Revista Viração - Edição 108 - Agosto-Setembro/2014

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Gutierrez de Jesus

quem faz a vira pelo brasil

Nova turma da Agência Jovem de Notícias, em São Paulo, no primeiro dia de formação na nova sede da Viração.

Conheça os Virajovens em 20 Estados brasileiros e no Distrito Federal: Aracaju (SE) Belém (PA) Boa Vista (RR) Boituva (SP) Brasília (DF) Campo Grande (MS) Curitiba (PR) Fortaleza (CE) João Pessoa (PB) Lavras (MG) Lima Duarte (MG) Macapá (AP) Maceió (AL) Manaus (AM) Natal (RN) Picuí (PB) Pinheiros (ES) Porto Alegre (RS) Recife (PE) Rio Branco (AC) Rio de Janeiro (RJ) Salvador (BA) S. Gabriel da Cachoeira (AM) São Luís (MA) São Paulo (SP) Sud Mennucci (SP) Vitória (ES)

Auçuba Comunicação e Educomunicação – Recife (PE) • Avalanche Missões Urbanas Underground – Vitória (ES) • Buxé Fixe - Amadora (Portugal) • Camp - Uma escola de cidadania Porto Alegre (RS) • Casa Peque Davi – João Pessoa (PB) • Catavento Comunicação e Educação – Fortaleza (CE) • Cipó Comunicação Iterativa – Salvador (BA) • Ciranda – Central de Notícia dos Direitos da Infância e Adolescência – Curitiba (PR) • Coletivo Jovem – Movimento Nossa São Luís – São Luís (MA) • Gira Solidário – Campo Grande (MS) • Grupo Conectados de Comunicação Alternativa GCCA – Fortaleza (CE) • Grupo Makunaima Protagonismo Juvenil – Boa Vista (RR) • Instituto de Desenvolvimento, Educação e Cultura da Amazônia – Manaus (AM) • Instituto Universidade Popular – Belém (PA) • Mídia Periférica – Salvador (BA) • Instituto Candeia de Cidadania – Lima Duarte (MG) • Jornal O Cidadão – Rio de Janeiro (RJ) • Lunos – Boituva (SP) • Movimento de Intercâmbio de Adolescentes de Lavras – Lavras (MG) • Oi Kabum – Rio de Janeiro (RJ) • Projeto de Extensão Vir-a-Vila (UFRN) - Natal (RN) • Projeto Juventude, Educação e Comunicação Alternativa – Maceió (AL) • Rejupe • União da Juventude Socialista – Rio Branco (AC)


Copie sem moderação! Você pode: • Copiar e distribuir • Criar obras derivadas Basta dar o crédito para a Vira!

editorial quem somos

A

Repensar a política

N

este ano de 2014, os eleitores terão a oportunidade de ir, ao menos, duas vezes às urnas. A Viração não está, com esta afirmação, prevendo o segundo turno das eleições para presidente e governadores dos Estados. Antes disso, neste mês de setembro, os movimentos sociais organizam um plebiscito popular para iniciar a discussão acerca da reforma política do Brasil. A reportagem de capa desta edição demonstra como um plebiscito organizado pela sociedade, apesar de não ter condições de, por si só, aprovar a proposta da reforma política, indica claramente ao poder público a necessidade de convocar uma Constituinte para debater e encaminhar a questão. Nesta edição da Vira, você ainda fica por dentro de como foi o encontro de jovens que vivem e convivem com HIV/ aids em Marabá (PA), além de saber como é um hotel destinado a pessoas consideradas loucas. Boa leitura!

Viração é uma organização não governamental (ONG) de educomunicação, sem fins lucrativos, criada em março de 2003. Recebe apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo e da ANDI - Comunicação e Direitos. Além de produzir a revista, oferece cursos e oficinas em comunicação popular feita para jovens, por jovens e com jovens em escolas, grupos e comunidades em todo o Brasil. Para a produção da revista impressa e eletrônica, contamos com a participação dos conselhos editoriais jovens de 20 Estados, que reúnem representantes de escolas públicas e particulares, projetos e movimentos sociais. Entre os prêmios conquistados nesses dez anos, estão Prêmio Don Mario Pasini Comunicatore, em Roma (Itália), o Prêmio Cidadania Mundial, concedido pela Comunidade Bahá’í. E mais: no ranking da ANDI, a Viração é a primeira entre as revistas voltadas para jovens. Participe você também desse projeto. Paulo Pereira Lima Diretor Executivo da Viração – MTB 27.300

Apoio institucional

Asso

ciazione Jangada


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Carta na era digital Rede de 30 mil usuários resgata e compartilha seus escritos em plataforma digital na internet, compondo um grupo de jovens escritores brasileiros

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Direito negado O acesso de jovens com deficiência à educação é um direito inquestionável que, no entanto, ainda não é viabilizado na rede pública de ensino

Troca positiva Jovens vivendo e convivendo com HIV/aids encontramse em Marabá (PA) para partilhar experiências; a educomunicação ajudou a integrar a galera

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Sri Lanka

Manda Vê Imagens que Viram Quadrim No Escurinho Que Figura

RG da Vira: Revista Viração - ISSN 2236-6806 Conselho Editorial

Eugênio Bucci, Ismar de Oliveira, Izabel Leão, Immaculada Lopez, João Pedro Baresi, Mara Luquet e Valdênia Paulino

Conselho Fiscal

Everaldo Oliveira, Renata Rosa e Rodrigo Bandeira

Conselho Pedagógico

Alexsandro Santos, Aparecida Jurado, Isabel Santos, Leandro Nonato e Vera Lion

Presidenta

Susana Piñol Sarmiento

Vice-Presidenta

Movimentos sociais pautam a questão da reforma política, articulando plebiscito a ser realizado na primeira semana de setembro.

Tortura e democracia

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Estudante da PUC-SP denuncia que foi torturado por policiais militares quando protestava durante a greve dos metroviários, em junho deste ano

Como será o amanhã? Apesar dos avanços em diversos setores sociais, o Brasil ainda tem muitos desafios a enfrentar. Mas o que deve ser prioridade na agenda do País?

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Arte que cura A partir de técnicas de expressão artística, problemas de saúde psíquica são tratados em uma espécie de hotel no Rio de Janeiro

Virajovem viaja para o Sri Lanka para acompanhar a Conferência Mundial de Juventude. Mas isso só foi possível com a ajuda de 60 pessoas

sempre na vira:

Amanda Proetti

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Plebiscito popular

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Sexo e Saúde Rango da Terrinha Parada Social Rap Dez

Primeiro-Secretário Rafael Lira

Diretor Executivo Paulo Lima

Equipe

Bruno Ferreira, Carolina Ellmann, Elisangela Nunes, Manuela Ribeiro, Rafael Silva e Vânia Correia

Administrativo/Financeiro Norma Cinara Lemos

Mobilizadores da Vira

Acre (Leonardo Nora), Alagoas (Alan Fagner Ferreira), Amapá (Alessandro Brandão), Amazonas (Jhony Abreu, Claudia Maria Ferraz e Sebastian Roa), Bahia (Emilae Sena e Mariana Sebastião), Ceará (Alcindo Costa e Rones Maciel),

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Distrito Federal (Webert da Cruz), Espírito Santo (Jéssica Delcarro e Izabela Silva), Maranhão (Nikolas Martins e Maria do Socorro Costa), Mato Grosso do Sul (Fernanda Pereira), Minas Gerais (Emília Merlini, Reynaldo Gosmão e Silmara Aparecida dos Santos), Pará (Diego Souza Teofilo), Paraíba (José Carlos Santos e Manassés de Oliveira), Paraná (Juliana Cordeiro e Diego Henrique Silva), Pernambuco (Edneusa Lopes e Luiz Felipe Bessa), Rio de Janeiro (Gizele Martins), Rio Grande do Norte (Alessandro Muniz), Rio Grande do Sul (Evelin Haslinger e Joaquim Moura), Roraima (Graciele Oliveira dos Santos), Sergipe (Elvacir Luiz) e São Paulo (Igor Bueno e Luciano Frontelle).

Colaboradores

Antônio Martins, Heloísa Sato, Márcio Baraldi, Natália Forcat, Nobu Chinen, Novaes e Sérgio Rizzo.

Projeto Gráfico

Ana Paula Marques e Manuela Ribeiro

Revisão

Izabel Leão

Jornalista Responsável

Paulo Pereira Lima – MTb 27.300

Divulgação

Equipe Viração

E-mail Redação

redacao@viracao.org


diga lá!

O que é Educomunicação?

Durante a última Assembleia Extraordinária da Viração, que aconteceu em 24 de julho de 2014, compartilhamos novidades com nossos associados e virajovens, que nos acompanharam via stremming. Uma delas é que esta é a última edição de 2014 da Vira. E, a partir de 2015, ela será reformulada, passando a ser semestral e temática. Por isso, a Viração passa a potencializar seu site de conteúdo colaborativo, a Agência Jovem de Notícias. Sobre isso, recebemos alguns comentários de virajovens. Confira!

