H. Barlow, V. Mark Durand e Stefan G. Hofmann Gerente editorial: Noelma Brocanelli Editora de desenvolvimento: Gisela Carnicelli Supervisora de produção gráfica: Fabiana Alencar Albuquerque Título original: Abnormal psychology – An integrative approach 8th edition (ISBN 13: 978-1-305-95044-3) Tradução técnica dos trechos novos da 8a edição norte-americana: Silmara Batistela Tradução dos trechos novos da 7a edição norte-americana: Noveritis do Brasil Revisão técnica da tradução da 7a edição norte-americana: Thaís Cristina Marques dos Reis Revisão técnica da tradução da 8a edição norte-americana: Silmara Batistela Cotejo e revisão: Fábio Gonçalves, Beatriz Simões Araújo, Luicy Caetano de Oliveira e Bel Ribeiro Diagramação: PC Editorial Ltda. Capa: Raquel Braik Pedreira Imagem da capa: Andriy_A/Shutterstock Indexação: Piscilla Lopes

© 2016, 2015, 2012 Cengage Learning © 2021 Cengage Learning Edições Ltda. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios empregados, sem a permissão, por escrito, da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Esta editora empenhou-se em contatar os responsáveis pelos direitos autorais de todas as imagens e de outros materiais utilizados neste livro. Se porventura for constatada a omissão involuntária na identificação de algum deles, dispomo-nos a efetuar, futuramente, os possíveis acertos. A Editora não se responsabiliza pelo funcionamento dos sites contidos neste livro que possam estar suspensos. Para informações sobre nossos produtos, entre em contato pelo telefone 0800 11 19 39 Para permissão de uso de material desta obra, envie seu pedido para direitosautorais@cengage.com

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Impresso no Brasil Printed in Brazil 1. impr. – 2021

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Para minha mãe, Doris Elinor Barlow-Lanigan, por sua influência multidimensional em toda a minha vida. D. H. B.

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Para Wendy e Jonathan, cuja paciência, compreensão e amor me deram a oportunidade de completar este ambicioso projeto. V. M. D.

Para Benjamin e Lukas por me ajudar a integrar as muitas dimensões da vida S. G. H.

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Sobre os autores David H. Barlow é um pioneiro e líder internacionalmente reconhecido em psicologia clínica. Professor de psicologia e psiquiatria da Boston University, é fundador e diretor emérito do Center for Anxiety and Related Disorders, uma das maiores clínicas de pesquisa sobre o assunto no mundo. De 1996 a 2004, dirigiu os programas de psicologia clínica na Boston University. De 1979 a 1996, foi professor emérito da University at Albany – State University of New York. De 1975 a 1979, foi professor de psiquiatria e psicologia da Brown University, onde também fundou o programa de estágio em psicologia clínica. De 1969 a 1975, foi professor de psiquiatria da University of Mississippi, onde fundou o programa de residência de psicologia da Faculdade de Medicina. É graduado pela University of Notre Dame, fez mestrado na Boston College e é Ph.D. pela University of Vermont. Membro (bolsista, pesquisador) de todas as grandes associações psicológicas, Dr. Barlow recebeu muitos prêmios em honra de sua excelência em conhecimento, incluindo o National Institute of Mental Health Merit Award, por suas contribuições a longo prazo para o esforço na pesquisa clínica; o Distinguished Scientist Award para aplicações da psicologia da American Psychological Association (APA); e o James McKeen Cattell Fellow Award da Association for Psychological Science, honrando os indivíduos por sua vida dedicada às conquistas intelectuais significativas em pesquisa psicológica aplicada. Outros prêmios incluem o Distinguished Scientist Award from the Society of Clinical Psychology (Prêmio Notável Cientista da Sociedade de Psicologia Clínica) da American Psychological Association e um certificado de apreciação da seção da APA de psicologia clínica das mulheres pelo “extraordinário comprometimento com o avanço das mulheres na psicologia”. Ele foi agraciado com um doutorado honorário em Ciências da University of Vermont, um doutorado honorário em Letras Humanas do William James College, bem como com o prêmio C. Charles Burlingame do Institute of Living em Hartford, Connecticut, “por sua excelente liderança em pesquisa, educação e atendimento clínico”. Em 2014, foi premiado com uma Menção Presidencial da American Psychological Association “por sua dedicação e paixão de longo prazo pelo avanço

da psicologia por meio da ciência, educação, treinamento e prática”. Também recebeu prêmios de contribuição vitalícia/carreira da Psychological Associations de Massachusetts, de Connecticut, e da Califórnia, bem como do Centro Médico da University of Mississippi e da Association for Behavioral and Cognitive Therapies. Em 2000, foi nomeado professor visitante honorário no Hospital Geral do Exército de Libertação do Povo Chinês e na Escola de Pós-graduação de Medicina em Pequim, China, e em 2015 foi nomeado presidente honorário da Canadian Psychological Association. Além disso, a Grand Rounds in Clinical Psychology da Brown University foi nomeada em sua homenagem. Durante o ano acadêmico de 1997-1998, atuou como Fritz Redlich Fellow no Center for Advanced Study in the Behavioral Sciences em Palo Alto, Califórnia. Sua pesquisa tem sido continuamente financiada pelo National Institute of Mental Health por mais de 40 anos. Dr. Barlow editou vários periódicos, incluindo Clinical Psychology: Science and Practice and Behavior Therapy, atuou no conselho editorial de mais de 20 revistas e atualmente é editor chefe da série “Tratamentos que funcionam” da Oxford University Press. Publicou mais de 600 artigos acadêmicos e escreveu mais de 65 livros e manuais clínicos, incluindo Anxiety and its disorders, 2ª edição, Guilford Press; Clinical handbook of psychological disorders: a step-by-step treatment manual, 5ª edição, Guilford Press; Single-case experimental designs: strategies for studying behavior change, 3ª edição, Allyn e Bacon (com Matthew Nock e Michael Hersen); The scientist-practitioner: research and accountability in the age of managed care, 2ª edição, Allyn e Bacon (com Steve Hayes e Rosemary Nelson-Gray); Mastery of your anxiety and panic, Oxford University Press (com Michelle Craske); e, mais recentemente, The unified protocol for transdiagnostic treatment of emotional disorders com o Unified Team na Boston University. Os livros e os manuais foram traduzidos em mais de 20 idiomas, incluindo árabe, chinês e russo. Foi um dos três psicólogos da força-tarefa responsável por revisar o trabalho de mais de mil profissionais da saúde mental que participaram da elaboração do DSM-IV e continuou como Assessor da força-tarefa do DSM-5. Também presidiu a força-tarefa da APA para Diretrizes de Intervenção Psicológica, que criou um modelo para as diretrizes da prática clínica. Seu programa atual de pesquisa se concentra na natureza e no tratamento dos transtornos de ansiedade e transtornos emocionais relacionados.

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Em seu tempo livre, joga golfe, esquia e recolhe-se em sua casa em Nantucket Island, onde adora escrever, caminhar pela praia e visitar os amigos. V. Mark Durand é conhecido mundialmente como uma autoridade na área de transtorno do espectro autista. É professor de psicologia na University of South Florida – St. Petersburg, onde fundou o Dean of Arts e Sciences e é vice-chanceler para assuntos acadêmicos. Dr. Durand é membro da American Psychological Association. Recebeu mais de 4 milhões de dólares de financiamento federal desde o início de sua carreira para estudar a natureza, a avaliação e o tratamento dos problemas comportamentais em crianças com deficiências. Antes de se mudar para a Flórida, atuou em várias posições de liderança na University at Albany, incluindo a de diretor associado do treinamento clínico do programa de doutorado em psicologia de 1987 a 1990, catedrático do Departamento de Psicologia de 1995 a 1998 e reitor interino de Arts and Sciences de 2001 a 2002. Fundou o Center for Autism and Related Disabilities (Centro para Autismo e Transtornos Relacionados) na University at Albany, State University of New York. Obteve seu bacharelado, mestrado e Ph.D. – todos em psicologia – na State University of New York-Stony Brook. Dr. Durand recebeu o University Award for Excellence in Teaching em SUNY-Albany (Prêmio universitário de excelência em ensino) em 1991 e o Chancellor’s Award for Excellence in Research and Creative Scholarship (Prêmio por excelência

em pesquisa e conhecimento criativo) na University of South Florida – St. Petersburg em 2007. Foi nomeado membro do Princeton Lecture Series em 2014 por sua obra na área do transtorno do espectro autista. Foi eleito presidente da Divisão 33 da American Psychological Association (Deficiências Intelectuais e de Desenvolvimento/Transtornos do Espectro Autista) em 2019. Atualmente é membro do Conselho Consultivo Profissional da Autism Society of America e está no conselho administrativo da Association of Positive Behavioral Support. Foi coeditor do Journal of Positive Behavior Interventions, atua em inúmeros conselhos editoriais e tem mais de 125 publicações sobre comunicação funcional, programação educacional e terapia comportamental. Seus livros incluem Severe behavior problems: a functional communication training approach; Sleep better! A guide to improving sleep for children with special needs; Helping parents with challenging children: positive family intervention; vencedor de múltiplos prêmios nacionais Optimistic parenting: hope and help for you and your challenging child; e o mais recente Autism spectrum disorder: a clinical guide for general practitioners. Dr. Durand desenvolveu um tratamento único para problemas graves de comportamento que atualmente é obrigatório em vários estados dos Estados Unidos e é utilizado no mundo inteiro. Além disso, desenvolveu um instrumento de avaliação que é utilizado internacionalmente e foi traduzido para mais de 15 idiomas. Mais recentemente, desenvolveu uma abordagem inovadora para ajudar famílias com seus filhos desafiadores (Parentalidade Otimista), que foi validado em um ensaio clínico de cinco anos. Tem sido consultado pelos departamentos de educação de vários estados e pelos departamentos de Justiça e de Educação dos Estados Unidos. Seu programa de pesquisa atual inclui o estudo de modelos de prevenção e tratamentos para problemas graves, como comportamento autolesivo. Em seu tempo de lazer, pratica corrida de longa distância e já completou três maratonas.

Sobre os autores

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Stefan G. Hofmann é especialista internacional em psicoterapia para transtornos emocionais. É professor de psicologia na Boston University, onde é diretor do Laboratório de Pesquisa em Psicoterapia e Emoção. Nasceu em uma pequena cidade perto de Stuttgart, na Alemanha, o que pode explicar seu forte sotaque alemão. Estudou psicologia na University of Marburg, Alemanha, onde concluiu seu bacharelado, mestrado e doutorado. Uma breve bolsa de estágio para passar algum tempo na Stanford University se transformou em uma carreira mais longa de pesquisa nos Estados Unidos. Ele acabou se mudando para os Estados Unidos, em 1994, para se juntar à equipe do Dr. Barlow na University at Albany – State University de Nova York, e mora em Boston desde 1996. Dr. Hofmann tem um programa de pesquisa ativamente financiado que estuda vários aspectos dos transtornos emocionais com ênfase particular nos transtornos de ansiedade, terapia cognitivo-comportamental e neurociência. Mais recentemente, tem se interessado por abordagens de mindfulness, como ioga e práticas de meditação, como estratégias de tra-

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tamento de transtornos emocionais. Além disso, tem sido um dos líderes em métodos de pesquisa translacional para aumentar a eficácia da psicoterapia e prever o resultado do tratamento usando métodos da neurociência. Ganhou muitos prêmios de prestígio profissional, incluindo o Prêmio Aaron T. Beck de Contribuições Significativas e Duradouras para o Campo da Terapia Cognitiva pela Academy of Cognitive Therapy. É membro da American Psychological Association e da Association for Psychological Science e foi presidente de várias sociedades profissionais nacionais e internacionais, incluindo a Association for Behavioral and Cognitive Therapies e a International Association for Cognitive Psychotherapy. Foi assessor do processo de desenvolvimento e membro do subgrupo de trabalho de Transtorno de Ansiedade do DSM-5. Como parte disso, participou das discussões sobre as revisões dos critérios do DSM-5 para vários transtornos de ansiedade, especialmente transtorno de ansiedade social, transtorno de pânico e agorafobia. Dr. Hofmann é um pesquisador da Thomson Reuters altamente citado. Dr. Hofmann foi o editor-chefe da revista científica Cognitive Therapy and Research e também é o editor associado da revista científica Clinical Psychological Science. Publicou mais de 300 artigos em periódicos revisados por pares e 15 livros, incluindo An introduction of modern CBT (Wiley-Blackwell) e Emotion in therapy (Guilford Press). No lazer, ele gosta de brincar com os filhos. Gosta de viajar para mergulhar em novas culturas, fazer novos amigos e se reconectar aos antigos. Quando o tempo permite, ele ocasionalmente estuda e toca flauta.

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Sumário Prefácio xix

1 Comportamento atípico no contexto histórico 1 Compreendendo a psicopatologia 2

O que é transtorno psicológico? 3 A ciência da psicopatologia 5 Conceitos históricos do comportamento atípico 8

A tradição sobrenatural 9 Demônios e bruxas 9 Estresse e melancolia 9 Tratamentos para possessão 10 Histeria em massa 11 Histeria em massa em tempos modernos 11 A lua e as estrelas 11 Comentários 12

O desenvolvimento dos tratamentos biológicos 14 Consequências da tradição biológica 15

A tradição psicológica 15 Terapia moral 15 Reforma psiquiátrica e declínio da terapia moral 17 Teoria psicanalítica 17 Teoria humanista 23 O modelo comportamental 24

O presente: o método científico e uma abordagem integradora 27

A tradição biológica 12

Resumo 28

Hipócrates e Galeno 12 O século XIX 13

Termos-chave 28 Respostas da verificação de conceitos 28

2 Uma abordagem integrada da psicopatologia 30 Modelos unidimensional versus multidimensional 31 O que causou a fobia de Judy? 31 Resultados e comentários 33

Contribuições genéticas para a psicopatologia 34 A natureza dos genes 34 Novos desenvolvimentos no estudo dos genes e do comportamento 35 A interação entre os genes e o ambiente 36 A herança epigenética e não genômica do comportamento 39

A neurociência e suas contribuições para a psicopatologia 41 O sistema nervoso central 41 A estrutura do cérebro 43 O sistema nervoso periférico 45 Neurotransmissores 47 Implicações para a psicopatologia 51 Influências psicossociais sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro 52 Interações entre fatores psicossociais e sistemas neurotransmissores 54

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Efeitos psicossociais sobre o desenvolvimento da estrutura e do funcionamento do cérebro 55 Comentários 56

Ciências comportamental e cognitiva 57 Condicionamento e processos cognitivos 57 Desamparo aprendido 58 Aprendizagem social 58 Aprendizagem preparada 58 A ciência cognitiva e o inconsciente 59

Emoções e psicopatologia 63

Fatores culturais, sociais e interpessoais 64 Vodu, mau-olhado e outros medos 64 Gênero sexual 64 Efeitos sociais sobre saúde e comportamento 65 Incidência global dos transtornos psicológicos 67

Desenvolvimento do ciclo de vida 67

Emoções 60

Conclusões 69

A fisiologia e a finalidade do medo 60 Os fenômenos emocionais 61 Os componentes da emoção 61 A raiva e o seu coração 62

Resumo 70 Termos-chave 70 Respostas da verificação de conceitos 70

3 Avaliação clínica e diagnóstico 71 Avaliando transtornos psicológicos 72

Elementos de classificação 90

Conceitos-chave em avaliação 73 Entrevista clínica 74 Exame físico 77 Avaliação comportamental 77 Testes psicológicos 81 Testes neuropsicológicos 86 Neuroimagem: imagens do cérebro 86 Avaliação psicofisiológica 88

O diagnóstico antes de 1980 93 DSM-III e DSM-III-R 93

Diagnosticando transtornos psicológicos 89

DSM-IV e DSM-IV-TR 93 DSM-5 94 Criando um diagnóstico 97 Além do DSM-5: dimensões e espectro 100

Resumo 101 Termos-chave 101 Respostas da verificação de conceitos 101

4 Métodos de pesquisa 102 Examinando o comportamento atípico 103 Conceitos importantes 103 Componentes básicos de uma pesquisa 103 Significância estatística versus significância clínica 106 O cliente “mediano” 106

Tipos de métodos de pesquisa 107 Estudando casos individuais 107 Pesquisa por correlação 107 x

Pesquisa por experimentação 109 Desenhos experimentais de caso único 112

Genética e comportamento ao longo do tempo e das culturas 114 Estudando a genética 114 Estudando o comportamento ao longo do tempo 118 Estudando o comportamento nas culturas 120 Poder de um programa de pesquisa 121

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Replicação 122 Ética na pesquisa 122

Termos-chave 124 Respostas da verificação de conceitos 124

Resumo 124

de ansiedade, transtornos relacionados a 5 Transtornos trauma e a estressores, transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados 125

A complexidade dos transtornos de ansiedade 126

Causas 157 Tratamento 158

Ansiedade, medo e pânico: algumas definições 126 Causas da ansiedade e transtornos relacionados 128 Comorbidade dos transtornos de ansiedade e transtornos relacionados 131 Comorbidade com transtornos físicos 132 Suicídio 132

Trauma e transtornos relacionados a trauma e a estressores 161

Transtornos de ansiedade 133 Transtorno de ansiedade generalizada 133 Descrição clínica 134 Estatísticas 135 Causas 136 Tratamento 137

Transtorno de pânico e agorafobia 138 Descrição clínica 139 Estatísticas 140 Causas 143 Tratamento 145

Fobia específica 148 Descrição clínica 148 Estatísticas 150 Causas 151 Tratamento 153

Transtorno de ansiedade social (fobia social) 155 Descrição clínica 155 Estatísticas 156

Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) 161 Descrição clínica 161 Estatísticas 163 Causas 166 Tratamento 167

Transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados 170 Transtorno obsessivo-compulsivo 170 Descrição clínica 170 Estatísticas 173 Causas 173 Tratamento 174

Transtorno dismórfico corporal 175 Cirurgia plástica e outros tratamentos médicos 179

Outros transtornos obsessivo-compulsivos e transtornos relacionados 179 Transtorno de acumulação 179 Tricotilomania (transtorno de arrancar o cabelo) e transtorno de escoriação (skin picking) 180

Resumo 183 Termos-chave 184 Respostas da verificação de conceitos 184

Sumário

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de sintomas somáticos, transtornos 6 Transtorno relacionados e transtornos dissociativos 187 Transtorno de sintomas somáticos e transtornos relacionados 188

Transtornos dissociativos 202

Transtorno de sintomas somáticos 189

Transtorno de despersonalização/ desrealização 203

Transtorno de ansiedade de doença 190

Amnésia dissociativa 204

Descrição clínica 191 Estatísticas 192 Causas 193 Tratamento 195

Fatores psicológicos que afetam outras condições médicas 196 Transtorno conversivo (transtorno de sintomas neurológicos funcionais) 196 Descrição clínica 196 Transtornos intimamente relacionados 197 Processos mentais inconscientes 199 Estatísticas 200 Causas 200 Tratamento 202

Transtorno dissociativo de identidade 207 Descrição clínica 207 Características 208 TDI pode ser simulado? 208 Estatísticas 210 Causas 211 Sugestionabilidade 212 Contribuições biológicas 212 Memórias reais e falsas 213 Tratamento 215

Resumo 217 Termos-chave 217 Respostas da verificação de conceitos 217

7 Transtornos do humor e suicídio 220 Compreendendo e definindo transtornos do humor 221 Visão geral sobre depressão e mania 222 Estrutura dos transtornos do humor 223 Transtornos depressivos 225 Critérios adicionais de definição para transtornos depressivos 226 Outros transtornos depressivos 233 Transtornos bipolares 236 Critérios adicionais de definição para transtornos bipolares 237

Prevalência dos transtornos do humor 240 Prevalência em crianças, adolescentes e adultos mais velhos 240 xii

Influências do desenvolvimento do ciclo vital nos transtornos do humor 241 Entre culturas 243 Entre indivíduos criativos 243

Causas dos transtornos do humor 244 Dimensões biológicas 244 Estudos adicionais sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro 248 Dimensões psicológicas 248 Dimensões sociais e culturais 253 Uma teoria integrada 255

Tratamento dos transtornos do humor 257 Medicações 257

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Eletroconvulsoterapia e estimulação magnética transcraniana 261 Tratamentos psicológicos para depressão 262 Tratamentos combinados para depressão 265 Prevenindo a reincidência da depressão 266 Tratamentos psicológicos para o transtorno bipolar 267

Estatísticas 269 Causas 270 Fatores de risco 270 O suicídio é contagioso? 272 Tratamento 273

Suicídio 269

Termos-chave 276 Respostas da verificação de conceitos 276

Resumo 275

alimentares e transtornos do sono8 Transtornos -vigília 279 Principais tipos de transtornos alimentares 280

Causas 306 Tratamento 307

Bulimia nervosa 282 Anorexia nervosa 285 Transtorno de compulsão alimentar 287 Estatísticas 288

Transtornos do sono-vigília: as principais dissonias 310

Causas dos transtornos alimentares 291 Dimensões sociais 291 Dimensões biológicas 295 Dimensões psicológicas 296 Modelo integrador 297

Tratamento dos transtornos alimentares 298

Visão geral dos transtornos do sono-vigília 310 Transtorno de insônia 312 Transtornos de hipersonolência 316 Narcolepsia 317 Transtornos do sono relacionados à respiração 319 Transtorno do sono-vigília do ritmo circadiano 320

Tratamento dos transtornos do sono 322

Tratamento com drogas 299 Tratamentos psicológicos 299 Prevenindo os transtornos alimentares 303

Tratamentos médicos 322 Tratamentos ambientais 323 Tratamentos psicológicos 323 Prevenindo os transtornos do sono 324 Parassonias e seus tratamentos 325

Obesidade 304

Resumo 328

Estatísticas 304

Termos-chave 329 Respostas da verificação de conceitos 329

Padrões de alimentação desordenada nos casos de obesidade 305

9 Transtornos físicos e psicologia da saúde 332 Fatores psicológicos e sociais que influenciam a saúde 333 Saúde e comportamento relacionado à saúde 333 Fisiologia do estresse 335 Contribuições para a resposta ao estresse 336

Estresse, ansiedade, depressão e excitação 337 Estresse e resposta imunológica 338

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Efeitos psicossociais sobre os transtornos físicos 341 Aids 341 Câncer 344 Problemas cardiovasculares 346 Hipertensão 347 Doença cardíaca coronariana 349 Dor crônica 353 Síndrome da fadiga crônica 356

Tratamento psicossocial dos transtornos físicos 359

Biofeedback 359 Relaxamento e meditação 360 Programa abrangente de redução do estresse e da dor 361 Drogas e programas de redução do estresse 362 Negação como um meio de enfrentamento 363 Modificação de comportamentos para promoção da saúde 363

Resumo 368 Termos-chave 368 Respostas da verificação de conceitos 368

sexuais, transtornos parafílicos e disforia 10 Disfunções de gênero 371 O que é sexualidade normal? 372 Diferenças de gênero 374 Diferenças culturais 376 O desenvolvimento da orientação sexual 376

Panorama das disfunções sexuais 378 Transtornos do desejo sexual 379 Transtornos da excitação sexual 380 Transtornos do orgasmo 382 Transtornos de dor sexual 384

Avaliação do comportamento sexual 385

Transtorno fetichista 396 Transtornos voyeurista e exibicionista 396 Transtorno transvéstico 397 Transtornos do sadismo sexual e do masoquismo sexual 399 Transtorno pedofílico e incesto 400 Transtornos parafílicos em mulheres 401 Causas dos transtornos parafílicos 402

Avaliação e tratamento dos transtornos parafílicos 403

Entrevistas 385 Exame médico 385 Avaliação psicofisiológica 386

Tratamento psicológico 404 Tratamento com drogas 406

Causas e tratamentos da disfunção sexual 386

Definindo a disforia de gênero 407 Causas 409 Tratamento 410

Causas da disfunção sexual 386 Tratamento da disfunção sexual 391

Transtornos parafílicos: descrição clínica 395

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Disforia de gênero 406

Resumo 413 Termos-chave 414 Respostas da verificação de conceitos 414

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relacionados a substâncias, transtornos 11 Transtornos aditivos e transtornos do controle de impulsos 417 Perspectivas sobre transtornos relacionados a substâncias e transtornos aditivos 418 Níveis de envolvimento 419 Temas relativos ao diagnóstico 421

Depressores 422 Transtornos relacionados ao álcool 422 Transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos e ansiolíticos 428

Estimulantes 430 Transtornos relacionados a estimulantes 430 Transtornos relacionados ao tabaco 433 Transtornos relacionados à cafeína 434

Transtornos relacionados a opioides 436 Transtornos relacionados a cannabis 436 Transtornos relacionados a alucinógenos 438 Outras drogas de abuso 441

Aspectos biológicos 443 Aspectos psicológicos 445 Aspectos cognitivos 446 Aspectos sociais 447 Aspectos culturais 447 Modelo integrador 448

Tratamento dos transtornos relacionados a substâncias 450 Tratamentos biológicos 451 Tratamentos psicossociais 452 Prevenção 455

Transtorno do jogo 457 Transtornos do controle de impulsos 458 Transtorno explosivo intermitente 458 Cleptomania 458 Piromania 459

Resumo 460 Termos-chave 460 Respostas da verificação de conceitos 461

Causas dos transtornos relacionados à dependência de substâncias 443

12 Transtornos da personalidade 464 Visão geral dos transtornos da personalidade 465 Aspectos dos transtornos da personalidade 465 Modelos categórico e dimensional 466 Grupos dos transtornos da personalidade 467 Estatísticas e desenvolvimento 467 Diferenças de gênero 469 Comorbidade 470 Transtornos da personalidade em estudo 470

Transtornos da personalidade do grupo A 471

Transtorno da personalidade paranoide 472 Transtorno da personalidade esquizoide 474 Transtorno da personalidade esquizotípica 475

Transtornos da personalidade do grupo B 477 Transtorno da personalidade antissocial 477 Transtorno da personalidade borderline 486 Transtorno da personalidade histriônica 490 Transtorno da personalidade narcisista 491

Sumário

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Transtornos da personalidade do grupo C 493

Transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva 495

Transtorno da personalidade evitativa 493 Transtorno da personalidade dependente 494

Resumo 498 Termos-chave 498 Respostas da verificação de conceitos 498

da esquizofrenia e outros transtornos 13 Espectro psicóticos 501 Perspectivas sobre a esquizofrenia 502 Personagens pioneiros no diagnóstico da esquizofrenia 502 Identificando os sintomas 503

Fatores culturais 516 Influências genéticas 517 Influências neurobiológicas 520 Influências psicológicas e sociais 524

