Dia apos Noite

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Dia ap贸s noite



Dia após noite

Anita Diamant Tradução de Flávia Carneiro Anderson


Título original em inglês: Day After Night Copyright © 2009 Anita Diamant. Publicado mediante acordo com a Scribner, uma divisão da Simon & Schuster, Inc. Amarilys é um selo editorial Manole. Este livro contempla as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil. capa Marianne Lépine preparação, revisão, projeto gráfico e editoração eletrônica Depto. editorial da Editora Manole Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Diamant, Anita Dia após noite / Anita Diamant. -- Barueri, SP : Amarilys, 2011. Título original: Day after night. ISBN 978-85-204-3040-8 1. Ficção norte-americana I. Título. 11-06290

CDD-813

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura norte-americana 813

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox. A Editora Manole é filiada à ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. 1a edição brasileira – 2011 Direitos em língua portuguesa adquiridos pela: Editora Manole Ltda. Av. Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Tel. (11) 4196-6000 – Fax (11) 4196-6021 www.manole.com.br | www.amarilyseditora.com.br info@amarilyseditora.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil


Em mem贸ria de meu av么, Abe Mordechai Ejbuszyc, e de meu tio, Henri Roger Ejbuszyc, v铆timas do Holocausto.

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Saibam que cabe a todo ser humano cruzar uma ponte bastante estreita. O mais importante ĂŠ nĂŁo se deixar dominar pelo medo. Rabino Nachman de Bratslav, 1772-1810

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Sumário

Prólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 I – A espera. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Tedi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Zorah. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Shayndel e Leonie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 II – Setembro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Rosh Hashaná, 7 de setembro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Yom Kippur, 17 de setembro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 A clínica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 Tirzah . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Esther. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 III – Outubro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 Sábado, 6 de outubro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175 Domingo, 7 de outubro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 Segunda-feira, 8 de outubro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224 Terça-feira, 9 de outubro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251

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IV – A fuga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275 Pela cerca. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277 Beit Oren. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309 Despedida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 328 Epílogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 338 Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343

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Prólogo Agosto de 1945

O

s pesadelos fizeram suas rondas horas atrás. A agitação e os prantos cessaram. Até mesmo as insones aquietaramse. Os vinte corpos irrequietos repousam, e as faces envelhecidas pela fome, pela dor e pela incerteza relaxam, desvelando a beleza e a compaixão de sua juventude. Nenhuma das mulheres da Barraca C tem mais de 21 anos, mas todas já são órfãs. As maçãs do rosto repousam em travesseiros das forças armadas com cheiro de desinfetante. Essas almofadas, achatadas e cheias de ondulações por conta do longo serviço prestado sob cabeças mais pesadas, não se assemelham em nada à maciez das plumas de ganso desfrutada por muitas delas na infância. Ainda assim, as jovens afundam os rostos nelas com total satisfação, abraçando-as como se fossem ursinhos de pelúcia. Não havia travesseiros para elas nas outras barracas. Ninguém os dava para animais. Os britânicos construíram o Atlit em 1938, com o intuito de abrigar suas próprias tropas. Foi um entre inúmeras bases, garagens e depósitos edificados nas planícies costeiras, alguns

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quilômetros ao sul de Haifa. Entretanto, ao fim da guerra mundial, quando os judeus europeus começaram a se dirigir à terra natal de seus ancestrais, violando os acordos políticos internacionais, o mandato britânico na Palestina tornou-se ainda mais caótico. Por isso, o Atlit acabou se tornando um cárcere ou, na linguagem militar, um “centro de detenção” para refugiados sem os documentos de autorização. Os ingleses prenderam milhares de imigrantes ilegais, enviaram a maioria para o Atlit, mas os libertaram rápido, como peixes pequenos demais para fritar. Tratava-se de um complexo nem um pouco memorável de construções e barracas de madeira enfileiradas em parcos quatro mil metros quadrados, cercado de plantações de batata e erva daninha. Mas o local reservava sombrias boas-vindas aos exauridos sobreviventes da Solução Final, que mal podiam ver além de suas cercas de arame farpado – três delas, na verdade –, linhas concêntricas que rabiscavam hieróglifos dolorosos e obscuros no céu. A menos de um quilômetro a oeste do Atlit, o Mar Mediterrâneo rebentava no litoral rochoso. Quando havia ressaca, ouviam-se o sibilar e os sussurros dos penedos no refluxo das ondas. No horizonte mais ao leste, os montes aos pés de Carmel estendiam-se em direção ao céu, fazendo jus ao nome, kerem-el, “o vinhedo de Deus”. Às vezes, as candeias de uma vila eram visíveis à distância, mas não naquele horário. A noite já avançara demais para tanto. O clima era ameno nas montanhas, mas quente e abafado no Atlit. As lâmpadas nos tetos pulsavam e zuniam em meio ao ar úmido, pesado como um cobertor. Nada se movia. Até mesmo as sentinelas nas torres de vigilância ronca-

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vam, embaladas pela quietude e, tal como os prisioneiros, debilitadas pelo calor cada vez mais intenso. Não havia questões políticas àquela hora da noite caída, nem arrependimentos, atrasos ou expectativas. Tudo isso ressurgiria com o crepúsculo. A espera era pior que o calor. Todos os que se encontravam presos no Atlit aguardavam respostas para as mesmas perguntas: “Quando vou sair daqui?”, “Quando conseguirei enterrar o passado?”. Naquela noite, havia apenas 170 prisioneiros no Atlit, e menos de setenta mulheres no total. A mesma proporção desigual repetia-se nas estradas caóticas da Polônia e da Alemanha, da França e da Itália; nas estações de trem e nos campos de refugiados, nas filas em busca de água, carteiras de identidade, sapatos, informações. Via-se a mesma proporção também nos barcos que navegavam em meio a rangidos e avarias para levar os sobreviventes sorrateiramente à Palestina. Não havia nenhum mistério naquela aritmética. Segundo o raciocínio nazista, os homens valiam mais vivos que mortos – ao menos até certa altura, ao menos por algum tempo. Então, eles matavam as mulheres mais depressa. Na Barraca C, o teto irregular deixava escapar os últimos graus do calor do dia anterior, aquecendo as blusas e as saias penduradas como fantasmas nas vigas. Havia também sacos de estopa suspensos ali, volumosos com seus tesouros aleatórios resgatados: álbuns de fotografias, livros, castiçais, tigelas de madeira, brinquedos quebrados, toalhas de mesa, fragmentos preciosos. Os catres estreitos haviam sido alinhados desordenadamente junto às paredes de madeira sem revestimento. O chão en-

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contrava-se cheio de cobertores de lã finos, chutados para longe em meio ao calor. O berço, no canto, encontrava-se vazio. Em Haifa, as luzes estavam acesas nas padarias onde os pães cresciam, e os funcionários serviam café e acendiam cigarros. No kibutz do alto das montanhas de Carmel, entre os pinheiros, os leiteiros esfregavam os olhos e punham as botas. No Atlit, as mulheres dormiam. Nada as perturbava. Ninguém chegou a notar a brisa suave que passava, a bênção do capítulo derradeiro e mais agradável do dia. Seria um ato gentil prolongar essa paz e deixá-las descansar um pouco mais. Mas a claridade do lusco-fusco já penetrava na escuridão. Os pássaros não têm escolha: precisam anunciar a aurora. Olhos começavam a abrir.

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