Via Youtube Olá, turma! Confesso que ainda estou digerindo as novidades. É fato que nosso público hoje tem acessado bastante as novas tecnologias. Mas a minha preocupação é muito mais com a turma que não tem acesso mesmo às tecnologias, a turma da periferia que está na luta junto conosco. Diego Teófilo, Virajovem de Belém (PA)

Gosto muito da revista impressa, mas se o momento é de escolhas, apoio a iniciativa. Só precisamos pensar nas comunidades que não acessam a internet. Já entreguei revistas em comunidades que me falaram do quanto é importante o jovem receber uma revista como a Vira. Evelin Haslinger, Virajovem de Porto Alegre (RS)

Resposta: Querido Diego e querida Evelin, entendemos a legítima preocupação de vocês! No entanto, a revista não deixará de existir no formato impresso. O que muda, na verdade, é apenas a frequência da publicação. Pretendemos que a revista continue chegando em locais em que o acesso à internet seja precário ou até mesmo inviável. E, ao mesmo tempo, continuamos na militância para que o direito à comunicação – incluindo-se à internet – seja efetivado também para esses jovens. Grande abraço e obrigado pela rica parceria!

Perdeu alguma edição da vira? não esquenta! Você pode acessar, de graça, as edições anteriores da revista na internet: www.issuu.com/viracao

Para garantir a igualdade entre os gêneros na linguagem da Vira, onde se lê “o jovem” ou “os jovens”, leia-se também “a jovem” ou “as jovens”, assim como outros substantivos com variação de masculino e feminino.

Agência Jovem de Notícias

É comum, nas edições da Vira, encontrar a palavra “educomunicação” ou o termo “educomunicativo”. A educomunicação é um campo de intervenção que surge da interrelação comunicação/educação para a transformação social. Dizemos que um projeto ou prática é educomunicativa quando adota em seus processos, especialmente do jovem, o caráter comunicacional, como o diálogo, a horizontalidade de relações e o incentivo à participação, fazendo com que os sujeitos exerçam plenamente o direito humano à expressão e à comunicação, em diferentes âmbitos e contextos. A Viração promove ações educomunicativas por meio da produção midiática, incentivando que adolescentes e jovens produzam reportagens coletivas em diferentes linguagens.

Como virar um virajovem? Virajovens são os integrantes dos conselhos editoriais jovens da Viração, que produzem conteúdos em suas cidades. O conselho pode ser um coletivo autônomo de jovens ou um grupo ligado a uma entidade, organização, movimento social, escola pública ou privada, que dará apoio para que os virajovens produzam conteúdos. A parceria entre a Vira e entidade é oficializada com um termo de compromisso e com a publicação do logotipo da organização na revista Quer saber mais? Entre em contato com a gente: redacao@viracao.org.

@viracao

Mande seus comentários sobre a Vira, dizendo o que achou de nossas reportagens e seções. Suas sugestões são bem-vindas! Escreva para Rua Bitencourt Rodrigues, 88, cj. 102 - CEP: 01017-010 - São Paulo (SP) ou para o e-mail: redacao@viracao.org Aguardamos sua colaboração! Parceiros de Conteúdo


manda vê

Juliana Cordeiro, do Virajovem Curitiba (PR) *, Bruno Ferreira e Carolina Ellmann, da Redação

Ocupar as ruas para se manifestar é um direito legítimo da sociedade. E, ao longo da história, vários foram os momentos que a manifestação popular mudou o seu curso, conquistando direitos importantes e minimizando as desigualdades e a opressão. No entanto, muitas pessoas ainda questionam e não veem com bons olhos a forma de se manifestar de alguns grupos, por utilizarem táticas de depredação contra o patrimônio público e privado. Esses grupos são qualificados, pelos grandes veículos de comunicação, como “vândalos” e “baderneiros” e ganham mais visibilidade nas notícias veiculadas do que a maioria dos manifestantes que ocupam o espaço público de maneira pacífica. Apesar de polêmica, há quem considere legítima a tática de manifestação desses grupos. O que você pensa a respeito?

Existe limite para a liberdade de manifestação? Amanda Hatzyrah Gustavo Francatti 16 anos | São Paulo (SP)

“Acho que não, pois quase toda manifestação tem como sinônimo a cultura... Então, não acho que deva existir limites!”

Isabel Mayer

22 anos | Curitiba (PR) “Existe limite, sim. A partir do momento que sua manifestação se torna algo ofensivo e agressivo essa liberdade já deve ser limitada. Se expressar com inteligência, expondo sua opinião é diferente de se manifestar de forma delinquente, sem pensar nas consequências dos atos.”

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20 anos | São Paulo (SP)

“Não acredito que exista limite, mas responsabilidade, bom senso e, sobretudo, respeito ao próximo. A partir do momento em que enxergamos o outro, respeitando o seu espaço, o nosso direito e liberdade à manifestação torna-se ilimitado, através da sensibilidade que nos torna capaz de colocar-nos no lugar de outrem.”

Verena Souza

27 anos | São Paulo (SP) “A ideia de limitar qualquer tipo de expressão ou manifestação simplesmente é impossível, pois manifestar-se é algo natural da vida. A tentativa de limitar apenas serve para induzir um falso senso de aprisionamento. Mas como o limite não cabe dentro da liberdade de manifestar-se, ele acaba gerando a culpa e seu ‘devido’ julgamento e condenação.”


Rodrigo Marx

17 anos | Três de Maio (RS)

Carlos Maffei

21 anos | São Paulo (SP) “É difícil colocar limites na liberdade de expressão, pois estaríamos classificando o que é certo e o que é errado, e com que critério? O limite encontra-se na dificuldade do diálogo, do discurso e da expressão artística. Portanto, estamos em constante quebra dos nossos limites, desconstruindo-os e (re)construindo-os a todo instante.”

“Posso fazer minha manifestação, juntar um grupo de pessoas, fazer minha manifestação com faixas e cartazes no centro da cidade, mas dentro de um certo limite. Se, por exemplo, minha forma de fazer uma manifestação fosse andar nu por aí eu certamente seria barrado por algum policial e impedido.”

Dyego Barbosa

22 anos | São Paulo (SP) “Sim, a liberdade de manifestação é a ideia de que existem leis que garantem ao cidadão a liberdade de questionamento para a luta por direitos. Mas desde que essa luta não cesse os direitos ou humilhem terceiros. Mas o limite costuma ser demarcado pelo bom senso de cada indivíduo.”

Larissa Jordan

27 anos | São Paulo (SP) “Não deve existir esse limite. Excetuando-se situações muito específicas, o que deve existir é respeito, empatia, solidariedade e, principalmente, disposição para o diálogo de ambas partes, tanto do manifestante como do receptor.”

FAZ PARTE Durante protesto ocorrido na abertura da Copa do Mundo, um pai foi buscar o filho que participava do ato junto aos Black Bloc’s no Tatuapé, zona leste de São Paulo. O adolescente de 16 anos que argumentava ter direito de se manifestar, foi retirado pelo seu pai. Logo após o episódio, o programa Fantástico, da Rede Globo, realizou uma entrevista com a família do estudante, em que criminalizou, nas entrelinhas o ato de manifestar-se. Em uma tentativa de deslegitimar as críticas ao mega evento, a cobertura jornalística sobre o caso deixou a desejar.

não é de hoje A tática de grupos como o Black Bloc não surgiu em 2013, durante as manifestações de junho pela redução do valor da tarifa do transporte público. O início desse tipo de estratégia no Brasil data do final da década de 1990, numa articulação de militantes para resistir à globalização neoliberal. Em setembro de 2000, em São Paulo, um grupo de manifestantes atacou o prédio da Bovespa, mostrando-se contrários a uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Praga, capital da República Tcheca. O ataque a símbolos do capitalismo, como bancos, faz parte da tática Black Bloc.

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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Escrita à moda antiga na internet Disponível via internet e celular, rede americana de escritores tem agora grupo brasileiro que e se comunica com o mundo todo por meio da poesia e de cartas

Ana Lidia Resende Paula, do Virajovem Lima Duarte (MG)