Descrição clínica, sintomas e subtipos 505

Tratamento da esquizofrenia 526

Sintomas positivos 505 Sintomas negativos 508 Sintomas desorganizados 509 Subtipos históricos da esquizofrenia 511 Outros transtornos psicóticos 511

Intervenções biológicas 526 Intervenções psicossociais 528 Tratamento em diferentes culturas 532 Prevenção 533

Prevalência e causas da esquizofrenia 515 Estatísticas 515 Desenvolvimento 515

Resumo 534 Termos-chave 534 Respostas da verificação de conceitos 534

14 Transtornos do neurodesenvolvimento 537 Visão geral dos transtornos do neurodesenvolvimento 538 O que é típico? O que é atípico? 539

Transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade 541 Transtorno específico da aprendizagem 547 Transtorno do espectro autista 551 Tratamento do transtorno do espectro autista 556

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Deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) 558 Causas 561

Prevenção de transtornos do neurodesenvolvimento 565 Resumo 567 Termos-chave 567 Respostas da verificação de conceitos 567

Psicopatologia

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Transtornos neurocognitivos 570 15 Perspectivas sobre os transtornos neurocognitivos 571 Delirium 572 Descrição clínica e estatísticas 572 Tratamento 573 Prevenção 574

Transtornos neurocognitivos maiores e leves 574 Descrição clínica e estatísticas 575 Transtorno neurocognitivo devido à doença de Alzheimer 578 Transtorno neurocognitivo vascular 580

Outras condições médicas que causam o transtorno neurocognitivo 581 Transtorno neurocognitivo induzido por substância/medicamento 586 Causas do transtorno neurocognitivo 586 Tratamento 589 Prevenção 593

Resumo 595 Termos-chave 595 Respostas da verificação de conceitos 595

16 Serviços de saúde mental: questões legais e éticas 598 Perspectivas sobre leis de saúde mental 599

Profissionais da saúde mental como peritos 610

Restrição civil 600

Direitos do paciente e diretrizes para a prática clínica 611

Critérios para a restrição civil 600 Mudanças procedimentais que afetam a restrição civil 602 Uma visão panorâmica da restrição civil 605

Custódia criminal 605 Defesa por insanidade 606 Reações à defesa por insanidade 607 Jurisprudência terapêutica 609 Competência para ser julgado 609 Dever de informação 610

Direito ao tratamento 611 Direito de recusar tratamento 612 Os direitos dos participantes em pesquisas 612 Diretrizes para a prática clínica e diretrizes para a prática baseada em evidências 613

Conclusões 616 Resumo 616 Termos-chave 616 Respostas da verificação de conceitos 616

Apêndice – Sugestões de instrumentos para investigação dos principais transtornos mentais 617 Glossário 621 Referências bibliográficas 633 Índice de nomes 731 Índice remissivo 755 Classificações do DSM-5 771 Sumário

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Prefácio

A

ciência é uma área que está em constante evolução, mas vez ou outra algo inovador acontece e altera nossa forma de pensar. Por exemplo, os biólogos evolucionistas, que há muito supuseram que o processo de evolução era gradual, repentinamente tiveram de ajustar para os indícios que afirmam que a evolução acontece aos trancos e barrancos em resposta a eventos ambientais catastróficos, como impactos de meteoros. Do mesmo modo, a geologia foi revolucionada pela descoberta de placas tectônicas. Até pouco tempo, a ciência da psicopatologia havia sido compartimentalizada, com os psicopatologistas examinando os efeitos separados das influências psicológicas, biológicas e sociais. Essa abordagem ainda é refletida nas considerações da mídia popular que descreve, por exemplo, um gene recém-descoberto, uma disfunção biológica (desequilíbrio químico) ou experiências no início da infância como “causas” de um transtorno psicológico. Essa maneira de pensar ainda domina discussões de causalidade e tratamento em alguns livros didáticos de psicologia: “Os pontos de vista psicanalíticos desse transtorno são...”, “os pontos de vista biológicos são...” e, muitas vezes, em um capítulo separado, “as abordagens para o tratamento psicanalítico para este transtorno são...”, “as abordagens do tratamento cognitivo comportamental são...” ou “as abordagens do tratamento biológico são...”. Na primeira edição deste texto, tentamos fazer algo bem diferente. Achamos que a área havia avançado até o ponto em que estava pronta para uma abordagem integrada, em que as interações intrincadas dos fatores biológicos, psicológicos e sociais são explicadas da maneira mais clara e convincente possível. Recentes e surpreendentes avanços no conhecimento confirmam essa abordagem como a única maneira viável de compreender a psicopatologia. Para dar apenas dois exemplos, o Capítulo 2 contém uma descrição de um estudo demonstrando que os eventos estressantes da vida podem levar à depressão, mas que nem todos mostram essa resposta. Em vez disso, o estresse é mais provável de causar depressão em indivíduos que já carregam determinado gene que influencia a serotonina nas sinapses cerebrais. Do mesmo modo, o Capítulo 9 descreve como a dor da rejeição social ativa os mesmos mecanismos neurais no cérebro que a dor física. Além disso, toda a seção sobre genética foi reescrita para destacar a nova ênfase na interação gene-ambiente, junto do pensamento recente dos principais geneticistas comportamentais, de que o objetivo de fundamentar a classificação dos transtornos psicológicos na base sólida da genética é fundamentalmente falho. As descrições da área emergente da epigenética, ou a influência do ambiente na expressão genética, também são tecidas no capítulo, junto de novos estudos sobre a capacidade aparente dos ambientes extremos em se sobrepor aos efeitos das contribuições genéticas. Os estudos que elucidam os mecanismos

da epigenética ou especificamente como os eventos ambientais influenciam a expressão genética são descritos. Esses resultados confirmam a abordagem integrada neste livro: os transtornos psicológicos não podem ser explicados apenas por fatores genéticos ou ambientais, mas surgem de sua interação. Agora compreendemos que os fatores psicológicos e sociais afetam diretamente a função neurotransmissora, e até mesmo a expressão genética. Dessa forma, não podemos estudar os processos comportamentais, cognitivos ou emocionais sem apreciar a contribuição dos fatores biológicos e sociais para a expressão psicológica e psicopatológica. Em vez de compartimentalizar a psicopatologia, usamos uma abordagem mais acessível que reflete precisamente o estado atual de nossa ciência clínica. Como colegas, você sabe que compreendemos alguns transtornos melhor do que os outros. Mas esperamos que compartilhe nossa empolgação em transmitir aos alunos o que já sabemos sobre as causas e os tratamentos da psicopatologia e o quão longe ainda temos de ir para compreender essas interações complexas.

Abordagem integrada Como observado anteriormente, a primeira edição de Psicopatologia – Uma abordagem integrada foi a pioneira de uma nova geração de livros didáticos sobre psicologia atípica, o que oferece uma perspectiva integrada e multidimensional. (Reconhecemos tais abordagens unidimensionais biológicas, psicossociais e sobrenaturais como tendências históricas.) Incluímos evidências substanciais e atuais das influências recíprocas da biologia e do comportamento e das influências psicológicas e sociais na biologia. Nossos exemplos prendem a atenção do aluno; por exemplo, discutimos as contribuições genéticas para o divórcio, os efeitos das experiências social e comportamental precoces na função e estrutura cerebral posterior, novas informações sobre a relação das redes sociais com o resfriado comum, e os novos dados sobre os tratamentos psicossociais para o câncer. Observamos que, no fenômeno da memória implícita e na visão cega, que podem ter paralelos em experiências dissociativas, a ciência psicológica verifica a existência do inconsciente (embora não se assemelhe muito com o caldeirão fervente de conflitos imaginados por Freud). Apresentamos novas evidências que confirmam os efeitos dos tratamentos psicológicos no fluxo neurotransmissor e na função cerebral. Reconhecemos a área muitas vezes negligenciada da teoria da emoção por suas ricas contribuições para a psicopatologia (p. ex., os efeitos da raiva na doença cardiovascular). Tecemos os achados científicos com base no estudo das emoções junto de descobertas comportamentais, biológicas, cognitivas e sociais para criar uma tapeçaria integrada da psicologia. xix

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Influências do desenvolvimento do ciclo vital Nenhum ponto de vista moderno da psicopatologia pode ignorar a importância dos fatores do desenvolvimento do ciclo de vida na manifestação e tratamento da psicopatologia. Os estudos que destacam as janelas do desenvolvimento para a influência do ambiente na expressão genética são explicados. Do mesmo modo, embora incluamos um capítulo sobre “Transtornos do neurodesenvolvimento” (Capítulo 14), consideramos a importância do desenvolvimento por todo o texto; discutimos a ansiedade infantil e geriátrica, por exemplo, no contexto do capítulo “Transtornos de ansiedade, transtornos relacionados a trauma e a estressores e transtornos obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados” (Capítulo 5). Esse sistema de organização, que é em grande parte consistente com o DSM-5, ajuda os alunos a perceber a necessidade de estudar cada transtorno desde a infância, passando pela vida adulta, até a velhice. Destacamos achados sobre as considerações do desenvolvimento em seções separadas de cada capítulo de transtorno e, conforme apropriado, discutimos de que maneiras específicas os fatores do desenvolvimento afetam a causa e o tratamento.

Abordagem do pesquisador clínico Estendemo-nos um pouco para explicar por que a abordagem do pesquisador clínico para a psicopatologia é tanto prática quanto ideal. Como a maioria de nossos colegas, vemos isso como algo mais do que a simples constatação da maneira de como as descobertas científicas se aplicam à psicopatologia. Mostramos como cada clínico contribui com o conhecimento científico geral por meio de observações clínicas astutas e sistemáticas, análises funcionais dos estudos de caso individuais e observações sistemáticas das séries dos casos em contextos clínicos. Por exemplo, explicamos como as informações sobre os fenômenos dissociativos, fornecidas por teóricos psicanalíticos de antigamente, permanecem relevantes ainda atualmente. Também descrevemos os métodos formais usados por pesquisadores clínicos, mostrando como os projetos da pesquisa abstrata são realmente implantados nos programas de pesquisa.

Casos clínicos de pessoas reais Enriquecemos o livro com histórias clínicas autênticas para ilustrar os achados científicos sobre as causas e o tratamento da psicopatologia. Gerenciamos clínicas ativas há anos, portanto, 95% dos casos são de nossos próprios arquivos, e estes proporcionam um quadro fascinante de referência para os achados que descrevemos. Os inícios da maioria dos capítulos incluem uma descrição do caso, e a maior parte da discussão da última teoria e pesquisa está relacionada a esses casos bastante humanos.

Transtornos em detalhes Cobrimos a maioria dos transtornos psicológicos em 11 capítulos, concentrando-nos nas três maiores categorias: descrição clínica, fatores causais e tratamento e resultados. Damos xx

atenção considerável aos estudos de caso e aos critérios do DSM-5, e incluímos dados estatísticos, como as taxas de prevalência e incidência, proporção entre os gêneros, idade de início e o curso geral ou o padrão para o transtorno como um todo. Uma vez que vários de nós foram nomeados conselheiros para a força tarefa do DMS-5, pudemos incluir as razões para as mudanças, assim como as mudanças em si. Do começo ao fim, exploramos como as dimensões biológica, psicológica e social podem interagir e causar um transtorno em particular. Por fim, abordando o tratamento e os resultados no contexto de transtornos específicos, oferecemos um sentido realístico da prática clínica.

Tratamento Uma das inovações mais bem recebidas nas primeiras sete edições norte-americanas foi nossa estratégia de discussão sobre os tratamentos no mesmo capítulo que os próprios transtornos, em vez de o fazermos em um capítulo separado, uma abordagem que é apoiada pelo desenvolvimento de procedimentos de tratamento psicossocial e farmacológico específicos para cada transtorno. Mantivemos esse formato integrado e o melhoramos, e incluímos os procedimentos do tratamento nos termos-chave e no glossário.

Questões legais e éticas Em nosso capítulo de encerramento, integramos muitas das abordagens e temas que foram discutidos por todo o livro. Incluímos os estudos de caso de pessoas que estiveram envolvidas diretamente em muitas questões legais e éticas e com o oferecimento de serviços de saúde mental. Também proporcionamos um contexto histórico para as perspectivas atuais de modo que os alunos possam compreender os efeitos das influências sociais e culturais nas questões legais e éticas.

Diversidade Questões de cultura e gênero são integrantes do estudo da psicopatologia. Do início ao fim do texto, descrevemos o pensamento atual em relação a quais aspectos dos transtornos são culturalmente específicos e quais são universais, e em relação a fortes e às vezes enigmáticos efeitos dos papéis de gênero. Por exemplo, discutimos as informações atuais em tópicos como a diferença de gênero na depressão, como os transtornos de pânico são expressos de maneira diferente em várias culturas asiáticas, as diferenças éticas nos transtornos alimentares, o tratamento da esquizofrenia entre culturas distintas e as diferenças diagnósticas do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em garotos e garotas. Evidentemente, nosso campo crescerá em profundidade e em detalhes à medida que esses assuntos e outros se tornarem tópicos padrões de pesquisa. Por exemplo, por que alguns transtornos afetam sobretudo as mulheres e outros aparecem predominantemente nos homens? E por que essa observação às vezes muda de uma cultura para outra? Para responder a questões como essas, mantemo-nos muito próximos da ciência, enfatizando que gênero e cultura são cada um uma dimensão entre as muitas dimensões que constituem a psicopatologia.

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Novidades desta edição Atualização completa Esse estimulante campo do saber muda a passos largos, e temos particular orgulho de, com nosso livro, mostrar a maioria dos recentes avanços. Por conseguinte, uma vez mais, cada capítulo foi cuidadosamente revisado para refletir as mais recentes pesquisas no campo dos transtornos psicológicos. Novas referências aparecem pela primeira vez nesta edição, e algumas das informações que nos trazem aturdem a imaginação. Materiais não essenciais foram eliminados, alguns tópicos foram acrescentados e os critérios do DSM-5 foram incluídos como tabelas nos capítulos específicos sobre transtornos. “Transtornos de ansiedade, transtornos relacionados a trauma e a estressores e transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados” (Capítulo 5), “Transtornos do humor e suicídio” (Capítulo 7), “Transtornos alimentares e transtornos do sono-vigília” (Capítulo 8), “Transtornos físicos e psicologia da saúde” (Capítulo 9), “Transtornos relacionados a substâncias, transtornos aditivos e transtornos do controle de impulsos” (Capítulo 11), “Espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos” (Capítulo 13) e “Transtornos do neurodesenvolvimento” (Capítulo 14) foram os mais revisados para refletirem as novas pesquisas, porém todos os capítulos foram significativamente atualizados e inovados. O Capítulo 1, “Comportamento atípico no contexto histórico”, contém a nomenclatura atualizada para refletir os novos títulos no DSM-5, descrições atualizadas da pesquisa sobre mecanismos de defesa e descrições mais completas e profundas do desenvolvimento histórico das abordagens psicodinâmica e psicanalítica. O Capítulo 2, “Uma abordagem integrada da psicopatologia”, inclui uma discussão atualizada dos desenvolvimentos no estudo dos genes e do comportamento com foco na interação gene-ambiente; novos dados ilustrando o modelo da correlação gene-ambiente; novos estudos ilustrando a influência psicossocial na estrutura e função cerebrais no geral e no sistema neurotransmissor, especificamente; novos estudos ilustrando as influências psicossociais no desenvolvimento da estrutura e função cerebrais; seções atualizadas, revisadas e inovadas sobre a ciência cognitiva e comportamental, incluindo novos estudos ilustrando a influência da psicologia positiva na saúde mental e na longevidade; novos estudos que apoiam a forte influência das emoções, sobretudo raiva, na saúde cardiovascular; novos estudos ilustrando a influência do gênero na apresentação e no tratamento da psicopatologia; uma variedade de novos estudos poderosos que confirmam os fortes efeitos sociais na saúde e no comportamento; e novos estudos que confirmam o fenômeno intrigante da “migração” resultando em uma prevalência maior de esquizofrenia entre os indivíduos que vivem em áreas urbanas. O Capítulo 3, “Avaliação clínica e diagnóstico”, agora apresenta referências à “deficiência intelectual” em vez de “retardo mental”, para ser consistente com o DSM-5 e com as mudanças na área (uma nova discussão sobre como as informações do MMPI-2 – apesar de informativas – não necessariamente mudam como os pacientes são tratados e podem não melhorar seus resultados); uma descrição da organização e da estrutura do DSM-5 junto das principais mudanças em relação ao DSM-

-IV; uma descrição dos métodos para coordenar o desenvolvimento do DSM-5 com a próxima CID 11; e uma descrição das possíveis direções da pesquisa à medida que começamos a caminhar em direção ao DSM-6. No Capítulo 4, “Métodos de pesquisa”, um novo exemplo de como os cientistas comportamentais desenvolvem hipóteses de pesquisa é apresentado e um novo exemplo de desenhos longitudinais que visam investigar como o uso de palmadas prediz problemas comportamentais posteriores em crianças (Gershoff et al., 2012). O Capítulo 5, intitulado “Transtornos de ansiedade, transtornos relacionados a trauma e a estressores e transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados”, é organizado de acordo com os três grupos principais de transtornos. Dois novos transtornos no DSM-5 (transtorno de ansiedade de separação e mutismo seletivo) são apresentados, e a seção “Transtornos relacionados a trauma e a estressores” inclui não apenas o transtorno de estresse pós-traumático e o transtorno de estresse agudo, como também o transtorno de adaptação e o transtorno de apego reativo. O novo agrupamento final, “Transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados”, inclui não apenas o transtorno obsessivo-compulsivo, como também o transtorno dismórfico corporal, o transtorno de acumulação, e, por fim, tricotilomania (transtorno de arrancar o cabelo) e transtorno de escoriação (skin-picking). Algumas das revisões para o Capítulo 5 incluem o seguinte: • • • •

Informações atualizadas sobre a neurociência e a genética do medo e da ansiedade. Informações atualizadas sobre as relações da ansiedade e transtornos relacionados com o suicídio. Informações atualizadas sobre a influência da personalidade e da cultura na expressão da ansiedade. Discussão atualizada sobre o transtorno de ansiedade generalizada, especialmente sobre abordagens de tratamento mais recentes. Informações atualizadas sobre a descrição, etiologia e tratamento para fobia específica, transtorno de ansiedade social e transtorno de estresse pós-traumático.

O agrupamento dos transtornos do Capítulo 6, agora intitulado “Transtorno de sintomas somáticos, transtornos relacionados e transtornos dissociativos”, reflete uma grande mudança abrangente, sobretudo para o transtorno de sintomas somáticos, transtorno de ansiedade de doença e fatores psicológicos que afetam outras condições médicas. O capítulo discute as diferenças entre esses transtornos sobrepostos e fornece um resumo das causas e abordagens de tratamento desses problemas. Além disso, o Capítulo 6 agora tem uma discussão atualizada sobre o debate das falsas memórias relacionado ao trauma em indivíduos com transtornos dissociativos de identidade. O Capítulo 7, “Transtornos do humor e suicídio”, fornece uma discussão atualizada sobre a psicopatologia e o tratamento dos transtornos do humor do DSM-5, incluindo transtorno depressivo persistente, transtorno afetivo sazonal, transtorno perturbador da desregulação do humor, transtorno bipolar e suicídio. O capítulo discute novos dados sobre os fatores de risco genéticos e ambientais e fatores de proteção, como o otiPrefácio

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mismo. Também está incluída uma atualização sobre os tratamentos farmacológicos e psicológicos. Completamente reescrito e atualizado, o Capítulo 8, “Transtornos alimentares e transtornos do sono-vigília”, contém novas informações sobre as taxas de mortalidade na anorexia nervosa; novas informações epidemiológicas sobre a prevalência dos transtornos alimentares em adolescentes; novas informações sobre a globalização crescente dos transtornos alimentares e obesidade; informações atualizadas sobre os padrões típicos de comorbidade que acompanham os transtornos alimentares; e novas e atualizadas pesquisas sobre as mudanças na incidência dos transtornos alimentares entre homens, diferenças étnicas e raciais sobre a imagem corporal e ideal de magreza associados aos transtornos alimentares, a contribuição substancial da desregulação emocional para a etiologia e manutenção da anorexia, o papel das amizades na etiologia dos transtornos alimentares, mães com transtornos alimentares que também restringem a ingestão de alimentos dos seus filhos, a contribuição dos pais e fatores da família na etiologia dos transtornos alimentares, contribuições biológicas e genéticas para as causas dos transtornos alimentares, incluindo o papel dos hormônios do ovário, tratamento transdiagnóstico aplicável a todos os transtornos alimentares, resultados de um grande ensaio clínico multinacional comparando a TCC à psicanálise no tratamento da bulimia, os efeitos da combinação de Prozac com TCC no tratamento de transtornos alimentares, diferenças étnicas e raciais em pessoas com transtorno de compulsão alimentar em busca de tratamento, o fenômeno da síndrome da alimentação noturna e seu papel no desenvolvimento da obesidade, e desenvolvimentos de novas políticas de saúde pública direcionadas à epidemia de obesidade. A cobertura realinhada dos transtornos do sono-vigília, também no Capítulo 8, com novas informações sobre o sono em mulheres – incluindo os fatores de risco e protetores – uma seção atualizada sobre narcolepsia para descrever novas pesquisas sobre as causas desse transtorno, e novas pesquisas sobre a natureza e o tratamento de pesadelos agora estão incluídos. No Capítulo 9, “Transtornos físicos e psicologia da saúde”, trouxemos dados atualizados sobre as principais causas de morte nos Estados Unidos; uma revisão da profundidade crescente do conhecimento sobre a influência dos fatores sociais e psicológicos nas estruturas e função cerebrais; novos dados apoiando a eficácia do manejo do estresse em doenças cardiovasculares; uma revisão atualizada sobre os desenvolvimentos relativos a causas e tratamento da dor crônica; informações atualizadas eliminando certos vírus (XMRV e pMLV) como possíveis causas da síndrome da fadiga crônica; e revisão atualizada dos procedimentos psicológicos e comportamentais para prevenção de danos. No Capítulo 10, “Disfunções sexuais, transtornos parafílicos e disforia de gênero”, uma organização revisada que reflete o fato de os transtornos parafílicos e a disforia de gênero estarem em capítulos separados no DSM-5, e o transtorno da disforia de gênero não é, certamente, um transtorno sexual, mas um transtorno que reflete incongruência entre o sexo natal e o gênero expresso, além de outras revisões importantes – novos dados sobre as mudanças do desenvolvimento no comportaxxii

mento sexual desde a idade da primeira relação sexual até a prevalência e frequência do comportamento sexual na idade avançada; novos estudos contrastando diferentes atitudes e envolvimentos na atividade sexual das distintas culturas, mesmo na América do Norte; informações atualizadas sobre o desenvolvimento da orientação sexual; e uma descrição completamente atualizada da disforia de gênero com ênfase nas conceitualizações emergentes da expressão de gênero que estão em um continuum. O Capítulo 10 também inclui informações atualizadas sobre os fatores que contribuem para a disforia de gênero, assim como as últimas recomendações sobre as opções de tratamento (ou a decisão de não tratar) para a não conformidade de gênero em crianças, uma descrição completa dos transtornos do desenvolvimento sexual (anteriormente chamado de intersexualidade) e uma descrição completamente reformulada dos transtornos parafílicos para refletir o sistema atualizado da classificação com uma discussão da controversa mudança no nome desses transtornos de parafilia para transtornos parafílicos. O Capítulo 11 completamente revisado, “Transtornos relacionados a substâncias, transtornos aditivos e transtornos do controle de impulsos”, contém nova discussão se a tendência de misturar bebidas energéticas cafeinadas ao álcool pode aumentar a probabilidade de abuso de álcool posterior; nova pesquisa sobre o uso crônico de MDMA (“ecstasy”) levando a problemas de memória duradouros (Wagner et al., 2013); e nova pesquisa sobre os diversos fatores que predizem o uso de álcool precoce, incluindo quando os melhores amigos começam a beber, se os familiares estão em risco de dependência de álcool e a presença de problemas de comportamento em suas crianças (Kuperman et al., 2013). O Capítulo 12, “Transtornos da personalidade”, agora contém uma seção completamente nova sobre diferenças de gênero para refletir análises mais novas e sofisticadas dos dados de prevalência, e uma nova seção sobre criminalidade e transtorno da personalidade antissocial agora revisada para refletir melhor as mudanças no DSM-5. O Capítulo 13, “Espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos”, apresenta uma nova discussão do transtorno do espectro da esquizofrenia e a queda dos subtipos da esquizofrenia no DSM-5; novas pesquisas sobre os déficits na compreensão da prosódia emocional e seu papel nas alucinações auditivas (Alba-Ferrara et al., 2012); uma discussão sobre um novo transtorno psicótico proposto no DSM-5 para mais estudos – síndrome de psicose atenuada –; e uma nova discussão do uso da estimulação magnética transcraniana. No Capítulo 14, os “Transtornos do neurodesenvolvimento”, são apresentados, em vez de “Transtornos globais do desenvolvimento”, para manter a consistência com as principais mudanças no DSM-5. Além disso, agora descreve uma nova pesquisa para mostrar que a interação gene-ambiente pode levar a problemas de comportamento posteriores em crianças com TDAH; nova pesquisa sobre TDAH (e sobre outros transtornos) que está descobrindo que em muitos casos as mutações ocorrem criando cópias extras de um gene em um cromossomo ou resultando na deleção dos genes (chamado de variação

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no número de cópias – CNVs); e novos achados de pesquisa que mostram uma variedade de mutações genéticas, incluindo os transtornos de novo (mutações genéticas que ocorrem no espermatozoide, no óvulo ou após a fertilização) que estão presentes naquelas crianças com deficiência intelectual (DI) de origem anteriormente desconhecida (Rauch et al., 2012). O Capítulo 15, agora chamado “Transtornos neurocognitivos”, contém descrições da pesquisa de avaliação da atividade cerebral (fMRI) em indivíduos durante episódios ativos de delirium, assim como após esses episódios; dados do Einstein Aging Study com relação à prevalência de um novo transtorno no DSM-5, transtorno neurocognitivo leve (Katz et al., 2012); e uma nova discussão sobre novos transtornos neurocognitivos (p. ex., transtorno neurocognitivo com corpos de Lewy, ou devido à doença do príon). E o Capítulo 16, “Serviços de saúde mental: questões legais e éticas”, apresenta uma breve, porém nova, discussão sobre a recente tendência atual para fornecer ao indivíduo o tratamento emergencial necessário, chamado tratamento ambulatorial assistido por ordem judicial (TAA, ou AOT da sigla em inglês), para evitar a reclusão em uma clínica de saúde mental (Nunley et al., 2013); uma nova discussão de uma grande metanálise mostrando que as ferramentas de avaliação de risco atuais são melhores para identificar as pessoas com baixo risco de serem violentas, mas é apenas marginalmente bem-sucedida em detectar com precisão quem será violento posteriormente (Fazel et al., 2012); e uma seção atualizada sobre normas jurídicas sobre a medicação involuntária. Muitas das reflexões trazidas neste capítulo são pertinentes a todos os contextos, de diversos países, por isso se justifica sua manutenção neste livro traduzido para o Brasil. No entanto, especificamente os aspectos legais e institucionais que são trazidos e comentados pelo autor são referentes aos EUA – inclusive alguns termos usados nesse país não parecem ter um equivalente no Brasil e em nossa língua.

