Revista Viração - Edição 109 - jan-jul/2015

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quem faz a vira pelo brasil

Conheça os Virajovens em 20 Estados brasileiros e no Distrito Federal: Aracaju (SE) Belém (PA) Boa Vista (RR) Boituva (SP) Brasília (DF) Campo Grande (MS) Curitiba (PR) Fortaleza (CE) João Pessoa (PB) Lavras (MG) Lima Duarte (MG) Macapá (AP) Maceió (AL) Manaus (AM) Natal (RN) Picuí (PB) Pinheiros (ES) Porto Alegre (RS) Recife (PE) Rio Branco (AC) Rio de Janeiro (RJ) Salvador (BA) S. Gabriel da Cachoeira (AM) São Luís (MA) São Paulo (SP) Sud Mennucci (SP) Vitória (ES)

Auçuba Comunicação e Educomunicação – Recife (PE) • Avalanche Missões Urbanas Underground – Vitória (ES) • Buxé Fixe - Amadora (Portugal) • Camp - Uma escola de cidadania Porto Alegre (RS) • Casa Peque Davi – João Pessoa (PB) • Catavento Comunicação e Educação – Fortaleza (CE) • Cipó Comunicação Iterativa – Salvador (BA) • Ciranda – Central de Notícia dos Direitos da Infância e Adolescência – Curitiba (PR) • Coletivo Jovem – Movimento Nossa São Luís – São Luís (MA) • Gira Solidário – Campo Grande (MS) • Grupo Conectados de Comunicação Alternativa GCCA – Fortaleza (CE) • Grupo Makunaima Protagonismo Juvenil – Boa Vista (RR) • Instituto de Desenvolvimento, Educação e Cultura da Amazônia – Manaus (AM) • Instituto Universidade Popular – Belém (PA) • Mídia Periférica – Salvador (BA) • Instituto Candeia de Cidadania – Lima Duarte (MG) • Jornal O Cidadão – Rio de Janeiro (RJ) • Lunos – Boituva (SP) • Movimento de Intercâmbio de Adolescentes de Lavras – Lavras (MG) • Oi Kabum – Rio de Janeiro (RJ) • Parafuso Educomunicação – Curitiba (PR) • Projeto de Extensão Vir-a-Vila (UFRN) - Natal (RN) • Projeto Juventude, Educação e Comunicação Alternativa – Maceió (AL) • Rejupe • União da Juventude Socialista – Rio Branco (AC)

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Copie sem moderação! Você pode: • Copiar e distribuir • Criar obras derivadas Basta dar o crédito para a Vira!

editorial

O tema da vez

A

quem somos

A

Viração já vem acompanhado, ao longo dos últimos anos e bem de perto, os grandes temas relacionados ao presente-futuro do nosso Planeta. Desde 2012, estamos participando sobretudo das Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), procurando informar e mobilizar adolescentes e jovens de diversos países por meio da nossa cobertura educomunicativa e colaborativa. E promovemos essas ações porque entendemos que o envolvimento da juventude nesta questão é de vital importância neste momento histórico. Esta edição da Vira dedica-se a levantar a discussão do cuidado com o meio ambiente, apresentando experiências existentes, mas pouco conhecidas, de formas sustentáveis de relação com os recursos naturais, além de contextualizar alguns dos problemas sociais e políticos que agravam a situação do Planeta, local e mundialmente. Também trazemos à tona o amplo debate acerca das mudanças climáticas e a expectativa da sociedade civil para a COP21, que acontecerá em dezembro, em Paris. A Vira e a Agência Jovem de Notícias estarão, mais uma vez, presentes neste espaço para cobrir e incidir nesse debate. Boa leitura!

Viração é uma organização não governamental (ONG) de educomunicação, sem fins lucrativos, criada em março de 2003. Recebe apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo e da ANDI - Comunicação e Direitos. Além de produzir a revista, oferece cursos e oficinas em comunicação popular feita para jovens, por jovens e com jovens em escolas, grupos e comunidades em todo o Brasil. Para a produção da revista impressa e eletrônica, contamos com a participação dos conselhos editoriais jovens de 20 Estados, que reúnem representantes de escolas públicas e particulares, projetos e movimentos sociais. Entre os prêmios conquistados nesses dez anos, estão Prêmio Don Mario Pasini Comunicatore, em Roma (Itália), o Prêmio Cidadania Mundial, concedido pela Comunidade Bahá’í. E mais: no ranking da ANDI, a Viração é a primeira entre as revistas voltadas para jovens. Participe você também desse projeto. Paulo Pereira Lima Diretor Executivo da Viração – MTB 27.300

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Apoio institucional

Asso

ciazione Jangada

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Os rumos políticos e econômicos que o Planeta tomou ao longo da história têm consequências sociais e ambientais desastrosas.

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Repensando padrões

Cooperação, autogestão e solidariedade são os princípios da Economia Solidária, forma alternativa de estabelecer relações de troca, comercialização e consumo.

Cooperando com o meio ambiente Se os nossos hábitos estão em harmonia com a natureza, a escassez de água e alimentos deixa de ser uma realidade. Isso é o que demonstra a permacultura.

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sempre na vira:

Manda Vê Como se Faz Que Figura

RG da Vira: Revista Viração - ISSN 2236-6806 Conselho Editorial

Eugênio Bucci, Ismar de Oliveira, Izabel Leão, Immaculada Lopez, João Pedro Baresi, Mara Luquet e Valdênia Paulino

Conselho Fiscal

Everaldo Oliveira, Renata Rosa e Rodrigo Bandeira

Conselho Pedagógico

Alexsandro Santos, Aparecida Jurado, Isabel Santos, Leandro Nonato e Vera Lion

Presidenta

Susana Piñol Sarmiento

Vice-Presidenta Gisella Hiche

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A falta de água potável é uma realidade preocupante em muitos Estados do Brasil. No entanto governos, mídia e sociedade agem como se nada estivesse acontecendo.

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No Escurinho Parada Social

Primeiro-Secretário Rafael Lira

Diretor Executivo Paulo Lima

Equipe

Bruno Ferreira, Daniela Picinim, Elisângela Nunes, Juliana Caldas, Jonathan Saints, Pedro Neves e Vânia Correia

Administrativo/Finaceiro Norma Lemos e Douglas Ramos

Mobilizadores da Vira

Acre (Leonardo Nora), Alagoas (Alan Fagner Ferreira), Amapá (Alessandro Brandão), Amazonas (Jhony Abreu, Claudia Maria Ferraz e Sebastian Roa), Bahia (Emilae Sena e Mariana Sebastião),

A ONU promove todo ano uma conferência para discutir o Clima do Planeta Terra. Entenda como e quando o mundo começou a dar importância a este tema.

A expectativa do movimento social para a Conferência das Partes deste ano é que governos estabeleçam metas mais ambiciosas para reduzir os gases de efeito estufa.

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Escassez

Entendendo os caminhos

Mais comprometimento

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Novos valores

dig

Um pé no futuro Nos últimos anos, metas e acordos mundiais foram estabelecidos para que o Planeta Terra continue produzindo recursos necessários à vida.

Teste seus conhecimentos Responda a 6 perguntas sobre o Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e saiba se você está dominando bem estes temas fundamentais.

Na sala de aula O educador e biólogo Eduardo Luis Ruppenthal fala como o tema Mudanças Climáticas pode fazer parte da agenda escolar.

Vamos nessa? Ter uma postura ambientalmente responsável parece algo impossível, mas não é. Pequenos hábitos podem ajudar a tornar a vida mais sustentável.

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Ceará (Rones Maciel), Distrito Federal (Webert da Cruz), Espírito Santo (Jéssica Delcarro e Izabela Silva), Maranhão (Nikolas Martins e Maria do Socorro Costa), Mato Grosso do Sul (Fernanda Pereira), Minas Gerais (Emília Merlini, Reynaldo Gosmão e Silmara Aparecida dos Santos), Pará (Diego Souza Teofilo), Paraíba (José Carlos Santos e Manassés de Oliveira), Paraná (Juliana Cordeiro e Diego Henrique Silva), Pernambuco (Edneusa Lopes e Luiz Felipe Bessa), Rio de Janeiro (Gizele Martins), Rio Grande do Norte (Alessandro Muniz), Rio Grande do Sul (Evelin Haslinger e Joaquim Moura), Roraima (Graciele Oliveira dos Santos), Sergipe (Elvacir Luiz) e São Paulo (Igor Bueno e Luciano Frontelle).

Colaboradores

Novaes e Sérgio Rizzo

Projeto Gráfico

Ana Paula Marques e Manuela Ribeiro

Arte

Ana Paula Marques e Manuela Ribeiro

Revisão

Izabel Leão

Jornalista Responsável

Paulo Pereira Lima – MTb 27.300

Divulgação

Equipe Viração

E-mail Redação

redacao@viracao.org

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diga lá!

O que é Educomunicação?

