Pernambuco Jardim de Baobas

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PERNAMBUCO Jardim de Baobás | Antônio Campos e Marcus Prado | 19

UMA LITERATURA NÃO CONTAMINADA

Q

uem percorrer a tradição oral desse povo encontra muitas narrativas épicas que não estão contaminadas. São histórias que não estão distorcidas por autores ocidentais, porque elas vêm de uma longa tradição passada de família para família. Essa necessidade de haver um nexo de conhecimentos entre as gerações. Os aspectos específicos vistos em seus contextos próprios: tradição cultural, tradição religiosa, tradição familiar e outras formas de perenizar conceitos, experiências e práticas entre as gerações dos povos tribais. A tradição como forma peculiar em cada crença local. O professor e historiador J. Vansina, na sua História Geral da África, reforça o nosso testemunho ao dizer que, mesmo onde existia a escrita, como na África Ocidental a partir do século XVI, quando muito poucas pessoas sabiam escrever, a escrita ficava muitas vezes relegada a um plano secundário em relação às preocupações essenciais da sociedade. “Seria um erro reduzir a civilização da palavra falada simplesmente a uma negativa, ausência do escrever, e perpetuar o desdém inato dos letrados pelos iletrados, que encontramos em tantos ditados, como no provérbio chinês: A tinta mais fraca é preferível à mais forte palavra. Isso demonstraria uma total ignorância da natureza dessas civilizações orais. [...] A oralidade é uma atitude diante da realidade e não a ausência de uma habilidade. As tradições desconcertam o historiador contemporâneo – imerso em tão grande número de evidências escritas, vendo-se obrigado, por isso, a desenvolver técnicas de leitura rápida– pelo simples fato de bastar à compreensão a repetição dos mesmos dados em diversas mensagens. As tradições requerem um retorno contínuo à fonte. Fu Kiau, do Zaire, diz, com razão, que é ingenuidade ler um texto oral uma ou duas vezes e supor que já o compreendemos. Ele deve ser escutado, decorado, digerido internamente, como um poema, e cuidadosamente examinado para que se possa apreender seus muitos significados – ao menos no caso de se tratar de uma elocução importante. O historiador deve, portanto, aprender a trabalhar mais lentamente, e refletir, para embrenhar-se numa representação coletiva, já que o corpus da tradição é


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