Recursos adicionais Além das mudanças destacadas anteriormente, Psicopatologia – Uma abordagem integrada apresenta outras características distintas: •

Resultados finais de assimilação de conteúdo pelo aluno no início de cada capítulo auxilia os professores a avaliar e mapear com precisão as questões em todo o capítulo. Os resultados são mapeados para as metas centrais da American Psychological Association. Em cada capítulo sobre transtorno há um recurso chamado Controvérsias sobre o DSM, que discute algumas das decisões contenciosas e árduas feitas no processo de criação do DSM-5. Os exemplos incluem a criação de novos, e às vezes controversos, transtornos que aparecem pela primeira vez no DSM-5, como o transtorno disfórico pré-menstrual, o transtorno de compulsão alimentar e o transtorno disruptivo da desregulação do humor. Outro exemplo é remover o “luto” dos critérios de exclusão para o diagnóstico do transtorno depressivo maior, de modo que alguém pode ser diagnosticado

com depressão maior mesmo que o disparador tenha sido a morte de um ente querido. Por fim, a alteração do título do capítulo sobre “parafilia” para “transtornos parafílicos” implica que os padrões parafílicos de excitação sexual, como pedofilia, não são transtornos por si só, mas apenas se tornam transtornos se causarem comprometimento ou dano a outros.

DSM-IV, DSM-IV-TR e DSM-5 Muito tem sido falado sobre a mistura de considerações políticas e científicas que resultaram no DSM-5, e naturalmente temos nossas próprias opiniões. (DHB teve a interessante experiência de estar na força-tarefa para o DSM-IV e foi conselheiro para a força-tarefa do DSM-5.) Psicólogos muitas vezes preocupam-se com os “problemas territoriais” que o padrão nosológico em nossa área – para o melhor ou para o pior – tornou-se, e com razão: nas edições anteriores do DSM, achados científicos algumas vezes deram lugar a opiniões pessoais. Para o DSM-IV e o DSM-5, no entanto, a maioria dos vieses profissionais foram deixados de lado enquanto a força-tarefa debateu quase que incessantemente os dados. Esse processo produziu novas informações suficientes para preencher qualquer revista de psicopatologia por um ano com revisões integrativas, reanálises de bases de dados existentes e novos dados das pesquisas de campo. Do ponto de vista acadêmico, o processo foi tanto estimulante quanto exaustivo. Este livro contém destaques de diversos debates que criaram a nomenclatura, assim como as atualizações recentes. Por exemplo, além das controvérsias anteriormente descritas, resumimos e atualizamos os dados e a discussão sobre o transtorno disfórico pré-menstrual, que foi designado como um novo transtorno no DSM-5, e sobre o transtorno misto de ansiedade-depressão, um transtorno que não se encaixava nos critérios finais. Os alunos podem observar, assim, o processo de fazer um diagnóstico, bem como a combinação de dados e a inferência que faz parte deles. Também discutimos o intenso e contínuo debate sobre as abordagens categoriais e dimensionais para a classificação. Descrevemos alguns dos acordos que a força-tarefa fez para acomodar os dados, como o porquê de as abordagens dimensionais aos transtornos da personalidade não estarem no DSM-5, e o motivo pelo qual a proposta em fazê-lo foi rejeitada no último minuto e incluída na Seção III em “Condições para Estudos Posteriores”, apesar de quase todos concordarem que esses transtornos não deveriam ser categoriais, mas, sim, dimensionais.

Prevenção Olhando para o futuro da psicopatologia como uma área, parece que nossa capacidade de prevenir os transtornos psicológicos poderia ajudar muitas pessoas. Embora isso tenha sido, por longo tempo, objetivo de muitos, agora estamos no limiar de uma nova era para a pesquisa sobre prevenção. Cientistas de todo o mundo estão desenvolvendo metodologias e técnicas que possam nos oferecer, de maneira mais duradoura, formas Prefácio

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de interromper a ação debilitante do custo emocional causado pelos transtornos relatados neste livro. Entretanto, realçamos os esforços cruciais de prevenção – como a prevenção de transtornos alimentares, suicídio e problemas de saúde, incluindo o HIV e lesões – em capítulos específicos, uma maneira de celebrar esses importantes avanços e estimular todos os que estão ligados a esse campo de conhecimento a continuar esse importante trabalho.

Características mantidas Resumos visuais No final de cada capítulo sobre transtorno, há uma página dupla de uma visão global que resume sucintamente causas, desenvolvimento, sintomas e tratamento de cada um dos transtornos abordados. Nossa abordagem integrada é evidente nesses diagramas, que mostram a interação dos fatores biológico, psicológico e social na etiologia e no tratamento dos transtornos. Os resumos visuais vão ajudar os professores a concluir as discussões, e os alunos vão apreciá-las como auxílios de estudo.

Pedagogia Cada capítulo contém diversos quadros “Verificação de conceitos”, que permitem que os alunos verifiquem sua compreensão em intervalos regulares. As respostas estão listadas no final de cada capítulo juntamente de um “Resumo” mais detalhado; os “Termos-chave” estão listados e, assim, formam uma espécie de esboço para que os alunos possam estudar.

Material de apoio ao estudante e ao professor Estão disponíveis para download na página deste livro no site da Cengage: • •

Slides de Power Point (em português) para professores e alunos. Manual do instrutor (em inglês) para professores.

Agradecimentos Por fim, este livro, em todas as suas edições, não teria sido iniciado e certamente não teria sido concluído sem a inspiração e a coordenação de nossos editores sêniores na Cengage, Tim Matray e Carly McJunkin, que sempre mantiveram-se atentos ao jogo. Uma nota de agradecimento especial para a desenvolvedora de conteúdo sênior Tangelique Williams-Grayer e sua atenção para os detalhes e organização. O livro é muito melhor em razão de seus esforços. Esperamos trabalhar com você em muitas edições posteriores. Apreciamos a experiência das gerentes de marketing James Findlay e Jennifer Levanduski. Kimiya Hojjat e Katie Chen trabalharam muito, e com entusiamos e organização do começo ao fim. No processo de produção, muitas pessoas trabalharam tão arduamente quanto nós para concluir este projeto. Em Boston, Hannah Boettcher, Clair Cassiello-Robbins e Amantia Ametaj foram de grande auxílio na integração de uma imensa quantixxiv

dade de novas informações para cada capítulo. Sua habilidade em encontrar referências ausentes e rastrear informações foi notável, e Hannah e Jade Wu também lideraram a criação de um complemento extremamente útil detalhando todas as mudanças nos critérios diagnósticos segundo o DSM-IV para o DSM-5 em um formato simples e fácil de ler. É pouco dizer que não teríamos conseguido sem vocês. Em St. Petersburg, o profissionalismo e a atenção aos detalhes de Ashley Smith ajudou a atenuar muito esse processo. Na Cengage, Vernon Boes orientou o design até o último detalhe. Michelle Clark e Ruth Sakata-Corley coordenaram todos os detalhes de produção com gentileza mesmo sob pressão. Agradecemos à Priya Subbrayal por seu comprometimento em localizar as melhores fotos possíveis. Inúmeros colegas e alunos forneceram um feedback valoroso sobre as edições anteriores, e a eles expressamos nossa mais profunda gratidão. Embora nem todos os comentários tenham sido favoráveis, todos foram importantes. Os leitores que reservam um tempo para comunicar suas ideias oferecem a maior recompensa aos escritores e estudiosos. Por fim, você compartilha conosco a tarefa de comunicar o conhecimento e as descobertas no estimulante campo da psicopatologia, um desafio que nenhum de nós empreende sem uma boa razão. Dentro do espírito da universidade, agradeceríamos imensamente seus comentários sobre o assunto e sobre o estilo deste livro, bem como recomendações para melhorá-lo no futuro.

Revisores A criação deste livro foi estimulante e exaustiva, e não teríamos conseguido sem a assistência valiosa de colegas que leram um ou mais capítulos e fizeram comentários críticos extraordinariamente perceptivos, corrigiram erros, apontaram as informações relevantes e, na época, ofereceram novos insights que nos ajudaram a alcançar o modelo bem-sucedido e integrativo de cada transtorno. Agradecemos os seguintes revisores da 8a edição: Kanika Bell, Clark Atlanta University; Jamie S Bodenlos, Hobart and William Smith Colleges; Lawrence Burns, Grand Valley State University; Don Evans, Simpson College; Susan Frankel, Lamar Community College; Tammy Hanna, Albertus Magnus College; Sarah Heavin, University of Puget Sound; Stephen T. Higgins, University of Vermont; Fiyyaz Karim, University of Minnesota; Maureen C. Kenny, Florida International University; Lissa Lim, California State University – San Marcos; Barbara S. McCrady, University of New Mexico; Winfried Rief, University of Marburg – Germany; Robert Rotunda, University of West Florida; Kyle Stephenson, Willamette University; Lynda Szymanski, St. Catherine University Também agradecemos os revisores das edições anteriores: Amanda Sesko, University of Alaska – Southeast; Dale Alden, Lipscomb University; Kerm Almos, Capital University; Frank Andrasik, University of Memphis; Robin Apple, Stanford University Medical Center; Barbara Beaver, University of Wisconsin; James Becker, University of Pittsburgh; Evelyn Behar,

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University of Illinois – Chicago; Dorothy Bianco, Rhode Island College; Sarah Bisconer, College of William e Mary; Susan Blumenson, City University of New York, John Jay College of Criminal Justice; Robert Bornstein, Adelphi University; James Calhoun, University of Georgia; Montie Campbell, Oklahoma Baptist University; Robin Campbell, Brevard Community College; Shelley Carson, Harvard University; Richard Cavasina, California University of Pennsylvania; Antonio Cepeda-Benito, Texas A&M University; Kristin Christodulu, State University of New York – Albany; Bryan Cochran, University of Montana; Julie Cohen, University of Arizona; Dean Cruess, University of Connecticut; Sarah D’Elia, George Mason University; Robert Doan, University of Central Oklahoma; Juris Draguns, Pennsylvania State University; Melanie Duckworth, University of Nevada – Reno; Mitchell Earleywine, State University of New York – Albany; Chris Eckhardt, Purdue University; Elizabeth Epstein, Rutgers University; Donald Evans, University of Otago; Ronald G. Evans, Washburn University; Janice Farley, Brooklyn College, CUNY; Anthony Fazio, University of Wisconsin – Milwaukee; Diane Finley, Prince George’s Community College; Allen Frances, Duke University; Louis Franzini, San Diego State University; Maximillian Fuhrmann, California State University – Northridge; Aubyn Fulton, Pacific Union College; Noni Gaylord-Harden, Loyola University – Chicago; Trevor Gilbert, Athabasca University; David Gleaves, University of Canterbury; Frank Goodkin, Castleton State College; Irving Gottesman, University of Minnesota; Laurence Grimm, University of Illinois – Chicago; Mark Grudberg, Purdue University; Marjorie Hardy, Eckerd College; Keith Harris, Canyon College; Christian Hart, Texas Women’s University; William Hathaway, Regent University; Brian Hayden, Brown University; Stephen Hinshaw, University of California, Berkeley; Alexandra Hye-Young Park, Humboldt State University; William Iacono, University of Minnesota; Heidi Inderbitzen-Nolan, University of Nebraska – Lincoln; Thomas Jackson, University of Arkansas; Kristine Jacquin, Mississippi State University; James Jordan, Lorain County Community College; Boaz Kahana, Cleveland State University; Arthur Kaye, Virginia Commonwealth University; Christopher Kearney, University of Nevada – Las Vegas; Ernest Keen, Bucknell University; Elizabeth Klonoff, San Diego State University; Ann Kring, University of California – Berkeley; Marvin Kumler, Bowling Green State University; Thomas Kwapil, University of North Carolina – Greensboro; George Ladd,

Rhode Island College; Michael Lambert, Brigham Young University; Travis Langley, Henderson State University; Christine Larson, University of Wisconsin – Milwaukee; Elizabeth Lavertu, Burlington County College; Cynthia Ann Lease, VA Medical Center, Salem, VA; Richard Leavy, Ohio Wesleyan University; Karen Ledbetter, Portland State University; Scott Lilienfeld, Emory University; Kristi Lockhart, Yale University; Michael Lyons, Boston University; Jerald Marshall, Valencia Community College; Janet Matthews, Loyola University – New Orleans; Dean McKay, Fordham University; Mary McNaughton-Cassill, University of Texas at San Antonio; Suzanne Meeks, University of Louisville; Michelle Merwin, University of Tennessee – Martin; Thomas Miller, Murray State University; Scott Monroe, University of Notre Dame; Greg Neimeyer, University of Florida; Sumie Okazaki, New York University; John Otey, South Arkansas University; Christopher Patrick, University of Minnesota; P. B. Poorman, University of Wisconsin – Whitewater; Katherine Presnell, Southern Methodist University; Lynn Rehm, University of Houston; Kim Renk, University of Central Florida; Alan Roberts, Indiana University – Bloomington; Melanie Rodriguez, Utah State University; Carol Rothman, City University of New York, Herbert H. Lehman College; Steve Schuetz, University of Central Oklahoma; Stefan Schulenberg, University of Mississippi; Paula K. Shear, University of Cincinnati; Steve Saiz, State University of New York – Plattsburgh; Jerome Small, Youngstown State University; Ari Solomon, Williams College; Michael Southam-Gerow, Virginia Commonwealth University; John Spores, Purdue University – North Central; Brian Stagner, Texas A&M University; Irene Staik, University of Montevallo; Rebecca Stanard, State University of West Georgia; Chris Tate, Middle Tennessee State University; Lisa Terre, University of Missouri – Kansas City; Gerald Tolchin, Southern Connecticut State University; Michael Vasey, Ohio State University; Larry Ventis, College of William e Mary; Richard Viken, Indiana University; Lisa Vogelsang, University of Minnesota – Duluth; Philip Watkins, Eastern Washington University; Kim Weikel, Shippensburg University of Pennsylvania; Amy Wenzel, University of Pennsylvania; W. Beryl West, Middle Tennessee State University; Michael Wierzbicki, Marquette University; Richard Williams, State University of New York – College at Potsdam; John Wincze, Brown University; Bradley Woldt, South Dakota State University; Nancy Worsham, Gonzaga University; Ellen Zaleski, Fordham University; Raymond Zurawski, St. Norbert College

Prefácio

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Comportamento atípico no contexto histórico

RESUMO DO CAPÍTULO Compreendendo a psicopatologia O que é transtorno psicológico? A ciência da psicopatologia Conceitos históricos do comportamento atípico

A tradição sobrenatural Demônios e bruxas Estresse e melancolia Tratamentos para possessão Histeria em massa Histeria em massa em tempos modernos A lua e as estrelas Comentários

A tradição biológica Hipócrates e Galeno O século XIX O desenvolvimento dos tratamentos biológicos Consequências da tradição biológica

A tradição psicológica Terapia moral Reforma psiquiátrica e declínio da terapia moral Teoria psicanalítica Teoria humanista O modelo comportamental

Jerry Cooke/Science Source

O presente: o método científico e uma abordagem integradora

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[

Resultados finais de assimilação do conteúdo pelo aluno*

]

Descrever os conceitos-chave, os princípios e os temas gerais em psicologia

• Explicar por que a psicologia é uma ciência com objetivos primários de descrever, compreender, prever, controlar comportamentos e processos mentais [APA SLO 1.1b] • Utilizar a terminologia básica da psicologia, os conceitos e as teorias em psicologia para explicar o comportamento e os processos mentais [APA SLO 1.1a]

Desenvolver um conhecimento prático dos domínios de conteúdos da psicologia

• Resumir aspectos importantes da história da psicologia, incluindo figuras-chave, interesses centrais, métodos utilizados e conflitos teóricos [APA SLO 1.2C] • Identificar as características-chave dos principais domínios de investigação em psicologia (ex.: cognição e aprendizagem, psicologia do desenvolvimento, aspectos biológicos e socioculturais) [APA SLO 1.2a]

Utilizar o raciocínio científico para interpretar o comportamento

• Ver APA SLO 1.1b, supracitado • Incorporar vários níveis pertinentes de complexidade (ex.: celular, individual, grupo/sistema, social/cultural) para explicar o comportamento [APA SLO 2.1c]

*Parte deste capítulo disserta sobre os resultados finais de aquisição de conhecimento sugeridos pela American Psychological Association (2013), inclusos nas diretrizes de bacharéis em Psicologia. O escopo do capítulo concernente aos resultados está identificado acima pela APA Goal e pela APA Suggested Learning Outcome (SLO).1

Compreendendo a psicopatologia Hoje, você pode ter saído da cama, tomado seu café, ido para suas aulas, estudado e, no final do dia, gozado da companhia de seus amigos antes de cair no sono. Provavelmente, não ocorreu a você que muitas pessoas fisicamente saudáveis não são capazes de fazer algumas ou nenhuma dessas coisas. O que elas têm em comum é um transtorno psicológico, uma disfunção psicológica associada a sofrimento ou prejuízo no funcionamento e uma resposta que não é típica ou culturalmente esperada. Antes de examinar o que isso significa, vamos observar a situação de um indivíduo.

JUDY ...

A garota que desmaiava ao ver sangue

J

udy, 16 anos, foi levada à nossa clínica para tratamento de transtornos de ansiedade após crescentes episódios de desmaio. Cerca de dois anos antes, em sua primeira aula de biologia, o professor mostrou um filme sobre a dissecação de uma rã para exemplificar diversos aspectos da anatomia. Foi um filme com imagens vívidas de sangue, tecidos e músculos. Mais ou menos na metade da exibição, Judy se sentiu um pouco zonza e deixou a sala. Mas as imagens não saíam da sua mente. Ela continuou a ser atormentada por elas e, ocasionalmente, sentia-se nauseada. Começou a evitar situações nas quais poderia ver sangue ou feri-

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NTT da tradução da 8ª edição norte-americana: No Brasil, as chamadas diretrizes curriculares nacionais (DCN) para a graduação em Psicologia são instituídas via MEC (Ministério da Educação) e Conselho Federal de Psicologia (CFP).

mentos. Parou de ver revistas que poderiam trazer fotos de violência e sangue. Começou a achar difícil olhar carne vermelha crua, ou até mesmo curativos, porque eles traziam lembrança das imagens de sangue que a amedrontavam. Por fim, qualquer coisa que seus amigos ou parentes lhe diziam que trazia imagem de sangue ou ferimento fazia com que Judy tivesse a sensação de desmaio. A situação ficou tão séria que, se um de seus amigos gritasse “corta essa!”, ela se sentia fraca. Seis meses antes de visitar a clínica, Judy desmaiou de fato quando inevitavelmente viu alguém ensanguentado. Nem o médico da família nem outros médicos conseguiam achar nada de errado com ela. Quando foi encaminhada à nossa clínica, ela desmaiava de cinco a dez vezes por semana, frequentemente durante suas aulas. É óbvio que isso era problemático para ela e que a atrapalhava na escola; cada vez que Judy desmaiava, os outros estudantes se aglomeravam ao redor, tentando ajudá-la, e a aula era interrompida. Pelo fato de ninguém ter encontrado nada de errado, o diretor concluiu que ela estava sendo manipuladora e a suspendeu, mesmo sendo uma aluna excelente. Judy estava sofrendo do que chamamos fobia de sangue-injeção-ferimentos. Sua reação era bastante severa e, em razão disso, preenchia critérios para fobia, um transtorno psicológico caracterizado por medo intenso e persistente de um objeto ou de uma situação. Muitas pessoas têm reações semelhantes, mas não tão graves, quando tomam injeção ou veem alguém ferido, com sangue visível ou não. Para aquelas que possuem um comportamento tão severo quanto Judy, essa fobia pode ser incapacitante. Elas devem evitar certas profissões, como medicina ou enfermagem, e têm tanto medo de agulhas e de injeções que as evitam mesmo quando precisam delas, o que coloca sua saúde em risco.

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O que é transtorno psicológico? Tendo em mente os problemas reais enfrentados por Judy, olhemos mais atentamente para a definição de transtorno psicológico ou comportamento atípico problemático: esse transtorno é uma disfunção psicológica em um indivíduo que está associada a sofrimento ou prejuízo no funcionamento, bem como a uma resposta que não é típica ou culturalmente esperada (ver Figura 1.1). Superficialmente, esses três critérios podem parecer óbvios, mas não foram facilmente caracterizados, e, dessa forma, vale explorar o que significam. Você verá, sobretudo, que ainda não foi desenvolvido nenhum critério que defina plenamente o transtorno psicológico.

Disfunção psicológica Disfunção psicológica refere-se a uma desordem no funcionamento cognitivo, emocional ou comportamental. Por exemplo, ter um encontro deveria ser divertido. Mas se você experimenta um forte medo a noite toda e só quer voltar para casa, mesmo que não haja nada para temer, e se o medo ocorre a cada encontro, suas emoções não estão funcionando adequadamente. Entretanto, se todos os seus amigos concordam que a pessoa que convidou você para sair é perigosa de alguma forma, não seria “disfuncional” ter medo e evitar o encontro. A disfunção estava presente em Judy: ela desmaiava ao ver sangue. Muitas pessoas experimentam uma versão em menor grau dessa reação (sentem-se enjoadas ao ver sangue), sem preencherem os critérios para o transtorno; assim, estabelecer o limite entre disfunção normal e atípico é difícil. Por essa razão, esses problemas são, com frequência, considerados em um continuum ou em uma dimensão em vez de categorizá-los como presentes ou ausentes (McNally, 2011; Stein et al. 2010; Widiger e Crego, 2013). Esse também é o motivo pelo qual apenas ter uma disfunção não é o suficiente para preencher critérios para um transtorno psicológico.

sofria em razão de sua fobia. Contudo, devemos lembrar que somente esse critério não define o comportamento atípico. É bastante comum ficar angustiado – por exemplo, se alguém próximo vier a falecer. A condição humana é tal que o sofrimento e a angústia fazem parte da vida. E isso provavelmente não vai mudar. Além disso, para alguns transtornos, por definição, há ausência de sofrimento e angústia. Considere uma pessoa que se sente eufórica ao extremo, podendo agir impulsivamente como parte de um episódio maníaco. Como veremos no Capítulo 7, uma das principais dificuldades em relação a esse problema é que algumas pessoas gostam tanto do estado maníaco que relutam em começar um tratamento ou em segui-lo por muito tempo. Assim, definir um transtorno psicológico apenas pelo sofrimento subjetivo não funciona, embora o seu conceito contribua para uma boa definição. O conceito de prejuízo é útil, embora não inteiramente satisfatório. Por exemplo, muitas pessoas se consideram tímidas ou preguiçosas. Isso não significa que elas sejam anormais. No entanto, se você é tão tímido que acha impossível namorar ou mesmo interagir com outras pessoas, e se você tenta impedir as interações mesmo que desejasse ter amigos, então seu funcionamento social está prejudicado. Judy foi claramente prejudicada por sua fobia, mas muitas pessoas que têm reações semelhantes, menos graves, não são. Essa diferença ilustra mais uma vez a importante questão de que a maioria dos transtornos psicológicos são simplesmente expressões extremas de emoções, comportamentos e processos cognitivos considerados normais.

Sofrimento subjetivo ou prejuízo Parece evidente que o comportamento deve estar associado a sofrimento para ser classificado como um transtorno, o que incorpora um componente importante e parece claro: o critério é cumprido se o indivíduo está demasiadamente perturbado. Podemos dizer que sem dúvida Judy estava muito aflita e

Enigma/Alamy Stock Photo

Transtorno psicológico

Disfunção psicológica Sofrimento ou prejuízo Resposta atípica

FIGURA 1.1 O critério que define um transtorno psicológico.

Angústia e sofrimento fazem parte da vida e não constituem em si um transtorno psicológico. Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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“Então, Rhoda”, comecei laconicamente, “o que você acha que tinha de errado com aquela mulher?” Ela olhou para mim como se eu fosse maluco. “Ela está louca.” “Mas como você sabe?” “Ela está louca. Você não percebe isso nas atitudes dela?” “Mas como você concluiu que ela está louca? O que ela fez?” 4

“Ela matou aquele bode.” “Oh”, eu disse com um desinteresse antropológico, “mas os masai matam bodes o tempo todo.” Ela olhou para mim como se eu fosse um idiota. “Somente os homens matam bodes”, disse ela. “Bem, por qual outro motivo você acredita que ela esteja louca?” “Ela ouve vozes.” Novamente, fiz-me de bobo. “Oh, mas os masai ouvem vozes às vezes.” (Em cerimônias antes de longos percursos conduzindo gado, os masai dançam em transe e dizem ouvir vozes.) E em uma sentença, Rhoda resumiu metade do que alguém precisa saber sobre psiquiatria transcultural. “Mas ela ouve vozes no momento errado.” (p. 138) Entretanto, um padrão social de normalidade tem sido erroneamente usado. Considere, por exemplo, a prática de confinar dissidentes políticos em instituições de saúde mental em razão de seus protestos contra as atitudes políticas de seus governos, o que era comum no Iraque antes da queda de Saddam Hussein e agora ocorre no Irã. Embora tal comportamento dissidente viole as normas sociais, por si só não seria causa de confinamento. Jerome Wakefield (1999, 2009), em uma análise muito cuidadosa sobre o assunto, usa a definição taquigráfica de disfunção prejudicial. Um conceito relacionado também útil é determinar se o comportamento está ou não fora do controle do indivíduo (alguma coisa que a pessoa não queira fazer)

Steve Granitz/Getty Images

Atípico ou socialmente não esperado Finalmente, o critério para o qual a resposta seja atípica ou socialmente não esperada é importante, mas também insuficiente para determinar a anormalidade por si só. Às vezes, algo é considerado atípico porque não ocorre com frequência; e se desvia da média. Quanto maior o desvio, maior a anormalidade. É possível dizer que alguém é baixo ou alto de forma atípica, significando que a altura da pessoa se desvia substancialmente da média, mas isso não é uma definição de transtorno. Muitas pessoas estão longe da média no que se refere aos seus comportamentos, mas poucas seriam consideradas transtornadas. Poderíamos chamá-las de talentosas ou excêntricas. Muitos artistas, astros de cinema e atletas se encaixam nessa categoria. Por exemplo, não é normal usar um vestido feito inteiramente de carne, mas quando Lady Gaga se vestiu assim em uma premiação, isso não apenas aumentou como aprimorou seu status de celebridade. O romancista J. D. Salinger, que escreveu O apanhador no campo de centeio, refugiou-se em uma cidadezinha em New Hampshire e recusou-se a ver outras pessoas durante vários anos, mas continuou a escrever. Alguns cantores de rock do sexo masculino usam maquiagem pesada no palco. Essas pessoas são bem pagas e parecem adorar suas carreiras. Na maioria dos casos, quanto mais produtivo você é aos olhos da sociedade, mais excentricidades a sociedade tolerará. Por conseguinte, “desvio da média” não serve como uma boa definição para comportamento atípico problemático. Outra visão considera que seu comportamento é um transtorno se você violar as normas sociais, mesmo se um número de pessoas for solidário com seu ponto de vista. Essa definição é muito útil, levando-se em conta importantes diferenças culturais nos transtornos psicológicos. Por exemplo, entrar em um estado de transe e acreditar estar possuído refletem um transtorno psicológico na maioria das culturas ocidentais, mas não em muitas outras sociedades, nas quais esses comportamentos são aceitos e esperados (ver Capítulo 6). (A perspectiva cultural é um importante aspecto de referência no decorrer deste livro.) Um exemplo dessa visão é oferecido por Robert Sapolsky (2002), proeminente neurocientista que, durante seus estudos, trabalhou de perto com a tribo Masai da África Oriental. Certo dia, Rhoda, amiga masai de Sapolsky, pediu-lhe que trouxesse o seu jipe o mais rapidamente possível para o vilarejo, onde uma mulher estava agindo com muita agressividade e ouvia vozes. A mulher tinha matado um bode com as próprias mãos. Sapolsky e diversos masai foram capazes de dominá-la e transportá-la para um centro médico local. Notando que aquela era uma oportunidade de aprender mais sobre a visão dos transtornos psicológicos dos masai, Sapolsky manteve o seguinte diálogo:

Nós aceitamos comportamentos extremados de celebridades, tais como Lady Gaga, que não seriam tolerados em outros membros da nossa sociedade.