IMENSA GRATIDÃO! Agradecemos à galera que ajudou esta edição da Viração a ser pensada, produzida, impressa e distribuída, gratuitamente, em escolas públicas, bibliotecas e grupos juvenis de todo o Brasil! Listamos a seguir os nossos carinhosos doadores e doadoras para a campanha de financiamento colaborativo Eu Tô no Clima da Viração, que arrecadou a grana necessária para viabilizar esta edição que você tem em mãos. Imensa gratidão também aos doadores e doadoras anônimos! ♥ Alessandro Melchior ♥ Ana Paula Maia Silva ♥ Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante ♥ Andressa Vieira ♥ Antonio Lino ♥ Aurea Lopes ♥ Carlos Eduardo Rittl ♥ Clarissa Mattoso ♥ Cíntya Feitosa ♥ Cristina Oliveira ♥ Daniel Raviolo ♥ Eduardo Nascimento ♥ Eduardo Peterle Nascimento ♥ Evelyn de Oliveira Araripe ♥ Fábio Nepomuceno ♥ Gabriel Vituri ♥ Graziela Tanaka ♥ Ismar de Oliveira Soares

Perdeu alguma edição da vira? não esquenta! Você pode acessar, de graça, as edições anteriores da revista na internet: www.issuu.com/viracao

Para garantir a igualdade entre os gêneros na linguagem da Vira, onde se lê “o jovem” ou “os jovens”, leia-se também “a jovem” ou “as jovens”, assim como outros substantivos com variação de masculino e feminino.

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♥ João Peschanski ♥ Jose Fonseca ♥ Juliana Giron ♥ Lucas Ruiz Martins ♥ Luciano Frontelle ♥ Márcio Baraldi ♥ Maria Adrião ♥ Marina Sierra de Camargo ♥ Paula Nishizima ♥ Paulo Vicente do Prado ♥ Patrícia Horta Alves ♥ Rafael Alves da Silva ♥ Ricardo Rolim Xavier ♥ Salete Camba ♥ Sâmia Bechelane ♥ Silvana Ribeiro ♥ Solange Barreira ♥ Vivian Ragazzi

Agência Jovem de Notícias

É comum, nas edições da Vira, encontrar a palavra “educomunicação” ou o termo “educomunicativo”. A educomunicação é um campo de intervenção que surge da interrelação comunicação/educação para a transformação social. Dizemos que um projeto ou prática é educomunicativa quando adota em seus processos, especialmente do jovem, o caráter comunicacional, como o diálogo, a horizontalidade de relações e o incentivo à participação, fazendo com que os sujeitos exerçam plenamente o direito humano à expressão e à comunicação, em diferentes âmbitos e contextos. A Viração promove ações educomunicativas por meio da produção midiática, incentivando que adolescentes e jovens produzam reportagens coletivas em diferentes linguagens.

Como virar um virajovem? Virajovens são os integrantes dos conselhos editoriais jovens da Viração, que produzem conteúdos em suas cidades. O conselho pode ser um coletivo autônomo de jovens ou um grupo ligado a uma entidade, organização, movimento social, escola pública ou privada, que dará apoio para que os virajovens produzam conteúdos. A parceria entre a Vira e entidade é oficializada com um termo de compromisso e com a publicação do logotipo da organização na revista Quer saber mais? Entre em contato com a gente: redacao@viracao.org.

@viracao

@viracao.oficial

Mande seus comentários sobre a Vira, dizendo o que achou de nossas reportagens e seções. Suas sugestões são bem-vindas! Escreva para Rua Bitencourt Rodrigues, 88, cj. 102 - CEP: 01017-010 - São Paulo (SP) ou para o e-mail: redacao@viracao.org Aguardamos sua colaboração! Parceiros de Conteúdo

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manda vê

Paula Nishizima e Juliana Cordeiro, do Virajovem Curitiba (PR)*

Usamos o termo ‘sustentabilidade’ nos mais diferentes contextos: para falar de mobilidade urbana, reciclagem, aquecimento global, consumo consciente, uso de recursos naturais, ... A lista é grande! Mas afinal, como podemos pensar num estilo de vida mais sustentável? Faz sentido abolir as sacolas plásticas dos supermercados e reduzir impostos sobre a venda de veículos automotores? Já pensou sobre como as mudanças climáticas afetam a sua vida? E para você, o que são práticas sustentáveis?

Para você, o que é sustentabilidade? Luciana Penas

24 anos | São Paulo (SP) “Práticas sustentáveis podem ser ações que tomamos diariamente para tentar diminuir ao máximo nosso impacto no meio ambiente. Vão desde ações pequenas como jogar seu lixo no local correto (reciclável), passando por comer alimentos menos industrializados. Como cidadãos, acho que nossa parte é tentar diminuir o consumo de produtos de empresas que impactam negativamente o meio ambiente.”

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Mariana Colucci

18 anos | Nova Esperança (PR) “São ideias que melhoram o nosso modo de viver. Como, por exemplo, reciclar garrafas pet, adaptar as casas para o reaproveitamento da água da chuva e construir hortas no fundo do quintal para ter alimentos sem agrotóxico.”

Lucas Fier

26 anos | Curitiba (PR) “Como práticas sustentáveis eu entendo aquelas que, em primeiro lugar, não despendam mais energia num determinado contexto, do que este contexto é capaz de produzir. Por exemplo: se este contexto for o mundo, um país, um rio, as práticas sustentáveis serão aquelas que não o depredem, não exauram seus recursos, não o destruam. Ao contrário do que fazem muitas empresas que poluem o meio ambiente com resíduos tóxicos, ou promovem caça predatória a certas espécies (desequilibrando o ecossistema) ou os latifúndios brasileiros que, em sua expansão desenfreada, depredam a Amazônia, reduzindo as florestas a pastos.”

Ana de Moraes 28 anos | Niterói (RJ)

“Respeitar o meio ambiente, em sentido estrito. Não jogando lixo no chão, separando resíduos recicláveis, não desperdiçar água e reaproveitar o que puder. No sentido mais amplo da palavra, acho que a sustentabilidade envolve, acima de tudo, o respeito ao próximo, ao ser humano que integra e forma o meio ambiente. Aí entram questões sociais ligadas aos direitos humanos etc.”

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Ewerton Lourenzo 19 anos | Curitiba (PR)

Juliana Rogge

“Creio que a sustentabilidade está ligada ao desenvolvimento econômico, ambiental, social e cultural para que se possam evitar agressões ao meio ambiente, de forma que seja feita a utilização inteligente dos recursos para se garantir um desenvolvimento sustentável.”

22 anos | Recife (PE)

“São ações que fazemos e que não só preservam e conservam o meio ambiente, mas também ajudam a sociedade atual a se manter de uma maneira mais humana e sociável, entrando em contato com a cidade e não só a utilizando como caminho de passagem para o trabalho ou para casa. As práticas podem acontecer de maneira individual, como economizar água ao escovar os dentes, até atingir o campo macro, como construir ciclofaixas para as pessoas não utilizarem tanto seus carros e com isso não produzirem tanto gás carbônico, nem promover o estresse no trânsito.”

Bruna Teixeira

20 anos | Campo Largo (PR)

Carlos Baldo

22 anos | Curitiba (PR) “Práticas sustentáveis são aquelas que a gente faz para sobreviver, mas sem agredir o planeta além do necessário. Por exemplo, eu separo o lixo orgânico do reciclável.”

FAZ PARTE Mobilidade urbana é um tema importantíssimo na hora de falar em sustentabilidade. Por isso, o Portal Mobilize atualizou em abril deste ano o número de capitais brasileiras com maior extensão de ciclofaixas. As três primeiras colocadas são a cidade de São Paulo (em 3º lugar com 265,5 km de estrutura cicloviária), Rio de Janeiro (374 km no total) e Brasília (1ª colocada com 440 km em vias para ciclistas).

“Ser sustentável é utilizar os recursos naturais de forma equilibrada, ou seja, utilizar o necessário. É você fazer uma compra e recusar a sacola plástica, usando sua própria bolsa como embalagem. Não é uma questão de achar que estou mudando o mundo, mas de recusar o gasto desnecessário, de fazer a minha parte.”

não é de hoje Como forma de amenizar as emissões de gases do efeito estufa a partir da queima de florestas, membros da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP) implementaram um sistema de pagamento aos países que mantiverem suas florestas em pé, o chamado REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação). Esse programa foi evoluindo a partir de 2007, mas gera controvérsias quando utilizado para desapropriar comunidades indígenas de seus territórios e transformá-los em áreas de preservação.

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Não existe capitalismo sustentável Repensando a lógica que move nossa sociedade Alessandro Muniz, Virajovem de Natal (RN)*

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ivemos em um mundo limitado. Por mais que ele nos pareça gigante, com uma área de cerca de 510 milhões de km², os seres humanos, que não são poucos, cerca de 7,3 bilhões de habitantes, dividem esta “casa” com outras 8,7 milhões de espécies, segundo levantamento publicado na revista PLoS Biology. Contudo, alguns seres humanos se autoentitularam donos do pedaço, entendendo que tudo que existe serve ao benefício e bem-estar deles. Ao longo da história humana, as pessoas foram se organizando de diversas formas políticas, econômicas e ecológicas. Alguns grupos humanos aprenderam a viver em diálogo e harmonia com a natureza ao redor, sendo parte dela, nutrindo-se dela e contribuindo para ela – estão entre esses grupos diversos povos indígenas e tradicionais. Porém, outros grupos inverteram essa lógica, quando algumas pessoas estruturaram essas sociedades em classes, em que alguns exploram outros, passando a entender o mundo como “recursos naturais”, à disposição do enriquecimento e poder dos que estiverem no controle. Atualmente chamamos este sistema de capitalismo. Hoje, 1% da população detém 48% da riqueza mundial e se prevê que até 2016 esse percentual ultrapasse os 50%, segundo pesquisa da ONG britânica Oxfam Internacional. A riqueza financeira mundial em 2014 foi calculada pela Credit Suisse em cerca de 263 trilhões de dólares. Se dividíssemos essa riqueza por igual, caberia a cada ser humano 360 mil dólares, aproximadamente.