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ettrs é a nova plataforma digital que visa ligar pessoas de diversos lugares do mundo em torno da “palavra escrita”. “Letter” em português significa “carta”. A plataforma nasceu com o objetivo de restabelecer os antigos métodos de comunicação no mundo digital e permite que pessoas do mundo todo troquem cartas, textos e poesias virtualmente ou “ao vivo”, uma vez que podem enviar textos também para a sede da empresa e ela os repassa fisicamente. É possível ainda postar os escritos em uma página pessoal, de forma pública ou privada. Os textos são traduzidos para 80 idiomas para mais de 172 países. Criada em 2012 pelo norteamericano Drew Bartkiewicz, a rede possui 30 mil usuários cadastrados, está disponível para Iphone e, em breve, para Android, quando a rede espera dobrar o número de adeptos. Aqui no Brasil, há cerca de 400

membros, número que contribuiu para a criação, em fevereiro deste ano, do grupo BPS – Brazil Poets Society (Sociedade dos Poetas Brasileiros). A criadora do grupo, Natália Parreiras Rubra, de 29 anos, escritora e poetisa, conta que a vontade de compartilhar a rede foi imediata e que, quando a pediam um endereço para envio de cartas, ela indicava o aplicativo. Contradizendo mais uma vez a velha história de que jovem não lê e/ou não escreve, boa parte dos membros do BPS tem entre 12 e 19 anos, muitos deles estudantes de escolas públicas. “A Brazil Poets Society é o primeiro grupo auto-organizado dentro do Lettrs, e o grupo de jovens que mais me orgulha”, diz Bartkiewicz. Ele acrescenta que pretende realizar uma conferência com a BPS para trocar histórias dos nossos jovens escritores. A plataforma promove concursos mundiais e Natália


diz que, dentre os planos da BPS, está a publicação de livros com poemas e cartas de autoria dos participantes. Kétlen Mayara, de 16 anos, espera “que a galera se sinta à vontade para mostrar o que tem por dentro, seus sentimentos e suas palavras”. No começo deste ano, para dar mais brilho ao grupo, a BPS contou com o apadrinhamento de Paulo Coelho, um dos escritores brasileiros mais lidos no mundo. Natália conta que Coelho foi extremamente generoso e aberto ao projeto. Lettrs prega que seja tão fácil escrever uma carta para Coelho, quanto para a sua melhor amiga ou para um desconhecido, e a plataforma faz com que escrever torne-se ainda mais atraente. O piauiense Ronieslley Leal, de 13 anos, acredita que pela rede podem ser descobertos novos talentos: “participar do grupo é como voar sem ter asas”. “O uso do Lettrs poderia melhorar o interesse e a competência linguística dos jovens também em sala de aula”, diz a professora de português Aparecida Márcia. Ela se diz aberta a novas tecnologias, porém não vê meios de levá-la para a sala de aula já que a escola em que trabalha não tem computadores e estrutura suficiente. Já a professora Tanuse Fonseca, que trabalha em duas escolas, uma de ensino público e outra particular, diz que somente na escola privada conseguiria elaborar um trabalho com o aplicativo, já que existe sala de computação. O BPS tem como tema “A utopia é possível”, trazendo a ideia de que, com vontade e com palavra, realmente é possível. Para Natália, ver os jovens

envolvidos com a escrita é mais que uma realização pessoal, “é ideológica, estimulante e renovadora”. Porém, enfatiza que a rede é voltada para todas as gerações. Além de estimular o prazer pela escrita, Lettrs vêm transformando também as relações pessoais entre os membros, que trocam com pessoas do mundo inteiro, fazem grandes amizades e descobrem seu talento. Para Lucas Dias, de Natal (RN), a rede modificou sua vida “na rotina de escrever e ao receber comentários e críticas construtivas de pessoas de outros lugares”. Já Eduardo Vieira, de 14 anos, destaca a importância de “um dia multiplicarmos tudo o que aprendemos, despertando o desejo nos jovens de escrever”. A portuguesa Patrícia Silva, de 17 anos, também faz parte da rede brasileira: “o BPS abriu uma porta, porque eu só escrevia para mim, mas comecei a perder a vergonha e mostrar outro lado meu”. Thais de Oliveira, de 16 anos, espera “que a gente possa crescer cada dia mais respirando juntos a poesia”. Lettrs abriu portas para um grupo sólido de pessoas dispostas a romper barreiras. Natália acha importante desburocratizar o uso do aplicativo e destacar a essência: “o amor à palavra. Eu, que também faço parte do grupo, sei que temos sim um futuro promissor na palavra, na poesia e na busca desta utopia, que é sim possível!”.

tá na mão Confira o link sugerido pelo QR Code!

Para fazer parte, basta acessar o site www.lettrs.com ou baixar o aplicativo para celular; logar-se; preencher seu perfil e publicar algo com a tag #BPS.

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imagens que viram

Diversidade dos povos da Panamazônia

Ana Carla Oliveira, Diego Teófilo, Jorge Anderson, Karla Gouvêa, Letice Lima, Sidney Silva e Patrícia Cordeiro, do Virajovem Belém (PA)*

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cada dois anos, é realizado o Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA), que reúne diversas organizações articuladas na Pan-Amazônia, que envolve nove países da América do Sul (Brasil, Equador, Venezuela, Bolívia, República Cooperativa das Guianas, Suriname, Colômbia, Peru e Guiana). Entre os principais objetivos do evento, estão os de aproximar as culturas, fortalecer o combate anti-imperialista, desenvolver a autonomia dos povos, promover a justiça social e ambiental e discutir alternativas que construam a justiça e a igualdade social. De 28 a 31 de maio, na cidade de Macapá (AP), integrantes do Projeto Jovens Comunicadores da Amazônia, promovido pelo Instituto Universidade Popular – UNIPOP e apoiado pelo Instituto Oi Futuro, estiveram presentes ajudando na cobertura colaborativa do evento. O resultado foi a concretização da diversidade dos povos defensores dos direitos da Panazônia.

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*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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De portas abertas à diversidade Estatuto da Juventude prevê atendimento especializado a jovens com deficiência, no entanto , não é isso que se observa nas escolas públicas brasileiras Caroline Musskopf, do Virajovem Porto Alegre (RS)*

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ais de 45,6 milhões de brasileiros declararam ter alguma deficiência, segundo dados do Censo Demográfico 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com dados do Censo Escolar MEC/Inep 2009, 639.718 estudantes com necessidades especiais estão matriculados no Brasil. Desse total, 56% estudam em escolas regulares, 31% em especializadas e 13% frequentam classes especiais, porém dentro da escola comum. O Art. 10. do Estatuto da Juventude prescreve que “é dever do Estado assegurar ao jovem com deficiência o atendimento educacional especializado gratuito, preferencialmente, na rede regular de ensino.” A fim de contribuir para a realização deste direito, o Estado deve tomar medidas apropriadas para empregar professores preparados para atender todo o tipo de diferença, inclusive habilitado para o ensino da língua de sinais e/ou do braile. Esta capacitação deverá incorporar a sensibilização para a deficiência e a utilização de modos apropriados, meios e formatos de comunicação, técnicas e materiais pedagógicos, como apoios para pessoas com deficiência. Mas aí surgem algumas dúvidas: as escolas de ensino regular estão mesmo aptas para atender aos jovens com deficiência? O que é a educação especial? A educação especial é o ramo da educação que se ocupa do atendimento e da educação de pessoas com deficiência em instituições especializadas. Ela tem sido *Uma das virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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alvo de críticas por não promover o convívio entre as crianças especiais e as demais. Por outro lado, a escola direcionada para a educação especial conta com materiais, equipamentos e professores especializados. O sistema regular de ensino precisa ser adaptado e pedagogicamente transformado para atender de forma inclusiva. Conversamos com Mari Mantelli, coordenadora do curso de libras da Prefeitura Municipal de Canoas (RS), ex-diretora da EMEF Especial para Surdos Vitória e atuante na defesa dos direitos da comunidade surda. Ela começou a sua trajetória quando descobriu que teria um aluno surdo em sua turma. Durante aquele ano, eles se tornaram grandes amigos, porém, segundo ela, ele fez de conta que aprendeu e ela fez de conta que ensinou. No ano seguinte, Mara assumiu uma turma com um aluno deficiente visual, outro com deficiência motora, dois com distúrbios mentais e um surdo. Foi nesse momento que ela decidiu que iria buscar conhecimento para ensinar todos os seus alunos independente das diferenças em relação ao resto da turma. “Toda legislação necessária para o atendimento de alunos e pessoas com deficiência já existe e está devidamente regulamentada. O que falta ainda é o cumprimento das leis por parte de gestores em todas as instâncias governamentais. Se todas as leis de inclusão e acessibilidade fossem cumpridas, nosso país seria a maior referência do mundo em atendimento especializado”, conclui Mari.


quadrim

Bravura de samurai Nobu Chinen, crítico de quadrinhos

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uitos anos antes dos mangás, as histórias em quadrinhos típicas do Japão, tornarem-se um sucesso nas bancas de todo o Brasil, um grupo de desenhistas descendentes de japoneses já produzia aqui em nosso País histórias em quadrinhos inspiradas no estilo e nos temas da cultura nipônica. O mais conhecido desses artistas foi Claudio Seto que, já no final dos anos 1960, criou uma série de histórias publicadas sob a denominação de Histórias de Samurais para a editora Edrel. São narrativas que mesclam elementos ficcionais com personagens históricos e exploram enredos que valorizam a bravura, a lealdade e a honra, valores sagrados para os verdadeiros samurais. Não faltam intrigas políticas, conspirações e traições, mas também há momentos românticos, em que os samurais se envolvem com belas mulheres em elegantes e vistosos quimonos. Algumas dessas histórias foram pessoalmente selecionadas por Seto e relançadas no álbum Flores manchadas de sangue, em que é possível apreciar o traço ousado e a riqueza de detalhes na composição de trajes, cenários e paisagens com que o autor executou seu trabalho.