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Uma definição aceita Enfim, é difícil definir o que constitui um transtorno psicológico (Lilienfeld e Marino, 1995, 1999) – e o debate continua (Blashfield et al. 2014; McNally, 2011; Stein et al., 2010; Spitzer, 1999; Wakefield, 2003, 2009; Zachar e Kendler, 2014). A definição mais amplamente aceita utilizada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5a edição; DSM-5; Associação Americana de Psiquiatria, 2013) descreve disfunções comportamentais, psicológicas ou biológicas que são inesperadas em seu contexto cultural e associadas à presença de sofrimento e prejuízo no funcionamento ou aumento de risco de sofrimento, morte, dor ou prejuízo. Essa definição pode ser útil para equiparar culturas e subculturas se prestarmos atenção ao que é “funcional” ou “disfuncional” (ou fora de controle) em determinada sociedade. No entanto, nunca é fácil decidir o que representa disfunção, e alguns acadêmicos argumentam que as profissões da área de saúde nunca serão capazes de definir satisfatoriamente doença ou transtorno (ver, por exemplo, Lilienfeld e Marino, 1995, 1999; McNally, 2011; Stein et al., 2010; Zachar e Kendler, 2014). O melhor que podemos fazer é considerar de que forma a doença ou o transtorno aparente se encaixa em um perfil típico de um transtorno – por exemplo, transtorno depressivo maior ou esquizofrenia –, quando todos ou a maioria dos sintomas que os especialistas concordariam ser parte do transtorno estão presentes. Chamamos esse perfil típico de protótipo e, como descrito no Capítulo 3, os critérios diagnósticos segundo critérios do DSM-5 encontrados no decorrer deste livro são todos protótipos. Isso significa que o paciente pode ter apenas algumas características ou sintomas do transtorno (um número mínimo) e ainda preencher critério para o transtorno porque seu conjunto de sintomas está próximo do protótipo. Mas uma das diferenças entre DSM-5 e seu antecessor, DSM-IV-TR, é o acréscimo de estimativas dimensionais de gravidade dos transtornos específicos no DSM-5 (American Psychiatric Association, 2013; Regier et al. 2009; Helzer et al. 2008). Deste modo, para os transtornos de ansiedade, por exemplo, a intensidade e a frequência de ansiedade dentro de um determinado transtorno, tal como o transtorno de pânico, são classificadas em uma escala de 0 a 4, em que 1 indicaria sintomas leves ou ocasionais e 4 indicaria sintomas contínuos e graves (Beesdo-Baum et al., 2012; LeBeau et al., 2012). Esses conceitos serão descritos de forma mais detalhada no Capítulo 3, no qual se discute o diagnóstico de transtorno psicológico. Para um desafio final, leve o problema da definição de um transtorno psicológico um passo adiante e considere o seguinte: e se Judy vivesse aquela situação com tanta frequência que, após um tempo, nem seus colegas nem seus professores notassem, porque ela recuperava a consciência rapidamente? Além disso, e se Judy continuasse a obter boas notas? Desmaiar o

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(Widiger e Crego, 2013; Widiger e Sarkis, 2000). Variantes dessas abordagens são mais frequentemente usadas na prática de diagnóstico atual, como foi ressaltado na quinta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5), em português Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) (American Psychiatric Association, 2013), que apresenta a listagem atual dos critérios para os transtornos psicológicos (Stein et al., 2010). Essas abordagens conduzem nossa linha de pensamento no presente livro.

Alguns comportamentos religiosos podem parecer incomuns para nós, mas são cultural ou individualmente apropriados.

tempo todo ante a mera ideia de sangue seria um transtorno? Estaria lhe causando prejuízo? Seria disfuncional? Angustiante? O que você pensa a respeito?

A ciência da psicopatologia A psicopatologia é o estudo científico de transtornos psicológicos. Nesse campo atuam profissionais especialmente treinados, incluindo psicólogos clínicos e de aconselhamento, psiquiatras, assistentes sociais e enfermeiros especializados em psiquiatria, bem como terapeutas de casais e de família e conselheiros de saúde mental. Nos Estados Unidos, psicólogos clínicos e de aconselhamento podem receber o título de Doutor (ou, às vezes, de Ed.D., doutor em educação, ou de Psy.D., doutor em psicologia) e fazem um curso de graduação, com duração de aproximadamente cinco anos, que os prepara para conduzir pesquisas sobre causas e tratamento de transtornos psicológicos e para diagnosticar, avaliar e tratar esses transtornos. Embora haja uma grande quantidade de sobreposições, psicólogos de aconselhamento tendem a estudar e tratar ajustes e assuntos vocacionais relacionados a indivíduos relativamente saudáveis; já os psicólogos clínicos se concentram usualmente nos transtornos psicológicos mais graves. Além disso, os programas em cursos profissionais de psicologia, em que o título é frequentemente Psy.D., doutor em psicologia, têm como foco o treinamento clínico e a diminuição ou eliminação do treino para conduzir pesquisa. De maneira oposta, os programas de Ph.D. nas universidades integram o treinamento clínico e em pesquisa. Psicólogos com outras especialidades, como os psicólogos experimentais e sociais, concentram a investigação nos determinantes básicos do comportamento, mas não avaliam nem tratam os transtornos psicológicos.2 Em um primeiro momento, os psiquiatras obtêm um grau de M.D. em um curso de Medicina, então, ao longo de três a quatro anos de residência médica, especializam-se em Psiquiatria. Psiquiatras também investigam a natureza e as causas dos transtornos psicológicos, frequentemente com base em um ponto de vista biológico; fazem diagnósticos; e ofe2

NRT da tradução da 7ª edição norte-americana: A descrição das profissões e carreiras que constam ao longo desta obra pertencem a um modelo norte-americano. No Brasil, há algumas diferenças. Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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recem tratamentos. Muitos desses profissionais prescrevem drogas ou outros tratamentos biológicos, embora a maioria também use tratamentos psicossociais. Os assistentes sociais da área de psiquiatria geralmente podem obter título de mestre em serviço social por se especializarem em coletar informações relevantes para a situação social e familiar do indivíduo que sofre de um transtorno psicológico. Assistentes sociais também tratam de transtornos, frequentemente concentrando-se nos problemas familiares relacionados a eles. Os enfermeiros da área de psiquiatria têm títulos avançados, como mestrado ou até mesmo doutorado, e são especializados no cuidado e tratamento de pacientes com transtornos psicológicos, geralmente em hospitais, como parte de uma equipe de tratamento. Por fim, os terapeutas de casais, terapeutas familiares e conselheiros de saúde mental dedicam um a dois anos para conquistar um título de mestre e são contratados para prestar serviços clínicos em hospitais ou clínicas, em geral sob supervisão de um clínico com título de doutor.

O pesquisador clínico O mais importante desenvolvimento na história recente da psicopatologia é a adoção de métodos científicos para aprender mais sobre a natureza dos transtornos psicológicos, suas causas e seu tratamento. Muitos profissionais da área de saúde mental seguem uma abordagem científica em seu trabalho clínico e, por conseguinte, são chamados de pesquisadores clínicos (Barlow, Hayes e Nelson, 1984; Hayes, Barlow e Nelson-Gray, 1999). Profissionais da área de saúde mental podem atuar como pesquisadores clínicos em uma ou mais dentre três maneiras (ver Figura 1.2). Primeiro, eles podem acompanhar os mais recentes avanços científicos em sua área e, portanto, utilizar os mais atuais procedimentos de tratamento e de diagnóstico. Nesse sentido, são consumidores da ciência da psicopatologia para benefício de seus pacientes. Segundo, pesquisadores clínicos analisam seus próprios procedimentos de avaliação ou de tratamento para verificar se funcionam. Esses profissionais respondem não apenas por seus pacientes, mas também pelas agências governamentais e seguradoras que pagam pelos tratamentos e, por essa razão, eles devem demonstrar claramente se

Profissional de saúde mental

Kevin Peterson/Photodisc/Getty Images

Consumidor da ciência • Aprimora a prática Avaliador da ciência • Determina a efetividade da prática Criador da ciência • Conduz pesquisas que levam a novos procedimentos úteis na prática FIGURA 1.2 O exercício do pesquisador clínico.

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Foco Descrição clínica Estudando os transtornos psicológicos

Causa (etiologia) Tratamento e resultado

FIGURA 1.3 As três principais categorias que compõem o estudo e a discussão sobre transtornos psicológicos.

seus tratamentos são efetivos ou não. Terceiro, pesquisadores clínicos podem conduzir pesquisas, geralmente em clínicas ou hospitais, que produzam novas informações sobre transtornos ou sobre seu tratamento, tornando-se, assim, imunes aos modismos que impregnam nosso campo de trabalho, em geral, à custa de pacientes e de suas famílias. Por exemplo, novas “curas miraculosas” para transtornos psicológicos que são relatadas diversas vezes por ano na mídia não seriam usadas por um pesquisador clínico se não houvesse nenhuma sondagem de dados científicos mostrando que elas funcionam. Tais dados são oriundos de pesquisas que tentam três coisas básicas: descrever os transtornos psicológicos, determinar suas causas e tratá-las (ver Figura 1.3). Essas três categorias compõem uma estrutura organizacional que perpassa todo este livro e que é formalmente evidente nas discussões concernentes a transtornos específicos que discutiremos a partir do Capítulo 5. Um panorama geral neste momento propicia uma perspectiva mais nítida dos nossos esforços para compreender a anormalidade.

Descrição clínica Em hospitais e clínicas, frequentemente dizemos que um paciente “apresenta” um problema específico ou um conjunto de problemas, ou simplesmente discutimos a apresentação do problema. Apresentação é um atalho tradicional para indicar por que a pessoa procurou a clínica. Descrever a apresentação do problema em Judy é o primeiro passo para determinar sua descrição clínica, que representa a combinação específica de comportamentos, pensamentos e sentimentos que constituem um transtorno específico. A palavra clínica refere-se tanto aos tipos de problema ou transtorno que você poderia encontrar em uma clínica ou hospital quanto às atividades relacionadas à avaliação e ao tratamento. No decorrer deste texto, existem excertos de muitos outros casos individuais, a maioria deles extraída de nossos arquivos pessoais. Evidentemente, uma função importante da descrição clínica é especificar o que torna o transtorno diferente do comportamento típico ou de outros transtornos. Dados estatísticos também podem ser relevantes. Por exemplo, quantas pessoas na população total apresentam o transtorno? Esse número é chamado de prevalência do transtorno. As estatísticas de quantos novos casos ocorrem durante determinado período, como em um ano, representam a incidência do transtorno. Outras estatísticas incluem a proporção entre sexos – ou seja, qual é a porcentagem de homens e mulheres que têm o transtorno – e a idade típica de manifestação, o que frequentemente difere de um transtorno para outro.

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Além de apresentarem sintomas diferentes, idade de manifestação e, possivelmente, uma proporção diferente entre os sexos e prevalência, a maioria dos transtornos segue um padrão individual, ou curso. Por exemplo, alguns transtornos, como a esquizofrenia (ver Capítulo 13), seguem um curso crônico, o que significa que tendem a durar um longo tempo, algumas vezes toda a vida. Outros transtornos, como os do humor (ver Capítulo 7), seguem um curso episódico, ou seja, o indivíduo provavelmente se recupera dentro de alguns meses e sofre uma recorrência do transtorno posteriormente. Esse padrão pode se repetir no decorrer da vida de uma pessoa. Ainda assim, outros transtornos podem ter um curso limitado, e isso significa que o transtorno vai melhorar sem tratamento em um período de tempo relativamente curto. As diferenças na manifestação inicial estão diretamente relacionadas às diferenças no curso dos transtornos. Alguns têm um início agudo, começam repentinamente; outros se desenvolvem de forma gradual no decorrer de longo período, às vezes chamado início insidioso. É importante conhecer o curso típico de um transtorno para que possamos saber o que esperar no futuro e como melhor agir em relação ao problema. Essa é uma parte importante da descrição clínica. Por exemplo, se alguém está sofrendo de um transtorno leve com início agudo, que persistirá por um tempo limitado, podemos aconselhar a pessoa a não se preocupar com um tratamento dispendioso porque o problema desaparecerá em breve, como se fosse um resfriado comum. Entretanto, se for provável que o transtorno dure um tempo longo (tornando-se crônico), o indivíduo pode querer buscar tratamento e tomar outros caminhos apropriados. O curso antecipado de um transtorno é conhecido como prognóstico. Então, poderíamos dizer “o prognóstico é bom”, ou seja, o indivíduo provavelmente vai se recuperar; ou “o prognóstico requer cuidados”, isto é, o resultado provável não parece bom. A idade do paciente é muito importante na descrição clínica. Um mesmo transtorno psicológico específico que ocorre na infância pode se apresentar de forma diferente na vida adulta ou na velhice. Crianças que experimentam ansiedade e pânico graves supõem estar sofrendo de algum mal físico, pois têm dificuldade de entender que, na verdade, o mal de que sofrem não é físico, mas psíquico. As crianças experimentam pensamentos e sentimentos diferentes dos adultos e, por isso, ansiedade e pânico nelas geralmente são erroneamente diagnosticados e tratados como transtornos médicos. Chamamos o estudo das mudanças no comportamento ao longo do tempo psicologia do desenvolvimento, e nos referimos ao estudo das mudanças no comportamento atípico como psicopatologia do desenvolvimento. Quando você pensa sobre a psicologia do desenvolvimento, provavelmente imagina pesquisadores estudando o comportamento das crianças. Entretanto, em virtude do fato de mudarmos no decorrer de nossas vidas, os pesquisadores também estudam o desenvolvimento nos adolescentes, nos adultos e nos idosos. O estudo do comportamento atípico durante um ciclo de vida inteiro é chamado de psicopatologia do desenvolvimento do ciclo de vida. Esse campo é relativamente novo, mas está se expandindo com rapidez.

As crianças experimentam o pânico e a ansiedade de maneira diferente dos adultos, por isso suas reações podem ser confundidas com sintomas de doença física.

Resultados de causa, tratamento e etiologia A etiologia, ou o estudo das origens, tem a ver com o porquê de o transtorno começar (o que o causa) e inclui dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Em razão de a etiologia dos transtornos psicológicos ser tão importante para essa área, dedicamos ao assunto um capítulo inteiro (Capítulo 2). O tratamento é fundamental para o estudo dos transtornos psicológicos. Se uma nova droga ou tratamento psicossocial for bem-sucedido no tratamento de um transtorno, isso pode nos propiciar algumas pistas sobre a natureza do transtorno e suas causas. Por exemplo, se uma droga com um efeito específico conhecido dentro do sistema nervoso alivia certo transtorno psicológico, sabemos que alguma coisa naquela parte do sistema nervoso poderia também estar relacionada ao transtorno ou ajudando a mantê-lo. De forma semelhante, se um tratamento psicossocial designado para ajudar os pacientes a recuperar o sentido do controle sobre suas vidas é efetivo para determinado transtorno, um senso de controle diminuído pode ser um componente psicológico importante do transtorno em si. Como veremos no próximo capítulo, a psicopatologia raramente é simples. Isso porque o efeito não necessariamente implica a causa. Para usar um exemplo comum, você poderia tomar uma aspirina para aliviar uma cefaleia de tensão desenvolvida durante um dia estressante fazendo exames. Se você então se sente melhor, isso não significa que a cefaleia foi causada pela ausência de aspirina. Não obstante, muitas pessoas procuram Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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tratamento para transtornos psicológicos, e o tratamento pode oferecer indicações importantes sobre a natureza do transtorno. No passado, os livros enfatizavam abordagens de tratamento em um sentido geral, com pouca atenção para o transtorno tratado. Por exemplo, um profissional de saúde mental poderia ser capacitado para uma única abordagem teórica, como psicanálise ou terapia comportamental (ambas descritas posteriormente no capítulo), e então usar aquela abordagem para todos os transtornos. À medida que nossa ciência tem avançado, desenvolvemos tratamentos efetivos específicos que nem sempre aderem completamente a uma abordagem teórica ou a outra, mas acrescentam uma compreensão mais profunda do transtorno em questão. Por esse motivo, não existem capítulos separados neste livro sobre tais tipos de abordagens de tratamento, como o psicodinâmico, o cognitivo-comportamental ou o humanista. Em vez disso, a mais recente e eficiente droga e tratamentos psicossociais (tratamentos não medicamentosos que focam em fatores psicológicos, sociais e culturais) são descritos no contexto de transtornos específicos de acordo com nossa perspectiva multidimensional integradora. Após pesquisarmos muitas tentativas iniciais de descrever e tratar o transtorno mental, e, mais ainda, de compreender suas causas, podemos proporcionar uma perspectiva mais ampla das abordagens atuais. No Capítulo 2, examinamos interessantes concepções contemporâneas sobre causa e tratamento. No Capítulo 3, discutimos os esforços para descrever, ou classificar, o comportamento atípico. No Capítulo 4, revemos métodos de pesquisa – nossos esforços sistemáticos para descobrir os fatos subjacentes à descrição, à causa e ao tratamento que permitem que atuemos como pesquisadores clínicos. Do Capítulo 5 ao Capítulo 15, examinaremos transtornos específicos; nossa discussão está organizada, em cada caso, na familiar tríade descrição, causa e tratamento. Por fim, no Capítulo 16, examinamos os aspectos legais, profissionais e éticos relevantes em relação aos transtornos psicológicos e seu tratamento atualmente. Com essa visão panorâmica em mente, voltemos ao passado.

Conceitos históricos do comportamento atípico Por centenas de anos, os seres humanos têm tentado explicar e controlar o comportamento problemático. No entanto, nossos esforços sempre advieram de teorias ou modelos de comportamento popular em determinada época. A finalidade desses modelos é explicar por que alguém está “agindo daquela maneira”. Três modelos principais nos fizeram voltar até os primórdios da civilização. Os seres humanos sempre supuseram que agentes externos a nossos corpos e o ambiente influenciavam nosso comportamento, pensamento e emoções. Esses agentes – que podem ser divindades, demônios, espíritos ou outros fenômenos, tais como campos magnéticos, a lua ou as estrelas – são as forças propulsoras por trás do modelo sobrenatural. Além disso, desde a era da Grécia antiga, a mente tem sido frequentemente chamada de alma ou psique e considerada como algo separado do corpo. Embora muitos possam pensar que a mente pode influenciar o corpo, e, por sua vez, o corpo pode influenciar a mente, a maioria dos filósofos procurou as causas do com8

portamento atípico em um ou noutro. Essa separação traz à luz duas tradições de pensamento sobre o comportamento atípico, resumidas como modelo biológico e modelo psicológico. Esses três modelos – o sobrenatural, o biológico e o psicológico – são muito antigos, mas continuam a ser utilizados até os dias de hoje.

Verificação de conceitos 1.1 Parte A Escreva a letra de uma ou todas as seguintes definições de anormalidade nas lacunas: (a) violação da norma social, (b) prejuízo no funcionamento, (c) disfunção e (d) sofrimento. 1. Miguel, recentemente, começou a ficar triste e solitário. Embora ainda seja capaz de trabalhar e cumprir outras responsabilidades, ele acha que está sempre desanimado e anda preocupado com o que está acontecendo consigo. Qual das definições de anormalidade se aplica à situação de Miguel? 2. Há três semanas, Jane, de 35 anos, executiva da área de negócios, parou de tomar banho, recusa-se a sair do seu apartamento e começou a assistir a programas de auditório na televisão. Ameaças de que seria demitida falharam em trazê-la de volta à realidade, e ela continua a passar seus dias olhando fixamente para a tela da televisão. Qual das definições pode descrever o comportamento de Jane? Parte B Associe as seguintes palavras usadas em descrições clínicas com seus exemplos correspondentes: (a) apresentação do problema, (b) prevalência, (c) incidência, (d) prognóstico (e) curso e (f) etiologia. 3. Maria deveria recuperar-se rapidamente sem que nenhuma intervenção fosse necessária. Sem tratamento, John vai piorar rapidamente. 4. Três novos casos de bulimia foram relatados neste município no último mês e apenas um no município vizinho. 5. Elizabeth visitou o centro de saúde mental do campus em razão de seus crescentes sentimentos de culpa e ansiedade. 6. Influências biológicas, psicológicas e sociais contribuem para uma variedade de transtornos. 7. O padrão que um transtorno segue pode ser crônico, limitado ou episódico. 8. Quantas pessoas na população sofrem com o transtorno obsessivo-compulsivo?

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A tradição sobrenatural Em grande parte de nossa história, o comportamento desviante tem sido considerado um reflexo da batalha entre o bem e o mal. Quando confrontadas com o inexplicável, com o comportamento irracional e com o sofrimento e a revolta, as pessoas entendiam como o mal. Na verdade, no Império Persa de 900 a 600 a.C., todos os transtornos físicos e mentais eram considerados manifestação demoníaca (Millon, 2004). Barbara Tuchman, notável historiadora, escreveu uma crônica sobre a segunda metade do século XIV, período particularmente difícil para a humanidade, em Um espelho distante: o terrível século XIV (1978). Nesse texto, ela, com muita propriedade, capturou as tendências de opinião sobre as origens e o tratamento da insanidade durante aquele período tumultuado e desesperançoso.

Uma forte corrente de opinião colocou, de maneira forçada, as causas e o tratamento dos transtornos psicológicos no domínio do sobrenatural. Durante o último quartel do século XIV, religiosos e autoridades laicas apoiaram as superstições populares, e a sociedade passou a acreditar na realidade e no poder dos demônios e das bruxas. A Igreja Católica se dividiu, e um segundo segmento, com a inclusão de um papa, surgiu no sul da França para competir com Roma. Em reação a esse cisma, a Igreja Romana lutou contra o mal no mundo que acreditava estar por trás daquela heresia. As pessoas recorriam cada vez mais à mágica e à bruxaria para resolver seus problemas. Durante essa época turbulenta, o comportamento bizarro das pessoas atormentadas pelos transtornos psicológicos era visto como ação do diabo ou das bruxas. Seguiu-se que os indivíduos dominados por maus espíritos eram considerados responsáveis por qualquer infortúnio experimentado pelos moradores das cidades, o que inspirou uma ação drástica contra os possuídos. Os tratamentos incluíam exorcismo, em que diversos rituais religiosos eram desenvolvidos para livrar a vítima dos maus espíritos. Outras abordagens incluíam tosar o cabelo da vítima em formato de cruz e amarrá-la a um muro próximo ao adro de uma igreja de maneira que pudesse se beneficiar ao ouvir a missa. A convicção de que a bruxaria e as bruxas eram causas de loucura e de outros males continuou durante o século XV, e o mal continuou a ser o responsável por comportamentos inexplicáveis, mesmo após a fundação dos Estados Unidos, como ficou evidenciado em Salem, Massachusetts, pelo julgamento de bruxas no final do século XVII, o que resultou em vinte mulheres mortas por enforcamento.

Estresse e melancolia Uma opinião igualmente forte, mesmo durante esse período, refletiu a visão esclarecida de que a insanidade era um fenômeno natural, causado pelo estresse mental ou emocional, e que ela era curável (Alexander e Selesnick, 1966; Maher e Maher, 1985a). A depressão e a ansiedade foram reconhecidas como doenças (Kemp, 1990; Shoeneman, 1977), embora sintomas como desespero e letargia fossem frequentemente identificados pela Igreja com o pecado da apatia ou preguiça (Tuchman, 1978). Tratamentos comuns eram repouso, sono e ambien-

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Demônios e bruxas

Durante a Idade Média, às vezes, pensava-se que indivíduos com transtornos psicológicos estavam possuídos por espíritos demoníacos e, por essa razão, tentava-se fazer exorcismos por meio de rituais.

te alegre e saudável. Outros tratamentos incluíam banhos, unguentos e diversas poções. De fato, durante os séculos XIV e XV, pessoas insanas, juntamente com as pessoas com deformidades físicas ou incapacitadas, eram transferidas de casa em casa nos vilarejos medievais, de forma que os vizinhos se revezavam para cuidar delas. Hoje, sabemos que é benéfica a prática de manter as pessoas que têm distúrbios psicológicos em sua própria comunidade (ver Capítulo 13). Voltaremos a este assunto quando discutirmos os modelos biológico e psicológico adiante neste mesmo capítulo. No século XIV, Nicholas Oresme, bispo, filósofo e um dos conselheiros-chefe do rei da França, também sugeriu que a doença da melancolia (depressão) era a fonte de comportamentos bizarros, em vez de ser causada por demônios. Oresme ressaltou que muito da evidência de haver bruxaria e feitiçaria, particularmente entre aqueles considerados insanos, advinha de pessoas que eram torturadas e que, compreensivelmente, confessavam qualquer coisa. Esses fluxos transversais conflituosos de explicações naturais e sobrenaturais para os transtornos mentais eram represenCapítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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tados com maior ou menor veemência em diversos trabalhos históricos, dependendo das fontes consultadas pelos historiadores. Algumas pessoas presumiam que as influências demoníacas eram as explicações predominantes de comportamento atípico durante a Idade Média (por exemplo, Zilboorg e Henry, 1941); outros acreditavam que o sobrenatural teria pouca ou nenhuma influência. Como poderemos ver no tratamento do transtorno psicológico grave experimentado pelo rei da França, Carlos VI, no final do século XIV, ambas as influências eram fortes e, às vezes, alternavam-se no tratamento do mesmo caso.