Uma desigualdade crescente que permite que uma em cada oito pessoas passe fome, cerca de 842 milhões, segundo relatório da ONU de 2013. E uma destruição ecológica que acarreta a extinção estimada de no mínimo 2 mil espécies por ano, segundo a organização WWF. Grande parte desta riqueza resulta da exploração da mão de obra da maior parte da população e do uso irrestrito dos elementos da natureza: florestas, oceanos, minérios, animais. E o capitalismo não se sente satisfeito. Ele se baseia no crescimento e no consumo. E busca incessantemente mais crescimento e consumo, que em 2012 produziu 1,3 bilhão de toneladas de lixo em todo o mundo, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Como falar de sustentabilidade no capitalismo? Como um sistema que produz desigualdade, busca crescimento econômico incessante e precisa que se consuma mais e mais tudo o que ele produz pode ser sustentável? Precisamos de outras lógicas, de outros sistemas, de outras maneiras de viver.

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como se faz!

Horta Plantar o próprio alimento livra sua refeição de agrotóxicos Alcebino Silva, Virajovem de Sud Mennucci (SP)*

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azer uma horta é uma ótima maneira de estar em contato com a natureza, além de proporcionar uma alimentação saudável, livre de agrotóxicos ou conservantes. Quem planta seus próprios legumes e verduras contribui para o meio ambiente. A seguir, elencamos um passo a passo para você também se animar em fazer uma horta na sua casa. Que tal começar por uma hortaliça, uma das mais consumidas na hora do almoço: o alface? Confira!

Passo a passo Embora não exista uma única forma de contar uma história, algumas dicas podem ajudar. Confira algumas delas!

1. Escolha da hortaliça e variedade Optamos por plantar alface americana sem uso de agrotóxicos, pela simplicidade de cultivo e aceitação de consumo. 2. Seleção e preparo do insumo

Utilizaremos esterco curtido de bovino ou aves, na proporção de 5kg/m² e 2kg/m², respectivamente. Misture o adubo com a terra revolvendo-os bem e depois levante os canteiros. Você poderá utilizá-lo ainda durante a condução da planta, caso perceber deficiência nutricional.

3. Planejamento da produção Para cada 10m² de canteiro, estima-se colher aproximadamente 16 a 20 pés de alface.

Vin Foto: Eng. Agr. Mirele

has Voltolini, 2008

4. Preparo do local e semeadura Escolha um substrato de sua preferência e coloque cerca de 5 a 6 sementes por cédulas numa bandeja de plástico para produção da muda. Quando elas estiverem com 4 a 6 folhas, você deve levá-las aos canteiros definitivos.

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5. Condução e tratos culturais Manter os canteiros sempre limpos de plantas invasoras e utilizar produtos naturais para controle de pragas e doenças até a colheita. Com atitudes simples, podemos melhorar nossa saúde e ajudar nosso planeta! Horta Mandala, na EMEF Professor Victor Padilha, em Sud Mennucci, como exemplo de horta em canteiro

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Solidariedade define as regras A Economia Solidária é uma alternativa para convivermos em harmonia com o Planeta

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Webert da Cruz, Virajovem de Brasília (DF)*

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omo conviver com as mudanças climáticas na atual perspectiva econômica vigente? A humanidade tem cada vez mais se proposto a refletir sobre essa questão e a criar maneiras mais sustentáveis de se desenvolver e estar no mundo. Economia significa “cuidado com a casa”. E a economia solidária surge como uma alternativa para cuidarmos melhor do nosso planeta. Compreendida como uma estratégia pós-capitalista de construção social, a economia solidária se baseia a partir de três princípios – cooperação, autogestão e solidariedade. Diferente de outros valores tão comuns que se percebe nas sociedades como a competição, a hierarquização e a disputa. Uma experiência em economia solidária consiste também em ser uma atividade econômica. Seja de produção, prestação de serviços, beneficiamento da produção, crédito, comercialização ou consumo. Essa outra perspectiva econômica cresce pelo mundo em diversas experiências, das mais variadas formas, com sucessos e desafios.

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de Economia Solid ária do MS Comercialização Fotos: Central de

A economia solidária é uma realidade. Ela está acontecendo em cooperativas, associações e grupos informais. Todos são donos, dividem responsabilidades, obrigações e também os ganhos e perdas geradas pelo trabalho coletivo. Uma estratégia de desenvolvimento sustentável que considera todas as dimensões: econômica, social, cultural, ambiental, política. O Planeta Terra tem dado respostas às explorações que têm recebido. A balança da “Mãe Natureza” cobra seus resultados, a partir dos estragos causados pela humanidade. Estamos reféns de um sistema que promove e prega a competição, acúmulo e consumo desordenado. E uma vez que tudo se transforma em recursos para obtenção simplesmente para o lucro, a natureza e o próprio trabalho humano se capitalizam, abrindo brechas para violações de direitos humanos e exploração irresponsável dos recursos naturais. Entende-se também nesse processo exploratório as enormes desigualdades sociais, no qual uns ganham muito mais do que outros, promovendo uma lógica de que isso é normal e necessário. Para algumas pessoas, a pobreza dá lucro. Apesar de a economia solidária remar contra o tsunami do capitalismo, no Brasil existem diversas experiências na perspectiva da solidariedade que funcionam. Seja na gestão de um empreendimento ou grupo, em produções coletivas ou na comercialização justa e solidária de produtos e serviços. Em Campo Grande (MS) por exemplo, uma grande experiência alimenta a realidade da construção de um mundo melhor, é a Central de Comercialização de Economia Solidária. “Esta experiência contribui para o desenvolvimento local das comunidades à medida que possibilita a comercialização de produtos oriundos da agricultura familiar, comunidades tradicionais indígenas, grupos de artesanato, costura, alimentação e prestação de serviços que se organizam dentro dos princípios da Economia Solidária. Desta forma, a Central de Comercialização do MS é um espaço que promove a venda e a educação para o consumo consciente, o comércio justo e a produção limpa, orgânica e agroecológica em busca de relações mais éticas, vislumbrando o bem viver”, diz Rodrigo Nantes, educador popular participante da experiência. A economia solidária se configura como alternativa, resta maior compreensão de que o consumo consciente muda o mundo.

Central de Comercialização de Economia Solidária do MS expõe produtos de agricultores familiares, grupos de artesãos e comunidades tradicionais indígenas

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A tecnologia copia a natureza A biomimética, área da ciência que percebe as soluções de problemas humanos nos processos naturais, é uma possibilidade para criar alternativas sustentáveis para o Planeta Terra Clara Wardi, Virajovem do Rio de Janeiro (RJ)*

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homem, após ter se adaptado a intensas transformações proporcionadas pelos modelos econômicos desde o advento da Revolução Industrial, anda se esquecendo de sua intrínseca relação com a natureza e de sua responsabilidade com o planeta em que vivemos. Essa postura, por consequência tem provocado uma série de prejuízos ecológicos que resultam hoje em uma grave crise ambiental. Tendo em vista a situação vigente, a biomimética e suas soluções sustentáveis surgem como alternativa para uma nova educação e vivência do humano com a natureza, que afinal é tão semelhante consigo. A biomimética significa “imitação da vida”. Trata-se de um ramo acadêmico que percebeu que os outros seres vivos estão fazendo coisas muito parecidas com o que precisamos fazer. Ou seja, ela estuda como os outros organismos resolvem seus problemas e, a partir disso, como esses padrões servem de inspiração para a criação de diversas estratégias funcionais para os seres humanos em diferentes áreas do cotidiano – engenharia, medicina, informática, design ou arquitetura. Segundo Janine Benyus, escritora e conferencista, fundadora do Instituto de Biomimética, localizado no estado de Montana, nos Estados Unidos, e uma das maiores divulgadoras da biomimética, não há ninguém melhor para se pedir conselhos de como lidar com as consequências da vida, do que os organismos que estão há muito mais tempo que os seres humanos

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em constante adaptação nesse Planeta. Ela diz que “estamos rodeados por gênios”. Janine ressalva, em seu TedTalk, que “não fomos nós os primeiros a construir, não fomos nós os primeiros a processar a celulose, e não fomos nós os primeiros a fazer papel. Não fomos nós os primeiros a querer otimizar espaços pequenos ou a prova d’água. Não fomos os primeiros a querer aquecer ou esfriar uma estrutura”. A escritora e conferencista aconselha designers que, ao tentarem resolver um problema, olhem primeiramente para a natureza. Nela, encontrarão modelos inspiradores para fazer coisas à prova d’água, aerodinâmicas, energia solar etc.

Turbinas, ar-condicionado e velcro Um exemplo de biomimética aplicada foram as turbinas eólicas inspiradas no formato das nadadeiras da baleia jubarte pela empresa canadense WhalePower. As lâminas com nervuras semelhantes às das barbatanas do mamífero marinho produzem cerca de um terço menos atrito com o ar do que as lâminas convencionais. Outro exemplo também na área energética foi o ar-condicionado natural projetado pelo arquiteto Mick Pierce com abertura e fechamento de túneis que regulam o fluxo do ar e o calor que imita os ninhos

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Para saber mais Aqui no Brasil o assunto ainda é pouco divulgado e aplicado, entretanto há um workshop oferecido pela Perestroika, uma agência que fornece diferentes cursos alternativos em Porto Alegre. Esse curso tem o objetivo de criar novas formas de pensamento e debater como “as empresas – e a vida – podem se tornar mais conscientes, responsáveis, sustentáveis e regenerativas’’. Na internet, existem diversos sites internacionais onde esse conhecimento pode ser resgatado. Como, por exemplo, o site da Asknature, que reúne pesquisas das performances que os seres vivos desempenham e que podem orientar os humanos em suas construções, atitudes e formas de lidar com os desafios do dia a dia.

