Oskar Schindler, um homem que reescreveu sua história

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Compaixão

Portões do Inferno. Entrada do campo de concentração de Auschwitz. Dos seis milhões de vítimas do Holocausto, um milhão e meio foram mortas no complexo de Auschwitz-Birkenau. História que nunca deve ser esquecida, para que jamais seja repetida.

MUNDO

Oskar Schindler, um homem que reescreveu sua história Imaginem um homem descrito como cínico, playboy, jogador, alcoólico, desavergonhado, mulherengo do pior tipo, explorador ganancioso de escravos durante a II Guerra Mundial, comerciante no mercado negro, membro do partido nazista (onde era admirado e estimado) e fabricante de armas para as tropas de Hitler. Assim era descrito Oskar Schindler. Mas, na verdade quem era este homem, que começou a ganhar milhões de marcos alemães através de uma cruel exploração de trabalhadores escravos e acabou por despender até seu último centavo, arriscando por diversas vezes sua própria vida, para salvar 1.200 judeus? www.lardascriancas.org.br O Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista, atende crianças a partir dos quatro anos de idade que, sem distinção de cor, raça ou religião, estejam em situação de risco pessoal e social.

Oskar Schindler nasceu em 28 de Abril de 1908, em Zwittan, na Tchecoslováquia. Sua família era uma das mais ricas e respeitadas de Zwittan, mas como resultado da grande depressão dos anos 30, a empresa da família foi à falência. Desempregado, juntou-se como muitos outros jovens na mesma situação, ao partido nazista. Foi recrutado pelos serviços secretos alemães para recolher informações sobre os poloneses, sendo que, esta atividade acabou tornou-o muito considerado e estimado e permitiu estabelecer muitos contatos com oficiais nazistas, o que lhe viria a ser muito útil mais tarde. Deixou sua mulher em Zwittan e foi para a Cracóvia, na Polônia, onde se estabeleceu. Reabriu naquela região uma antiga fábrica de panelas e converteu-a para a produção de armamentos, empregando cerca de 350 judeus, uma vez que estes eram considerados por todos “uma mão de obra barata e muito acessível naquela época”.

A medida que o tempo passava, o plano nazista conhecido como “solução final”, começou a acelerar. Schindler descobriu o terror provocado pelos nazistas e começou a encarar os judeus não só como trabalhadores baratos, mas também como pais, mães e crianças expostas à horrível carnificina dos projetos nazistas de eliminação total dos judeus. Neste exato momento, inconscientemente, Schindler decide mudar drasticamente, o roteiro de sua vida. Ele inicia um plano extremamente arriscado para desviar judeus do seu destino provável nas câmaras de gás. Em sua fábrica, situada no campo de trabalho de Plazow, guardas da SS (o esquadrão de proteção nazista) passam a não ter mais acesso às suas instalações, sem sua prévia autorização. Na fábrica, os trabalhadores passavam menos fome do que em outras instalações do mesmo gênero. Quando a quantidade de comida armazenada atingia o limite crítico, Schindler comprava-a no merca44


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www.tenyad.org.br O "Ten Yad" atua no combate à fome e à miséria. Aproximadamente 2.000 pessoas recebem, diariamente, refeições quentes e nutritivas em seu refeitório assistencial ou através do programa "Refeições Sobre Rodas", que leva alimentos para aqueles que estão impossibilitados de se locomover.