CARLOS VI ...

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O rei louco

o verão de 1392, o rei da França, Carlos VI, estava sob forte estresse, em parte pela divisão da Igreja Católica. Enquanto conduzia seu exército à província da Bretanha, um ajudante militar próximo deixou sua lança cair, fazendo um ruído estrondoso. O rei, pensando ser um ataque, voltou-se contra seu próprio exército e matou diversos cavaleiros proeminentes antes de ser subjugado pelas costas. O exército marchou imediatamente de volta a Paris. Os tenentes e os conselheiros do rei concluíram que ele estava louco. Nos anos seguintes, em seus piores momentos, o rei escondia-se em um canto do seu castelo, acreditava que seu corpo era feito de vidro, ou perambulava pelos corredores uivando como um lobo. Em outros momentos, não conseguia se lembrar quem ou o que era. Ele tornou-se medroso; e ficava irado sempre que via seu próprio brasão real e tentava destruí-lo caso fosse trazido para perto dele. O povo de Paris estava arrasado com a aparente loucura de seu líder. Alguns pensavam que isso refletia a ira de Deus, porque o rei falhou ao tomar armas para acabar com o cisma da Igreja Católica; outros pensavam que isso fosse o aviso de Deus contra a tomada das armas; havia ainda os que pensavam que era a punição divina contra os impostos pesados (uma conclusão a que algumas pessoas poderiam chegar hoje). Contudo, a maioria pensava que a loucura do rei era causada por bruxaria, uma crença intensificada pela forte seca que havia atingido açudes e rios, fazendo com que o gado morresse de sede. Os mercadores lamentavam suas piores perdas em 20 anos. Naturalmente, era dado ao rei o melhor tratamento disponível. O mais famoso curador da época era um médico de 92 anos, cujo programa de tratamento incluía mudar o rei para uma de suas residências no campo, onde se supunha que o ar era o mais puro do país. O médico prescreveu descanso, relaxamento e recreação. Após algum tempo, Carlos VI pareceu estar recuperado. O médico recomendou que o rei não fosse sobrecarregado com as responsabilidades de administrar o reino, alegando que, se ele tivesse poucas preocupações ou irritações, sua mente, aos poucos, se fortaleceria e, assim, melhoraria ainda mais. Infelizmente o médico morreu, e a insanidade do rei voltou mais séria do que antes. Desta vez, entretanto, ele ficou sob a influência da causa transversal e conflitante do sobrenatural. “Um charlatão rude de más intenções e pseudomístico, chamado Arnaut Guilhem, teve permissão para

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tratar de Carlos sob a alegação de possuir um livro dado por Deus a Adão por meio do qual o homem poderia superar toda a aflição resultante do pecado original” (Tuchman, 1978, p. 514). Guilhem insistiu que a doença do rei era causada por bruxaria, mas seu tratamento não trouxe a cura. Uma variedade de remédios e rituais de todos os tipos foi aplicada, mas nada funcionou. Oficiais de alto escalão e doutores da universidade que chamavam por “feiticeiros” eram descobertos e punidos. “Em certa ocasião, dois frades agostinianos, após não obterem nenhum resultado de encantamentos mágicos e de um líquido feito de pérolas poderosas, propuseram fazer incisões na cabeça do rei. Quando isso não foi permitido pelo conselho real, os frades acusaram de bruxaria aqueles que se opuseram às suas recomendações” (Tuchman, 1978, p. 514). Mesmo o próprio rei, durante seus momentos lúcidos, voltava a acreditar que a fonte da loucura era o mal e a bruxaria. “Em nome de Jesus Cristo”, ele gritava, pranteando em sua agonia, “se houver algum de vocês que tenha relação com este mal de que eu sofro, eu lhe imploro não mais me torturar, antes, deixe-me morrer!” (Tuchman, 1978, p. 515).

Tratamentos para possessão Com a conexão entre feitos malignos e o pecado de um lado e os transtornos psicológicos de outro, é lógico concluir que a pessoa que sofre do distúrbio é responsável pelo transtorno, que poderia, por sua vez, ser uma punição por feitos malignos. Isso parece familiar? A síndrome epidêmica da imunodeficiência adquirida (Aids/Sida) foi associada a uma crença similar entre algumas pessoas, em particular no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Pelo fato de o vírus da imunodeficiência humana (HIV) ser, nas sociedades ocidentais, mais prevalente entre indivíduos com orientação homossexual, muitas pessoas acreditavam que a doença advinha da punição divina pelo que eles consideravam um comportamento imoral. Essa concepção tornou-se menos comum quando o vírus da Aids se disseminou por outros segmentos da população, e ainda persiste. A possessão, contudo, não está relacionada ao pecado, mas pode ser vista como involuntária e o indivíduo possuído como inocente. Além disso, os exorcismos pelo menos têm a virtude de ser relativamente indolores. Curiosamente, eles às vezes funcionam, como também funcionam outras formas de cura pela fé, por razões que exploraremos nos capítulos subsequentes. Mas, e se eles não funcionassem? Na Idade Média, se o exorcismo falhasse, algumas autoridades pensavam que algumas atitudes eram necessárias para tornar o corpo inabitável pelos espíritos maus, e muitas pessoas eram confinadas, surradas e sofriam outras formas de tortura (Kemp, 1990). Em algum momento, um “terapeuta” criativo achou que pendurar pessoas sobre um poço cheio de cobras venenosas poderia assustar os espíritos demoníacos para fora de seus corpos possuídos (sem mencionar o quanto isso assustava as próprias pessoas). Por incrível que pareça, essa abordagem às vezes funcionava; ou seja, indivíduos com comportamentos mais perturbadores e estranhos de repente voltavam a si e viven-

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Na hidroterapia, pacientes eram submetidos ao choque para voltarem a si por aplicação de água gelada.

ciavam o alívio dos sintomas, mas temporariamente. Naturalmente, tal procedimento era encorajador ao terapeuta e, assim, poços de serpentes foram construídos em muitas instituições. Vários outros tratamentos baseados no elemento terapêutico hipotético de choque foram desenvolvidos, incluindo imersão em água gelada.

Histeria em massa Um outro fenômeno fascinante é caracterizado pelos surtos de comportamento bizarro em larga escala. Até os dias de hoje, esses episódios confundem historiadores e profissionais de saúde mental. Durante a Idade Média, eles apoiaram a noção de possessão demoníaca. Na Europa, grupos inteiros de pessoas eram simultaneamente compelidos a saírem na rua, dançando, gritando, delirando e pulando em padrões como se estivessem em uma festa selvagem tarde da noite (hoje é a chamada festa rave, mas acompanhada de música). Esse comportamento era conhecido por diversos nomes, inclusive Dança de São Vito e tarantismo. O mais interessante é que muitas pessoas juntas se comportavam dessa maneira estranha. Em uma tentativa de explicar o inexplicável, foram dadas várias razões além da possessão. Uma hipótese razoável foi a reação a picada de insetos. Outra possibilidade foi o que nós chamamos agora de histeria em massa (Veith, 1965). Considere o exemplo que segue.

das salas de aula adjuntas, que podiam ver e ouvir o que estava acontecendo, vivenciaram sintomas semelhantes. De 86 pessoas suscetíveis (82 alunos e 4 professores das quatro salas de aula), 21 pacientes (17 alunos e 4 professores) vivenciaram sintomas graves suficientes para serem atendidos em um hospital. A inspeção do prédio da escola pelas autoridades de saúde pública revelou que não houve causa aparente para tais reações, e os exames físicos realizados pela equipe de médicos não revelaram anormalidade física. Todos os pacientes receberam alta e rapidamente se recuperaram (Rockney e Lemke, 1992). A histeria em massa pode simplesmente demonstrar o fenômeno de contágio emocional, em que a sensação de uma emoção se dissemina para outros ao nosso redor (Hatfield, Cacioppo e Rapson, 1994; Ntika et al. 2014; Wang, 2006). Se alguém perto de nós ficar com medo ou triste, é bem possível que, por um momento, também sintamos medo ou tristeza. Quando esse tipo de experiência chega a um completo surto de pânico, comunidades inteiras são afetadas (Barlow, 2002). Pessoas são também sugestionadas quando estão em estados emotivos elevados. Portanto, na medida em que uma pessoa identifica a “causa” do problema, outras provavelmente presumem que suas próprias reações têm a mesma origem. Numa linguagem popular, essa reação compartilhada é, às vezes, chamada de psicologia das massas. Até recentemente, assumia-se que as vítimas tinham de estar em contato umas com as outras para ocorrência do contágio, como estavam as garotas descritas acima em salas de aulas adjacentes. Mas ultimamente há casos documentados de contágio emocional ocorridos por meio de redes sociais, levantando a possibilidade de que os episódios de histeria em massa possam aumentar (Bartholomew, Wessely e Rubin, 2012; Dimin, 2013).

A lua e as estrelas Paracelso, um médico suíço que viveu de 1493 a 1541, rejeitou as concepções de possessão demoníaca e sugeriu, em vez disso, que os movimentos da lua e das estrelas exerciam profundo efeito no mecanismo mental das pessoas. Trazendo à luz o pensamento similar da Grécia antiga, Paracelso especulou que os efeitos gravitacionais da lua nos fluidos corporais poderiam

Em uma sexta-feira à tarde, um alarme soou avisando todos os médicos de um hospital comunitário para que comparecessem à sala de emergência imediatamente. De uma escola local em uma frota de ambulâncias chegavam 17 alunos e 4 professores que diziam sentir tontura, cefaleia, náusea e dores de estômago; uns vomitavam e outros hiperventilavam. Todos os alunos e professores haviam estado em quatro salas de aula, duas de cada lado do corredor. O incidente começou quando uma garota de 14 anos disse que sentia um cheiro estranho que vinha de um respiradouro. Ela caiu no chão, gritando e reclamando que seu estômago doía e seus olhos ardiam. Logo, muitos alunos e a maioria dos professores

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Histeria em massa em tempos modernos

Emoções são contagiosas e podem se transformar em histeria em massa. Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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ser uma causa possível de transtornos mentais (Rotton e Kelly, 1985). Essa teoria inspirou a criação da palavra lunático, que deriva do latim luna, que significa “lua”. Você pode ouvir alguns amigos comentarem sobre algo louco que fizeram durante a noite quando dizem: “Deve ter sido a lua cheia”. A crença de que corpos celestiais afetam o comportamento humano ainda existe, embora não haja evidência científica para apoiá-la (Raison, Klein e Steckler, 1999; Rotton e Kelly, 1985). Apesar de muita zombaria, milhões de pessoas ao redor do mundo estão convencidas de que seu comportamento é influenciado pelas fases da lua ou pela posição das estrelas. Essa crença é mais perceptível hoje em pessoas que são adeptas à astrologia e afirmam que seu comportamento e a maioria dos acontecimentos em suas vidas podem ser previstos pela relação entre o dia a dia e a posição dos planetas. Entretanto, nenhuma evidência séria tem confirmado tal conexão.

Comentários A tradição sobrenatural está bem presente e viva na psicopatologia, embora esteja relegada, em sua maior parte, a pequenas seitas religiosas e a culturas primitivas. Membros de religiões organizadas na maior parte do mundo procuram a psicologia e a ciência médica para ajudar nos principais transtornos psicológicos; de fato, a Igreja Católica Romana requer que se esgotem todos os recursos médicos antes que soluções espirituais, como exorcismo, possam ser consideradas. Além disso, curas miraculosas são, às vezes, alcançadas por exorcismo, poções mágicas e rituais e outros métodos que parecem ter pouca ligação com a ciência moderna. É fascinante explorá-las quando de fato acontecem; voltaremos a esse tópico em capítulos posteriores. No entanto, tais casos são relativamente raros, e quase ninguém defenderia o tratamento espiritual para transtornos psicológicos graves, exceto, talvez, como último recurso.

consciência, da inteligência e da emoção. Por conseguinte, os transtornos envolvendo essas funções estariam claramente localizados no cérebro. Hipócrates também reconheceu a importância das contribuições psicológicas e interpessoais para a psicopatologia, como os efeitos por vezes negativos do estresse familiar; em determinadas ocasiões, ele isolou pacientes de suas famílias. O médico romano Galeno (por volta de 129-198 d.C.) adotou posteriormente as ideias de Hipócrates e de seus discípulos e as desenvolveu ainda mais, criando uma escola poderosa influente do pensamento dentro do contexto da tradição biológica que se estendeu até o século XIX. Um dos legados mais interessantes e influentes da abordagem hipocrático-galênica é a teoria humoral dos transtornos. Hipócrates afirmava que o funcionamento normal do cérebro estava relacionado aos quatro fluidos corporais, ou humores: o sangue, a bílis negra, a bílis amarela e a linfa (ou fleuma). O sangue vinha do coração; a bílis negra, do baço; a linfa, do cérebro; e a bílis amarela ou cólera, do fígado. Os médicos acreditavam que a doença resultava de um dos humores em excesso ou em escassez; por exemplo, pensava-se que muita bílis negra causava a melancolia (depressão). De fato, o termo melancólico, que significa “bílis negra”, ainda é usado em sua forma derivativa melancolia para se referir a aspectos da depressão. A teoria humoral foi, talvez, o primeiro exemplo de associação de transtornos psicológicos com desequilíbrio químico, uma abordagem muito difundida hoje. Os quatro humores foram relacionados ao conceito grego das quatro qualidades básicas: calor, secura, umidade e frio. Cada humor foi associado a uma dessas qualidades. Os termos derivados dos quatro humores ainda são aplicados a traços

A tradição biológica Buscam-se as causas físicas dos transtornos mentais desde os primórdios da história. Foram importantes para a tradição psicológica: um homem, Hipócrates; uma doença, a sífilis; e as primeiras consequências da crença de que os transtornos psicológicos tinham causa biológica.

O médico grego Hipócrates (460-377 a.C.) é considerado o pai da medicina moderna ocidental. Ele e seus discípulos deixaram um conjunto de obras chamado Corpo Hipocrático, escrito entre 450 e 350 a.C. (Maher e Maher, 1985a), no qual eles sugeriam que os transtornos psicológicos poderiam ser tratados como qualquer outra doença. Eles não limitaram suas pesquisas para as causas da psicopatologia à área geral de “doença”, porque acreditavam que os transtornos psicológicos pudessem também ser causados por patologias cerebrais ou por traumas na cabeça e que poderiam ser influenciados pela hereditariedade (genética). Essas são deduções notavelmente astutas para aquela época e têm sido apoiadas até anos recentes. Hipócrates considerava o cérebro a sede da sabedoria, da 12

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Hipócrates e Galeno

A sangria, remoção de sangue de pacientes, intencionava restaurar o equilíbrio de humores no corpo.

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de personalidade. Por exemplo, o sanguíneo (com significado literal “vermelho, como sangue”) descreve alguém que é muito corado em sua compleição, presumivelmente em função do sangue abundante que flui pelo corpo, e alegre e otimista, embora se pensasse que a insônia e o delírio eram causados por fluxo excessivo de sangue no cérebro. Melancólico significa depressivo (pensou-se que a depressão fosse causada pela bílis negra inundando o cérebro). Uma personalidade fleumática (originada do humor fleuma, linfa) indica apatia e morosidade, mas também pode significar calma em situações de estresse. Uma pessoa colérica (da bílis amarela ou cólera) é de temperamento quente (Maher e Maher, 1985a). O excesso de um ou mais dos humores era tratado regulando-se o ambiente para aumentar ou diminuir o calor, a secura, a umidade ou o frio, dependendo de qual humor estivesse em desequilíbrio. Um motivo para que o médico tivesse transferido o Rei Carlos VI para uma localidade campestre menos estressante foi o de restaurar o equilíbrio de seus humores (Kemp, 1990). Além de descansar, ter boa alimentação e exercícios, dois tratamentos foram desenvolvidos. Um deles era a sangria, ou flebotomia, em que uma quantidade cuidadosamente mensurada de sangue era removida do corpo, na maior parte das vezes com sanguessugas. O outro era a indução do vômito; de fato, em um tratado muito conhecido sobre depressão, publicado em 1621, Anatomia da melancolia, Robert Burton recomendava comer tabaco e um repolho semicozido para induzir o vômito (Burton, 1621/1977). Há três séculos, Judy poderia ter sido diagnosticada com uma doença, um transtorno cerebral ou algum outro problema físico, provavelmente relacionado a algum humor excessivo, e, como tratamentos médicos adequados da época, seriam indicados repouso, dieta saudável, exercícios e demais prescrições. Na China antiga e em toda a Ásia, existia uma ideia similar. Mas, em vez de “humores”, os métodos chineses se concentravam no movimento do ar ou do “vento” em todo o corpo. Transtornos mentais inexplicáveis eram causados pelos bloqueios do vento ou presença de frio, vento negro (yin) em oposição ao quente, vento que sustenta a vida (yang). O tratamento consistia em restaurar o fluxo adequado de vento por meio de vários métodos, inclusive a acupuntura. Hipócrates também cunhou a palavra histeria para descrever um conceito que aprendeu com os egípcios, que tinham identificado o que hoje chamamos transtornos de sintomas somáticos. Nesses transtornos, os sintomas físicos parecem ser resultado de uma patologia médica para a qual nenhuma causa física pode ser encontrada, como paralisia e alguns tipos de cegueira. Pelo fato de que esses transtornos ocorriam primariamente em mulheres, os egípcios (e Hipócrates) erroneamente presumiram que eles se restringiam a mulheres. Eles também presumiram uma causa: o útero vazio perambulava por várias partes do corpo em busca de concepção (a palavra grega para “útero” é hysteron). Numerosos sintomas físicos refletiam a localização do útero ambulante. A cura prescrita poderia ser casamento ou, ocasionalmente, fumigação da vagina para atrair o útero de volta ao seu lugar original (Alexander e Selesnick, 1966). O conhecimento da fisiologia eventualmente desaprovava a teoria do útero ambulante; entretanto, a tendência de estigmatizar as mulheres dramáticas como “histéricas” con-

tinuou imbatível até os anos 1970, quando os profissionais da saúde mental tornaram-se sensíveis ao estereótipo prejudicial do termo empregado. Como você verá no Capítulo 6, os transtornos de sintomas somáticos (e traços associados) não são limitados a um sexo ou outro.

O século XIX A tradição biológica aumentou e diminuiu durante os séculos após Hipócrates e Galeno, mas foi revigorada no século XIX devido a dois fatores: a descoberta da natureza e causa da sífilis e o apoio forte advindo do psiquiatra norte-americano bem conceituado John P. Grey.

Sífilis Os sintomas comportamentais e cognitivos daquilo que hoje conhecemos como sífilis avançada, doença sexualmente transmissível causada por um microrganismo bacteriano que entra no cérebro, incluem a crença de que alguém está tramando contra você (delírio de perseguição) ou que você é Deus (delírio de grandeza), bem como outros comportamentos bizarros. Embora esses sintomas sejam muitos semelhantes aos da psicose – transtorno psicológico caracterizado em parte por crenças que não estão baseadas na realidade (delírios), percepções que não se baseiam na realidade (alucinações), ou ambos –, os pesquisadores reconheceram que um subgrupo de pacientes aparentemente psicóticos se deterioravam permanentemente, tornando-se paralisados e morriam dentro de cinco anos a contar dos primeiros sintomas. Esse curso dos eventos contrastava com o da maioria dos pacientes psicóticos, que permaneciam bastante estáveis. Em 1825, a condição foi designada como doença, paresia geral, porque ela mostrava sintomas (apresentação) e um curso consistentes que resultavam em morte. A relação entre a paresia geral e a sífilis foi estabelecida gradualmente. A teoria de germe de doença de Louis Pasteur, desenvolvida por volta de 1870, facilitou a identificação do microrganismo bacteriano específico que causava a sífilis. De igual importância foi a descoberta de uma cura para a paresia geral. Os médicos observaram uma recuperação surpreendente em pacientes com paresia geral que tinham contraído malária e deliberadamente injetaram em outros o sangue de um soldado que estava com malária. Muitos se recuperaram porque a febre alta “queimou” a bactéria da sífilis. Obviamente, esse tipo de experimento não seria eticamente possível nos dias de hoje. Posteriormente, os investigadores clínicos descobriram que a penicilina curava a sífilis, mas com a malarioterapia, “a loucura”, e seus sintomas comportamentais e cognitivos associados, pela primeira vez foi relacionada a uma infecção tratável. Muitos profissionais da saúde mental supuseram, então, que causas e curas comparáveis poderiam ser descobertas para todos os transtornos psicológicos. John P. Grey O campeão da tradição biológica nos Estados Unidos foi o psiquiatra norte-americano mais influente da época, John P. Grey (Bockoven, 1963). Em 1854, Grey foi nomeado superintendente do Utica State Hospital, em Nova York, o maior do país. Ele Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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No século XIX, os transtornos psicológicos foram atribuídos a estresse mental e emocional, então os pacientes eram frequentemente tratados de maneira solidária em ambientes calmos e higiênicos.

também se tornou editor do American Journal of Insanity, precursor do atual American Journal of Psychiatry, publicação carro-chefe da American Psychiatric Association. Na concepção de Grey, as causas de insanidade eram sempre físicas. Portanto, o paciente mentalmente doente deveria ser tratado como fisicamente doente. A ênfase estava novamente no descanso, na dieta, em sala com temperatura ambiente e ventilação adequados, abordagens usadas há séculos pelos terapeutas anteriores da tradição biológica. Grey até inventou um aparelho rotatório para ventilar o complexo hospitalar. Sob a liderança de Grey, as condições nos hospitais foram bastante aprimoradas, e se tornaram instituições mais humanizadas e dignas de serem habitadas. Entretanto, nos anos posteriores essas instituições se tornaram tão grandes e impessoais que não era mais possível dar atenção individual. De fato, os psiquiatras, no final do século XIX, ficaram alarmados com o tamanho e a impessoalidade crescentes dos hospitais psiquiátricos, e recomendou-se que fossem reduzidos. Quase cem anos antes, o movimento da comunidade de saúde mental foi bem-sucedido em reduzir a população dos hospitais psiquiátricos com a política muito controversa de “desinstitucionalização”, em que os pacientes eram reintegrados em suas comunidades. Infelizmente, essa prática tem consequências tanto negativas quanto positivas, incluindo o grande aumento do número dos pacientes cronicamente incapacitados sem lar nas ruas de nossas cidades.

O desenvolvimento dos tratamentos biológicos Pelo lado positivo, o interesse renovado na origem biológica dos transtornos psicológicos levou, recentemente, a um aumento grandioso da compreensão sobre as contribuições biológicas para a psicopatologia e para o desenvolvimento de novos tratamentos. Na década de 1930, as intervenções físicas da eletroconvulsoterapia e da cirurgia cerebral eram frequentes. Seus efeitos e os das novas drogas foram descobertos por acidente. Por exemplo, a insulina era ministrada para estimular o apetite em pacientes psicóticos que não estivessem comendo, 14

mas também parecia acalmá-los. Em 1927, um médico vienense, Manfred Sakel, começou a ministrar dosagens cada vez mais altas até que os pacientes convulsionavam e ficavam temporariamente comatosos (Sakel, 1958). Alguns recuperavam a saúde mental, para a surpresa de todos, e sua recuperação era atribuída às convulsões. O procedimento tornou-se conhecido como terapia por choque insulínico, mas foi abandonado por ser muito perigoso, pois era comum resultar em coma prolongado ou até morte. Outros métodos utilizados para produzir convulsões deveriam ser encontrados. Benjamin Franklin fez numerosas descobertas durante sua vida com as quais estamos familiarizados, mas a maioria das pessoas não sabe que ele acidentalmente descobriu, e depois confirmou experimentalmente em meados de 1750, que um eletrochoque leve e moderado na cabeça produzia uma breve convulsão e perda de memória (amnésia), mas que de outro modo era pouco prejudicial. Um médico holandês que era amigo e colaborador de Franklin tentou tal procedimento nele mesmo e descobriu que o choque também o fazia sentir-se “estranhamente eufórico” e ficou pensando se não poderia ser utilizado no tratamento da depressão (Finger e Zaromb, 2006, p. 245). Nos anos 1920, o psiquiatra húngaro Joseph von Meduna observou independentemente que a esquizofrenia raramente era encontrada em epiléticos (o que posteriormente não se mostrou verdadeiro). Alguns de seus seguidores concluíram que convulsões cerebrais induzidas poderiam curar a esquizofrenia. Seguindo as sugestões sobre os possíveis benefícios de se aplicar o choque elétrico diretamente no cérebro – em especial, por dois médicos italianos, Ugo Cerletti e Lucio Bini, em 1938 –, um cirurgião em Londres tratou um paciente deprimido aplicando seis choques pequenos diretamente em seu cérebro, produzindo convulsões (Hunt, 1980). O paciente se recuperou. Embora bastante modificado, o tratamento de choque ainda existe. Os usos modernos e controversos da eletroconvulsoterapia estão descritos no Capítulo 7. É interessante que mesmo hoje ainda temos pouco conhecimento de como funciona. Durante os anos da década de 1950, as primeiras drogas efetivas para transtornos psicóticos graves foram desenvolvidas de maneira sistemática. Antes dessa época, um número de substâncias medicinais, incluindo ópio (derivado da papoula), havia sido usado como sedativo, juntamente a incontáveis ervas e remédios populares (Alexander e Selesnick, 1966). Com a descoberta da Rauwolfia serpentine (mais tarde, renomeada, reserpina) e de outra classe de drogas chamadas neurolépticas (tranquilizantes maiores), pela primeira vez os processos alucinatórios e delirantes puderam ser reduzidos em alguns pacientes; essas drogas também controlaram a agitação e a agressividade. Outras descobertas incluíram as benzodiazepinas (tranquilizantes menores), que pareciam reduzir a ansiedade. Nos anos 1970, as benzodiazepinas (conhecidas por nomes comerciais como Valium e Rivotril) estavam entre as drogas mais prescritas no mundo. Como as desvantagens e os efeitos colaterais dos tranquilizantes tornaram-se aparentes, além da sua efetividade limitada, as prescrições diminuíram um pouco (discutiremos as benzodiazepinas em mais detalhes nos capítulos 5 e 11).