Foto: Wikicommo

ns

de cupins. Esses insetos conseguem manter em 31°C a temperatura em ambientes fechados, enquanto a temperatura externa, no deserto africano, varia de 3 a 42°C. Esse tipo de arquitetura se encontra no Eastgate Centre, um conjunto de escritórios e shopping centers no Zimbábue, que dispensa o ar-condicionado. Até o velcro que está em nossos sapatos, roupas e bolsas partiu da inspiração no funcionamento da natureza. A tecnologia foi criada em 1941, pelo engenheiro suíço Georges de Mestral. Curioso com as pequenas sementes que grudavam no pelo se seu cachorro, observou-as em seu microscópio e percebeu que elas tinham dezenas de hastes com ganchos nas pontas. Mais tarde, aplicou essa habilidade nos tecidos e cá estamos grudando-os uns aos outros, como essas desagradáveis sementes que grudam em nossas barras de calça.

A observação e imitação dos processos naturais é a base da biomimética para propor soluções para o dia a dia

tá na mão Conheça o site da Asknature: http://www.asknature.org/

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Outra cultura possível A permacultura recorre a saberes tradicionais mas, e novos para buscar soluções para proble a partir de um entendimento cooperativo de democracia e educação

Emilia de Mattos Merlini, do Virajovem Lima Duarte (MG)*

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uando participei da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 19), na Polônia, em novembro de 2013, o que mais me chamou a atenção foi a ausência de discussões sobre formas sustentáveis que estão presentes na minha vida há sete anos: a permacultura e a agroecologia, que é parte da primeira. Na ocasião, elas foram citadas apenas pelos governos da Bolívia e Colômbia. Para os demais, as soluções apresentadas eram, na maioria, as que exigem grandes investimentos financeiros, e mais se pareciam com uma nova forma de colonialismo. Tais propostas consistem no desenvolvimento de tecnologia cara e no pagamento de patentes. Mas a permacultura, um modo de dizer “cultura permanente”, se utiliza de saberes tradicionais, de saberes novos e de produtos locais para trazer soluções. Além disso, mostra como propostas importadas podem ser, na verdade prejudiciais. Um exemplo é a agricultura. A forma de trabalharmos o solo, com arados, prejudica os microorganismos decompositores e diminui a fertilidade. Importamos essa forma dos países de clima temperado, onde a terra congela no inverno. Em um país tropical é importante, por sua vez, cobrirmos o solo com matéria orgânica, evitando ressecamento pelo sol e o surgimento de plantas espontâneas. Ao importarmos

Fotos: Emilia Merlini

Quarto pintado com tinta de terra, parede de barro com garrafas

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uma tecnologia que não é compatível com nossa realidade, acabamos nos prejudicando. E isso é só um exemplo das muitas formas de agir e pensar que copiamos de outros países. A permacultura trabalha com soluções simples, como aquecedor solar com mangueira preta; banheiro compostável que não polui as águas e ainda vira adubo; telhado verde, mais barato e que não dá goteiras nem com chuva forte. A água cinza de pias e banheiros pode ser direcionada para irrigar plantas como bananeiras, taiobas, inhames, entre outros. Na permacultura o ideal é planejar um sistema (que pode ser nossa casa, terreno ou cidade) de modo que toda energia necessária seja gerada dentro dele, ao mesmo tempo em que o resíduo produzido também seja (re)utilizado. O que muitas vezes é um problema nas grandes cidades, como as fezes, pode virar uma solução. Além disso, esse sistema engloba uma parte social, em que há diversas formas de liderança, que variam de acordo com o tipo de decisão a ser tomada. Há a democracia em que é necessário 80% de votos para se formar uma maioria. Neste caso, os 20% restantes precisam continuar a trazer argumentos sobre sua posição. De modo que, ou os 20% vão se reduzindo até o consenso, ou aumentando até se tornarem 80% e inverterem a posição. A democracia de 50% mais um, não demonstra a vontade da maioria, mas de uma metade. Há ainda o consenso, a rotação de lideranças e também situações em que um decide e todos os outros acatam. Outras formas de educação voltadas para a autonomia e a solidariedade também podem favorecer nosso processo de mudança. Gosto muito da proposta da Escola da Ponte, das escolas Waldorf e Montessori, e é claro, dos ensinamentos do nosso querido Paulo Freire. Com a questão da desertificação e da falta d’agua, que já é uma realidade, me impressiona muito que o foco dos apelos esteja na economia do recurso e não em torná-lo abundante. Diante do pouco que nos resta de florestas é preciso replantar, não mais preservar, sendo que a agrofloresta se apresenta como uma ótima opção. Nela, a comida compartilha espaço com as árvores. Sem florestas não há água. O mais importante é que a permacultura gera autonomia, empoderamento, solidariedade, cooperação. É sabido que o ambiente nos afeta. Afeta nossa saúde, nossa mente, nosso coração. Muitos podem alegar que a permacultura não é possível em grandes centros urbanos. Mas se está provado que do modo como está não podemos continuar, precisamos nos dispor a algumas mudanças, usar nossa criatividade e encarar desafios. Existem “Cidades em Transição” que são exemplos no mundo inteiro. Chicago é uma delas, onde todos os

prédios públicos devem ter telhados verdes. Lá também se busca conectar os consumidores aos pequenos produtores locais, a jardins de comida e hortas urbanas, entre outras ações. Em Londres, há bairros com moedas sociais e o mesmo acontece na Argentina e no Brasil. São Paulo está se esforçando para criar novas ciclovias em locais antes impensáveis. Segundo a ONU, o Brasil está entre os seis países do mundo que mais sofrerão com as mudanças climáticas, já que nossa economia é fortemente agrícola e a maioria das pessoas vive no litoral. Se focarmos em reduzir as mudanças climáticas com soluções caras e que geram dependência, me parece óbvio que isso não satisfará muita gente. Enquanto isso, mudar de maneira barata e empoderadora, é diferente. Ao mesmo tempo é necessário aplicar as já criadas políticas públicas que valorizam a zona rural. Regiões que precisam de acesso a transporte, internet, saúde, educação e reforma agrária. Assim, o inchaço nas cidades diminuiria, junto a problemas de saneamento e violência. Se cada um puder plantar parte de sua comida, não importará tanto se a bolsa caiu ou subiu, uma parte do seu alimento estará garantida. É fácil sentar no sofá, assistir ao telejornal e reclamar do governo. Estamos em um momento em que é preciso agir, independente de governos. Sei que muitos não estão dispostos a mudar. A mudança precisa ser feita com os outros e não isoladamente, precisamos tomar para nós a responsabilidade por nossa existência. Então, vamos lá! A permacultura pode ser um ótimo caminho. Mãos à obra! A agroecologia é uma das práticas da permacultura

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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À beira do colapso A falta de água atual reflete o descompromisso de governos com o meio ambiente e o tratamento deste bem público como bem de consumo

Pedro Neves, da Redação. Colaboração de Bruno Ferreira, da Redação

Á

gua. Uma palavra curta, simples, fácil de falar. Assim como o produto, abundante, básico para a sobrevivência, presente em tudo o tempo todo. Ela é tão natural que nos esquecemos de pensar em seu fim. O que seria de nós sem esse líquido? Como pensar na sua preservação? O brasileiro vem se tornando especialista no assunto. Hoje, só de citar a palavra “Cantareira” todos sabem do que se trata. Desde 2004, quando a Sabesp, empresa de abastecimento de São Paulo, renovou a autorização para administrar os recursos hídricos do Estado começamos a almejar um futuro trágico. “A atual crise poderia ser evitada com investimentos, tendo em vista que hoje já deixaram evidente que há soluções que deveriam ser tomadas há muitos anos”, conta Hélio Palmesan, Presidente Executivo da ONG Mãe Natureza. A Sabesp já previa que a estrutura dos reservatórios era insuficiente para tamanha demanda. Seria preciso realizar obras para aumentar a capacidade de armazenamento de água. São Paulo ficaria muito dependente do Sistema Cantareira e, caso a água dos tanques acabasse, seria o caos. Em julho de 2014, o volume útil da Cantareira, que atende 8,8 milhões de pessoas na Grande SP, esgotou. Com o esvaziamento do reservatório e a falta de chuva, São Paulo secou na maior crise hídrica dos últimos 80 anos. “Muita gente fala que não haverá água ou que

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poderá faltar. A frase correta tem que ser conjugada no presente: Não há água. O Sistema Cantareira está no volume morto, isto significa que acabou”, afirmam integrantes do Movimento Lute pela Água em entrevista à nossa reportagem. “Estamos recebendo água que não deveria ser fornecida. A imprensa e o governo publicam números falsos para criar um clima otimista, mas a tendência é a situação piorar cada vez mais”, finalizam. O ator Bruno Cardoso Dias, de 30 anos, que mora em São Paulo, sabe bem o que é receber água imprópria para o consumo. Em maio deste ano, ficou internado por quatro dias em razão de uma infecção intestinal causada, segundo os próprios médicos atendidos por ele, pela má qualidade da água. “Na época estávamos no auge da crise hídrica e a água estava muito esbranquiçada. Como informamos que usávamos filtro de barro, o médico nos orientou a comprar água em galão, porque a qualidade da água era tão precária, que o filtro não conseguia amenizar”, conta Bruno. O ator conta ainda que outras pessoas de seu círculo de amizades também apresentaram, na mesma época, sintomas semelhantes aos seus e de bairros diferentes. Bruno mora no Ipiranga, zona sul. E seus amigos que também adoeceram residem no Butantã, Vila Madalena e Lapa.