O álbum contém uma elevada dose de violência. No entanto, é preciso lembrar que esta nunca era gratuita, pois se tratava da característica de um gênero marcado por lutas de espadas e combates sanguinários. No período histórico retratado, as batalhas entre exércitos de guerreiros comandados por senhores feudais, os xoguns, eram constantes e o poder era sempre disputado pelas armas. Além disso, as histórias eram publicadas em revistas voltadas a um público mais adulto. Todas as histórias foram criadas e produzidas há mais de 40 anos, mas o estilo se mantém bastante atual. Claudio Seto faleceu em 2008, meses antes da publicação do álbum que, dessa forma, preserva uma parte de sua herança artística.

Por que é legal ler? As histórias de Seto têm um ritmo dinâmico e envolvente. As narrativas são ágeis e cheias de ação com enquadramentos ousados e um tratamento visual extremamente original.

Por que é importante ler? O mangá histórico, gênero em que as histórias de Flores manchadas de sangue podem ser enquadradas, é uma maneira interessante de conhecer aspectos da história e da cultura japonesa.

Para ler e refletir! Mangá é muito mais do que histórias com personagens de olhos grandes e cabelos esquisitos.


Diálogos sobre prevenção Jovens da Região Norte compartilham experiências sobre HIV/aids e outras DST em encontro regional Hércules Barros, integrante da Renajoc e colaborador da Vira em Brasília (DF)

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dança proporciona o reencontro com a capacidade de se comunicar. E foi essa potencialidade do carimbó, que marcou o início da integração de 80 jovens reunidos em maio, em Marabá (PA). O grupo veio do Maranhão, Tocantins e de várias cidades do Pará para participar do Encontro Regional de Jovens Vivendo e Convivendo com HIV/Aids da Amazônia Oriental para conversar sobre saúde e a capacidade afetiva de superar os desafios que os cercam. A musicalidade, na abertura do evento, serviu de pontapé inicial para os jovens falarem sobre suas vidas e estabelecerem conexão do fato de viverem com HIV/ aids como identidade pessoal na sociedade em que vivem. A troca de experiência foi compartilhada uns com os outros em três dias de palestras e oficinas. As atividades foram estendidas à população de Marabá e se encerraram com uma celebração ecumênica para lembrar as vítimas da epidemia. “A vigília em memória das pessoas que morreram em decorrência da aids foi um dos momentos mais marcantes”, lembra o paraense Fabrício Pacheco, de 19 anos. O jovem de Belém (PA) conta que para ele foi significativa a emoção percebida nos olhares dos participantes do encontro e das pessoas que passavam pela Orla de Marabá, local escolhido para a sentinela. “Naquele momento, percebi que é possível lutarmos contra o preconceito”, afirma. A cerimônia é realizada no mundo inteiro no dia 17 de maio e é conhecida como Candlelight Memorial (Memória à luz de velas, em português). O encontro dos jovens com aids da Amazônia Oriental ocorreu durante duas datas significativas

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para a juventude: o Dia Internacional de Combate à Homofobia, em 17 de maio, e o Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em 18 de maio. Um dos organizadores do evento, Eduardo da Amazônia, lembrou o papel significativo dos jovens nessas questões. “Tratar do desenvolvimento integral dos adolescentes e jovens fortalece, principalmente, o enfrentamento do preconceito ao HIV/aids e a adesão ao tratamento com os medicamentos.” A partir da troca de ideias em Marabá, os participantes do encontro puderam levar de volta para seus estados de origem as experiências bem sucedidas dos colegas. “Voltei para Palmas (Tocantins) mais fraterno e acolhedor com aqueles que tenho contato onde moro, principalmente os jovens”, avalia Henrique Ávila, de 24 anos, coordenador amazônico da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids (RNAJVHA). As discussões do encontro da Amazônia Oriental são parte das mobilizações regionais feitas pela Rede Nacional durante todo este ano.

Educom para sensibilizar Em Marabá, o encontro priorizou também a prática da educomunicação como atuação em rede e mobilização social. A gestão compartilhada do conhecimento sobre a aids se deu durante duas oficinas na periferia de Marabá. A primeira foi realizada


Ao ritmo do carimbó, jovens que vivem com HIV/aids dão início a encontro em Marabá (PA)

Hércules Ba rros

no bairro Araguaia (antiga Fanta), onde teve a “Blitz da Prevenção”, com distribuição de materiais educativos e repasse de informações sobre o diagnóstico precoce e outros assuntos correlacionados ao HIV. A atividade contou com testagem para HIV, sífilis e hepatites B e C, em parceria com o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) do município. A segunda formação educomunicativa correu na escola Pedro Peres Fontinelle, no bairro Morada Nova (a 50 minutos de carro do centro de Marabá). No colégio, foi realizado um batepapo com 20 professores, além de pais e alunos. Na oportunidade, foram discutidas alternativas para envolver os estudantes na construção horizontal do conteúdo desenvolvido em sala de aula de forma que eles se sintam parte do processo educativo. “A educomunicação me fez entender que não basta mudar a didática”, observa a professora Orisantina dos Santos. Ela que trabalha há 16 anos com crianças e adolescentes diz que é difícil conseguir o interesse e a concentração dos estudantes diante das atrações do mundo midiático atual. “Eles só pensam em namoro. Eu preciso entrar no universo dos alunos para entendê-los e relacionar o aprendizado à realidade deles. A educomunicação me mostrou que isso é possível”, explica. Os professores da Morada Nova concluíram a roda de conversa propondo a repensar juntos “o ensinar”, além de tentar aprender com os jovens como tratar dos temas curriculares de forma que desperte o interesse deles. O evento foi realizado pela Rede Jovens + Pará (articulação estadual da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens vivendo com HIV/Aids), em parceria com o Grupo de Prevenção às DST/ HIV/Aids e Drogas Julia Seffer (GRUPAJUS) e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).O evento contou com o apoio do Fundo Nacional de Solidariedade (FNS – Caritas Brasileira/CNBB), Fundo das Nações Unidas para a Infância(UNICEF), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Departamento de DST/Aids do Ministério da Saúde, Governo do Estado do Pará e Prefeitura Municipal de Redenção (PA).

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viração world

Suando para chegar lá!

Jovem da Renajoc foi convidado pelo governo a colaborar com a cobertura do evento

A cooperação de 60 pessoas viabiliza a participação de virajovem em conferência internacional que discutiu as prioridades do planeta a partir de 2015

Luciano Frontelle, de Colombo, Sri Lanka*

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e viajar para o outro lado do mundo já é uma aventura, consegue imaginar a quantidade de adrenalina se você tivesse apenas uma semana para arrecadar cerca de seis mil reais para conseguir chegar lá? Foi exatamente isso o que aconteceu comigo um pouco antes de começar o mês de maio, quando recebi o convite de representar a Rede Nacional de Jovens e Adolescentes Comunicadores e Comunicadoras (Renajoc) na Conferência Mundial de Juventude, em Colombo, Sri Lanka. Para quem não sabe, o Sri Lanka fica ao sul da Índia e, antigamente, era conhecido por outro nome: Ceilão. O país foi invadido e colonizado por ingleses, portugueses e indianos, mas hoje é um país independente, com presidente próprio. O convite veio da Presidência da República do Brasil, devido ao trabalho de facilitação que tenho feito em consultas com jovens de vários lugares a respeito de quais prioridades eles têm na hora de tentarmos chegar a um mundo mais justo e igualitário. Esse processo de definição de prioridades é chamado de Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, um assunto

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que já foi tratado aqui na Vira na reportagem de capa de dezembro de 2013, mas caso você não tenha lido, posso resumir dizendo que é um processo internacional, coordenado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que tem a participação dos governos do mundo todo. O objetivo é definir prioridades que complementem os objetivos atuais (Objetivos do Desenvolvimento do Milênio – ODM) e o prazo que eles têm é até 2015, daí o nome nada criativo e um tanto chato “Pós-2015”. Mas voltando à nossa aventura ao outro lado do mundo, a Conferência Mundial de Juventude, que aconteceu no Sri Lanka, é um evento que conta com o apoio da ONU e acontece a cada quatro anos (a última aconteceu no México, em 2010). Trata-se do principal espaço para as juventudes do mundo e os representantes de governo que desenvolvem políticas, ações e projetos para juventude se reunirem e definirem uma agenda em comum, acordando a respeito de princípios e direitos que devem ser garantidos aos jovens numa escala global. Esse acordo é construído em um espaço de negociações entre representantes de governo, recebendo as indicações dos jovens que também


participam da conferência. A negociação só avança a partir do ponto de que todos na sala estejam de acordo com o texto proposto, parágrafo por parágrafo, se isso não acontecer, quem discorda tem que conversar com quem está defendendo a alteração, adição ou manutenção do texto para que possam chegar a um consenso. Os pontos mais polêmicos foram os referentes a direitos sexuais e reprodutivos, porque acaba gerando o debate sobre o aborto e o reconhecimento e direito de jovens LGBTQI (Lésbicas, Gays, Transexuais, Travestis, Queer e Intersexo). Isso levou a uma parada total das negociações para que o bloco de nações que não queriam esses itens no texto – como Arábia Saudita, Camarões e Indonésia –, e os que defendiam a manutenção da proposta, representados, na maioria das vezes, por Brasil e Filipinas. A questão se resolveu quando foi reconhecido que o texto sobre direitos sexuais e reprodutivos já havia sido acordado em outra conferência, o que viabiliza ser colocado em outra declaração e os termos que mencionavam LGBTQI foram retirados. Ao todo, cerca de 40 países participaram da negociação e jovens de mais de 150 nações estiveram em Colombo. O documento tem uma primeira tradução para o português e pode ser acessado em http://bit.ly/wcy2014.