do negro. Os idosos eram todos registrados como jovens de pouco mais de vinte anos e as crianças, registradas como adultos. Advogados, médicos e artistas, eram registrados como metalúrgicos e mecânicos, tudo para poderem sobreviver como elementos essenciais para a indústria de guerra. Em sua fábrica ninguém era torturado, espancado ou enviado para as câmaras de gás. Durante estes anos, milhões de judeus foram mortos nos campos de concentração poloneses como Treblinka, Majdanek, Sorbibor, Chelmno e Aushwitz. Por duas vezes Oskar foi preso pela Gestapo (a polícia secreta nazista), porém, graças aos seus conhecimentos e contatos conseguiu ser libertado. Quando os nazistas foram derrotados na frente leste, Plazow e os campos de concentração vizinhos, foram dissolvidos e fechados. Schindler não tinha ilusões quanto ao que ia acontecer, e desesperadamente, exerceu toda sua influência junto aos nazistas, através dos seus contatos nos círculos militares e industriais em Cracóvia e Varsóvia e foi à Berlim, para salvar os “seus judeus” de uma morte certa. Com a sua vida em perigo constante, usou todos os seus poderes de persuasão, subornou sem qualquer medo, lutou e pediu ajuda. Onde ninguém acreditaria que seria possível, Schindler teve sucesso. Obteve permissão para mudar sua fábrica para Brinnlitz, na Tchecoslováquia ocupada e a levar consigo todos os trabalhadores judeus, coisa que mais ninguém havia conseguido durante a guerra. Desta maneira, os 1.098 trabalhadores que tinham sido registrados na lista de Schindler, não

Antiga fábrica de Oskar Schindler, na região da Cracóvia, na Polônia. Projeto pretende transformá-la em museu para mostras de arte moderna e uma exposição permanente dedicada ao dono ilustre.

tiveram o mesmo destino fatal que os outros mais de 25.000 homens, mulheres e crianças de Plazow, que foram enviados para as câmaras de gás de Auschwitz, a apenas sessenta quilômetros de Plazow. Até à libertação, na primavera de 1945, Oskar Schindler procurou assegurar de todas as maneiras possíveis, a segurança dos “seus judeus”. Gastou todo o seu dinheiro e até mesmo as jóias de sua mulher para comprar comida e medicamentos. Criou um sanatório secreto na fábrica, com equipamento médico comprado no mercado negro. Emile Schindler, sua mulher, tratava de todos os

doentes. Àqueles que não sobreviviam era dado um funeral judeu (num lugar escondido), pago por Schindler. Apesar da família Schindler ter à sua disposição uma enorme mansão junto à fábrica, Oskar compreendeu o grande medo que os judeus tinham das visitas noturnas da SS e, por este motivo, em Plazow, ele não passou uma única noite fora do pequeno escritório da fábrica. Sua fábrica produziu munições para o exército alemão durante sete meses e durante este período, nenhuma munição passou nos testes de qualidade militar, como ele desejava, pois, para ele, nenhuma munição fabricada por Schindler

Não esqueça os maus A seguinte oração foi encontrada entre os pertences pessoais de um judeu, morto num campo de concentração: “Meu Senhor, peço que não te lembres apenas dos homens de boa vontade; Lembra-Te também dos homens de má vontade. Não Te lembres apenas das crueldades, sevícias e todas as violências que eles praticaram: lembra-Te também dos frutos que produzimos por causa do que eles nos fizeram. Lembra-Te da paciência, coragem, confraternização, humildade, grandeza de alma e fidelidade que nossos carrascos, terminaram por despertar em nossas almas. Permite então, Senhor, que todos os frutos por nós produzidos, possam servir para salvar as almas dos homens de má vontade”.