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Em 2014 choveu apenas 25% do ano de 1953, a pior média histórica anual até então registrada. Essa queda na precipitação pluviométrica levou a uma redução drástica do Sistema Cantareira, afetando também de forma grave o Sistema Alto Tietê, o segundo maior da região. “A crise hídrica tem sido causada pela maior seca dos últimos 84 anos, um fenômeno de grandes proporções que atinge não só a região sudeste do Brasil, mas diversas partes do planeta, e que é muito difícil de ser previsto”, disse a Sabesp em nota. Porém, apesar de sabermos tudo isso e termos traçado metas para que não faltasse água, foi só a falta de chuva a culpada? “A questão é a falta de controle social e o vínculo pernicioso da gestão dos recursos hídricos com interesses privados”, opina o Movimento Lute pela Água. A Agência Pública e a ONG Artigo 19 divulgaram, na íntegra, 537 contratos de demanda firme assinados pela Sabesp, uma modalidade para quem consome mais de 3 mil metros cúbicos de água por mês. O interessante desses contratos é saber que, diferentemente do que ocorre com consumidores residenciais, quanto maior o uso, menor é o valor que as empresas pagam pelo metro cúbico de água (1.000 litros). Algumas das top 10 que mais consomem água no Brasil são: MercedesBenz, Ford, Volkswagen, Pão de Açúcar, Carrefour e Itaú Unibanco. Elas assinaram contratos rigorosos com a empresa, um expediente que dá direito a um vantajoso desconto. Coincidentemente, essas são algumas das marcas que mais faturaram no ano de 2014. Essas empresas estão com água na torneira enquanto pessoas como o Bruno ficam doentes e sentem na pele a crise. Isso está certo?

Reservatório da Cantareira opera há meses, em São Paulo, com seu volume morto

Fotos: Divulgação

Culpa e desculpas

Não estamos numa crise hídrica, a água já acabou, diz Movimento Lute Pela Água

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Estatização como alternativa A remunicipalização da água, que torna o município como principal responsável pela saúde de sua população, é uma saída. Em 15 anos, 235 cidades e cerca de 106 milhões de habitantes voltaram atrás da gestão do tratamento e fornecimento de água das mãos de empresas privadas. Temos como exemplos municípios de países pobres e grandes capitais do mundo, como Berlim, Paris e Buenos Aires. O caso de Paris é o mais significantivo. Foi um desafio, pois o poder público nunca havia recuperado um sistema daquela magnitude. No primeiro ano economizaram 35 milhões de euros, graças à internalização dos dividendos antes destinados aos acionistas. Também reduziram as tarifas em 8% em relação a 2009. Outro fato curioso é o de Berlim, o contrato privado era tão repudiado que nas eleições municipais de 2011 a remunicipalização encabeçava as propostas de três dos quatro principais partidos. No Brasil essa tendência engatinha em Itu, município no interior de São Paulo que sofreu drásticos cortes de água e protestos violentos no ano passado. Eles anunciaram a intervenção da concessionária, Águas de Itu. Com 155 mil habitantes, a continuidade de um contrato que só acabaria em 2037 abre as portas para que a remunicipalização do serviço possa acontecer no futuro. “As várias esferas – municipal, estadual e federal – podem e devem se estruturar para que toda a região metropolitana tenha água boa para beber. É preciso uma força-tarefa nesta direção para fazer a gestão desta crise e por em prática um Plano de Contingência, até porque já está faltando água”, diz Paula Santoro, mestre em Estruturas Ambientais e doutora em Habitat da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP).

redução de pressão, uma espécie de ‘rodízio não oficial’ com impactos desiguais no território e na população. Por exemplo, quem consegue armazenar água, sente menos os impactos”, conta Paula. Propôs-se um bônus na conta, que tem um impacto mínimo, não conseguindo atingir as metas esperadas, que eram de 50% de redução, chegamos a cerca de 20%. “Na mesma direção, a sobretaxa tem impacto maior sobre as contas da Sabesp do que para a economia de água. A transferência de água de outros sistemas para o abastecimento segue, mas promete não dar conta da demanda a curto prazo”, explica Paula. A Agência Nacional de Águas, que faz a outorga da água, e o Ministério do Meio Ambiente tem responsabilidade na gestão. Compete a eles organizar a Política Nacional de Recursos Hídricos, mas possuem poucos e ineficazes instrumentos de superação desta crise. A Prefeitura de São Paulo, que é responsável pela drenagem, está fazendo grandes obras, totalmente desarticuladas da possibilidade de armazenamento e reuso das águas, dizendo que essa não é sua responsabilidade. No dia 4 de fevereiro deste ano, após pressão de prefeitos, o governador Geraldo Alckmin criou o Comitê de Crise, que se reuniu apenas uma vez desde então. Já está completando mais de ano que vivemos uma ameaça muito próxima de colapso total. No inverno de 2015 entramos piores do que estávamos no passado, com um nível negativo na Cantareira, sem expectativa de chuvas. Enquanto isso, os cidadãos veem as enchentes sem um pingo na torneira e se perguntam: como a rua alaga e meu chuveiro continua sem água?

Remendos que não resolvem A Sabesp tem que ser eficiente, cumprir metas, mas precisamos lembrar que não é a gestora da política. Onde estão os investimentos do Governo do Estado, que recebe os lucros? É o Estado que decide onde e como investir. “Atualmente, estamos assistindo a políticas de diminuição de danos a curto prazo. Como é o caso da

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Túnel do tempo

Apesar deste ser um debate mais acalorado nos dias de hoje, o tema das mudanças climáticas é colocado em pauta desde o século 19

Daniele Savietto, colaboradora da Vira em Coimbra (Portugal)

A

inda que exista gente que não acredita nas mudanças climáticas, ela é real e já faz parte do nosso dia a dia. As discussões sobre suas causas e efeitos se intensificaram durante o século 20, quando consequências das ações humanas se evidenciaram de tal modo que não mais podiam ser ignoradas. Podemos dizer que tudo começou em 1712, quando Thomas Newcomen inventou o motor a vapor, responsável por possibilitar a Revolução

1824

Svante Arrhenius conclui que a era industrial, movida a queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), seria responsável pelo aumento do efeito estufa, com a produção de dióxido de carbono (CO2)

Joseph Fourier descreve o “efeito estufa”

1896

Industrial. Desde então, adotamos um modelo de “desenvolvimento” que não só alteraria o clima, mas que se não fosse repensado, inviabilizaria a vida na Terra. Para visualizarmos o rápido crescimento do problema, basta entender que em 1927 as emissões de carbono atingiram 1 bilhão de toneladas por ano; em 2014 chegamos a 8,8 bilhões de toneladas por ano.

1900

Guy Callendar relaciona o aumento do CO2 com o aumento da temperatura na Terra

Knut Angstrom descobriu que o CO2 absorve intensamente partes do espectro infravermelho, mostrando que o gás pode produzir aquecimento, levando ao efeito estufa

1938

1955

Gilbert Plass conclui que, ao dobrar a concentração de CO2, a temperatura será elevada entre 3ºC e 4ºC

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1958

Comissão de Aconselhamento à Presidência dos Estados Unidos alerta que o efeito estufa é uma “preocupação real”

Charles David Keeling fornece a primeira prova de aumento do nível de CO2 na atmosfera

1965

1972

Wallace Broecker divulga o termo “aquecimento global”

A primeira conferência da ONU sobre o meio ambiente é realizada em Estocolmo, capital da Suécia

1979

1975

1987

A Academia Nacional de Ciências Americana emite um relatório que relaciona o efeito estufa à mudança climática e alerta que “uma política de esperar para ver pode significar esperar até que seja tarde demais”

Criado o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU para avaliar as evidências em torno das alterações no clima

Em um discurso na ONU, Margaret Thatcher, então primeira-ministra do Reino Unido, alerta que “estamos presenciando um enorme aumento na quantidade de dióxido de carbono lançada na atmosfera... O resultado é que no futuro esse nível de alteração será provavelmente mais amplo e fundamental do que tudo que já vimos até aqui”

Protocolo de Montreal é criado e restringe o uso de materiais químicos que destroem a camada de ozônio

1988

As emissões de carbono atingem 6 bilhões de toneladas por ano

1989 O IPCC divulga seu primeiro Relatório de Avaliação, que prevê o aquecimento global em níveis de gases de efeito estufa produzidos pelo homem

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1990

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2007

2000 2001

COP 13, em Bali (Indonésia): as partes acordam o Plano de Ação de Bali que, ainda que não tenha fixado metas, estabeleceu um cenário para a COP 15, no qual existia a esperança de que um novo acordo aparecesse. O quarto relatório do IPCC conclui que há mais de 90% de chances de que as emissões de gases causadores do efeito estufa, a partir da atividade do homem, serem responsáveis pelas mudanças climáticas. Cientistas atômicos alertam que a mudança climática é um risco tão grande para a humanidade quanto a proliferação nuclear

COP 7, em Marrakech (Marrocos): o terceiro relatório do IPCC reforça a incontestável evidência do aquecimento global causado pelo homem. Ainda assim, George W. Bush, então presidente dos Estados Unidos, retira o país do Protocolo de Kyoto

COP 6, em Haia (Holanda): neste ano, cientistas declaram que a década de 1990 foi a mais quente já registrada meteorologicamente