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Ao longo dos séculos, como Alexander e Selesnick demonstraram, “O modelo geral da terapia de drogas para doenças mentais foi de um entusiasmo inicial seguido por decepção” (1966, p. 287). Por exemplo, as bromidas, uma classe de drogas sedativas, foram usadas no final do século XIX e início do século XX para tratar a ansiedade e outros transtornos psicológicos. Na década de 1920, foram reportadas como efetivas para muitos sintomas psicológicos e emocionais graves. Em 1928, uma de cada cinco prescrições nos Estados Unidos era para bromidas. Quando seus efeitos colaterais, incluindo diversos sintomas físicos indesejáveis, tornaram-se conhecidos e a experiência começou a mostrar que sua efetividade geral era relativamente modesta, as bromidas saíram de cena. Os neurolépticos também têm sido menos usados em razão de seus diversos efeitos colaterais, como tremores crônicos e inquietação motora. Entretanto, os efeitos positivos dessas drogas em alguns pacientes com sintomas psicóticos de alucinações, delírios e agitação revitalizaram tanto a pesquisa das contribuições biológicas para os transtornos psicológicos quanto a pesquisa para novas e mais potentes drogas, uma pesquisa que tem pago muitos dividendos, como documentado em capítulos posteriores.

Consequências da tradição biológica No final do século XIX, Grey e seus colegas, ironicamente, reduziram ou eliminaram o interesse no tratamento de pacientes psiquiátricos porque pensavam que os transtornos mentais eram consequências de algumas das até então desconhecidas patologias cerebrais e seriam, portanto, incuráveis. O único curso disponível de ação era internar esses pacientes. Por volta da virada do século, algumas enfermeiras documentaram o sucesso clínico no tratamento de pacientes psiquiátricos, mas foram impedidas de tratar outros, pois receavam dar esperanças de cura para os familiares. No lugar do tratamento, o interesse se concentrou no diagnóstico, nas questões legais em relação à responsabilidade dos pacientes quanto às suas ações durante os períodos de insanidade e no estudo da própria patologia cerebral. Emil Kraepelin (1856-1926) foi a figura dominante durante esse período e um dos fundadores da psiquiatria moderna. Ele era extremamente influente na defesa das principais ideias sobre a tradição biológica, mas pouco envolvido com tratamento. Sua última contribuição foi na área de diagnóstico e classificação, que discutiremos em detalhes no Capítulo 3. Kraepelin (1913) foi um dos primeiros a distinguir os diversos transtornos psicológicos, constatando que cada um poderia ter o início dos sintomas em determinada idade e ter tempo de curso diferente, que de alguma forma havia grupos diferentes de sintomas e que provavelmente eram provocados por causas diferentes. Muitas dessas descrições de transtornos esquizofrênicos ainda são úteis hoje. No final de 1800, a abordagem científica para transtornos psicológicos e sua classificação havia começado com a busca por causas biológicas. Além disso, o tratamento era baseado em princípios humanizados. Havia muitos inconvenientes, entretanto, e o mais lamentável de todos foi que a intervenção ativa e o tratamento foram eliminados em alguns contextos, apesar da disponibilidade de algumas abordagens efetivas. É para eles que agora voltaremos nossa atenção.

Verificação de conceitos 1.2 Por milhares de anos, os seres humanos tentaram compreender e controlar o comportamento atípico. Verifique se compreendeu as teorias históricas e associe-as com os tratamentos usados para “curar” o comportamento atípico: (a) flebotomia; vômito induzido; (b) paciente colocado em ambientes socialmente facilitadores; e (c) exorcismo; ser queimado na estaca. 1. Causas sobrenaturais; demônios entravam nos corpos das vítimas e controlavam seus comportamentos. 2. A teoria humoral refletiu a crença de que o funcionamento normal do cérebro requeria um equilíbrio dos quatro fluidos ou humores corporais. 3. O comportamento mal adaptativo era causado por influências culturais e sociais precárias do ambiente.

A tradição psicológica É um grande salto dos maus espíritos até a patologia do cérebro como causa para os transtornos psicológicos. Nos séculos intermediários, qual era a linha de pensamento que impulsionou o desenvolvimento psicológico, tanto normal quanto atípico, em um contexto interpessoal e social? De fato, essa abordagem tem uma tradição longa e distinta. Platão, por exemplo, pensava que as duas causas do comportamento mal adaptativo eram as influências sociais e culturais na vida de alguém e a aprendizagem que ocorria naquele ambiente. Se algo estivesse errado no ambiente, como o fato de os pais serem abusivos, os impulsos e as emoções da pessoa dominariam a razão. O melhor tratamento era reeducar o indivíduo por meio da discussão racional de maneira que o poder da razão predominasse (Maher e Maher, 1985a). Isso foi, em grande parte, um precursor das abordagens do tratamento psicossocial moderno, que focalizam não apenas fatores psicológicos, mas também sociais e culturais. Outros filósofos anteriores muito famosos, incluindo Aristóteles, também enfatizaram a influência do ambiente social e da aprendizagem precoce em psicopatologias posteriores. Esses filósofos escreveram sobre a importância das fantasias, dos sonhos e das cognições e, assim, anteciparam, em certa extensão, desenvolvimentos posteriores da ciência cognitiva e do pensamento psicanalítico. Eles também defenderam o cuidado humanizado e responsável das pessoas com transtornos psicológicos.

Terapia moral Durante a primeira metade do século XIX, uma forte abordagem psicossocial dos transtornos mentais, chamada terapia moral, tornou-se influente. O termo moral, na realidade, significava “emocional” ou “psicológico”, em vez de ser um código de conduta. Seus princípios básicos incluíam tratar pacientes institucionalizados da forma mais normal possível em um Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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ambiente que encorajasse e reforçasse interações sociais normais (Bockoven, 1963), de forma que lhes garantisse muitas oportunidades de adequar seu contato social e interpessoal. Os relacionamentos eram cuidadosamente estimulados. A atenção individual claramente trazia consequências positivas para interações e comportamentos adequados, e restrição e isolamento eram eliminados. Como com a tradição biológica, os princípios da terapia moral remontam a Platão e vão além dele. Por exemplo, os templos gregos de Asclepíades do século 6 a.C. alojavam os doentes crônicos, inclusive aqueles com transtornos psicológicos. Ali, os pacientes eram bem cuidados, massageados e ouviam música suave. Práticas similares e esclarecedoras foram evidenciadas em países mulçumanos no Oriente Médio (Millon, 2004). Mas a terapia moral como um sistema originou-se com Philippe Pinel (1745-1826), um famoso psiquiatra francês, e seu colaborador próximo Jean-Baptiste Pussin (1746-1811), superintendente do hospital parisiense La Bicêtre (Gerard, 1997; Zilboorg e Henry, 1941). Quando Pinel chegou em 1791, Pussin já havia instituído reformas marcantes removendo todas as correntes utilizadas para restringir pacientes e instituindo intervenções psicológicas positivas e humanizadas. Pussin persuadiu Pinel a cola-

borar com as mudanças. Grande parte do crédito de Pinel foi obtida primeiro em La Bicêtre e depois no hospital para mulheres Salpétrière, onde convidou Pussin para juntar-se a ele (Gerard, 1997; Maher e Maher, 1985b; Weiner, 1979). Ali, novamente, eles instituíram uma atmosfera humana e socialmente facilitadora que produzia resultados “miraculosos”. Após William Tuke (1732-1822) ter seguido o exemplo de Pinel na Inglaterra, Benjamin Rush (1745-1813), geralmente considerado o fundador da psiquiatria norte-americana, introduziu a terapia moral em seus trabalhos iniciais no Hospital da Pensilvânia. Esta se tornou o tratamento de escolha nos principais hospitais. Os manicômios surgiram no século XVI, mas pareciam mais prisões que hospitais. Foi com o aumento da terapia moral na Europa e nos Estados Unidos que os manicômios se tornaram habitáveis e até mesmo terapêuticos. Em 1833, Horace Mann, catedrático da junta de curadores do Worcester State Hospital, reportou 32 pacientes que tinham sido dados como incuráveis. Esses pacientes foram tratados com terapia moral, curados e reintegrados às suas famílias. De cem pacientes agressivos antes do tratamento, não mais do que 12 continuavam a ser violentos após um ano de tratamento. Antes do tratamento, 40 pacientes frequentemente rasgavam as roupas novas oferecidas pelos atendentes; apenas oito man-

Manicômios-fazendas3 nos Estados Unidos rural

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m 1822, no encontro anual que ocorria na cidade de Nantucket, uma pequena ilha a 30 milhas da costa de Massachusetts, votou-se a favor da construção de manicômios-fazendas permanentes na cidade (Gavin, 2003). Após a guerra de 1812, Nantucket prosperou. O comércio se desenvolveu e foi o início da era da caça às baleias. Nesse mesmo contexto, os cidadãos queriam tomar conta dos menos afortunados. Inspirados pelas crenças modernas da época concernentes ao tratamento da insanidade, decidiu-se que os manicômios ficariam situados em um lugar longínquo da cidade, onde os pacientes poderiam trabalhar de maneira produtiva em um cenário rural calmo e agradável, com ar fresco, atendimento individualizado e condições de exercer atividades produtivas. Como era característico daqueles dias, os manicômios também cuidavam de pobres e idosos. Visto que o abuso de álcool era considerado a principal causa da pobreza, deslocar os manicômios o mais longe possível das tavernas parecia lógico e também um motivo para estabelecer a sua localização no campo. Mas o mais importante era que tanto o abuso de álcool quanto a insanidade eram

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considerados curáveis depois que a terapia moral e seus resultados positivos advindos do manicômio de McLean, próximo à Boston, chegaram à ilha. Assim, instituiu-se um planejamento de atividades que envolvia os pacientes em trabalho agrícola, na produção de vegetais, ovos e laticínios ou em trabalho nos campos de trigo e centeio ou em atividades pecuárias. Os idosos ou aqueles que não conseguiam trabalhar externamente trabalhavam de forma produtiva dentro dos quartos do manicômio, como com tecelagem. Em consonância com o tratamento da terapia moral, pensou-se que a maioria dos internos poderia recuperar-se em meio a essa atmosfera saudável e reparadora. E as fazendas, que tinham poucos recursos, passaram a ser bem geridas e se tornaram rentáveis para a cidade! Após a construção do manicômio, os oficiais da cidade nomearam um Conselho de supervisores, líderes responsáveis em Nantucket, que logo se preocupou com o número de pessoas que visitavam o manicômio e ficavam presumivelmente atônitos com os insanos. Numa tentativa a mais de proteger os pacientes, a cidade aprovou uma lei que restringia as visitas apenas àqueles que as solicitavam por escrito e

tinham uma boa razão para entrar no local. Infelizmente, no inverno de 1844, houve um grave incêndio. Apesar dos esforços heroicos de muitas pessoas da cidade, dez internos foram mortos e a estrutura foi destruída. Por fim, outro manicômio foi construído, mas, dessa vez, apenas abrigava doentes e idosos que não conseguiam cuidar de si mesmos. Àquela altura, um novo manicômio do estado para insanos foi aberto longe da ilha e entendeu-se que seria de bom-tom transferir pessoas que sofriam de insanidade para essa grande (e impessoal) instituição estatal. Foram adotadas novas políticas em relação aos casos de pobreza (provavelmente para aqueles que não sofriam de nenhum vício de qualquer natureza), cujas medidas eram prover controle e assistência aos pobres, mantendo-os em suas casas e propiciando-lhes materiais e recursos mínimos, porém suficientes. Um novo “departamento de assistência ao pobre” foi criado na cidade para tal propósito. Dessa maneira, a terapia moral teve o seu momento de ascensão e decadência em uma pequena zona rural da Nova Inglaterra, que refletiu a tendência daquela época (Gavin, 2003).

O termo original é “poor farm”, usado para fazendas mantidas com dinheiro público para pessoas necessitadas. Trata-se de algo específico dos Estados Unidos, não havendo instituição equivalente no Brasil.

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tiveram esse comportamento após certo tempo de tratamento. Na época, essas eram estatísticas notáveis, e seriam notáveis até em nossos dias (Bockoven, 1963).

Infelizmente, após a metade do século XIX, o tratamento humanizado declinou em função de uma convergência de fatores. Em primeiro lugar, era amplamente reconhecido que a terapia moral funcionava melhor quando o número de pacientes em uma instituição era de 200 ou menos, permitindo maior atenção individual ao paciente. Depois da Guerra Civil, enormes ondas de imigrantes chegaram aos Estados Unidos trazendo sua própria população de doentes mentais. O número de pacientes nos hospitais da época teve um aumento para 1 mil ou 2 mil e até mais. Embora os grupos de imigrantes não fossem entendidos como merecedores dos mesmos privilégios que os norte-americanos “nativos” (cujos ancestrais imigraram apenas 50 ou 100 anos antes!), a eles não eram dados os tratamentos morais, mesmo quando havia quantidade suficiente de funcionários nos hospitais. Um segundo motivo para o declínio na terapia moral teve uma fonte improvável. A grande expedicionária Dorothea Dix (1802-1887) fez uma enorme campanha pela reforma no tratamento da insanidade. Como professora, Dix tinha trabalhado em diversas instituições e, tendo conhecimento, em primeira mão, das deploráveis condições impostas aos insanos, adotou como trabalho de sua vida a responsabilidade de informar ao público norte-americano e a seus líderes esses abusos. Seu trabalho ficou conhecido como movimento de higiene mental. Além de melhorar os padrões dos cuidados, Dix trabalhou muito para assegurar que todos que precisassem de cuidados os receberiam, incluindo os desabrigados. Por meio de seus esforços, o tratamento humanizado tornou-se mais amplamente disponível nas instituições norte-americanas. À medida que sua carreira chegava ao fim, ela se tornava conhecida como uma heroína do século XIX. Infelizmente, uma consequência não prevista dos esforços heroicos de Dix foi o substancial aumento do número de pacientes psiquiátricos. Esse influxo levou a uma rápida transição da terapia moral para o cuidado sob custódia, porque as equipes de funcionários dos hospitais eram inadequadas. Dix reformou os manicômios e inspirou a construção de numerosas novas instituições nos Estados Unidos e em outros países. No entanto, mesmo seus esforços e defesas incansáveis não puderam assegurar pessoal suficiente para permitir a atenção individualizada necessária à terapia moral. Um golpe final à prática da terapia moral foi a decisão, na metade do século XIX, de que a doença mental era causada por patologia cerebral e, por conseguinte, era incurável. A tradição psicológica permaneceu adormecida por certo tempo, e só reemergiu no século XX em diversas escolas diferentes de pensamento. A primeira e grande abordagem foi a psicanálise, baseada na teoria elaborada por Sigmund Freud (1856-1939) sobre a estrutura da mente e o papel dos processos inconscientes na determinação do comportamento. A segunda foi o behaviorismo, associado a John B. Watson, Ivan Pavlov e B. F. Skinner, que focaliza como a aprendizagem e a adaptação podem afetar o desenvolvimento das psicopatologias.

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Reforma psiquiátrica e declínio da terapia moral

Dorothea Dix (1802-1887) deu início ao movimento de higiene mental e passou boa parte de sua vida em campanha pela reforma no tratamento dos doentes mentais.

Teoria psicanalítica Você já sentiu como se alguém tivesse lançado um feitiço sobre você? Você já se sentiu hipnotizado pelo olhar de uma linda mulher ou de um homem bonito do outro lado da sala de aula, ou ao ser encarado pelo músico enquanto estava sentado bem na frente em um show? Se sim, você tem algo em comum com os pacientes de Franz Anton Mesmer (1734-1815) e com milhões de pessoas daquela época que foram hipnotizadas. Mesmer sugeria a seus pacientes que os problemas que tinham eram consequências de um fluido indetectável chamado “magnetismo animal”, encontrado em todos os organismos vivos e que poderia ser bloqueado. Mesmer fazia seus pacientes se acomodarem em uma sala escura, em torno de uma grande tina que continha substâncias químicas, da qual saíam varinhas que os tocavam. Vestido com uma túnica, ele então poderia identificar e dar pancadinhas em diversas áreas de seus corpos, onde o magnetismo animal estaria bloqueado, enquanto sugeria fortemente que eles estavam sendo curados. Em virtude dessas técnicas um tanto quanto incomuns, Mesmer era considerado um excêntrico e talvez um charlatão, a quem a medicina se opunha com rigor (Winter, 1998). De fato, ninguém menos que Benjamin Franklin colocou o magnetismo animal em teste, conduzindo um experimento brilhante em que os pacientes recebiam água magnetizada ou não magnetizada e eram sugestionados de que se sentiriam melhores. Nem o paciente nem o terapeuta sabiam qual água era, o que tornava o experimento “duplo-cego” (ver Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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Capítulo 4). Quando os indivíduos de ambos os grupos se sentiram melhor, Franklin concluiu que o magnetismo animal, ou mesmerismo, não era nada mais que uma forte sugestão (Gould, 1991; McNally, 1999). Entretanto, Mesmer é considerado o pai da hipnose, um estado em que sujeitos sugestionáveis parecem estar em transe. Muitos cientistas e médicos importantes estavam interessados nos poderosos métodos de sugestão de Mesmer. Um dos mais conhecidos, Jean-Martin Charcot (1825-1893), foi o diretor do Hospital Salpétrière, em Paris, onde Philippe Pinel havia introduzido tratamentos psicológicos diversas gerações antes. Neurologista importante, Charcot demonstrou que algumas técnicas do mesmerismo eram eficientes com certo número de transtornos psicológicos, e ele fez muito para legitimar a prática nascente da hipnose. De forma significativa, em 1885 um jovem chamado Sigmund Freud veio de Viena para estudar com Charcot. Após voltar da França, Freud associou-se a Josef Breuer (1842-1925), que havia experimentado um procedimento hipnótico um tanto diferente. Enquanto seus pacientes esta-

Jean Charcot (1825-1893) estudou a hipnose e influenciou Sigmund Freud a considerar abordagens psicossociais no que tangia aos transtornos psicológicos.

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Franz Anton Mesmer (1734-1815) e outros terapeutas da época usavam fortes sugestões para curar seus pacientes, que eram frequentemente hipnotizados.

vam em estados altamente sugestionáveis de hipnose, Breuer pedia-lhes para descrever seus problemas, conflitos e medos com o maior número de detalhes possível. Breuer observou dois fenômenos importantes durante esse processo. Primeiro, os pacientes ficavam extremamente emotivos à medida que conversavam e sentiam-se bastante aliviados e melhoravam após voltarem do estado hipnótico. Segundo, raramente compreendiam a relação entre seus problemas emocionais e seus transtornos psicológicos. De fato, era difícil ou mesmo impossível para eles relembrar alguns dos detalhes que descreviam sob hipnose. Em outras palavras, o material parecia estar além da consciência do paciente. Observando isso, Breuer e Freud haviam “descoberto” a mente inconsciente e sua aparente influência na produção de transtornos psicológicos. Esse foi um dos mais importantes acontecimentos da história da psicopatologia e, na verdade, da psicologia como um todo. Uma segunda conclusão foi de que é terapêutico recordar e reviver traumas emocionais que tenham estado inconscientes e libertar a tensão que os acompanha. Essa libertação de materiais emocionais tornou-se conhecida como catarse. Uma compreensão mais ampla da relação entre emoções atuais e fatos anteriores é chamada insight. Como veremos no decorrer deste livro, particularmente nos capítulos 5 e 6, sobre ansiedade e transtornos de sintomas somáticos, a existência de memórias e sentimentos “inconscientes” e a importância de elaborar informações carregadas emocionalmente têm sido verificadas e confirmadas. As teorias de Freud e de Breuer baseavam-se nas observações de casos, algumas das quais eram feitas de maneira surpreendentemente sistemática para a época. Um exemplo é a clássica descrição de Breuer do tratamento dos sintomas “histéricos” de Anna O., em 1895 (Breuer e Freud, 1895/1957). Anna O. era uma jovem brilhante e atraente, perfeitamente saudável até chegar aos 21 anos. Um pouco antes de seus problemas começarem, seu pai desenvolveu uma séria doença crônica que o levou à morte. No decorrer da doença do pai, Anna O. cuidou dele e sentiu a necessidade de despender horas infindáveis ao lado de sua cama. Cinco meses após seu pai ter ficado doente, Anna observou que, durante o dia, sua visão ficava embaçada e que de tempos em tempos ela tinha dificuldade para movimentar o braço direito e ambas as pernas. Em pouco tempo, sintomas adicionais apareceram. Ela começou a ter alguma dificuldade para falar e seu comportamento se tornou muito imprevisível. Logo depois, ela consultou-se com Breuer. Em uma série de sessões, Breuer tratava de um sintoma por vez por meio de hipnose, seguido da técnica de “falar sobre”, associando cada sintoma a sua causa Josef Breuer (1842-1925) trabalhou no famoso caso hipotética em circunstâncias de Anna O. e, com Sigmund em torno da morte do pai Freud, desenvolveu a teoria da de Anna. Uma por vez, as psicanálise.

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A estrutura da mente A mente, de acordo com Freud, possui três principais partes ou funções: o id, o ego e o superego (ver Figura 1.4). Esses termos, como muitos da psicanálise, foram incorporados ao nosso vocabulário comum, mas, embora possa tê-los ouvido, você pode não estar ciente de seu real significado. O id é a fonte de nossos desejos sexuais e agressivos. É, basicamente, o animal que existe dentro de nós; se estiver completamente descontrolado, pode nos tornar estupradores e assassinos. A energia ou o impulso que guia o id é a libido. Mesmo hoje, algumas pessoas explicam a falta do desejo sexual como a ausência da libido. Uma fonte menos importante de energia, não tão bem conceituada por Freud, é o instinto de morte, ou tânatos. Esses dois impulsos básicos, diante da vida e da sensação de realização, de um lado, e da morte e da destruição, de outro, estão continuamente em oposição. O id opera de acordo com o princípio do prazer, com a finalidade de maximizar o prazer e eliminar qualquer tensão ou

conflitos associados. O objetivo do prazer, que é particularmente proeminente na infância, frequentemente entra em conflito com regras sociais e regulamentos, como veremos posteriormente. O id tem sua própria forma característica de processar informação; designado processo primário, esse tipo de pensamento é emocional, irracional, ilógico, repleto de fantasias e preocupado com sexo, agressão, egoísmo e inSigmund Freud (1856-1939) veja. é considerado o fundador da Felizmente para todos psicanálise. nós, na visão de Freud, os impulsos egoístas e às vezes perigosos do id não estão descontrolados. Na verdade, com apenas alguns meses de vida, nós nos conscientizamos de que devemos adaptar nossas exigências básicas ao mundo real. Em outras palavras, nós devemos encontrar maneiras de atender às nossas necessidades básicas sem ofender aqueles que estão ao nosso redor. Colocado de outra maneira, devemos agir de forma realista. A porção da nossa mente que garante que ajamos de maneira realista chama-se ego e opera de acordo com o princípio da realidade em vez de com o princípio do prazer. As operações cognitivas ou estilos de pensamento do ego são caracterizados pela lógica e pela razão e são chamados de processo secundário, em oposição ao processo primário ilógico e irracional do id. A terceira estrutura importante da mente, o superego, ou o que poderíamos denominar consciência moral, representa os princípios morais instilados em nós por nossos pais e por nossa cultura. É a voz dentro de nós que nos importuna quando sabemos que estamos fazendo algo errado. A finalidade do superego é contrabalançar os potencialmente perigosos impulsos agressivos e sexuais do id e, assim, a base para conflitos é facilmente identificada. O papel do ego é mediar o conflito entre o id e o superego, conciliando suas demandas com as realidades do mundo. O ego frequentemente é chamado executivo ou gerente de nossas mentes. Se ele medeia de maneira bem-sucedida, podemos alcançar realizações de vida mais criativas e intelectuais. Caso contrário, se o id ou o superego se tornarem fortes demais, o conflito dominará, e transtornos psicológicos se desenvolverão. Em razão de esses conflitos estarem todos dentro da mente, são chamados conflitos intrapsíquicos. Agora, pensemos novamente no caso de Anna O., no qual Breuer observou que os pacientes nem sempre podiam se lembrar de eventos emocionais importantes, porém desagradáveis. Com base nessa e em outras observações, Freud criou o conceito das estruturas mentais descritas nesta seção para explicar os processos inconscientes. Ele acreditava que o id e o superego eram quase completamente inconscientes. Somos conscientes apenas dos processos secundários do ego, que é uma parte relativamente pequena da mente. Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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suas indisposições “histéricas” desapareceram, mas apenas após o tratamento ser administrado para cada respectivo comportamento. Esse processo de tratamento de um comportamento por vez preenche o requisito básico para esboços de conclusões científicas sobre os efeitos do tratamento em um estudo de caso individual, como você verá no Capítulo 4. Voltaremos a este fascinante caso de Anna O. no Capítulo 6. Freud reuniu suas observações básicas e as enquadrou no modelo psicanalítico, a teoria mais abrangente já construída Bertha Pappenheim no desenvolvimento e estru(1859-1936), que ficou tura de nossas personalidades. famosa como “Anna O.”, Ele também fez especulações foi caracterizada como “histérica” por Breuer. sobre onde esse desenvolvimento poderia estar errado e produzir transtornos psicológicos. Embora muitas das concepções de Freud tenham mudado ao longo do tempo, os princípios básicos do funcionamento mental que ele originalmente propôs mantiveram-se constantes em seus escritos e ainda são aplicados pelos psicanalistas da atualidade. Embora muito disso ainda não tenha sido comprovado, a teoria psicanalítica tem tido uma forte influência, e é ainda importante estar familiarizado com suas ideias básicas; o que segue é um breve esboço da teoria. Nós nos concentraremos nas três principais facetas: (1) a estrutura da mente e as distintas funções da personalidade, que às vezes se chocam umas com as outras; (2) os mecanismos de defesa com os quais a mente se defende desses choques ou conflitos; e (3) os estágios do desenvolvimento psicossexual precoce que oferecem os subsídios para nossos conflitos internos.

