Revista Viração - Edição 107 - Junho-Junho/2014

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Diego Henrique da Silva

quem faz a vira pelo brasil

Integrantes da Renajoc planejam ações da rede para 2014 em São Paulo e participam de cobertura colaborativa da Arena Net Mundial e 4º Fórum da Internet no Brasil, também na capital paulista

Conheça os Virajovens em 20 Estados brasileiros e no Distrito Federal: Aracaju (SE) Belém (PA) Boa Vista (RR) Boituva (SP) Brasília (DF) Campo Grande (MS) Curitiba (PR) Fortaleza (CE) João Pessoa (PB) Lavras (MG) Lima Duarte (MG) Macapá (AP) Maceió (AL) Manaus (AM) Natal (RN) Picuí (PB) Pinheiros (ES) Porto Alegre (RS) Recife (PE) Rio Branco (AC) Rio de Janeiro (RJ) Salvador (BA) S. Gabriel da Cachoeira (AM) São Luís (MA) São Paulo (SP) Sud Mennucci (SP) Vitória (ES)

Auçuba Comunicação e Educomunicação – Recife (PE) • Avalanche Missões Urbanas Underground – Vitória (ES) • Buxé Fixe - Amadora (Portugal) • Camp - Uma escola de cidadania Porto Alegre (RS) • Casa Peque Davi – João Pessoa (PB) • Catavento Comunicação e Educação – Fortaleza (CE) • Cipó Comunicação Iterativa – Salvador (BA) • Ciranda – Central de Notícia dos Direitos da Infância e Adolescência – Curitiba (PR) • Coletivo Jovem – Movimento Nossa São Luís – São Luís (MA) • Gira Solidário – Campo Grande (MS) • Grupo Conectados de Comunicação Alternativa GCCA – Fortaleza (CE) • Grupo Makunaima Protagonismo Juvenil – Boa Vista (RR) • Instituto de Desenvolvimento, Educação e Cultura da Amazônia – Manaus (AM) • Instituto Universidade Popular – Belém (PA) • Mídia Periférica – Salvador (BA) • Instituto Candeia de Cidadania – Lima Duarte (MG) • Jornal O Cidadão – Rio de Janeiro (RJ) • Lunos – Boituva (SP) • Movimento de Intercâmbio de Adolescentes de Lavras – Lavras (MG) • Oi Kabum – Rio de Janeiro (RJ) • Projeto de Extensão Vir-a-Vila (UFRN) - Natal (RN) • Projeto Juventude, Educação e Comunicação Alternativa – Maceió (AL) • Rejupe • União da Juventude Socialista – Rio Branco (AC)


Copie sem moderação! Você pode: • Copiar e distribuir • Criar obras derivadas Basta dar o crédito para a Vira!

editorial quem somos

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Internet não é produto, é direito!

A

reivindicação dos movimentos sociais pela democratização da comunicação para que o acesso à internet seja tratado na perspectiva dos direitos humanos, não apenas do consumo, não é uma pauta recente. Fruto de um processo pioneiro que envolveu a sociedade civil na elaboração de um projeto de lei de iniciativa popular, o Marco Civil da Internet foi sancionado pela presidenta Dilma Rousseff, durante o Net Mundial, evento que reuniu em São Paulo autoridades de mais de 90 países para discutir a governança da internet. Aspectos como privacidade, neutralidade em rede, guarda de registros de dados e responsabilidade jurídica sobre os conteúdos fazem parte do texto da lei, que, no entanto, abre ainda brechas – em um artigo específico – para que as empresas privadas continuem monitorando as informações privadas de seus usuários. Saiba mais sobre a questão em nossa reportagem de capa e confira uma matéria sobre o estrago resultante da maior enchente registrada da história do Acre. Boa leitura!