Vaquinha Como disse no começo, recebi um convite para ir à Conferência, mas nem os governos do Brasil nem do Sri Lanka tinham como pagar minhas passagens até Colombo. Só podia contar com hospedagem e alimentação uma vez que tivesse chegado lá. Tinha cerca de uma semana para achar uma solução e um jeito de viajar e poder atuar como jovem educomunicador, produzindo informações para o site do Pós-2015 e para a galera aqui no Brasil, nas redes sociais. Depois de tentar várias coisas, a solução foi fazer um post no Facebook pedindo ajuda com doações e compartilhamentos! E não é que deu certo? Um jornal regional publicou a notícia no seu portal e o texto foi compartilhado mais de 200 vezes. Pouco mais de 60 pessoas me ajudaram e consegui arrecadar os seis mil reais necessários! Foi muita adrenalina e, principalmente, alegria. Muita felicidade em ver que quando as pessoas se unem e se ajudam, até algo considerado impossível, acaba se realizando.

Luciano Frontelle

Delegação brasileira em Colombo define os pontos a serem defendidos nas negociações

As negociações duraram três dias e nem sempre era fácil chegar a um acordo entre os países

País: Sri Lanka Capital: Kotte População: 21,1 milhões (2008) Governo: República Semipresidencialista Línguas oficiais: Cingalês e Tamil

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capa

Vai uma reforma aí?

Sociedade civil se organiza para consultar população, criar Assembleia Popular e sugerir ipação popular reforma na política brasileira. Mas políticos querem reforma sem partic Diego Henrique da Silva, do Virajovem Curitiba (PR); Evelin Haslinger e José Guilherme Rizzo, do Virajovem Porto Alegre (RS) e Luiz Felipe Bessa, do Virajovem Recife (PE)*, Bruno Ferreira e Carolina Elmmann, da Redação

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se nós, que estamos escrevendo esta reportagem, colocássemos você numa máquina do tempo para consertar todas as “zicas” da história do Brasil? Você aceitaria? Ou iria preferir cair fora? Independentemente de qual for a sua resposta, esqueça. Isso não vai acontecer, meu caro. Mas tenha certeza de que ainda existem possibilidades de melhorar muita coisa no País. Tem um segredo sobrenatural que muita gente não sabe, mas que queremos revelar para você. No ano passado, com a repercussão daquele tsunami de protestos pelo Brasil, foi aberto um portal, um buraco, uma fenda [seja lá o que for]...Tentou-se fechar essa brecha, mas não conseguiram. Muita gente conseguiu se ligar e vai usar essa oportunidade para escrever uma nova história para o Brasil. Entre as faixas dos protestos de junho de 2013, o pedido pelo fim da corrupção. Em respostas a esses clamores, que vinham das ruas de diferentes regiões do País, em 24 de junho de 2013, a presidenta Dilma Rousseff propôs cinco pactos nacionais (por responsabilidade fiscal, saúde, transporte, educação e reforma política). Em relação a esse último pacto, a presidenta propôs a convocação de um plebiscito para a formação de uma constituinte para a reforma política. Naquela reunião, estavam os 27 governadores e 26 prefeitos de capitais. E você acha que essa proposta dela foi para frente? Sabe de nada, inocente! No dia de 10 julho, até rolou uma reunião do presidente da Câmara dos Deputados com líderes de

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partidos que trabalham lá. Mas a ideia original, de fazer o plebiscito até o final de setembro para começar a vigorar já nas próximas eleições, foi enterrada. O que ficou decidido, no entanto, é a formação de uma comissão com 13 deputados, equivalendo a um representante de cada partido político com representação na Câmara. Esse grupo deverá elaborar uma proposta de ampla reforma política num prazo de até 90 dias, que começou a contar desde a data daquela decisão. A princípio, pode parecer bacana essa iniciativa de, finalmente, os deputados se unirem para mudar o sistema político no Brasil. Mas daí surge a pergunta: será que os políticos realmente vão fazer uma reforma política com base nos interesses da sociedade? Ou será que vão apenas criar um projeto de reforma que contemple seus próprios interesses? “Toda proposta de reforma política tem alguma intenção. A elite política, no entanto, só quer garantir poder para ela mesma e não para o ‘baixo clero’. Muitas vezes, os interesses individuais são mais priorizados que os interesses sociais”, afirma Emerson Cervi, que é professor do programa de pós-graduação de Ciências Políticas da Universidade Federal do Paraná. Ainda, segundo ele, restringir a participação do povo no processo de reforma política é uma estratégia por parte de políticos que não querem mudanças que os afetem. Logo após as manifestações de junho e a declaração da presidenta, sugerindo a realização de um plebiscito


pela reforma política, diversos movimentos sociais, redes, conselhos entre outras naturezas de entidades começaram a dialogar e se articular para aproveitar essa brecha e realizar uma ação bem ousada. Em 15 de setembro de 2013, 74 movimentos sociais e entidades de todo o País, reunidos em Plenária Nacional, decidiram convocar um Plebiscito Popular a ser realizado entre 1º e 7 de setembro de 2014. O objetivo é consultar a população para saber se ela é a favor ou não da convocação de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. Para José Salvador Faro, professor de História Contemporânea da PUC-SP, a reforma política é uma questão inadiável no atual contexto político e social do Brasil. “Todos os procedimentos que dizem respeito ao quadro partidário, ao funcionamento do Congresso, às eleições, precisam passar por mudanças que levem em conta a crise de representação em que o sistema político brasileiro vive. O exemplo maior dessa crise é o distanciamento que se percebe entre os poderes do Estado e a sociedade, uma descrença e um clima de insatisfação que retira legitimidade dos eleitos”, afirma.

Galera do Lavante Popular da Juventude em mobilização a favor do Plebiscito Popular pela Constituinte

Um pouco mais de história... Entender a proposta de um plebiscito por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político exige também um exercício de resgate histórico de toda a formação política e econômica do País desde seu descobrimento (1500) até os dias atuais. Historicamente, os que nos representam e são os representantes de elites e classes dominantes. “A insatisfação com a atual conjuntura política do País é nítida. Existe uma descrença nas instituições políticas. O Congresso Nacional é uma das instituições mais desacreditadas pela população. Tal descrédito não é à toa. O Congresso é o retrato da nossa configuração histórica, herdeira do coronelismo, das relações de compadrio. Tudo isso hoje não cabe mais”, afirma Jardélia Rodrigues de Sá, professora da rede estadual de ensino no Rio Grande do Sul e integrante do Levante Popular da Juventude. A atual Constituição Federal, elaborada com forte participação social, nasce em um período pós-ditadura, garantindo alguns direitos, como a extensão do voto aos analfabetos e o direito ao voto a partir dos 16 anos, sendo obrigatório aos 18.

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Uma ampla reforma política vem sendo articulada e discutida desde 1995. Desde então, mudanças nesse sentido já vêm acontecendo, como a aprovação da reeleição no ano de 1997 e, mais recentemente, a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010 e que passou a valer a partir de 2012, após o julgamento do Supremo Tribunal Federal. Em 2011, o Senado e a Câmara Federal implantaram comissões para tratar de algumas pautas que envolvem a reforma, passando a discutir sistemas eleitorais, financiamento de campanhas políticas, coligações partidárias, filiação partidária, domicílio eleitoral, entre outras questões.

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A criação de um Plebiscito pode mesmo ser de iniciativa Popular? A população tem sim o direito de se manifestar diante de suas insatisfações políticas. Entretanto, vale ressaltar que o Plebiscito Popular não está sendo convocado pela Presidência da República, pois se trata de uma iniciativa dos próprios movimentos sociais. Por conta disso, mesmo que a maioria da população vote para que seja instalado uma Constituinte Exclusiva e Soberana para discutir o Sistema Político, ainda existe a possibilidade dessa proposta ser rejeitada pelo poder público. Em outras palavras, não tem valor legal e decisivo, mas a ideia é justamente fortalecer a pressão política e social, permitindo, assim, que os brasileiros manifestem a sua vontade política. “Antes de ser uma ferramenta política, que pode ser entendida como aperfeiçoamento da democracia no sentido de consulta direta à população. É um canal de diálogo, principalmente de escuta dos anseios da população, de popularização da política. Isso pode significar um salto na organização do povo”, comenta Jardélia. O historiador José Salvador Faro, por outro lado, acredita que um plebiscito deve ser a etapa final de um processo longo de debate acerca de uma questão social. “A pressa com que se pretende envolver a opinião pública na reforma talvez não seja o caminho mais indicado para a reforma. A qualificação da sociedade para deliberar plebiscitariamente sobre a reforma política é um processo demorado”, opina. O resultado do plebiscito será anexado em um processo no Congresso Nacional. Se aprovada lá, a reforma política será construída por uma Assembleia Constituinte Exclusiva (ver a seguir) e novamente votada no Congresso.