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Tipo de pensamento Consciência

Ego Mediador

Lógico; racional

Id

Mecanismos de defesa O ego enfrenta uma batalha contínua para permanecer no topo dos antagônicos id e superego. Ocasionalmente, seus conflitos produzem ansiedade, que ameaça subjugar o ego. A ansiedade é um sinal que alerta o ego para instalar mecanismos de defesa, processos protetores inconscientes que mantêm sob controle as emoções primitivas associadas aos conflitos, de maneira que o ego possa continuar a funcionar adequadamente. Embora Freud tenha sido o primeiro a conceituar mecanismos de defesa, foi sua filha, Anna Freud, que desenvolveu essas ideias de forma mais ampla. Todos nós utilizamos mecanismos de defesa em algum momento – eles são às vezes adaptativos e outras vezes mal adaptativos. Por exemplo, você já foi mal em um teste porque o professor foi injusto ao dar a sua nota? E então, quando chegou em casa, gritou com seu irmão mais novo e talvez com o cachorro? Esse é um exemplo do mecanismo de defesa do deslocamento. O ego decide de maneira adaptativa que expressar a raiva primitiva ao seu professor poderia não ser algo de seu interesse. Pelo fato de seu irmão ou de seu cachorro não terem autoridade para afetar você de forma adversa, sua raiva é deslocada para um deles. Algumas pessoas podem redirecionar a energia de ansiedade conflituosa ou subjacente para uma forma de vazão mais construtiva, como o trabalho, em que elas podem ser mais eficientes em função do redirecionamento. Esse processo é chamado sublimação. Conflitos internos mais graves que produzem muita ansiedade ou outras emoções podem desencadear processos defensivos autodestrutivos ou sintomas. Sintomas fóbicos ou obsessivos são reações defensivas autodestrutivas especialmente comuns que, de acordo com Freud, refletem uma tentativa inadequada de lidar com uma situação internamente perigosa. Os sintomas fóbicos tipicamente incorporam elementos do perigo. Por exemplo, uma fobia de cães pode estar relacionada ao medo infantil da castração; ou seja, um conflito interno no homem que envolve um medo de ser atacado e castrado, um medo que é conscientemente expressado como medo de ser atacado e mordido por um cachorro, mesmo se ele souber que o cachorro é inofensivo. Mecanismos de defesa têm sido submetidos a estudos científicos, e existe alguma evidência de que eles possam ser de potencial importância para o estudo da psicopatologia (Vaillant, 1992; 2012). Por exemplo, Perry e Bond (2012, 2014) 20

Princípio da realidade

Ilógico; emocional; irracional

FIGURA 1.4 A estrutura da mente criada por Freud.

Princípios morais

Princípio do prazer

perceberam que a redução dos mecanismos de defesa não adaptativos e o fortalecimento dos adaptativos, tais como humor e sublimação, correlacionavam-se com a saúde psicológica. Assim, o conceito de mecanismos de defesa – estilos de enfrentamento, na terminologia contemporânea – continua sendo importante para o estudo da psicopatologia.

Exemplos de mecanismos de defesa estão listados a seguir (APA, 2000a): Negação: recusa reconhecer algum aspecto da realidade objetiva ou da experiência subjetiva que é visível para outras pessoas; Deslocamento: transfere um sentimento sobre um objeto (ou uma resposta a ele) que causa desconforto para outra pessoa ou objeto, geralmente menos ameaçadores; Projeção: atribui falsamente os próprios sentimentos, impulsos e pensamentos inaceitáveis para outra pessoa ou objeto; Racionalização: encobre as verdadeiras motivações de atos, pensamentos e sentimentos por meio da elaboração de explicações confortadoras para si mesmo, mas incorretas; Formação reativa: substitui comportamentos, pensamentos ou sentimentos por outros que são diretamente opostos àqueles inaceitáveis; Repressão: bloqueia desejos, pensamentos ou experiências perturbadores da mente consciente; Sublimação: direciona sentimentos ou impulsos potencialmente mal adaptativos para se tornarem comportamentos socialmente aceitos.

Estágios do desenvolvimento psicossexual Freud também teorizou que, durante a infância e os primeiros anos de vida, passamos por certo número de estágios de desenvolvimento psicossexual, que têm um profundo e duradouro

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Conflitos Intrapsíquicos

Superego

Impulsionado por

Anna Freud (1895-1982) com seu pai. Contribuiu para o conceito de mecanismos de defesa para o campo psicanalítico.

Psicopatologia

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impacto. Isso tornou Freud um dos primeiros a considerar a perspectiva do desenvolvimento em relação ao estudo do comportamento atípico, o que observaremos com mais detalhes no decorrer deste livro. Os estágios – oral, anal, fálico, latência e genital – representam modelos distintos de gratificar nossas necessidades básicas e de satisfazer nossos impulsos de prazer físico. Por exemplo, o estágio oral, que geralmente se estende até dois anos após o nascimento, é caracterizado por um foco central na necessidade de comida. No ato de sugar, necessário para a alimentação, os lábios, a língua e a boca tornam-se o foco dos impulsos libidinais e, por conseguinte, a fonte principal de prazer. Freud levantou a hipótese de que, se não recebêssemos gratificação apropriada durante um estágio específico ou se um estágio em especial deixasse forte impressão em particular (que ele denominou fixação), a personalidade de um indivíduo refletiria aquele estágio no decorrer de toda sua vida adulta. Por exemplo, a fixação no estágio oral poderia resultar no ato excessivo de chupar o polegar e na ênfase no estímulo oral por meio do ato de comer, mastigar lápis ou roer as unhas. Características da personalidade adulta teoricamente associadas à fixação oral incluem dependência e passividade ou, em reação a essas tendências, rebeldia e cinismo. Um dos conflitos psicossexuais mais controversos e frequentemente mencionados ocorre durante o estágio fálico (dos 3 até 5 ou 6 anos), caracterizado pela autoestimulação genital precoce. Esse conflito é o assunto da tragédia grega Édipo Rei, na qual Édipo é destinado a matar seu pai e, sem saber, casar-se com sua mãe. Freud afirmava que todos os meninos pequenos revivem essa fantasia quando a autoestimulação genital é acompanhada por imagens de interações sexuais com suas mães. Essas fantasias, por sua vez, são associadas a fortes sentimentos de inveja e talvez raiva em relação a seus pais, com os quais eles se identificam, mas cujo lugar desejam tomar. Além disso, desenvolvem-se fortes medos de que o pai possa punir a lascívia removendo o pênis do filho – assim surge o fenômeno da ansiedade de castração. Esse temor ajuda o menino a controlar seus impulsos libidinosos relacionados à mãe. A batalha dos impulsos libidinosos de um lado e a ansiedade de castração de outro criam um conflito interno, ou intrapsíquico, chamado complexo de Édipo. O estágio fálico é ultrapassado somente se uma série de coisas acontecerem. Primeiro, a criança deve resolver o relacionamento ambivalente com seus genitores e reconciliar a raiva e o amor simultâneos que tem por seu pai. Se isso acontecer, ela vai canalizar seus impulsos libidinais em relacionamentos heterossexuais, ao passo que retém inocente afeição por sua mãe. O conflito homólogo nas garotas, denominado complexo de Electra, é ainda mais controverso. Freud considerava a menina como aquela que espera substituir sua mãe e possuir seu pai. O âmago dessa posse é o desejo da menina de possuir um pênis a fim de ser mais parecida com seu pai e irmãos – daí advém a expressão inveja do pênis. De acordo com Freud, o conflito é resolvido de maneira bem-sucedida quando as mulheres desenvolvem relacionamentos heterossexuais saudáveis e intencionam ter um bebê, que ele entendeu como um substituto saudável para a ideia de ter um pênis. É desnecessário dizer que essa teoria em particular provocou consternação notável no decorrer dos anos por ser vista como sexista e degradante.

É importante lembrar que isso é teoria, e não fato; nenhuma pesquisa sistemática existe para apoiá-la. Na visão de Freud, todos os transtornos psicológicos não psicóticos resultam de conflitos inconscientes subjacentes, da ansiedade resultante desses conflitos e da implementação dos mecanismos de defesa do ego. Freud chamou tais transtornos de neuroses, ou transtornos neuróticos, de um antigo termo que se referia a transtornos do sistema nervoso.

Avanços posteriores no pensamento psicanalítico As teorias psicanalíticas originais de Freud foram bastante modificadas e se desenvolveram em várias direções, sobretudo por seus discípulos ou seguidores. Alguns teóricos simplesmente tomaram um componente da teoria psicanalítica e o desenvolveram de forma mais ampla. Outros romperam com Freud e tomaram novas direções. Anna Freud (1895-1982), filha de Freud, concentrou-se na maneira como as reações defensivas do ego determinam nosso comportamento. Assim, ela foi a primeira proponente do moderno campo da psicologia do ego. Seu livro O ego e os mecanismos de defesa (1946) ainda é influente. De acordo com Anna Freud, o indivíduo acumula lentamente capacidades adaptativas, habilidades para o teste de realidade e de defesa. O comportamento atípico se desenvolve quando o ego não consegue regular tais funções, como postergar e controlar impulsos, ou ordenar defesas normais apropriadas para fortes conflitos internos. Em uma modificação posterior das teorias de Freud, Heinz Kohut (1913-1981) concentrou-se em uma teoria da formação do autoconceito e dos atributos cruciais do self que permite a um indivíduo progredir para a saúde ou, de forma controversa, desenvolver neurose. Essa abordagem psicanalítica tornou-se conhecida como psicologia do self (Kohut, 1977). Uma área relacionada bastante popular hoje é a chamada relações objetais. O estudo das relações objetais teoriza sobre como as crianças incorporam as imagens, as memórias e, às vezes, os valores de uma pessoa que foi muito importante para elas e à qual elas eram (ou são) emocionalmente apegadas. O objeto, nesse sentido, refere-se a essas pessoas importantes, e o processo de incorporação é denominado introjeção. Objetos introjetados podem se tornar parte integrada do ego ou assumir papéis conflitantes na determinação da identidade, ou self. Por exemplo, seus pais podem ter concepções conflitantes sobre relacionamentos ou carreiras, que, por sua vez, podem ser diferentes de seu ponto de vista. Na medida em que essas diferentes posições são incorporadas o potencial para conflito emerge. Certo dia você pode ter um sentimento sobre a direção de sua carreira profissional e, no dia seguinte, sentir algo completamente diferente. De acordo com a teoria das relações objetais, você tende a ver o mundo por meio dos olhos da pessoa incorporada em seu self. Os teóricos das relações objetais enfocam como essas imagens incompatíveis se juntam para compor a identidade de uma pessoa e os conflitos que podem emergir. Carl Jung (1875-1961) e Alfred Adler (1870-1937) foram estudantes de Freud que vieram a rejeitar suas ideias, formando suas próprias escolas de pensamento. Jung, recusando muitos dos aspectos sexuais da teoria de Freud, apresentou o conceito de inconsciente coletivo, um conhecimento acumulado pela sociedade e pela cultura, armazenado profundamente Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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nas memórias individuais e que é transmitido de geração para geração. Jung também sugeriu que os desejos espirituais e religiosos têm tanta parte na natureza humana quanto os sexuais; essa ênfase e a ideia de inconsciente coletivo continuam a atrair a atenção dos místicos. Jung enfatizou a importância dos traços estáveis da personalidade, como introversão (tendência a ser tímido e introspectivo) e extroversão (tendência de ser amigável e expansivo). Adler se concentrou em sentimentos de inferioridade e esforços por grandeza; criou o termo complexo de inferioridade. Diferentemente de Freud, tanto Jung quanto Adler acreditavam que a qualidade básica da natureza humana é positiva e que existe um direcionamento para a autorrealização (efetivação completa do potencial). Jung e Adler acreditavam que removendo barreiras para o crescimento interno e externo o indivíduo melhora e prospera. Outros tomaram a teorização psicanalítica em direções diferentes, enfatizando o desenvolvimento no curso do ciclo vital e a influência da cultura e da sociedade sobre a personalidade. Karen Horney (1885-1952) e Erich Fromm (1900-1980) estão associados a essas ideias, mas o teórico mais conhecido é Erik Erikson (1902-1994). Sua maior contribuição foi a teoria do desenvolvimento no decorrer do ciclo de vida, em que descreveu, em alguns detalhes, as crises e os conflitos que acompanham oito estágios específicos. Por exemplo, no último desses estágios, a velhice, que começa em torno dos 65 anos, os indivíduos reveem sua vida e tentam dar sentido a ela, experimentando tanto a satisfação de terem concluído algumas metas ao longo da vida quanto o desespero por terem falhado em outras. Os avanços científicos corroboraram a sabedoria de considerar a psicopatologia de um ponto de vista do desenvolvimento.

Psicoterapia psicanalítica Muitas técnicas da psicoterapia psicanalítica, ou psicanálise, são destinadas a revelar a natureza dos processos mentais inconscientes e dos conflitos por meio da catarse e do insight. Freud desenvolveu técnicas de associação livre, em que os pacientes são instruídos a dizer o que quer que lhes viesse à mente sem nenhuma censura. A associação livre tem a intenção de revelar material emocionalmente carregado que pudesse estar reprimido por ser muito doloroso ou ameaçador para ser trazido à consciência. Os pacientes de Freud deitavam-se em um divã, e ele se sentava atrás deles para que não se distraíssem. É por isso que o divã se tornou o símbolo da psicoterapia. Outras técnicas incluem a análise dos sonhos (ainda bastante popular hoje), na qual o terapeuta interpreta o conteúdo dos sonhos, supostamente refletindo o processo primário de pensamento do id, e relaciona sistematicamente os sonhos a aspectos simbólicos dos conflitos inconscientes. Esse procedimento é difícil, porque o paciente pode resistir aos esforços do terapeuta de revelar os conflitos reprimidos e sensíveis e negar as interpretações. A meta desse estágio da terapia é ajudar o paciente a ter insights sobre a natureza dos conflitos. O relacionamento entre o terapeuta, chamado psicanalista, e o paciente é muito importante. No contexto desse relacionamento que se desenvolve, o terapeuta pode descobrir a natureza do conflito intrapsíquico do paciente. Isso acontece porque, em um fenômeno denominado transferência, os pacientes se 22

relacionam com o terapeuta de forma semelhante à que se relacionavam com figuras importantes de sua infância, particularmente os pais. Pacientes que ressentem o terapeuta, mas não conseguem verbalizar um motivo para isso, podem estar restabelecendo ressentimentos da infância em relação a um dos pais. Com frequência, o paciente se apaixona profundamente por seu terapeuta, o que reflete fortes sentimentos positivos que existiam por um dos pais. No fenômeno da contratransferência, os terapeutas projetam alguns de seus próprios sentimentos ou questões, geralmente positivos, para o paciente. Os terapeutas são treinados para lidar com seus próprios sentimentos, bem como com os de seus pacientes, qualquer que seja o modo da terapia, e é estritamente contrário, em todos os cânones éticos das profissões da saúde mental, aceitar aberturas de pacientes que poderiam levar a relacionamentos fora da terapia. A psicanálise clássica requer terapia de quatro a cinco vezes por semana de dois a cinco anos, em média, para analisar os conflitos inconscientes, resolvê-los e reestruturar a personalidade para restabelecer o ego. A redução de sintomas (transtornos psicológicos) é relativamente inconsequente, porque são apenas expressões dos conflitos intrapsíquicos subjacentes que surgem dos estágios de desenvolvimento psicossexual. Assim, eliminar uma fobia ou um episódio depressivo seria de pouco uso, a menos que o conflito subjacente fosse analisado adequadamente, pois é quase certo que algum outro conjunto de sintomas surgiria (substituição de sintoma). Em função dos extraordinários gastos com a psicanálise clássica e da falta de evidência de que ela é eficiente em aliviar transtornos psicológicos, raramente se utiliza essa abordagem hoje em dia. Em algumas cidades grandes a psicanálise clássica ainda é praticada, mas muitos psicoterapeutas empregam livremente um conjunto de abordagens relacionadas chamado psicoterapia psicodinâmica. Embora os conflitos e seus processos inconscientes sejam ainda enfatizados, e esforços sejam feitos a fim de identificar mecanismos de defesa ativos e traumas, os terapeutas usam uma mistura eclética de táticas com um foco social e interpessoal. Sete táticas que caracterizam a psicoterapia dinâmica incluem: (1) foco no afeto e na expressão emocional dos pacientes; (2) exploração das tentativas dos pacientes de evitar tópicos ou de envolver-se em atividades que obstruem o progresso da terapia; (3) identificação de padrões em atitudes, pensamentos, sentimentos, experiências e relacionamentos dos pacientes; (4) ênfase nas experiências passadas; (5) foco nas experiências interpessoais dos pacientes; (6) ênfase na relação terapêutica; e (7) exploração dos desejos, sonhos ou fantasias dos pacientes (Blagys e Hilsenroth, 2000). Dois itens adicionais caracterizam a psicoterapia psicodinâmica. Primeiro, ela é significativamente mais breve que a psicanálise clássica. Segundo, os terapeutas psicodinâmicos tiram a ênfase da meta da reconstrução da personalidade e focam no alívio do sofrimento associado aos transtornos psicológicos.

Comentários A psicanálise pura é mais de interesse histórico que de interesse corrente,4 e a psicanálise clássica como tratamento tem perdido 4

NTT da tradução da 8ª edição norte-americana: o Brasil, as teorias psicanalíticas ainda fazem parte das Diretrizes Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia.

Psicopatologia

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popularidade com o passar dos anos. Em 1980, o termo neurose, que especificamente implicava a visão psicanalítica dos transtornos psicológicos, foi retirado do DSM, o sistema oficial de diagnóstico da American Psychiatric Association. Uma crítica fundamental à psicanálise é que ela não é científica, baseando-se nos relatos do paciente sobre acontecimentos que ocorreram há anos. Esses acontecimentos foram filtrados pela experiência do observador e então interpretados pelo psicanalista de maneira que certamente poderiam ser questionados, com a possibilidade de divergir de um analista para outro. Por fim, não tem havido nenhuma medida cuidadosa para nenhum desses fenômenos psicológicos e nenhum caminho óbvio para provar ou desacreditar as hipóteses básicas da psicanálise. Isso é importante porque a medida e a capacidade de provar ou desacreditar uma teoria são os fundamentos da abordagem científica. Além disso, conceitos e observações psicanalíticos têm sido muito valiosos, não apenas para o estudo de psicopatologias e de psicoterapia dinâmica, mas também para a história das ideias na civilização ocidental. Cuidadosos estudos científicos de psicopatologia têm apoiado a observação dos processos mentais inconscientes, a noção de que as respostas emocionais básicas são frequentemente desencadeadas por conteúdos ocultos ou simbólicos e a compreensão de que as memórias dos acontecimentos em nossas vidas podem ser reprimidas e, de outra forma, habilmente evitadas. O relacionamento do terapeuta com o paciente, chamado aliança terapêutica, é uma área importante de estudo na maioria das estratégias terapêuticas. Esses conceitos, somados à importância de diversos estilos de enfrentamento ou mecanismos de defesa, aparecerão repetidamente no decorrer deste livro. Muitas dessas ideias psicodinâmicas estão em curso de desenvolvimento por mais de um século, culminando nos escritos influentes de Freud (e.g., Lehrer, 1995), que contrastam com as explicações de bruxaria e as ideias de patologia cerebral incurável. Antes de Freud, a fonte do bem e do mal e dos desejos e proibições foi concebida como externa e espiritual, geralmente à guisa de demônios confrontando as forças do bem. A partir do ponto de vista psicanalítico, nós mesmos nos tornamos o campo de batalha dessas forças e somos inexoravelmente trazidos à luta, algumas vezes para o melhor, outras, para o pior.

Teoria humanista Já vimos que Jung e Adler romperam com Freud. A discordância fundamental era em relação à verdadeira natureza da humanidade. Freud desenhou a vida como um campo de batalha no qual estamos continuamente diante do perigo de sermos subjugados por nossas mais tenebrosas forças. Jung e Adler, por outro lado, enfatizavam o lado otimista e positivo da natureza humana. Jung falava sobre estabelecer metas, olhando em direção ao futuro e concebendo nossa plenitude. Adler acreditava que a natureza humana atinge seu mais pleno potencial quando contribuímos com o bem-estar de outras pessoas e da sociedade em geral. Ele acreditava que todos nos esforçamos para alcançar níveis superiores de desenvolvimento intelectual e moral. Todavia, tanto Jung quanto Adler conservaram muitos dos princípios do pensamento psicodinâmico. Suas filosofias gerais foram adotadas em meados do

século por teóricos da personalidade e tornaram-se conhecidas como psicologia humanista. A autorrealização era o lema desse movimento. O pressuposto subjacente é que todos nós podemos atingir nosso maior potencial em todas as áreas do funcionamento se tivermos liberdade para crescer. Inevitavelmente, uma variedade de condições pode bloquear nossa realização. Pelo fato de que toda pessoa é em sua essência boa e íntegra, a maioria dos bloqueios tem origem externa aos indivíduos. Condições de vida difíceis, vida estressante ou experiências interpessoais podem afastar uma pessoa do seu verdadeiro eu. Abraham Maslow (1908-1970) foi mais sistemático ao descrever a estrutura da personalidade. Ele postulou uma hierarquia de necessidades, começando com nossas necessidades físicas mais básicas por alimentação e sexo e estendendo para as de autorrealização, amor e autoestima. As necessidades sociais, como amizade, ficam em algum lugar entre estas. Maslow criou a hipótese de que não podemos progredir na hierarquia até que tenhamos satisfeitas as necessidades dos níveis mais baixos. Carl Rogers (1902-1987) é, do ponto de vista da terapia, o mais influente humanista. Rogers (1961) criou a terapia centrada no cliente, conhecida posteriormente como terapia centrada na pessoa. Nessa abordagem, o terapeuta assume papel passivo, fazendo o mínimo de interpretações possível. O objetivo é fornecer ao indivíduo a oportunidade de se desenvolver durante o curso da terapia, sem as restrições das ameaças ao self. Os teóricos humanistas têm grande crença na capacidade das relações humanas de promoverem esse crescimento. Consideração positiva incondicional, a completa e quase irrestrita aceitação da maioria dos sentimentos e atitudes do paciente, é crítica para uma abordagem humanista. A empatia é a compreensão da visão particular de mundo do indivíduo. O resultado esperado com a terapia centrada na pessoa é que os pacientes sejam mais francos e honestos consigo mesmos e avaliem suas tendências inatas em direção ao crescimento. Como a psicanálise, a abordagem humanista teve um efeito substancial sobre as teorias das relações interpessoais. Por exemplo, os movimentos humanos potenciais, tão populares nos anos de 1960 e 1970, foram um resultado direto da teorização humanista. Essa abordagem também enfatizou a importância da relação terapêutica de maneira bastante diferente da de Freud. Em vez de entender a relação como um meio para um fim (transferência), os terapeutas humanistas acreditavam que os relacionamentos, incluindo o terapêutico, eram a mais positiva influência para facilitar o crescimento humano. De fato, Rogers trouxe contribuições substanciais para o estudo científico das relações terapeuta-cliente. Não obstante, o modelo humanista ofereceu poucas informações para o campo da psicopatologia. Um dos motivos para isso é que seus proponentes, com algumas exceções, não tiveram muito interesse em fazer pesquisas que descobrissem ou criassem novos conhecimentos. Em vez disso, enfatizavam as experiências singulares, não quantificáveis, do indivíduo, reforçando que as pessoas eram mais diferentes do que parecidas. Como Maslow observou, o modelo humanista encontrou sua maior aplicação entre os indivíduos sem transtornos psiCapítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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cológicos. A aplicação da terapia centrada na pessoa no caso de transtornos psicológicos mais graves diminuiu substancialmente no decorrer das décadas, embora surjam periodicamente certas variações em algumas áreas da psicopatologia.

O modelo comportamental À medida que a psicanálise se espalhava pelo mundo no início do século XX, eventos na Rússia e nos Estados Unidos ofereceriam um modelo psicológico alternativo tão poderoso quanto a psicanálise. O modelo comportamental, conhecido como modelo cognitivo-comportamental ou modelo de aprendizagem social, trouxe o desenvolvimento sistemático de uma abordagem mais científica para os aspectos psicológicos da psicopatologia.

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Pavlov e o condicionamento clássico Em seu clássico estudo que examinou por que os cachorros salivam antes de lhes ser dada a comida, o fisiologista Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), de São Petersburgo, Rússia, iniciou o estudo do condicionamento clássico, um tipo de aprendizagem em que um estímulo neutro é pareado a um outro estímulo, que elicia uma resposta até que ele (estímulo neutro) passe a eliciar aquela resposta. A palavra condicionamento (ou resposta condicionada) resultou de um acidente de tradução do original em russo. Pavlov estava realmente falando sobre uma resposta que ocorria somente na “condição” da presença de um evento ou situação particular (estímulo) – nesse caso, o som dos passos do assistente de laboratório no momento de o cão receber a comida. Assim, o termo “resposta condicional” teria sido mais preciso. O condicionamento é uma maneira pela qual adquirimos novas informações que, de alguma forma, são emocionais por natureza. Esse processo não é tão simples quanto parece inicialmente, e continuamos a descobrir muitos fatos sobre sua complexidade (Bouton, 2005; Craske, Hermans e Vansteenwegen, 2006; Lissek et al., 2014; Prenoveau et al. 2013; Rescorla, 1988). Todavia, pode ser bastante automático. Vejamos um exemplo bem atual. Os psicólogos que trabalham em unidades de oncologia estudaram um fenômeno bem conhecido por muitos pacientes de câncer, enfermeiros, médicos e suas famílias. A quimioterapia, tratamento comum para algumas formas dessa doença, tem efeitos colaterais, incluindo náusea e vômitos fortes. Mas esses pacientes frequentemente sentiram náusea grave e vômitos apenas por ver o pessoal médico que administrou a quimioterapia ou qualquer equipamento associado ao tratamento, mesmo nos dias em que esse trataIvan Pavlov (1849-1936) mento não era ministrado identificou o processo de condicionamento clássico, (Morrow e Dobkin, 1988; importante para muitos Kamen et al., 2014; Roscoe transtornos emocionais. 24

et al. 2011). Para alguns pacientes, essa reação associa-se a ampla variedade de estímulos que evocam pessoas ou coisas presentes durante a quimioterapia – qualquer um que esteja com uniforme de enfermeiro ou mesmo a visualização do hospital. A força da resposta a objetos ou pessoas semelhantes é geralmente uma função de quão semelhantes esses objetos ou pessoas são. Esse fenômeno é chamado generalização de estímulo, porque a resposta generaliza estímulos semelhantes. Em qualquer caso, essa reação particular é muito estressante e desconfortável, em especial se for associada com ampla variedade de objetos e situações. Os psicólogos têm desenvolvido tratamentos específicos para superar essa resposta (Mustian et al., 2011). Independente de o estímulo ser alimentação, como no laboratório de Pavlov, ou quimioterapia, o processo de condicionamento clássico começa com um estímulo que eliciaria uma resposta em quase qualquer organismo e não requereria nenhuma aprendizagem; nenhuma condição precisa estar presente para a resposta ocorrer. Por esses motivos, o alimento ou a quimioterapia são denominados estímulo incondicionado (EI). A resposta natural ou não aprendida a esse estímulo – nesses casos, salivação ou náusea – é chamada resposta incondicionada (RI). É neste momento que o aprendizado entra. Como já vimos, qualquer pessoa ou objeto associado ao EI (alimento ou quimioterapia) adquire o poder de eliciar a mesma resposta, mas agora a resposta, em razão do fato de ter sido eliciada pelo estímulo condicionado ou condicional (EC), é chamada resposta condicionada (RC). Assim, o enfermeiro responsável pela administração da quimioterapia torna-se um estímulo condicionado. A sensação de náusea (ao ver o enfermeiro), que é quase a mesma sentida durante a quimioterapia, torna-se a RC. Com estímulos incondicionados tão poderosos como a quimioterapia, uma RC pode ser aprendida logo na primeira vez. Entretanto, a maioria da aprendizagem desse tipo requer pareamentos repetidos do EI (por exemplo, a quimioterapia) ao EC (por exemplo, o uniforme do enfermeiro ou o equipamento hospitalar). Quando Pavlov começou a investigar esse fenômeno, ele substituiu os passos de seus assistentes no laboratório por um metrônomo para que pudesse quantificar os estímulos com mais precisão e, portanto, estudar a abordagem mais precisamente. O que também observou é que a apresentação do EC (por exemplo, o metrônomo) sem a comida por um período suficientemente longo eventualmente eliminaria a RC à comida. Em outras palavras, o cachorro aprendeu que o metrônomo não mais significava que a comida poderia estar a caminho. Esse processo foi chamado extinção. Em razão de Pavlov ter sido fisiologista, era natural estudar esses processos em um laboratório e adotar uma postura científica em relação a eles. Isso requeria precisão ao medir e observar as relações e excluir explicações alternativas. Embora essa abordagem seja comum na biologia, não era de todo comum na psicologia naquela época. Por exemplo, era impossível para os psicanalistas mensurarem os conflitos inconscientes com precisão, ou mesmo observá-los. Mesmo antes, psicólogos experimentais como Edward Titchener (1867-1927) enfatizavam o estudo da introspecção. Os sujeitos simplesmente relatavam seus pensamentos e sentimentos interiores após experimentar determinados estímulos, mas os resultados dessa psicologia

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de “almanaque” foram inconsistentes e desencorajadores para muitos psicólogos experimentais.