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O Oskar Schindler brasileiro O diplomata Luiz Martins de Souza Dantas (1876-1954), embaixador brasileiro em Paris de 1922 até 1942, sem alarde e lutando contra recomendações oficiais do governo Getúlio Vargas, salvou comprovadamente 475 pessoas de morrerem em campos de extermínio, emitindo centenas de vistos durante os anos mais duros da repressão nazista na Europa. O número certo de pessoas - judeus, homossexuais, comunistas e outras vítimas do nazismo - que encontraram salvação graças a sua assinatura, não é conhecido. O historiador carioca Fábio Koifman, acredita que possa passar de mil. Foi graças a ele e a seu livro “Quixote nas Trevas”, que o diplomata foi reconhecido. Não fosse por ele, o ator e teatrólogo polonês Zbignew Ziembinski, por exemplo, nunca teria chegado ao Brasil. Outro que teria perecido na Europa seria o “anônimo” brasileiro, nascido na Antuérpia, Raphael Zimetbaum. – “Ele falou para minha família de que estaria salvando as nossas vidas”, conta Zimetbaum, que nunca conheceu o diplomata pessoalmente, mas o idolatra. Souza Dantas foi várias vezes advertido pelo Ministério das Relações Exteriores e ficou em prisão domiciliar alemã por catorze meses. Além disso, escapou por pouco, das penalidades de um inquérito administrativo aberto, pessoalmente, por Getúlio Vargas, em 1941. O processo só não foi até o fim porque, no ano seguinte, o Brasil cortaria relações com a Alemanha e Getúlio decidiu abafar o caso. Sua humildade, fez com que não deixasse muitos documentos. “Fiz o que teria feito, com a nobreza da alma dos brasileiros, o mais frio deles, movido pelos mais elementares sentimentos de piedade cristã”, diz Souza Dantas, ao explicar por que dava os vistos, num raro documento, arquivado por Koifman. O embaixador, que não figura em livros de história brasileiros, foi reconhecido pelo Museu do Holocausto de Jerusalém, como “Justo entre as Nações”. Só quem preenche ao menos uma, de três condições, merece o título concedido pelo museu: arriscar cargo e posição social, arriscar a vida e salvar um número expressivo de pessoas. O diplomata não arriscou sua vida, mas quase perdeu o emprego e o status assinando centenas de vistos para perseguidos do nazismo. Na época, Souza Dantas ficou conhecido como um exemplo de diplomata. Quando voltou ao Brasil, em 1944, planejou-se uma grande festa com desfile em carro aberto pela Avenida Rio Branco e decretação de feriado nas escolas do Rio de Janeiro. Assessores de Getúlio Vargas, porém, desmobilizaram as boas-vindas.

deveria ser responsável por tiros precisos contra possíveis civis inocentes. Incansável, conseguiu ainda, convencer a Gestapo a mandar cerca de cem judeus belgas, dinamarqueses e húngaros para a sua fábrica para “continuar a produção de material de guerra”. Em maio de 1945 o pesadelo acabou. Os russos ocuparam Brinnlitz. Na noite anterior, Schindler juntou todos na fábrica e despediu-se com muita emoção. Oskar Schindler e os “1.200 judeus de Schindler” sobreviveram. Poldek Pfef-

ferberg, o judeu que o ajudava a arranjar mercadoria no mercado negro para subornar oficiais nazistas durante a guerra, prometeu mais tarde contar sua história: “O senhor protegeu-nos, salvou-nos, alimentou-nos. Nós sobrevivemos ao Holocausto, a tragédia, a dura batalha, a doença, ao espancamento, a morte! Nós temos que contar a sua história ao mundo”. A vida de Schindler depois da guerra passou por muitas dificuldades. Ele ficou privado de sua nacionalidade, imediatamente, após o fim da guerra,

Oskar Schindler no inicio dos anos 60.

tentou, sem sucesso, ser produtor de cinema, sofreu muitas ameaças de antigos nazistas e pediu asilo aos EUA, tendo a permissão recusada por ter pertencido ao partido nazista. Depois disto, fugiu para Buenos Aires, na Argentina. Fixou-se como agricultor em 1946, tendo sido financiado por judeus agradecidos que jamais o esqueceram. No início dos anos 60, Schindler foi honrado em Israel, declarado "Righteous" (Justo) e convidado a plantar uma árvore na Avenida dos Justos, em Jerusalém. Passou a receber juntamente com sua esposa, uma pensão vitalícia do governo israelita em agradecimento aos seus atos de herói. Uma estátua no Parque dos Heróis, também em Jerusalém, louva-o como o salvador de mais de 1.200 judeus. Hoje, há mais de 6.000 descendentes dos “judeus de Schindler” vivendo principalmente nos EUA, Europa e Israel. Muito mais do que os aproximadamente 4.000 judeus residentes hoje na Polônia, sendo que antes da II Guerra Mundial, a população judaica da Polônia era de mais de 3,5 milhões. Oskar Schindler passou os últimos anos de sua vida de forma humilde. Morreu pobre aos 66 anos de idade, em Hildesheim, na Alemanha, em 9 de outubro de 1974. Seu corpo foi trasladado para Israel e enterrado em Jerusalém com honras de herói.

“Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”. Talmud – Provérbio Judaico

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