1997 COP 3, em Kyoto (Japão): nasce o Protocolo de Kyoto, um dos documentos mais importantes de todo processo, que exige que os países industrializados reduzam as emissões numa meta de 5.2% entre 2008 a 2012. Os Estados Unidos declaram que não irão ratificar o acordo

1995

1992

Acontece a primeira Conferência das Partes (COP 1), em Berlim (Alemanha). Foi a primeira reunião a tratar especificamente dos problemas referentes ao aquecimento global. Nela é estabelecido o Mandato de Berlim, um compromisso entre os 117 países presentes, pedindo ações mais diretas de prevenção aos impactos das mudanças do clima (mitigação)

Há muita expectativa para a COP 15, em Copenhague (Dinamarca), acerca de um novo acordo global mais ambicioso, entretanto a conferência acaba em decepção com apenas uma declaração política controversa

2009

COP 17, em Durban (África do Sul), tem como prioridade negociações acerca do fim do Protocolo de Kyoto. Uma nova análise de registros de temperatura da Terra por cientistas preocupados com as acusações do “ClimateGate” (vazamento de informações) prova que a superfície terrestre do planeta de fato se aqueceu durante o século passado e as concentrações de gases de efeito estufa estão aumentando em um ritmo mais rápido do que em anos anteriores

Acontece a Rio+20, no Rio de Janeiro (Brasil), tendo como foco a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. Há também a COP 18, em Doha (Catar), que teve como objetivo chegar a um acordo conclusivo para o segundo período de compromissos até 2020. Países como Canadá, Japão e Nova Zelândia se juntam aos Estados Unidos e não participam deste compromisso

2011

2012 COP 20, em Lima (Peru), foi marcada por muitas expectativas para o novo acordo que deverá ser firmado em Paris, agora em 2015. O documento final da conferência foi o “Chamado de Lima para a Ação Climática”, mas ficou conhecido como “Rascunho Zero”. De acordo com o documento, os países deveriam definir seus compromissos de redução, que podem variar entre 40% e 70% até 2050

2014 Na ECO-92, no Rio de Janeiro, foi criada a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC), que solicita cortes voluntários nas emissões dos gases de efeito estufa. Em um documento, estabelece uma matriz única sobre mudanças climáticas. Entre seus principais objetivos, está “a estabilização do nível de efeito estufa”

A COP 21 será em Paris (França). Há muitas expectativas para que um novo acordo verdadeiramente ambicioso e eficaz seja firmado. Em fevereiro teve o Geneva Climate Change Talks, em Genebra (Suiça), onde houve um avanço no texto base para o acordo que deverá entrar em vigor em 2021. As discussões continuam em junho, em Bonn, e finalizarão em dezembro, na COP 21 em Paris

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sob pressão

governos para que Juventude pretende pressionar as na redução assumam metas mais ambicios de gases que provocam o efeito estufa

Pedro Neves, da Redação

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Acervo Engajamundo

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m dezembro vai rolar uma discussão muito importante em Paris, a chamada COP 21, que reúne os 196 países integrantes da ONU para chegarem a um consenso de como lidar com o meio ambiente. A COP (Conferência das Partes) é um foro internacional para negociar regras e políticas referentes à implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima (CQMC). Esses encontros acontecem anualmente e são de suma importância para a sustentabilidade do Planeta Terra, pois a emissão de gases e preservação do meio ambiente atingem todas as pessoas que o habitam. Parece simples, não? Desde 1995, quando começaram, as convenções discutem, opinam, apresentam planos e estabelecem metas. Por exemplo, em 1997, no Japão, foi adotado o Protocolo de Kyoto, único instrumento legal da Convenção até hoje, em que países do chamado “Anexo 1”, os desenvolvidos, teriam de diminuir a emissão de gases de efeito estufa. O tempo passou e aconteceram outras COP, mas nenhuma com grandes mudanças e ambições. Inclusive, um dos tópicos de Paris é justamente este: elaborar um substituto ao Protocolo de Kyoto. Importante é entender as mudanças climáticas e seus efeitos em longo prazo, como explica Enrique Murtua, coordenador da CAN (Climate Action Network): “o que faz o encontro ser de suma importância é o fato das condições climáticas atingirem todo ser humano. Sabemos que os países ricos são os que mais poluem, portanto, os que precisam de maior responsabilidade ambiental. Chegamos a um

Evento promovido pela ONG Engajamundo discute como criar metas mais ambiciosas para os acordos sobre o clima no mundo

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Acervo Engajamundo

ponto crítico em que as metas estabelecidas precisam ser igualitárias e de longo prazo”. O Brasil é um dos países que se destaca quando o tema é condições climáticas. O Ministério das Relações Exteriores publicou, no dia 17 de abril deste ano, um relatório em que a sociedade civil brasileira ajuda no processo de preparação que o país levará às negociações. No documento, as metas devem ser ambiciosas, tendo presente o contexto global de ambição, o desenvolvimento sustentável, as capacidades nacionais e a responsabilidade de cada país no aquecimento global. A questão é que alguns acham os padrões internacionais pouco ambiciosos. “Falta aumentar a ambição, equidade e justiça”, aponta Carlos Ritti, Secretário Executivo do OC (Observatório do Clima). O Observatório do Clima escreveu um documento com algumas propostas ao governo para serem levadas a Paris. Por exemplo, dividir o orçamento de emissões em dois períodos de implementação (em vez de fiscalizar em dez anos, fazer isso a cada cinco anos), uma redução sistemática de emissões a partir de 2021, estabelecer um teto de emissões até 2030, etc. Porém, o OC é especialista no assunto. Mas e as pessoas comuns, como ficam? A grande dificuldade disso tudo é a compreensão social, a linguagem técnica e acadêmica afasta setores da população. “Precisamos inserir a massa, pois a base da pirâmide é quem mais sofre com as consequências ambientais. Nada acontece sem a participação do povo. Precisamos que as camadas mais pobres entendam a discussão”, afirma Yeken Sarri, especialista em ativação das redes. Quando pensamos em uma linguagem universal e engajamento, não podemos nos esquecer dos jovens e sua participação em decisões para o bom andamento da terra. O Engajamundo, organização não governamental, sem fins lucrativos e apartidária, se preocupa em tornar o envolvimento da juventude brasileira em negociações internacionais mais efetiva e inclusiva. A ONG organiza desde 2013 formações nas cinco regiões do país, de São Paulo a Manaus, com realidades climáticas e opiniões distintas, em que jovens podem debater e entender mais sobre clima e as preocupações

Carlos Ritti, Secretário Executivo do Observatório do Clima: “Falta aumentar a ambição, equidade e justiça”

que ele acarreta. A ideia é conscientizar e mobilizar, para depois influenciar a família, rua e comunidade para ações mais sustentáveis. “Estamos fazendo diversas atividades em preparação para a COP 21, uma das principais é a realização de grupos de estudos sobre clima e negociações internacionais da UNFCCC (Convenção-Quadro sobre as alterações climáticas da ONU), pretendemos também ir a Brasília pressionar o governo por metas ambiciosas”, explica Marcelo de Medeiros, coordenador do GT de Mudanças Climáticas do Engajamundo. A participação da juventude é essencial não só nos acordos internacionais ou mobilizações, mas também na comunicação entre as mais diferentes faixas etárias, gêneros e classes sociais. A criança que tem cada dia um pouquinho de sua infância tirada, não pode abdicar de sua força e papel no mundo. O futuro lhes pertence e, com todo o direito, devem lutar pelo o que é seu. Afinal, são nosso maior exército. “O cenário é de preocupação no mundo inteiro, as metas de redução não são nada ambiciosas. A sociedade civil precisa pressionar o governo para que o Brasil tenha uma meta desafiadora e que a coloque em prática”, finaliza Marcelo.

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Sebastian Roa, Virajovem de Manaus (AM)*

Um milênio renovado em 15 anos Para que o mundo mude para melhor é preciso engajamento e sensibilização das novas gerações

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á quinze anos ocorreu um dos maiores eventos que a Organização das Nações Unidas (ONU) já realizou. A ocasião reuniu 191 mandatários do mundo todo para discutir o futuro da humanidade, tendo em conta os rumos que o mundo estava tomando naquela época. Assim surgiram os “Oito Desafios do Milênio”: erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Todos buscando a melhoria da qualidade de vida das pessoas e, principalmente, focando os esforços nos paradoxos criados pelo desenvolvimento até o ano 2000. Mesmo assim fica uma série de questionamentos sobre os oito desafios: Conseguimos alcançar as metas traçadas em 2000? O que mudou de lá para cá? O que conseguimos melhorar? E agora? Quinze anos depois surgem outros desafios e ficam alguns do passado para

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Juventude caindo no mundo Algo muito bom que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio nos mostraram foi o poder da juventude em todo este processo. Nos últimos 15 anos, milhares de jovens criaram redes de participação juvenil, espaços de discussões e principalmente despertaram no mundo a esperança de um lugar melhor para se viver. Foi com a força da juventude que países se viram obrigados a tomar providências contra a caça às baleias. Foi a mesma juventude que derrubou ditaduras em meio à sede por democracia. No entanto, todos os desafios propostos ainda não foram superados. No entanto, ferramentas de inclusão e participação social foram criadas em

vários segmentos e hoje conseguimos ter esses processos como referências na luta pela igualdade social e direitos humanos.