Viração é uma organização não governamental (ONG) de educomunicação, sem fins lucrativos, criada em março de 2003. Recebe apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo e da ANDI - Comunicação e Direitos. Além de produzir a revista, oferece cursos e oficinas em comunicação popular feita para jovens, por jovens e com jovens em escolas, grupos e comunidades em todo o Brasil. Para a produção da revista impressa e eletrônica, contamos com a participação dos conselhos editoriais jovens de 20 Estados, que reúnem representantes de escolas públicas e particulares, projetos e movimentos sociais. Entre os prêmios conquistados nesses dez anos, estão Prêmio Don Mario Pasini Comunicatore, em Roma (Itália), o Prêmio Cidadania Mundial, concedido pela Comunidade Bahá’í. E mais: no ranking da ANDI, a Viração é a primeira entre as revistas voltadas para jovens. Participe você também desse projeto. Paulo Pereira Lima Diretor Executivo da Viração – MTB 27.300

Apoio institucional

Asso

ciazione Jangada


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Como se viram? Abong publica relatório que revela as dificuldades financeiras das organizações não governamentais e o quanto ainda são criminalizadas

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Pensamento contemporâneo Alvo de deboche, o funk é visto como gênero de segunda categoria. No entanto, suas letras abordam aspectos relevantes do cotidiano das cidades

Herança cultural A abordagem de temas relacionados à espiritualidade, na grande mídia, tem ajudado a minimizar o preconceito com as religiões afro-brasileiras

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Dor que movimenta

Manda Vê Como se Faz Quadrim No Escurinho Que Figura

RG da Vira: Revista Viração - ISSN 2236-6806 Conselho Editorial

Eugênio Bucci, Ismar de Oliveira, Izabel Leão, Immaculada Lopez, João Pedro Baresi, Mara Luquet e Valdênia Paulino

Conselho Fiscal

Everaldo Oliveira, Renata Rosa e Rodrigo Bandeira

Conselho Pedagógico

Alexsandro Santos, Aparecida Jurado, Isabel Santos, Leandro Nonato e Vera Lion

Presidenta

Susana Piñol Sarmiento

Vice-Presidenta

Entenda como o direito à diversidade, garantido pelo Estatuto da Juventude, transforma-se em política pública no Brasil

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Finalmente, um direito A sanção do Marco Civil da Internet, uma lei de iniciativa popular, coloca a questão do acesso à web definitivamente como um direito humano

Isolado e em apuros Rio Madeira transborda e deixa os Estados do Acre e Roraima em situação de calamidade pública por quase dois meses

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Educação equivocada Os livros didáticos não conseguem reconhecer a diversidade dos povos indígenas, tratando-os de modo genérico e superficial

O assassinato do filho, vítima de homofobia, mobiliza uma mãe militante a lutar pelos direitos de jovens LGBTs em Recife

sempre na vira:

Amanda Proetti

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Diversidade garantida

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Sexo e Saúde Rango da Terrinha Parada Social Rap Dez

Primeiro-Secretário Rafael Lira

Diretoria Executiva

Paulo Lima e Lilian Romão

Equipe

Bruno Ferreira, Carolina Ellmann, Cleide A. Silva, Elisangela Nunes, Filipe Campos Borges, Gutierrez de Jesus Silva, Irma D’Angelo, Manuela Ribeiro, Rafael Silva e Vânia Correia

Administração/Assinaturas

Cadu Ferreira e Norma Cinara Lemos

Mobilizadores da Vira

Acre (Leonardo Nora), Alagoas (Alan Fagner Ferreira), Amapá (Alessandro Brandão), Amazonas (Jhony Abreu, Claudia Maria Ferraz e Sebastian Roa),

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Bahia (Emilae Sena e Mariana Sebastião), Ceará (Alcindo Costa e Rones Maciel), Distrito Federal (Webert da Cruz), Espírito Santo (Jéssica Delcarro e Izabela Silva), Maranhão (Nikolas Martins e Maria do Socorro Costa), Mato Grosso do Sul (Fernanda Pereira), Minas Gerais (Emília Merlini, Reynaldo Gosmão e Silmara Aparecida dos Santos), Pará (Diego Souza Teofilo), Paraíba (José Carlos Santos e Manassés de Oliveira), Paraná (Juliana Cordeiro e Diego Henrique Silva), Pernambuco (Edneusa Lopes e Luiz Felipe Bessa), Rio de Janeiro (Gizele Martins), Rio Grande do Norte (Alessandro Muniz), Rio Grande do Sul (Evelin Haslinger e Joaquim Moura), Roraima (Graciele Oliveira dos Santos), Sergipe (Elvacir Luiz) e São Paulo (Igor Bueno e Luciano Frontelle).