Watson e o surgimento do behaviorismo Um psicólogo norte-americano precursor, John B. Watson (1878-1958), é considerado o fundador do behaviorismo. Bastante influenciado pelo trabalho de Pavlov, Watson decidiu que basear a psicologia na introspecção era caminhar na direção errada; que a psicologia poderia ser tão científica quanto a fisiologia; e que ela não mais precisava da introspecção ou de quaisquer métodos não quantificáveis, tanto quanto a química ou a física (Watson, 1913). Esse ponto de vista está refletido em uma famosa citação de um artigo publicado por Watson em 1913: “A psicologia, como um behaviorista a entende, é um ramo objetivo puramente experimental da ciência natural. Sua meta teórica é a previsão e o controle do comportamento. A introspecção não constitui nenhuma parte essencial de seus métodos” (p. 158). Watson passou muito tempo desenvolvendo a psicologia behaviorista como uma ciência empírica radical, mas penetrou brevemente no estudo da psicopatologia. Em 1920, ele e uma aluna, Rosalie Rayner, presentearam um menino de 11 meses chamado Albert com um inofensivo e fofinho rato branco. Albert não tinha medo do animalzinho e gostava de brincar com ele. Entretanto, cada vez que Albert tentava pegar o rato, os experimentadores faziam um barulho alto atrás dele. Após apenas cinco tentativas, Albert mostrou os primeiros sinais de medo quando o rato branco vinha para perto. Os experimentadores perceberam, então, que Albert demonstrava um leve medo de qualquer objeto branco peludo, mesmo de uma máscara de Papai Noel com uma barba branca felpuda. Você pode pensar que isso não é surpreendente, mas tenha em mente que esse foi um dos primeiros exemplos, registrados em um laboratório, da geração de medo por um objeto não previamente amedrontador. Claro, esse experimento seria considerado antiético para os padrões atuais, e foi descoberto que Albert talvez tivesse algum prejuízo neurológico que poderia ter contribuído para o desenvolvimento do medo (Fridlund et al. 2012), mas o estudo permanece como um experimento clássico. Outra aluna de Watson, Mary Cover Jones (18961987), acreditava que se o medo pudesse ser aprendido ou classicamente condicionado dessa maneira, talvez pudesse ser desaprendido ou extinto. Ela trabalhou com um menino chamado Peter, que, aos dois anos e dez meses, já tinha bastante medo de objetos peludos. Jones decidiu trazer um coelho branco para dentro de uma sala em que Peter brinMary Cover Jones (1896-1987) foi uma das primeiras psicólocava por um curto período gas a usar técnicas comportatodos os dias. Ela também mentais para restabelecer um trouxe outras crianças, que paciente com fobia.

não tinham medo de coelhos, para ficarem na mesma sala. Ela observou que o medo de Peter diminuía aos poucos. Cada vez que isso ocorria, ela trazia o coelho para mais perto. Às vezes, Peter tocava e até brincava com o animal (Jones, 1924a, 1924b), e anos mais tarde o medo não havia voltado.

Os primórdios da terapia behaviorista As implicações da pesquisa de Jones foram largamente ignoradas por duas décadas, dado o fervor associado aos conceitos mais psicanalíticos do desenvolvimento do medo. Mas, no final dos anos 1940 e início dos anos 1950, Joseph Wolpe (1915-1997), psiquiatra pioneiro da África do Sul, não satisfeito com as interpretações psicanalíticas da psicopatologia que predominavam, começou a procurar por algo mais. Ele voltou-se ao trabalho de Pavlov e se familiarizou com o campo mais amplo da psicologia comportamental. Desenvolveu uma série de procedimentos comportamentais para tratar seus pacientes, muitos dos quais sofriam de fobias. Sua técnica mais famosa foi denominada dessensibilização sistemática. A princípio, era similar ao tratamento do pequeno Peter: os indivíduos eram gradualmente apresentados a objetos ou a situações que temiam para que seu medo pudesse ser extinto; ou seja, eles poderiam testar a realidade e ver que nada de ruim acontecia na presença do objeto ou da cena fóbicos. Wolpe acrescentou outro elemento: seus pacientes tinham de fazer algo que fosse incompatível com o medo, enquanto estivessem na presença do objeto ou da situação temida. Pelo fato de não poder sempre reproduzir o objeto fóbico em seu consultório, Wolpe fazia seus pacientes imaginarem sistemática e cuidadosamente a cena fóbica e a resposta que eles escolhiam era o relaxamento, porque era conveniente. Por exemplo, Wolpe tratou de um rapaz que tinha fobia de cachorros; inicialmente, treinou-o para relaxar profundamente e então imaginar que estava olhando para um cão do outro lado do parque. Gradualmente, ele pôde imaginar o cachorro do outro lado do parque e permanecer relaxado, vivenciando pouco ou nenhum medo. Wolpe então fez que ele imaginasse que estava mais perto do cachorro. Por fim, o jovem imaginou que estava tocando o cachorro, mantendo-se relaxado, quase como em estado de transe. Wolpe reportou o grande sucesso com a dessensibilização sistemática, uma das primeiras aplicações em larga escala da nova ciência do behaviorismo para a psicopatologia. Wolpe, trabalhando com os companheiros pioneiros Hans Eysenck e Stanley Rachman, em Londres, chamou essa abordagem de terapia behaviorista. Embora os procedimentos de Wolpe sejam raramente utilizados hoje, eles prepararam o caminho para os procedimentos de redução da ansiedade e do medo dos dias de hoje, com os quais fobias graves podem ser eliminadas em apenas um dia (ver Capítulo 5).

B. F. Skinner e o condicionamento operante A influência de Sigmund Freud estendeu-se muito além da psicopatologia e alcançou muitos aspectos de nossa história cultural e intelectual. Apenas um outro cientista causou impacto semelhante: Burrhus Frederic (B. F.) Skinner (1904-1990). Em 1938, ele publicou O comportamento dos organismos, em que estabeleceu, de maneira abrangente, os princípios do condicionamento operante, um tipo de aprendizagem em que o Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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variedade infinita de maneiras, em esquemas de reforçamento. Skinner escreveu um livro sobre diferentes esquemas de reforçamento (Ferster e Skinner, 1957). Ele também acreditava que usar punição como consequência é relativamente não efetivo a longo prazo e que a maneira básica de desenvolver novos comportamentos é reforçar positivamente o comportamento desejado. Como Watson, Skinner não via a necessidade de ir além B. F. Skinner (1904-1990) do observável e do quantifiestudou o condicionamento cável para estabelecer uma operante, uma forma de aprendizado que é central para ciência satisfatória do coma psicopatologia. portamento. Ele não negava a influência da biologia ou a existência de estados subjetivos de emoção ou cognição; simplesmente explicava esses fenômenos como efeitos colaterais relativamente inconsequentes de uma história particular de reforço. O objeto de pesquisa de Skinner era geralmente animais, a maioria pombos e ratos. Usando esses novos princípios, Skinner e seus discípulos ensinaram aos animais uma variedade de truques, incluindo dançar, jogar pingue-pongue e tocar um piano de brinquedo. Para fazer isso, ele usava um procedimento chamado modelagem, processo de reforço de aproximações sucessivas de um comportamento final ou um conjunto de comportamentos. Por exemplo, se você quer que um pombo jogue pingue-pongue, primeiro ofereça uma bolinha de comida toda vez que mover a cabeça para uma bola de pingue-pongue lançada na direção dele. Gradualmente, você faz o pombo mover a cabeça cada vez mais para perto da bola de pingue-pongue, até que a toque. Por fim, receber uma bolinha de alimento é condição para o pombo rebater a bola com a cabeça. Pavlov, Watson e Skinner contribuíram de forma significativa para a terapia behaviorista (ver, por exemplo, Wolpe, 1958), na qual os princípios científicos da psicologia são aplicados a problemas clínicos. Suas ideias contribuíram substancialmente para os tratamentos psicológicos atuais e serão referenciadas no decorrer deste livro.

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comportamento muda em função do que se segue ao comportamento. Skinner observou logo no início que grande parte de nosso comportamento não era automaticamente eliciado por um EI e que deveríamos levar isso em conta. Nos anos que se seguiram, Skinner não confinou suas ideias aos laboratórios de psicologia experimental. Ele ampliou seus escritos, descrevendo, por exemplo, as aplicações potenciais de uma ciência do comportamento em nossa cultura. Alguns dos exemplos mais famosos de suas ideias estão no romance Walden two (Skinner, 1948), no qual ele descreve uma sociedade fictícia sob os princípios do condicionamento operante. Em outra obra bastante conhecida, Beyond freedom and dignity (1971) – com o título em português Para além da liberdade e da dignidade –, Skinner estabelece um manifesto mais amplo sobre os problemas que nossa cultura enfrenta e sugere soluções baseadas em sua própria visão de uma ciência do comportamento. Skinner foi muito influenciado pela convicção de Watson de que uma ciência do comportamento humano deveria ser baseada em acontecimentos observáveis e nas relações entre esses eventos. O trabalho do psicólogo Edward L. Thorndike (1874-1949) também influenciou Skinner. Thorndike é mais conhecido pela lei do efeito, que estabelece que o comportamento é fortalecido (suscetível de ser repetido mais frequentemente) ou enfraquecido (provável de ocorrer menos frequentemente) dependendo das consequências desse comportamento. Skinner usou as noções bastante simples que Thorndike testou nos animais de laboratório, usando comida como reforçador, e desenvolveu-as em uma variedade de maneiras complexas para aplicar em muito do nosso comportamento. Por exemplo, se um garoto de cinco anos começa a gritar a plenos pulmões em um restaurante, incomodando as pessoas ao redor, é improvável que esse comportamento fosse eliciado automaticamente por um EI. Da mesma forma, é menos provável que repetisse esse comportamento no futuro se seus pais o repreendessem, o levassem para fora até o carro para se sentar por um momento ou consistentemente reforçassem um comportamento mais apropriado. Da mesma forma, se os pais considerassem esse comportamento bonitinho e engraçado, é provável que o menino agiria assim novamente. Skinner cunhou o termo condicionamento operante porque o comportamento opera no ambiente e o modifica de alguma forma. Por exemplo, o comportamento do menino afeta o comportamento de seus pais e provavelmente o comportamento de outros clientes. Por conseguinte, ele muda o ambiente em que está. A maioria daquilo que fazemos socialmente oferece contexto para outras pessoas nos responderem de uma forma ou de outra, o que gera consequências em nosso comportamento. Isso também se aplica em relação a nosso ambiente físico, embora as consequências possam se dar a longo prazo (a poluição do ar eventualmente nos envenenará). Skinner preferia o termo reforço a “recompensa”, porque conota o efeito sobre o comportamento. Skinner disse uma vez que se percebeu um pouco constrangido ao conversar continuamente sobre reforço tanto quanto os marxistas costumavam ver a luta de classes por toda parte. Mas ele salientou que tudo em nosso comportamento é governado em algum nível por reforço, o que pode ser disposto em uma

Comentários O modelo comportamental contribuiu muito para a compreensão e o tratamento da psicopatologia, como ficará claro nos capítulos que se seguem. Por outro lado, esse modelo é incompleto e inadequado para explicar o que agora sabemos sobre psicopatologia. No passado, havia pouco ou nenhum espaço para a biologia no behaviorismo, porque os transtornos eram considerados, em sua maior parte, reações ambientalmente determinadas. O modelo também falha em descrever o desenvolvimento da psicopatologia por meio do ciclo de vida. Avanços recentes no conhecimento de como as informações

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são processadas, tanto consciente quanto inconscientemente, acrescentaram uma camada de complexidade. Integrar todas essas dimensões requer um novo modelo de psicopatologia.

O presente: o método científico e uma abordagem integradora Como William Shakespeare escreveu, “O que é passado é prólogo”. Acabamos de rever três tradições ou maneiras de pensamento diferentes sobre as causas da psicopatologia: a sobrenatural, a biológica e a psicológica (posteriormente subdivididas em dois componentes históricos principais: o psicanalítico e o comportamental). Explicações sobrenaturais da psicopatologia ainda estão conosco. As superstições prevalecem, incluindo crenças nos efeitos da lua e das estrelas sobre o nosso comportamento. Entretanto, essa tradição pouco influencia cientistas e outros profissionais. Os modelos biológico, psicanalítico e comportamental, por outro lado, continuam a aprofundar nosso conhecimento acerca da psicopatologia, como veremos no próximo capítulo. Cada umas dessas tradições falhou em aspectos importantes. Primeiro, os métodos científicos não eram aplicados com frequência a teorias e tratamentos de uma tradição, grande parte em virtude de os métodos que teriam produzido a evidência necessária para confirmar ou não as teorias e tratamentos não estarem sendo desenvolvidos. Na falta de tal evidência, diversos modismos e superstições foram aceitos e, recentemente, provados como inverídicos ou inúteis. É comum novos modismos substituírem teorias verdadeiramente úteis e procedimentos de tratamento. O Rei Carlos VI foi submetido a uma variedade de procedimentos, alguns comprovadamente úteis, outros provando ser meros modismos e até mesmo prejudiciais. No Capítulo 4 descreveremos como usamos os métodos científicos para confirmar ou não as descobertas em psicopatologia. Em segundo lugar, os profissionais da saúde tendem a olhar para os transtornos psicológicos de maneira muito restrita, com base somente em seus pontos de vista. Grey presumiu que os transtornos psicológicos eram resultado de doença cerebral e que outros fatores não tinham nenhum tipo de influência. Watson acreditava que todos os comportamentos, incluindo o comportamento desorganizado, eram o resultado de influências psicológicas e sociais, e que a contribuição dos fatores biológicos era inconsequente. Nos anos 1990, dois avanços como nunca visto surgiram para iluminar a natureza da psicopatologia: (1) a crescente sofisticação dos instrumentos científicos e da metodologia; e (2) a constatação de que nenhuma influência – biológica, comportamental, cognitiva, emocional ou social – ocorre de forma isolada. Literalmente, cada vez que pensamos, sentimos ou fazemos algo, o cérebro e o restante do corpo estão em intenso trabalho. Talvez não tão óbvio, entretanto, seja o fato de que nossos pensamentos, sentimentos e ações inevitavelmente influenciam a função e até mesmo a estrutura do cérebro, às vezes de modo permanente. Em outras palavras, nosso comportamento, tanto normal quanto atípico, é o produto de uma interação contínua de influências psicológicas, biológicas e sociais.

A visão de que a psicopatologia é multiplamente determinada teve seus primeiros adeptos. Talvez o mais notável tenha sido Adolf Meyer (1866-1950), considerado usualmente o decano da psiquiatria norte-americana. Ao passo que a maioria dos profissionais, durante a primeira metade do século, possuía concepções limitadas da causa da psicopatologia, Meyer firmemente enfatizou as contribuições semelhantes do determinismo biológico, psicológico e sociocultural. Embora tivesse alguns proponentes, foi cem anos antes que suas ideias se tornaram reconhecidas na área. No ano 2000, ocorreu uma verdadeira explosão de conhecimento sobre a psicopatologia. Os jovens campos da ciência cognitiva e da neurociência começaram a crescer exponencialmente, enquanto aprendíamos mais sobre o cérebro e como processamos, lembramos e usamos as informações. Ao mesmo tempo, novas descobertas surpreendentes na ciência comportamental revelaram a importância da experiência anterior na determinação do desenvolvimento posterior. Estava claro que um novo modelo era necessário e que deveria considerar influências biológicas, psicológicas e sociais sobre o comportamento. Essa abordagem da psicopatologia combinaria as descobertas de todas as áreas com nossa rápida e crescente compreensão de como experimentamos a vida em diferentes períodos, da infância à velhice. Em 2010, o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, do inglês National Institute of Mental Health) estabeleceu um plano estratégico para apoiar mais pesquisas e o desenvolvimento do inter-relacionamento desses fatores com o objetivo de traduzir as descobertas científicas para o cenário de tratamento de primeira linha (Cuthbert, 2014; Insel, 2009; Sanislow, Quinn e Sypher, 2015). Ao longo deste livro exploraremos algumas dessas influências recíprocas entre neurociência, ciência cognitiva, ciência do comportamento e ciência do desenvolvimento e demonstraremos que o único modelo atualmente válido de psicopatologia é multidimensional e integrador.

Verificação de conceitos 1.3 Associe o tratamento com a teoria psicológica de comportamento correspondente: (a) modelo comportamental, (b) terapia moral, (c) teoria psicanalítica e (d) teoria humanista. 1. Tratar da forma mais normal possível os pacientes internados, encorajar a interação social e o desenvolvimento de relacionamentos. 2. Hipnose, psicanálise como associação livre e análise dos sonhos e equilíbrio do id, ego e superego. 3. Terapia centrada na pessoa com consideração positiva incondicional. 4. Condicionamento clássico, dessensibilização sistemática e condicionamento operante.

Capítulo 1 – Comportamento atípico no contexto histórico

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Resumo Compreendendo a psicopatologia Um transtorno psicológico é (1) uma disfunção psicológica no indivíduo (2) que está associada com sofrimento ou prejuízo no funcionamento e (3) a uma resposta que não é típica ou culturalmente esperada. Todos os três critérios básicos devem ser atingidos; nenhum critério por si só identificado pode definir a essência da anormalidade. O campo da psicopatologia está relacionado ao estudo científico dos transtornos psicológicos. Profissionais especializados em saúde mental variam entre psicólogos clínicos e de aconselhamento até psiquiatras, assistentes sociais e enfermeiros psiquiátricos. Cada profissão requer um tipo específico de treinamento. Usando métodos científicos, os profissionais da saúde mental podem agir como pesquisadores clínicos. Eles não apenas acompanham as últimas descobertas como também usam os dados científicos para avaliar seu próprio trabalho e frequentemente conduzem pesquisas dentro de suas clínicas ou hospitais. A pesquisa sobre transtornos psicológicos está dividida em três categorias: descrição, causa e tratamento e resultados.

As tradições sobrenatural, biológica e psicológica Historicamente, existem três abordagens proeminentes para o comportamento atípico. Na tradição sobrenatural, esse comportamento era atribuído ao ambiente social ou a agentes externos a nossos corpos, como demônios, espíritos ou a influência da lua e dos astros; embora ainda viva, essa tradição tem sido substituída por perspectivas biológica e psicológica. Segundo a tradição biológica, os transtornos são atribuídos à doença ou aos desequilíbrios bioquímicos; na tradição psicológica, o comportamento atípico é atribuído ao desenvolvimento psicológico inadequado e ao contexto social. Cada tradição tem sua própria maneira de tratar os indivíduos que sofrem de transtornos psicológicos. Os tratamentos sobrenaturais incluem o exorcismo para livrar o corpo dos espíritos sobrenaturais. Os tratamentos biológicos geralmente enfatizam cuidado físico e pesquisa por curas médicas, especialmente drogas. As abordagens psicológicas usam os tratamentos psicossociais, começando com a terapia moral, incluindo a moderna psicoterapia. Sigmund Freud, fundador da terapia psicanalítica, ofereceu um conceito elaborado da mente inconsciente, muito do qual ainda está em conjectura. Em terapia, Freud concentrava-se em explorar os mistérios do inconsciente por meio de técnicas como a catarse, a livre associação e a análise dos sonhos. Ainda que os seguidores de Freud tenham desviado do seu caminho de diversas formas, a influência de Freud ainda pode ser sentida atualmente Um desenvolvimento da terapia freudiana é a psicologia humanista, que enfoca mais o potencial e a autorrealização humana do que os transtornos psicológicos. A terapia que evoluiu dessa abordagem é conhecida como terapia centrada na pessoa; o terapeuta oferece uma consideração positiva quase incondicional com os sentimentos e pensamentos do paciente. O modelo comportamental conduziu a psicologia para o domínio da ciência. Tanto a pesquisa quanto a terapia focalizam as coisas que são mensuráveis, incluindo técnicas como a dessensibilização sistemática, o reforçamento e a modelagem.

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O presente: o método científico e uma abordagem integradora Com o aumento da sofisticação de nossos instrumentos científicos e novos conhecimentos advindos da ciência cognitiva, da ciência comportamental e da neurociência, observamos que nenhuma contribuição aos transtornos psicológicos ocorreu isoladamente. Nosso comportamento, tanto normal quanto atípico, é produto de uma interação contínua das influências psicológica, biológica e social.

Termos-chave análise dos sonhos ansiedade de castração apresentação do problema associação livre autorrealização behaviorismo catarse comportamento atípico condicionamento clássico conflitos intrapsíquicos consideração positiva incondicional curso descrição clínica dessensibilização sistemática ego estágios de desenvolvimento psicossexual etiologia exorcismo extinção fobia id incidência inconsciente inconsciente coletivo

introspecção mecanismo de defesa modelagem modelo comportamental modelo psicanalítico movimento de higiene mental neurose (plural neuroses) pesquisador clínico prevalência prognóstico psicanálise psicanalista psicologia do ego psicologia do self psicopatologia psicoterapia psicodinâmica reforço relações objetais superego terapia centrada na pessoa terapia do behaviorista terapia moral transferência transtorno psicológico tratamento psicossocial

Respostas da verificação de conceitos 1.1 Parte A 1. d; 2. b, c Parte B 3. d; 4. c; 5. a; 6. f; 7. e; 8. b

1.2 1. c; 2. a; 3. b 1.3 1. b; 2. c; 3. d; 4. a

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1943: Publicado o Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota (MMPI).

1946: Anna Freud publica Ego e os mecanismos de defesa.

1943

1938: B. F. Skinner publica Comportamento dos organismos, que descreve os princípios do condicionamento operante.

1930

1930: Inicia-se o uso da terapia de choque insulínico, de tratamentos com eletrochoque e da cirurgia cerebral para tratar psicopatologias.

1930-1968

1968

1952: A primeira edição 1968: DSM-II é publicado. do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-I) é publicada.

1950

1848-1920

1904: Ivan Pavlov recebe o Prêmio Nobel por seu trabalho em psicologia da digestão, que o leva a identificar os reflexos condicionados em cães.

2000

2013: DSM-5 é publicado.

2010

2000: DSM-IV-TR é publicado.

1994: DSM-IV é publicado.

1990S

1990: Métodos de pesquisa cada vez mais sofisticados são desenvolvidos; nenhuma influência – biológica ou ambiental – é considerada causa de transtornos psicológicos isolados um do outro.

1920 1920: John B. Watson faz o experimento com o medo condicionado no pequeno Albert usando um rato branco.

1980-2013

1900

1913: Emil Kraepelin classifica vários transtornos psicológicos de um ponto de vista biológico e publica obras sobre diagnóstico.

1895: Josef Breuer trata a “histérica” Anna O., que conduz ao desenvolvimento da teoria psicanalítica de Freud.

1900: Sigmund Freud publica a Interpretação dos sonhos.

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1870

1870: Louis Pasteur desenvolve sua teoria do germe da doença, que auxilia a identificar a bactéria que causa sífilis.

1987: DSM-III-R é publicado.

1980

1980: DSM-III é publicado.

1854: John P. Grey, superintendente do Hospital Utica, em Nova York, acredita que a insanidade é o resultado de causas físicas, e assim reduz a ênfase nos tratamentos psicológicos.

1848

1848: Dorothea Dix faz campanhas, de maneira bem-sucedida, para tratamentos mais humanizados nas instituições de saúde mental norte-americanas.

Everett Historical/Shutterstock.com

1958: Joseph Wolpe efetivamente trata pacientes com fobia utilizando a dessensibilização sistemática baseada nos princípios da ciência comportamental.

1825-1875: Sífilis é diferenciada dos outros tipos de psicose, e causada por uma bactéria específica; por último, a penicilina traz a cura da sífilis.

1825-1875

1793: Philippe Pinel introduziu a terapia moral e tornou as instituições de doença mental francesas mais humanizadas.

1950: As primeiras drogas efetivas para transtornos psicóticos graves são desenvolvidas. Psicologia humanista ganha alguma aceitação (baseada nas ideias de Carl Jung, Alfred Adler e Carl Rogers).

1500: Paracelso sugere que a lua e as estrelas, não a possessão demoníaca, afetam o funcionamento psicológico das pessoas.

1500

National Library of Medicine

1400: Concepção clara de que a insanidade é causada por momentos em que há estresse mental e emocional, e depressão e ansiedade novamente são considerados por alguns como transtornos.

1300

200 a.C.: Galeno sugeria que os comportamentos típico e atípico estavam relacionados aos quatro fluidos corporais ou humores.

400 A.C.

The Image Works

400 a.C.: Hipócrates sugere que os transtornos psicológicos têm tanto causas biológicas quanto psicológicas.

1400-1800: Sangria e sanguessugas eram utilizados para livrar o corpo de fluidos que causavam doenças e para restaurar o equilíbrio químico.

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1300: A superstição impera desenfreadamente, segundo a qual os transtornos mentais são causados por demônios e bruxas; exorcismos são executados para livrar as vítimas de espíritos malignos.

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Linha do tempo de acontecimentos significativos 400 A.C.–1875

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