Que nome comprido e estranho é esse?! Consultamos a 2ª edição da cartilha de divulgação do Plebiscito (baixe em http://migre.me/ktict) e destrinchamos cada parte da expressão “Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político” para você entender melhor. Plebiscito Popular É a convocação dos eleitores do País para aprovar ou rejeitar questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. No entanto, este plebiscito é popular, convocado pela própria população e não pelo poder executivo. Neste plebiscito, a pergunta é “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?”. Constituinte Uma Assembleia Nacional Constituinte ou, simplesmente, Constituinte é a realização de uma assembleia de representantes eleitos pelo povo para modificar a economia e a política do país e definir as regras, instituições e o funcionamento das instituições de um Estado, como o governo, o Congresso e o Judiciário. Suas decisões resultam em uma Constituição. A Constituição brasileira atual é de 1988.

Significa que a Assembleia não pode ter vínculo com nenhum dos três poderes políticos. Quando a Constituição de 1988 foi produzida, os membros da Assembleia estavam sob tutela do Judiciário e do governo; além disso, eles mesmos integravam o Congresso Nacional (a Câmara e o Senado) pela manhã e, à tarde, formavam a Assembleia Constituinte. A proposta, desta vez, é fazer diferente.

Levante Popular

Constituinte Soberana

Imagens: Acervo

Nesse modelo, os representantes eleitos exercerão exclusivamente o poder soberano de definir politicamente o Estado brasileiro, consultando a população e retornando à sua vida de cidadãos e cidadãs ao término desse processo. Isso é diferente do que foi a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, em que a assembleia era composta por políticos eleitos.

da Juventude

Constituinte Exclusiva

O Plebiscito Popular acontece entre 1º e 7 de setembro de 2014

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10 coisas que podem mudar com processo de reforma política 1. Financiamento de campanhas políticas por empresários(as). 2. Votação nominal versus Votação por legendas (grupos de partidos). 3. Aumento ou até igualdade no número de mulheres em cargos políticos. 4. Representação de negros(as) em cargos políticos. 5. Representação de indígenas em cargos políticos. 6. Representação de jovens em cargos políticos. 7. Fortalecimento da democracia direta e participativa. 8. Fortalecimento do controle social das políticas públicas e da atuação das instituições. 9. Modelo de atuação de determinadas instituições, como a Polícia Militarizada. 10. Questionamento de estruturas oligárquicas (machista, racista e profundamente excludente).

Folder orienta cidadãos sobre a importância de votar sim no Plebiscito Popular

tá na mão Acompanhe a agitação que está sendo feita para divulgar o Plebiscito Popular! Acesse: www.facebook.com/ plebiscitoconstituinte Confira o link sugerido pelo QR Code!

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galera repórter

Na linha do combate Estudante de direito denuncia a violência que Paulo durante sofreu por parte da Polícia Militar de São a greve dos metroviários

Beatriz Jordan, Jonathan Saints e Larissa Gondin, da Agência Jovem de Notícias; Bruno Ferreira e Carolina Ellmman, da Redação

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Copa chegou e passou. Com ela não vieram só as alegrias e tristezas dos jogos de futebol. Veio também muita repressão, aprimoramento do aparato repressivo, militarização das cidades e criminalização dos movimentos sociais. Assistimos a muitas prisões arbitrárias, torturas e manifestações que foram impedidas de acontecer. Enquanto o cenário era de insatisfação da população, eclodiram greves e protestos por todos os lados. Um dos setores que mais se indignou e decidiu lutar por mais direitos, foram os trabalhadores do transporte. Inspirados nas conquistas de junho de 2013, os metroviários de São Paulo realizaram uma greve em junho deste ano, mas o governador Geraldo Alckmin se recusou a negociar com o setor, usou de força policial e reprimiu o direito de greve com demissões, tiros de bala de borracha e bombas de gás. Em um dos atos em apoio à greve, Murilo Magalhães, estudante de Direito da PUC-SP e militante na Assembleia

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Nacional dos Estudantes-Livre (Anel), foi fortemente reprimido pela PM. Ele conta ter sido torturado física e psicologicamente e obrigado a ficar nu enquanto ouvia xingamentos homofóbicos e ameaças. “Me obrigaram a ficar pelado e me fizeram revista vexatória. Me humilharam, pegaram o meu celular e exigiram que eu entregasse os endereços dos meus contatos”, afirmou em entrevista aos jovens da Agência Jovem de Notícias de São Paulo. Confira a seguir o o bate-papo que tivemos com ele. Qual é a sensação que você teve ao passar por essa situação? De impotência, de achar que ia morrer. Eu comecei a pensar que eu tinha que “desligar o meu cérebro”, para sentir menos dor. Eu pensava que se eu morresse ninguém saberia. Esse foi um momento de tristeza também, em que você começa a pensar na sua vida, nos seus amigos.


“Quando o coletivo toma uma atitude radical, aquilo tem mais força, mas quando um indivíduo toma uma atitude radical, abre uma premissa para o coletivo ser questionado e a grande mídia usa disso para criminalizar as manifestações.” Murilo Magalhães

A tortura foi mais física ou psicológica? Foi muito mais psicológica. Também ocorreu violência física, agressão, mas foi muito mais psicológica. Eles me chamaram várias vezes de veado – e eu sou homossexual –, isso me deixou muito mal na hora. Depois disso, fizeram revista vexatória em mim, me mandando agachar pelado, pedindo que eu mostrasse onde estava a droga e o tempo todo dizendo que eu era drogado.

problema dos governos, mas eu acho que, infelizmente, é preciso pensar como podemos nos proteger nas manifestações. Acho que temos que pensar no coletivo. Eu preciso perguntar para as outras pessoas se elas concordam com isso. Os Black blocs têm uma atitude muito individual. Quando o coletivo toma uma atitude radical, aquilo tem mais força, mas quando um indivíduo toma uma atitude radical, abre uma premissa para o coletivo ser questionado e a grande mídia usa disso para criminalizar as manifestações. Não dá para ir contra o senso comum de uma maneira radical. O que seus amigos, família e parentes próximos acharam disso tudo? Muito difícil, minha família virou de ponta cabeça, meus pais apoiam muito a minha luta. Desde junho eles conversam muito comigo sobre tudo o que está acontecendo no País e eles entendem e concordam comigo sobre os problemas das pessoas, a falta de resposta dos governos para os problemas, a corrupção, a repressão, a falta de informação da população sobre o que acontece e também o papel que cumpre à grande mídia em esconder e inventar e defender a polícia e os governos. Eles concordam muito comigo, mas ficaram muito abalados com o que aconteceu. No início eles ficaram com medo da minha exposição, mas depois eles entenderam a importância de eu me expor para me proteger.

Você acredita que a estratégia Black bloc ajuda a criminalizar as manifestações? A resposta que os governos têm dado para as manifestações é de muita repressão e uso ostensivo da força. Acho que o motivo de tanta repressão é um

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Flickr: Julio L. Rossi

Pedro Telles, colaborador da Vira em São Paulo

Pobreza e desigualdade no Brasil: Para onde vamos? Apesar de grandes avanços, ainda há muito a fazer, e o caminho adiante é, ao mesmo tempo, claro e desafiador

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o longo dos últimos anos, o Brasil deu grandes saltos na luta pela redução da pobreza e da desigualdade em diversas áreas, e isso tem sido fortemente divulgado por pesquisadores e veículos de comunicação nacionais e internacionais. Simultaneamente, basta caminhar pelas ruas de qualquer cidade do País para perceber que ainda estamos longe de uma verdadeira superação dos nossos principais problemas sociais - houve muito progresso, e é importante celebrar, mas ainda não dá para cantar vitória. É importante, então, olhar atentamente para o que tem dado certo e também para o que falta fazer e, a partir disso, planejar os próximos passos. Começando pelo debate sobre a renda dos brasileiros, entre 2003 e 2012 o nível de pobreza (definido com base no valor de uma cesta básica) caiu de 37,5% para 16,0%, a extrema pobreza caiu de 15,2% para 5,3%, e o índice de desigualdade de Gini foi de 0,583 para 0,530. A pobreza e a desigualdade estão recuando em todas as regiões, entre todas as raças, e tanto


nas áreas rurais quanto urbanas. Contudo, além de muita gente ainda viver com muito pouco, os 10% mais ricos concentram mais de 40% de toda a renda do País, o que mantém a desigualdade como um problema gritante – e nem estamos falando aqui de riqueza acumulada, apenas de renda mensal. O que explica o avanço já alcançado? Três fatores principais: programas de transferência de renda (principalmente o Bolsa Família, focado em famílias em situação de pobreza, e o Benefício Prestação Continuada, focado em idosos e pessoas com deficiência), ajustes na previdência que levaram a aposentadorias menos desiguais, e mudanças na renda do trabalho puxadas pelo aumento do salário mínimo e por políticas que levaram à expansão dos empregos formais. E o que falta fazer? Em primeiro lugar, uma reforma tributária para reduzir a enorme desigualdade nos impostos cobrados aos cidadãos: hoje, as famílias que ganham mais de 30 salários mínimos gastam menos de 30% em impostos, enquanto para as que ganham menos de dois salários mínimos o número supera 50%. Em segundo lugar, é necessário implementar políticas para o desenvolvimento local que de fato priorizem regiões e municípios mais atrasados, algo que nunca foi feito de forma consistente. Em terceiro lugar, é fundamental dar mais atenção às desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho, onde os esforços são muito limitados. Também é preciso ampliar o apoio ao enorme número de trabalhadores que estão na economia informal. Porém, pobreza e desigualdade não se limitam à renda – a real construção de uma sociedade mais justa e igualitária exige ação em diversas outras frentes, sendo educação e saúde duas das mais importantes. Na educação, o Brasil deu um importante passo com a universalização do sistema público de ensino básico em 1996. De lá para cá, a proporção da população no ensino fundamental passou de 85,5% para 95,4%; no ensino médio, de 22,0% para 50,9%; e no ensino superior, de 5,8% para 14,4%. No mesmo período, a média de anos de estudo dos brasileiros subiu de 5,5 anos para 7,5 anos. Contudo, faltam investimentos para garantir a qualidade dessa educação (e atingir os 10% do PIB para educação demandados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação). Outra carência a melhorar é oferecer condições de trabalho melhores aos professores e atacar desigualdades regionais e raciais.