Colaboradores

Antônio Martins, Heloísa Sato, Márcio Baraldi, Natália Forcat, Nobu Chinen, Novaes e Sérgio Rizzo.

Projeto Gráfico

Ana Paula Marques e Manuela Ribeiro

Revisão

Izabel Leão

Jornalista Responsável

Paulo Pereira Lima – MTb 27.300

Divulgação

Equipe Viração

E-mail Redação

redacao@viracao.org


diga lá!

O que é Educomunicação?

Por e-mail Tenho 16 anos e quando eu tinha por volta dos 14 anos participei de um concurso de redação, no qual tirei o 1° lugar. Um dos prêmios oferecidos foi uma assinatura da Revista Viração durante um ano. Todos os meses, eu me interessava mais e ficava mais ansiosa para ler a próxima edição e, assim, virei super fã da revista, pois ela expressa exatamente o que os jovens precisam: um espaço para nos manifestar e expressar nossas ideias! Gostaria muito de participar da melhor Revista Jovem do País. Muito obrigada pela atenção! Atenciosamente, Cláudia Oliveira

Resposta: Cláudia, que bom saber que você curte a Vira e que os temas que abordamos fizeram diferença para você. Mais do que isso, ficamos muito contentes com o seu interesse em colaborar com esse projeto. E este é o nosso grande objetivo: mobilizar jovens do Brasil todo para se comunicarem, garantindo esse espaço na revista e também na Agência Jovem de Notícias! Em breve, entraremos em contato com você para combinarmos a sua participação!

Perdeu alguma edição da vira? não esquenta! Você pode acessar, de graça, as edições anteriores da revista na internet: www.issuu.com/viracao

Para garantir a igualdade entre os gêneros na linguagem da Vira, onde se lê “o jovem” ou “os jovens”, leia-se também “a jovem” ou “as jovens”, assim como outros substantivos com variação de masculino e feminino.

@viracao

É comum, nas edições da Vira, encontrar a palavra “educomunicação” ou o termo “educomunicativo”. A educomunicação é um campo de intervenção que surge da inter-relação comunicação/educação para a transformação social. Dizemos que um projeto ou prática é educomunicativa quando adota em seus processos, especialmente do jovem, o caráter comunicacional, como o diálogo, a horizontalidade de relações e o incentivo à participação, fazendo com que os sujeitos exerçam plenamente o direito humano à expressão e à comunicação, em diferentes âmbitos e contextos. A Viração promove ações educomunicativas por meio da produção midiática, incentivando que adolescentes e jovens produzam reportagens coletivas em diferentes linguagens.

Como virar um virajovem? Virajovens são os integrantes dos conselhos editoriais jovens da Viração, que produzem conteúdos mensais em suas cidades. O conselho pode ser um coletivo autônomo de jovens ou um grupo ligado a uma entidade, organização, movimento social, escola pública ou privada, que dará apoio para que os virajovens produzam conteúdos. A parceria entre a Vira e entidade é oficializada com um termo de compromisso e com a publicação do logotipo da organização na revista Quer saber mais? Entre em contato com a gente: redacao@viracao.org.

Agência Jovem de Notícias

Mande seus comentários sobre a Vira, dizendo o que achou de nossas reportagens e seções. Suas sugestões são bem-vindas! Escreva para Rua Augusta, 1239 - Conj. 11 - Consolação - 01305-100 - São Paulo (SP) ou para o e-mail: redacao@viracao.org Aguardamos sua colaboração!