E agora? Os desafios agora são outros, a agenda de trabalho a partir de 2015 surge para implementar os outros desafios por meio do desenvolvimento sustentável, pois neste processo de 15 anos o mundo percebeu que tudo depende dessas duas palavras. De alguma forma, tudo está entrelaçado na relação terra e ser humano. As mudanças já começaram na forma de escolha de prioridades desses objetivos. Antes de pensar Divulgação

continuar o árduo trabalho de alcançá-los. Com os “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, que começam a vigorar em 2015, o mundo organiza e avalia seu foco nas prioridades de desenvolvimento, por meio dos 17 desafios e 169 metas que ainda serão aprovadas pela Assembleia Geral da ONU. Os ODS abrangem problemas socioeconômicos, como pobreza, fome, igualdade de gênero, industrialização, desenvolvimento sustentável, pleno emprego, educação de qualidade, mudança climática e energia sustentável para todos. Segundo o relatório da ONU sobre os ODM, foi possível melhorar significativamente de 2000 para cá, apenas três objetivos foram parcialmente alcançados (reduzir pela metade o número de pessoas vivendo na extrema pobreza; reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso à água potável e melhorar a vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de favelas), isso quer dizer que existem menos pessoas morrendo de fome no mundo todo, menos pessoas fora da faixa de extrema pobreza, mais crianças nascendo vivas. Porém, o respeito ao meio ambiente não chegou perto o suficiente para diminuir o descongelamento das geleiras e as catástrofes naturais (desabamentos, seca de rios etc). Isso quer dizer que, no geral, os trabalhos não param por aqui. Em quinze anos, o mundo mudou muito, a internet se propagou e tornou-se uma prioridade, o meio ambiente está em um estágio negativo irreversível, pessoas infectadas com vírus do HIV não têm tratamentos adequados, e se visto de maneira desagregada, a transmissão tem aumentado em algumas regiões, além de outras doenças.

neles junto aos mandatários, a ONU realizou uma pesquisa mundial com jovens, sobre quais eram as prioridades, os anseios da juventude em relação ao mundo. A agenda de 2015 tem como combustível principal a participação social, a juventude como parte da solução e a sustentabilidade como palavra de ordem. “Empoderar”, “política pública”, “igualdade de gênero” são novos termos nesse contexto de mudanças e luta por ampliação dos direitos. Temos esperança em um mundo melhor, que mesmo em altas temperaturas, guerras e pobreza ainda consegue se reerguer com a força dos sonhadores e o espírito da juventude.

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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o mínimo do mínimo Teste seus conhecimentos básicos sobre mudanças climáticas Diego Henrique da Silva, do Virajovem Curitiba (PR)

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Qual o único gás que filtra a radiação ultravioleta do tipo B (que é uma radiação extremamente nociva aos seres vivos)?

a. Argônio b. Hélio c. Xenônio d. Neônio e. Ozônio

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a. Energia Hidrelétrica b. Energia Solar c. Energia Eólica d. Energia Termelétrica e. Energia de Biomassa

Qual é o gás que causa o efeito estufa, aumentando a temperatura na Terra?

a. Metano b. Dióxido de carbono c. Óxido nitroso d. Oxigênio e. Prefluocarbonetos

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O que é sequestro de carbono?

a. Processo de remoção do gás carbônico da atmosfera e seu armazenamento em latões junto ao lixo tóxico. b. Atividade ilícita da indústria de eletrodomésticos que sequestra gás carbônico e o utiliza em seus sistemas de refrigeração. c. Processo de remoção do gás carbônico realizado, por exemplo, por florestas e oceanos, que captam esses gases e fazem a fotossíntese, devolvendo oxigênio para a atmosfera. d. Despejo de gás carbônico na atmosfera, através de 26

carros e veículos que utilizam combustíveis fósseis. e. Processo de remoção do gás carbônico realizado por grandes indústrias que, em vez de expelirem fumaça por chaminés, armazenam seus gases poluentes em grandes máquinas de filtragem e limpeza do ar.

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Qual das fontes de energia abaixo é a mais prejudicial ao clima no planeta?

Qual dos instrumentos legais abaixo é inexistente no Brasil e poderia ser uma alternativa para ajudar a frear o superaquecimento do planeta?

a. Novo Código Florestal Brasileiro b. Lei do Desmatamento Zero c. Política Nacional de Educação Ambiental d. Política Nacional de Combate às Mudanças Climáticas e. Estatuto da Terra

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Existe um Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, que reúne dinheiro advindo de diferentes fontes, especificamente pra ser usado em ações de combate às mudanças climáticas no Brasil. Quais das ações abaixo não são financiadas pelo fundo? a. Indenização às comunidades indígenas e ribeirinhas afetadas por construções de barragens e/ou usinas hidrelétricas. b. Educação, capacitação, treinamento e mobilização na

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área de mudanças climáticas. c. Projetos de redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa – GEE. d. Desenvolvimento de produtos e serviços que contribuam para a dinâmica de conservação ambiental e estabilização da concentração de gases de efeito estufa. e. Pagamentos por serviços ambientais às comunidades e aos indivíduos cujas atividades comprovadamente contribuam para a estocagem de carbono, atrelada a outros serviços ambientais.

DE 1 A 2 ACERTOS Caso complicado Onde você estava nas aulas de Ciências ou Biologia?! Comece a ler mais sobre o assunto, devore essa edição da Revista e comece a participar de atividades de formação na área ambiental. Não decepcione o planeta, rs. DE 3 A 4 ACERTOS Você pode melhorar... Ok, você não tá sabendo do básico tão bem quanto poderia. Mas já deu pra sentir que está no caminho certo! Mas, hein, não pare de ampliar os conhecimentos no campo socioambiental. A internet tá cheia de publicações, documentários e videoaulas ótimas sobre o assunto. DE 5 A 6 ACERTOS Orgulho da Vira! Muito bem!!! Você manja do básico quando o assunto é mudanças climáticas. Parabéns! Maaaas, inteligente do jeito que é, você sabe que não dá pra se acomodar, né? Continue se interando sobre o assunto e ajude a disseminar conhecimento por aí! Que tal emprestar essa edição da Vira pra um(a) amigo(a) ler, hein? Ou indicar essa edição especial, pelas suas redes sociais na internet? #ficadica

Fontes: Ministério do Meio Ambiente, ANDI Comunicação e Direitos e Greenpeace Brasil. RESPOSTAS: 1-E, 2-B, 3-C, 4-D, 5-B, 6-A. Revista Viração • Ano 13 • Edição 109

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imagens que viram

Todo dia é Dia da Terra

Texto: Sebastian Roa, Virajovem de Manaus (AM)

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a Argentina até Zagreb, muitas organizações e movimentos sociais se mobilizaram para celebrar o Dia da Terra por meio de várias ações de sensibilização. A iniciativa foi coordenada pela Rede+Você e contou com a participação de 17 países

Fundación Casa De Amor Fundacam - San Pedro (Republica Dominicana) Clube de jovens se reúne para plantar árvores

ao redor do mundo que mobilizaram seus esforços para discutir as mudanças climáticas e a importância da próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climática (COP21), que será realizada em dezembro deste ano em Paris.

Escola nº 51 - Falucho Argentina - Estudantes realizaram uma horta para a escola durante o Dia da Terra

CABIMAS, Venezuela - A escola realizou uma peça infantil para sensibilizar sobre as mudanças climáticas

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22 de Abril

Cordoba, Argentina - Fundación Tierra Vida promove Dia de sensibilização com crianças, adolescentes e adultos

Arkbou, Argélia - Intervenção ambiental em praça pública

São Paulo, SP - A ONG Engajamundo realizou várias atividades no vão do Museu de Arte de São Paulo (MASP)

Bogotá, Colômbia - As atividades foram realizadas pela Red Nacional de Jóvenes de Ambiente com uma visita ao maior humedal de Bogotá

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que figura!

Defensora das vozes da natureza

dunidense Rachel Precursora do movimento ambientalista, a esta unciar os agrotóxicos Carson foi uma das primeiras a den Alessandro Muniz, do Virajovem Natal (RN)*

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Novaes

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ma das primeiras pessoas a denunciar o impacto ambiental destrutivo dos venenos utilizados para combater pragas na agricultura, jardinagem e saúde pública com a publicação do livro Primavera Silenciosa em 1962, Rachel Carson ganhou notoriedade e foi uma das precursoras e inspiradoras do movimento ambientalista. Nasceu em 1907 na cidade de Springdale, Estados Unidos. Bióloga, especializada em vida marinha, trabalhou durante quinze anos no Serviço de Pesca e Vida Selvagem do governo estadunidense, além de ministrar aulas de zoologia na Universidade de Maryland. Após a publicação de três livros sobre biologia marinha, conseguiu independência financeira enquanto escritora e passou a dedicar-se a pesquisa e a escrita. Em 1958, recebeu uma carta de sua amiga e jornalista Olga Huckins sobre a morte de pássaros em seu quintal, devido a pulverizações aéreas de DDT, um veneno que passou a ser muito usado na agricultura, para prevenir piolhos e outras enfermidades públicas e utilizado indiscriminadamente nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Fois esse veneno que originou o termo popular “dedetização”. A partir daí, passou a dedicar-se a pesquisar o impacto do uso desse e de outros venenos, para os quais não havia na época regulamentação, orientações ou restrições por parte da sociedade e do poder público estadunidense. Após quatro anos de extensa pesquisa, que incluiu a colaboração de pesquisadores de vários países, ela publicou a obra já citada, que lhe rendeu notoriedade, mas também causou grandes conflitos com a indústria química de pesticidas. Essas empresas tentaram desacreditar Rachel e seus colaboradores, buscando deslegitimá-la por não ter doutorado (ela era mestre em zoobotânica) e atacando-a de forma preconceituosa, apelidando-a de “freira da natureza”, “solteirona”, “feiticeira”, entendendo que o fato de ela ser mulher significava que sua voz não tinha valor e importância.