Na saúde, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, e sua expansão têm sido cruciais para a efetivação dos direitos dos cidadãos. Atualmente, o SUS chega a 95% dos municípios, sendo o único meio de assistência à saúde para três quartos da população, além de proporcionar em seus Conselhos nacionais, estaduais e municipais um importante mecanismo de participação da sociedade civil. Outro fato que contribuiu muito para o progresso da saúde no Brasil foram as políticas para facilitar e baratear acesso a medicamentos. Porém, como ocorre na educação, a qualidade do sistema de saúde pública ainda é alvo de fortes críticas, e deficiências de longa data no acesso a saneamento apenas agravam o problema. Ademais, o acesso ao SUS tem se mostrado persistentemente desigual para negros e pardos, mulheres, habitantes de regiões mais pobres e para os que têm baixos níveis de renda, exigindo ação rumo à redução da discriminação e promoção da equidade. Além de renda, saúde e educação, há muitos outros temas a explorar. Segurança alimentar e nutricional é um, em que o Brasil caminha a passos largos para eliminar o problema, mas a questão da obesidade surge como um desafio emergente. Distribuição de terra é outro, já que não temos avançado quase nada. Participação cidadã na construção de políticas públicas é mais um, no qual o Brasil é referência internacional entre países em desenvolvimento, mesmo ainda estando longe de dar poder de decisão real para a população na maioria dos temas. Em resumo, para seguir dando novos saltos na redução da pobreza e da desigualdade sob uma perspectiva multidimensional será importante garantir a manutenção e expansão do que já foi conquistado, mas ir muito além no sentido de explorar áreas ainda intocadas. Temos os recursos e o conhecimento necessário para isso – mas é importante demandar prioridade de nossos governantes, algo especialmente importante em um ano de eleições.

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Cura na expressão A arte é usada como método de cura no Hotel e Spa da Loucura, lugar inspirado nos ideais de Nise da Silveira Clara Wardi, do Virajovem Rio de Janeiro (RJ)

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ntre os artistas modernos, os trabalhos produzidos pelos loucos despertaram bastante interesse. Há, na história da arte, inúmeros registros de artistas que foram afetados pela loucura como Edvard Munch e Van Gogh, por exemplo. A arte feita por doentes mentais pode conter valores artísticos profundos e estaria atravessada pelo que o homem tem de demoníaco e sublime, enfim, algo que faria expressar tormentos internos, amenizando-os. Ao catalisar a loucura em método artístico, nasceu o espaço intitulado Hotel Spa da Loucura, idealizado pelo médico, educador popular e ator Vítor Pordeus, localizado no Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio, no antigo Centro Psiquiátrico Pedro II, hoje Instituto Municipal de Atenção à Saúde Nise da Silveira, que faz referência à memória da grande psiquiatra que revolucionou a forma de se tratar a loucura e a disfunção psíquica. Nise da Silveira definia a loucura como uma condição de sofrimento mental. Ela apostou muito mais em ateliês do que em técnicas manicomiais violentas como o eletrochoque e a lobotomia. Inspirado nisso, o Instituto “pulsa criatividade”, como dizem os arteeducadores de lá. As cores nas paredes, as poesias e o grafite dão uma atmosfera diferenciada à ala do prédio denominado Casa do Sol. Além dos nove quartos com beliches e colchões e espaço para reuniões, exibição de filme, cozinha, sala de meditação, jantar, ateliê e biblioteca. Esse hotel fica de portas abertas para receber médicos, artistas, arte-educadores, gestores,

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pesquisadores, jornalistas e profissionais da área de saúde que queiram entender um pouco mais sobre a loucura e, claro, sobre sua cura. Com a participação e incentivo desses profissionais, criam-se peças de teatro, músicas, performances e intervenções dentro do Instituto. Com isso, o Hotel transforma seus 200 clientes, como são chamados os usuários do sistema público de saúde mental instituído por Nise da Silveira, no número de suas estrelas. O lugar, devido à luta de Nise pela reforma psiquiátrica, proporciona a convivência, relação que antigamente seria impossível num recinto como esse. Ela transforma a vida de pessoas que eram excluídas do meio social. Dessa maneira, a conclusão que Vítor


Pordeus tem, assim como todos que trabalham no Hotel da Loucura, é que o principal motivo para a internação dos hóspedes são as doenças sociais que engolem o mundo. Elas que acabam adoecendo psiquicamente as pessoas. Até por que todos de fora do Instituto, aparentemente só pioram e os de dentro, que passam um tempo fora da “loucura cotidiana”, recebendo afeto e se tratando, só tendem a melhorar. “Conviver é a palavra-chave para isso que chamam de cura da loucura. Ninguém adoece sozinho e ninguém se cura sozinho. As doenças são, antes de tudo, doenças sociais. De nada vale excluir para tratar, que é o que ainda vem sendo feito no Brasil. A ideia, mais uma vez, é quebrar essa lógica”, afirma Vítor. Segundo Thiago Diniz, um dos componentes do coletivo Norte Comum, que ocupou o Hotel, a melhora dos pacientes é muito evidente. Um exemplo que ele menciona é o caso de André, homem de meia idade que não emitia uma palavra e começou a falar frases inteiras a partir de sua participação na oficina de teatro e de percussão do Hotel. Entre muitos outros que surpreendem os visitantes com seus talentos descobertos a partir dessas atividades. A loucura tratada com método e tranquilidade, por mais paradoxal que pareça ser, é uma maneira inteligente do homem corrigir seus problemas internos e principalmente externos, os graves problemas sociais que fazem adoecer qualquer alma sensível. Como dizia Salvador Dalí, ‘’o palhaço não sou eu, mas sim esta sociedade monstruosamente cínica e tão ingenuamente inconsciente, que joga o jogo da seriedade para melhor esconder a loucura’’. Nise, Pordeus e também seus hóspedes já a aceitaram e fazem um trabalho transformador no Engenho de Dentro para fora.

Clara Wardi

Hóspedes do Hotel da Loucura fazem intervenções artísticas nas paredes da instituição de saúde mental

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no escurinho Sérgio Rizzo*

O suicídio como instrumento político

*www.sergiorizzo.com.br

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Divulgação

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m velhinho solitário, debilitado e dependente da família para saber o que ocorre à sua volta, sem ânimo para buscar uma estratégia de sobrevivência política. Parece que entregou os pontos. Em linhas gerais, é esse o perfil do melancólico Vargas que Tony Ramos recria em Getúlio, reconstituição dos dias que antecedem o suicídio do então presidente, em agosto de 1954, como se fosse a tragédia anunciada de um personagem palaciano confinado ao seu quarto e aos gabinetes do Palácio do Catete, desconfiando de seus auxiliares, mas sem força para afastá-los. Ao deixar clara a fragilidade física e emocional do protagonista, Getúlio estabelece, por contraponto, o que seria a grandeza política de seu ato final, o suicídio não como desesperada solução existencial, mas como poderoso instrumento político. Ao usar nos letreiros de encerramento uma frase de Tancredo Neves (interpretado por Michel Bercovitch), o filme sugere que a morte de Vargas teria adiado a iminente intervenção militar de 1954 para o horizonte de eventos de 1964. Um ato heroico, portanto, do antigo ditador. Não por acaso, o Vargas interpretado por Ramos diz em uma reunião palaciana, ao negar a sugestão de um auxiliar para que fizesse prisões arbitrárias, que já havia rasgado duas Constituições, e que não poderia fazer isso mais uma vez. No filme – dirigido por João Jardim (Janela da Alma, Pro Dia Nascer Feliz), com roteiro de George Moura e Teresa Frota –, ele teria reconhecido, eleito democraticamente, os abusos de sua passagem anterior e autoritária pela Presidência. Na agenda de seu mandato legítimo, haveria um compromisso, no País redemocratizado do pós-2ª Guerra Mundial, com a estabilidade política e com a sucessão presidencial por meio do voto popular.