Parceiros de Conteúdo


manda vê

Alcebino Silva, do Virajovem SudMennucci (SP)*; e Carolina Ellmann, da Redação

Para muitos jovens, o mês de junho é uma preparação para as férias que estão a caminho. Seja no campo, na praia ou até mesmo na cidade, os apreciadores da leitura dedicam sempre um pouco do seu tempo para um novo livro. As férias são perfeitas para a leitura. Tempo livre é tudo que se precisa para embarcar nas aventuras de uma história ou no curioso mundo das ideias. É como fazer uma longa viagem sem precisar sair do seu quarto. Ajudamos vocês na missão de separar alguns títulos para iniciar uma nova leitura nessas férias, confira as dicas dos jovens que responderam:

Qual foi o livro que te marcou? Lara Pires

16 anos | Sud Mennucci (SP) “O livro que mais me marcou foi Mentes brilhantes, mentes treinadas, de Augusto Cury, porque explica que não é preciso dinheiro para ser feliz, que basta traçar metas. Sem falar que o livro dá dicas muito bacanas.”

Daniella Almeida 26 anos | São Paulo (SP)

“Dom Casmurro, de Machado de Assis, porque toda vez que leio tiro uma conclusão. Mas a única certeza é de que a Capitu é verdadeiramente uma mulher a frente de seu tempo.”

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Mariana Perin

31 anos | São Caetano do Sul (SP) “Com certeza tenho alguns livros de cabeceira. Gostei muito de O Rei de Havana, de Pedro Juan Gutierrez, por retratar uma Cuba muito semelhante ao Brasil, e especialmente a cidade de Salvador, pela qual tenho um carinho enorme. Gosto de literatura beat, por isso, indico este livro para quem gosta de romance, suspense e não tenha muitos pudores.”

Monique Alves 20 anos | São Paulo (SP)

“O primeiro livro grande que tive coragem de ler foi o Mais pesado que o céu - uma biografia de Kurt Cobain, de Charles R. Cross. Muito se fala sobre a vida e a morte do vocalista guitarrista do Nirvana, mas pouco se sabe sobre o que passava naquela mente atormentada – talvez jamais saberemos. Mas o mergulho no mundo caótico em que Kurt vivia, que o autor proporciona, esclarece algumas coisas e levanta outras dúvidas.”


Charlin Castro

22 anos | Campo Grande (MS)

Carol Santos

15 anos | Sud Mennucci (SP) “A culpa é das estrelas, do autor John Green, pois o livro me mostrou que independente de qualquer doença ou de qualquer dor, não devemos nos isolar do mundo e muito menos nos sentir diferentes. Que por mais difícil que seja o momento, basta querer e ter vontade, se esforçar e conseguir. Que nada é impossível quando queremos, pois podemos levar uma vida normal, amar, sentir, brincar e, principalmente, viver enquanto é tempo. Deixar para viver amanhã pode ser tarde demais.”

“O livro que mais marcou é o Juventude e drogas, anjos caídos, escrito pelo Dr. Içami Tiba. O livro instrui a família, a escola e o jovem a desenvolverem caminhos de controle ou de superação do uso das drogas. É um excelente manual para educadores e pais, pois orienta sobre efeitos de cada droga e como agir ao identificar o aluno ou o filho usuário, além de apresentar os problemas e a forma de tratamento para cada tipo de usuário.”

Juliana Lescano 22 anos | Leme (SP)

“O coiote foi o primeiro trabalho que li do escritor Roberto Freire. O motivo de ter me marcado foi sua linguagem, inicialmente difícil, ao mesmo tempo em que aborda o tema mais simples por trás de tudo: o amor. Ele engloba desde a parte de ciência, Shakespeare, orgasmos, até maconha, abordando a homossexualidade como a forma natural que se apresenta e, principalmente, o amor puro, que foi o que senti ao concluir a leitura.”