Em 1963, discursou no Congresso americano pedindo novas políticas destinadas a proteger a saúde humana e o meio ambiente. Sua atuação e pesquisa influenciaram na criação da Agência de Proteção Ambiental estadunidense em 1970, como também na proibição do DDT em vários países, a começar pela Hungria (1968), Noruega e Suécia (1970), Alemanha e Estados Unidos (1972). No Brasil, esta proibição só aconteceu em 2009. Morreu aos 57 anos, em 1964, de câncer de mama. Posteriormente verificou-se que um dos fatores que causou a doença pode ter sido a sua grande exposição às substâncias químicas tóxicas em razão de suas pesquisas.

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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Questão invisível Segundo professor e militante, o tema das mudanças climáticas não faz parte do currículo escolar

por questões ideológicas

Joaquim Moura, Virajovem de Porto Alegre (RS)*

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os últimos anos, as mudanças climáticas vêm chamando a atenção da população e principalmente dos militantes do meio ambiente. Nesse tempo aconteceram várias conferências da ONU sobre mudanças climáticas e muitos e muitos seminários e outros eventos pelo país e pelo mundo, mas a pergunta que fica: “Quando esse assunto vai ser levado para as escolas?” Para falar sobre isso conversamos com Eduardo Luis Ruppenthal, professor de Biologia da rede pública de ensino no Rio Grande do Sul e membro do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MOGDEMA), sobre formas de inserir esse conteúdo nas aulas da escola. Como abordar esse tema com os alunos de uma maneira simples? Eduardo Luis Ruppenthal: Fazer a reflexão das situações cotidianas, de como o sistema coopta, ideologicamente, principalmente a juventude para que entenda e aceite essa lógica consumista, da criação de “necessidades” não reais, de relacionar os valores humanos mais básicos como a felicidade não na sua essência e sim à lógica materialista. Penso que algumas expressões possam expressar isso: “Consumo, logo existo” ou na propaganda apelativa como da Coca-Cola que passa uma mensagem subliminar “Abra a felicidade”.

Você acha que esses alunos jovens já têm consciência sobre esse assunto? Pode ser que não ou em parte. O debate e a reflexão fazem com que essa consciência seja criada, porque são eles os mais mobilizados para serem consumistas. A disputa ideológica se dá com e na juventude. Por que isso não foi abordado nas escolas ainda? De forma geral, não existe uma proposta institucional nos currículos sobre o tema. Por isso, ainda está muito restrito a atitudes de professores e alunos que queiram pautar e sabem da importância do tema. Assim como tantos outros, que às vezes por serem polêmicos ou que questionam a ordem estabelecida, moral ou política, não são abordados em sala de aula, por exemplo a legalização do aborto, educação sexual, eutanásia, etc. Além disso, a discussão séria e consequente do tema, iria contra a lógica da política dos governos, em todos os níveis, de desenvolvimento econômico e social, já que na maior parte das vezes, o aumento das causas das mudanças climáticas estão em ações e políticas implementadas e financiadas pelos próprios governos.

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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no escurinho

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Narrativas do pós-apocalipse

Sérgio Rizzo*

Divulgação

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esde as suas origens na literatura e no cinema, a ficção científica costuma apresentar distopias ambientadas em cenários pós-apocalípticos. Nessas tramas, a Terra foi devastada – as razões, frequentemente, vêm dos céus, como invasões alienígenas e choques estelares – e os sobreviventes precisam lutar – às vezes, uns contra os outros; às vezes, contra o meio; e, de vez em quando, contra ambas as alternativas – para manter a espécie humana sobre o planeta. No século 21, o avanço da consciência sobre os efeitos das mudanças climáticas e das agressões ao meio levou, sobretudo no cinema, a um filão de longas-metragens – em muitos casos, superproduções com amplas expectativas de bilheteria – que projetam, no futuro, sociedades sombrias em meio ao caos provocado pela escalada desses fatores. São filmes que tendem a ser muito interessantes, daqui a algumas décadas, para que possamos entender melhor os temores que prevalecem entre nós hoje. Tome-se, por exemplo, a presença da água como produto raro, que determina o jogo de forças sociopolíticas, na especulação futurista de filmes como a animação brasileira Uma História de Amor e Fúria (2013) e o drama de ação australiano-americano Mad Max: Estrada da Fúria (2015). O diretor e roteirista do primeiro, Luiz Bolognesi (que escreveu Bicho de Sete Cabeças), disse à época do lançamento que a criação do Rio de Janeiro no final do século 21, tal como se mostra no filme, foi baseada em pesquisas e tendências do momento. Arruinadas as condições de vida nesse planeta, partiremos para o próximo? É a alternativa imaginada pela trama de Interestelar (2014), no qual fendas temporais e viagens espaciais são combinadas para permitir que planetas distantes sejam avaliados e, se “aprovados”, se tornem alvo de expedições colonizadoras do homem para que a espécie sobreviva longe daqui. Ao final, uma pergunta pode muito bem ser feita pelo espectador: faríamos isso para, depois da Terra, ter o privilégio de destruir também outro planeta?

(*) Jornalista, professor e crítico de cinema: www.sergiorizzo.com.br

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parada social

Meio ambiente nas telonas

Em sua 6ª edição, Mostra de Audiovisual exibe

produções que abordam questões ambientais

Jhony Abreu, do Virajovem Manaus (AM)

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Jorge Marcos

Circuito Tela Verde (CTV) é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, por meio do Departamento de Educação Ambiental (DEA) em parceria com a Secretaria do Audiovisual (SAv) do Ministério da Cultura. O CTV promove regularmente a Mostra Nacional de Produção Audiovisual Independente, que reúne vídeos com conteúdo socioambiental para serem exibidos em todo território nacional e em algumas localidades fora do país. São lançados editais periodicamente com o intuito de selecionar as produções que farão parte da Mostra. Atualmente, a Mostra Nacional de Produção Audiovisual Independente está na sua 6.ª edição, tendo como objetivo divulgar e estimular atividades de Educação Ambiental, por meio da linguagem audiovisual, e assim fomentar a construção de valores culturais comprometidos com a sustentabilidade socioambiental. Em 2015, foram selecionados 21 vídeos que abordam temáticas variadas, como unidades de conservação, agricultura familiar, água e energia, comunidades tradicionais, entre outros temas. Há ainda 34 curtas de animação, com duração de um minuto, que tratam especificamente sobre resíduos sólidos. Participam em todo o Brasil 1.422 instituições entre prefeituras, organizações não governamentais, secretarias municipais e estaduais de Meio Ambiente, secretarias municipais e estaduais de Educação, órgãos de Meio Ambiente, universidades, institutos federais, escolas etc. Este ano a Mostra ocorre de junho a 30 de setembro de 2015 e serão ao todo 1.785 espaços exibidores.

tá na mão Confira a lista dos espaços de exibição de vídeos da Mostra no site do Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br

Alunos da Fundação Falhauber do Rio de Janeiro, um dos espaços exibidores da 6ª edição do CTV

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Sustentabilidade: como nos engajarmos? Confira dicas simples de como se relacionar com o mundo de modo sustentável Emília de Mattos Merlini, do Virajovem Lima Duarte (MG)

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ssa é uma pergunta que já me fiz quando vivi em São Paulo (SP). Eu tinha vontade, mas não tinha tempo. Hoje eu acredito que a sustentabilidade verdadeira realmente não condiz com o modo de viver da maior parte das pessoas do planeta, especialmente das que vivem em grandes cidades. Mas isso não significa que não podemos fazer nada. A primeira coisa é pesquisar. A grande mídia não ajuda muito, mas pesquisando no mundo virtual, encontramos exemplos de pessoas e grupos inovando de maneira sustentável nas diversas áreas de interesse, nas quais podemos nos engajar. Há a comunicação não-violenta, que pode melhorar nossas relações; a bioconstrução e a permacultura que podem melhorar nosso espaço; os plantios de hortas urbanas que crescem no mundo todo e o movimento “novos rurais” de pessoas que saem das cidades grandes em busca de autonomia e saúde. É importante ainda apoiar quem já está neste caminho. Cosméticos naturais e alimentos orgânicos podem custar mais caro, mas ao escolhermos esses produtos incentivamos uma cadeia de sustentalibidade e economizamos no plano de saúde. Grandes corporações

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levam o dinheiro para fora do país, poluem solos, ar, água, constroem relações hierárquicas e competitivas, em detrimento das colaborativas e solidárias. Ao tirar férias, porque não viajar pelo Woof ou Work Exchange (redes de voluntariado em fazendas orgânicas)? Não é preciso arcar com alimentação e hospedagem. A pessoa trabalha, aprende sobre outras práticas e formas de viver, conhece um lugar novo e gasta pouco dinheiro. O neoliberalismo nos faz acreditar em uma única forma de viver, ser feliz, sonhar. Quando nos arriscamos por outros caminhos é comum o medo e a insegurança, mas logo percebemos os ganhos em solidariedade, autonomia, auto-realização, qualidade de vida, segurança alimentar... O contato com a natureza e viver em um ritmo mais próximo ao da natureza traz saúde física, emocional e espiritual. Hoje me parece não haver outra opção a não ser nos engajarmos em pensamentos, emoções e ações sustentáveis. Caso contrário, em breve, não estaremos mais aqui. O planeta ainda vai existir e se reconstruir, mas nós... Esse não é um caminho perfeito porque não há caminhos perfeitos, algo sempre faltará, mas pode ser muito gratificante...

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