Tony Ramos interpreta Getúlio Vargas, personagem central em filme de João Jardim


que figura!

Escritora da realidade das favelas Carolina Maria de Jesus, mesmo sem estudo, é autora de uma sensível obra sobre a pobreza da periferia de São Paulo

Jéssica Delcarro, do Virajovem São Mateus (ES)*

Novaes

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emi-analfabeta, negra e favelada, catadora, mãe solteira de três filhos e apaixonada pela escrita e leitura. Carolina Maria de Jesus nasceu em 14 de março de 1914, em Sacramento (MG). Em 1947, mudou-se para a favela do Canindé, zona norte de São Paulo, época em que surgiram as primeiras favelas na cidade. Com pouco estudo, Maria Carolina escrevia os seus poemas em cadernos encontrados no lixo. Eram contos, provérbios, romances, dramas e o cotidiano de sua comunidade. Descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, repórter da Folha da Noite, Carolina teve suas anotações publicadas em 1960 no livro Quarto de Despejo, que vendeu mais de cem mil exemplares, traduzido para 14 idiomas e vendidos em mais de 40 países. Essa obra resgata e delata uma face da vida cultural brasileira quando do início da modernização da cidade de São Paulo e da criação de suas favelas. Em um trecho, Carolina Maria afirma que “em 1948, quando começaram a demolir as casas térreas para construir os edifícios, nós, os pobres que residíamos nas habitações coletivas, fomos despejados e ficamos residindo debaixo das pontes. É por isso que eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.” Sua obra inspirou diversas expressões artísticas, como letra de samba, adaptação teatral, filme e série de televisão. Em 1961, ela lançou um disco com o mesmo título do seu primeiro livro, com 12 canções de sua autoria, O Pobre e o Rico foi uma delas. “O Rico faz guerra, pobre não sabe por que, Pobre vaia a guerra, tem que morrer. Pobre só pensa no arroz e feijão. Pobre não envolve nos negócios da nação”, diz um trecho da canção. “Carolina é uma escritora fundamental para entender a literatura brasileira, que é feita, em sua maioria, de autores brancos de classe média que dominavam a língua formal. Ela mostra a outra face dessa história, que passa a ser vista do ponto de vista dela, de baixo”, diz a professora Germana Henriques Pereira, da Universidade de Brasília, autora de O Estranho Diário de Uma Escritora Vira-Lata, um dos poucos

trabalhos que analisam a obra de Carolina do ponto de vista da crítica literária, à reportagem da Carta Capital. Depois do estrondoso sucesso, Carolina morreria pobre e praticamente esquecida, isolada num sítio, em fevereiro de 1977. “Não digam que fui rebotalho, que vivi à margem da vida. Digam que eu procurava trabalho, mas fui sempre preterida. Digam ao povo brasileiro que meu sonho era ser escritora, mas eu não tinha dinheiro para pagar uma editora.” Carolina Maria de Jesus

*Uma das virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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sexo e saúde

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ocê certamente já ouviu falar de hemorroidas, quando veias da região anal ou do reto, por vários fatores, ficam inchadas, causando muita dor. Quem curte sexo anal pode sofrer um bocado na hora da relação, que pode causar consequências desagradáveis para quem tem esse problema. No entanto, essa doença pode ser facilmente tratada com adequações na dieta – incluindo fibras, frutas e legumes, evitando condimentos e tomando mais água – além da higienização do ânus com água em vez de papel higiênico, conforme orienta o proctologista José Ricardo Hildebrando Coutinho, da Sociedade Brasileira de Coloproctologia, que respondeu as questões abaixo. Confira!

Da Redação

Quem tem hemorróidas pode fazer sexo anal? Em primeiro lugar, tudo depende de ter um diagnóstico correto. Muitas vezes as pessoas pensam que têm hemorróidas porque têm um problema anal. Entretanto, se as hemorróidas forem grandes e sintomáticas, ou se a pessoa tiver outros problemas anais, como fissuras, fístulas, condilomas, inflamações, o sexo anal pode ser prejudicial. Por isso, se a pessoa acha que tem hemorróidas ou qualquer outro problema anal, deveria consultar um coloproctologista. O exame proctológico é muito mais simples e causa muito menos desconforto do que se diz por aí.

Não. No entanto, poderá agravar problemas como uma fissura anal, caso a pessoa tenha o ânus muito tenso, a relação seja muito traumática ou mal lubrificada. Além disso, o sexo anal, como qualquer tipo de relação sexual, deve ser protegido por preservativo, e esse deve ser bem lubrificado com um lubrificante aquoso. Em que casos é recomendável a cirurgia de hemorróidas? Muitas vezes as hemorróidas podem ser tratadas por métodos mais simples, como uma dieta com muitas fibras para corrigir a prisão de ventre, diminuir o esforço na hora de evacuar, diminuição da ingestão de alimentos picantes, aumento da ingestão de água, uso da ducha para lavar o ânus após evacuações. Se após essas tentativas a pessoa continuar com sintomas como dor, sangramento constante e exteriorização das hemorróidas, estará indicado o tratamento cirúrgico.

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Natália Forcat

A prática do sexo anal pode desenvolver hemorróidas?


Delícia de farinha e carne Prato típico do Nordeste brasileiro, a paçoca de carne tem origem na alimentação dos indígenas

Rauenna Emanuella e Benedito Félix, colaboradores da Vira em Floriano (PI)

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paçoca de carne é um prato típico no Nordeste, seu nome vem de pa’ soka, que é formado pelas palavras paba, que significa terminar e soka, que significa socar, em Tupi, pois era assim que o prato era preparado inicialmente por povos de origem indígena. Muito comum em festas juninas, o prato leva essencialmente farinha e carne seca, tem fãs em diversas partes e há até eventos nacionais para a famosa paçoca, em Minas Gerais, São Paulo e no Paraná. Vamos aprender como se faz?

Modo de preparo

1 kg de carne seca; ½ kg de farinha; 2 cebolas cortadas em rodelas; Coentro (a gosto); ½ xícara de óleo ou manteiga; Sal, pimenta do reino e alho a gosto.

Corte a carne em pedaços pequenos; tempere com o sal, alho e a pimenta do reino. Leve ao fogo em uma panela com óleo, mexendo de vez em quando. Quando estiver começando a assar, acrescente a cebola, o óleo ou manteiga e refogue bem até amolecer a cebola, só então desligue. Em um processador, vá colocando a farinha e a carne, até que esta fique bem moída e misturada à farinha. Pronto, agora é só saborear!

Ra ue nn aE m an ue lla

Ingredientes


parada social

Papel da mulher Projeto destinado a meninas e mulheres ensina a transformar papeis que iam para o lixo em papel artesanal

Fernanda P. Garcia, do Virajovem Campo Grande (MS)*

Em Mato Grosso do Sul, dados do Pnad de 2009 apontam que nos últimos dez anos houve um aumento de 7,3% das famílias chefiadas por mulheres. Por isso, “o objetivo é ensinar às meninas e mulheres campograndenses uma forma de geração de renda complementar digna, prática e que possibilite contato com o mundo da arte e com a sustentabilidade”, destaca Magnólia.

Mais de 20 milhões de famílias brasileiras tem a mulher como mantenedora

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Flickr: shankar s.

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iquidificador, rolo de massa, baldes com água e papéis usados picados. Empoderamento de mulheres, renda extra, reciclagem e sustentabilidade. São todas palavras que descrevem o Papel Solidário. O projeto acontece em Campo Grande e é realizado pela GIRA Solidário – Promoção e Defesa da Infância e Adolescência, em parceria com a Fundação Municipal de Cultura de Campo Grande (Fundac). Um dos intuitos do projeto é o de enfrentar a desigualdade de gênero oferecendo um curso de produção de papel reciclado e artesanato às meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, a partir dos 15 anos. O foco também são mulheres que ocupam o papel de chefe de família sem a presença de um companheiro. O curso tem um enfoque na inserção destas mulheres no mundo do trabalho, no seu desenvolvimento pessoal, na garantia dos seus direitos e na sua sustentabilidade econômica. No projeto, todo tipo de papel, erva de tereré usada, cascas de cebola, de alho, folhas e flores da época, por exemplo, podem servir de matéria prima para a produção de papel artesanal. “As folhas de papel artesanal são o início para vários objetos como caixas, porta retratos, álbuns e blocos. E elas também participam de oficinas sobre cidadania, empreendedorismo, sustentabilidade e sobre seus próprios direitos”, explica Magnólia Ramos, coordenadora do projeto. Além disso, o projeto incentiva e estimula a reciclagem. Segundo o Programa Nacional de Amostragem por Domicílios do IBGE, no ano de 2010, as mulheres já estavam à frente de quase 22 milhões de residências. Nos últimos 13 anos, a figura feminina como “referência de família” subiu 81%. Nos últimos sete anos, o percentual de mulheres chefes de família no Brasil subiu de 31% para 37,4% da população feminina. E metade dessas mulheres que chefiam lares, têm baixa escolaridade.




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