FAZ PARTE De 22 a 31 de agosto de 2014 acontece em São Paulo a 23ª Bienal Internacional do Livro, no pavilhão de Exposições do Anhembi. O evento conta com uma programação abrangente, que mescla literatura com diversão, negócios, gastronomia e cultura. A Bienal reunirá as principais editoras, livrarias e distribuidoras do País. Além de conhecer os mais importantes lançamentos e encontrar seus escritores preferidos em bate-papos e sessões de autógrafos. Se você estiver por São Paulo nessa época, vale visitar, conferir a programação cultural e ainda achar novos livros bem bacanas para a sua coleção.

não é de hoje Você sabia que os países que mais consomem livros no mundo são a China, Estados Unidos, Japão, Rússia e Alemanha, respectivamente? No entanto, o país com o maior número de livrarias é os Estados Unidos, sendo uma para cada 15 mil pessoas. Já no Brasil, existe uma livraria para cada 70 mil pessoas. Já a maior biblioteca do mundo fica em Washington, capital dos Estados Unidos. Seu acervo tem mais de 155 milhões de itens, entre livros, manuscritos, jornais, revistas, mapas, vídeos e gravações de áudio. No Brasil, a maior é a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, com mais de nove milhões de publicações.

*Um dos virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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Necessárias, mas criminalizadas Observatório da Sociedade Civil deu uma resposta técnica com linguagem clara para os que duvidam do quanto as ONG’s contribuem para o desenvolvimento do País Manassés de Oliveira, colaborador da Vira em Picuí (PB); Diego Teófilo, do Virajovem Belém (PA); e Fernanda Garcia, do Virajovem Campo Grande (MS)*

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Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), publicou, através do Observatório da Sociedade Civil (OSC), um relatório com todos os detalhes sobre o financiamento das ONG’s no País. Intitulado O dinheiro das ONG’s – Como as Organizações da Sociedade Civil sustentam as suas atividades e como isso é fundamental para o Brasil, o relatório desmitifica a criminalização destas organizações e detalha como elas captam recursos para o desenvolvimento de suas atividades. A primeira constatação do texto se refere à participação do governo federal no total de recursos destinado ao setor. Ao contrário do que muita gente pensa, as entidades sem fins lucrativos – que incluem além das ONG’s, os sindicatos, fundações, institutos de pesquisa e hospitais filantrópicos –, receberam 29 bilhões de reais, por meio de 36 mil convênios, entre 2003 e 2011. Este valor equivale a quase 0,5% do Orçamento Geral da União.

dos recursos do setor são captados por mensalidades e anuidades pagas por pessoas associadas às instituições. Os representantes entrevistados disseram ainda que 24% do orçamento das ONG’s são captados por doações voluntárias. Os que afirmaram ter nas três esferas de governo sua principal fonte de financiamento somam 24% do total de entrevistados. No Mato Grosso do Sul, a presidente da Gira Solidário, Eliane Brunet, confirma a conclusão do relatório da Abong. Em entrevista à Vira, ela disse que a ONG recebe recursos internacionais e capta outros investimentos por editais. Além dessas duas fontes, a Gira Solidário também vende os produtos produzidos pelos seus próprios projetos.

Recursos internacionais De acordo com a pesquisa Arquitetura Institucional de Apoio às Organizações da Sociedade Civil no Brasil, entre 2005 e 2009, o País doou 1,88 bilhão de dólares para o exterior e recebeu 1,48 bilhão. Fotos: Arquivo Pessoal

Diversidade de fontes Para sobreviverem, as organizações sociais estão, cada vez mais, ampliando os contatos com diferentes fontes de financiamento. O relatório da Abong cita uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação (CETIC), ligado ao Conselho Gestor da Internet no Brasil, para provar sua afirmação. Divulgada em 2013, depois de ouvir 3.546 organizações brasileiras, a pesquisa apontou que 26% Eliane Brunet: “Prestar serviços que o Estado não cumpre ainda é a maior atuação das ONG’s”

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A queda nos recursos foi resultado de uma nova percepção do Brasil no exterior. A melhoria nos índices sociais brasileiros, nos últimos 14 anos, fez com que o País passasse a ser considerado uma nação de renda média. A constatação provocou uma alteração no financiamento e, as ONG’s nacionais, como a GIRA Solidário, receberam menos dinheiro.

A visão sobre as ONG’s As Organizações da Sociedade Civil (OSC’s), segundo o relatório, têm sido vistas pelo governo como prestadoras de serviços públicos. As ONG’s atuam onde o governo não consegue ser eficiente e, o papel político delas, fica em segundo plano. Augusto Ramos, do Instituto Amazônico de Comunicação e Organização Popular (IACEP), discorda da visão governamental sobre as ONG’s. “O papel político destas organizações é extraordinariamente mais importante do que sua capacidade de prestação de serviços, pois sua contribuição colabora e continuará a colaborar com a alfabetização sociopolítica, cultural e ambiental dos seus sujeitos coletivos”, acredita. Eliane Brunet vê as organizações atuando sem problemas dentro das duas possibilidades. “Acreditamos que ambos os papeis têm a mesma importância. Incidir politicamente e efetivamente garantiria que o Estado cumprisse, na totalidade, o seu papel. Mas isso ainda é utópico. Por isso, a prestação de serviço que cumpre o que o Estado não cumpre, profissionalização, capacitação, acesso à comunicação, ao direito e outras coisas básicas, ainda é a maior atuação das Ongs. E acreditamos que será por um bom tempo”, argumentou. Já a iniciativa privada, em alguns casos, só financia trabalhos de OSC’s – organização da sociedade civil, que se vinculam a produtos e serviços ligados às suas marcas. Esse financiamento se dá através do perdão de uma parcela de impostos pelo governo o que, no meio técnico, se chama de renúncia fiscal. Assim, elas se promovem com o rótulo da “responsabilidade social”, como se diz no popular, “usando o chapéu alheio”. O dinheiro que iria para os cofres públicos fica retido nas empresas para financiar suas estratégias de marketing empresarial. Além disso, os empresários brasileiros não acreditam muito na competência técnica dos articuladores das ONG’s e acabam investindo o dinheiro em projetos próprios, tocados por fundações ligadas, diretamente, à estrutura das empresas. Outra possibilidade de captação é a contribuição individual. Mas ela é pouco disseminada no Brasil, pelo menos para financiar projetos de formação política. Uma felizarda neste quesito é a organização Greenpeace Brasil. Mas a equação da entidade é impossível de ser

solucionada pela maioria das ONG’s brasileiras. Investe-se em publicidade e, para conseguir os recursos que precisa, financia antes 30% do valor em campanhas na mídia. Para cada 100 mil reais que arrecada em contribuição individual, uma possível proponente, necessita investir antecipadamente 30 mil em publicidade. Uma saída para resolver o problema é a aprovação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei do Senado (PLS) 649/2011. Aprovado em dezembro de 2013, no Senado, o PLS segue agora para a Câmara dos Deputados. Vale a pena conferir os detalhes do PLS diretamente no relatório da Abong. O texto foi produzido usando a linguagem jornalística e está disponível no site do Observatório da Sociedade Civil.

Augusto Ramos: “O papel das ONG’s vai além de prestar serviço público”

tá na mão Confira o relatório O dinheiro das ONG’s – Como as Organizações da Sociedade Civil sustentam as suas atividades e como isso é fundamental para o Brasil na íntegra em: http://observatoriosc. files.wordpress.com/2014/ 02/livro-ongs-100-dpis.pdf

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Filosofunk Funk e filosofia podem ter muito mais em comum do que

o que todo mundo pensa

Mônica Oliveira, do Virajovem Porto Alegre (RS); e Clara Wardi, Virajovem do Rio de Janeiro (RJ)*

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que o funk tem a ver com filosofia? Talvez nunca ninguém tivesse pensado nisso até um professor de Brasília colocar a música Beijinho no Ombro, de Valesca Popozuda, como questão de prova. O que era pra virar reflexão na cabeça dos alunos e contestar pré-conceitos, transformou-se em discussão nacional. O funk brasileiro já foi chamado de funk carioca, mas há muito tempo ultrapassou as barreiras geográficas. Sua origem está no ritmo criado por músicos negros norte-americanos ainda na década de 1960, que nasceu como uma mistura de soul, jazz e rhythmand blues. No Brasil, adquiriu novas características na década de 1980, buscando representar o cotidiano das favelas. Chamou atenção pelas letras que falavam de armas, drogas e sexo e, por isso, ganhou o rótulo de música ligada à marginalidade, de baixa qualidade. Virou uma afronta à cultura brasileira, uma produção sem valor. Mas... será mesmo? Desde os proibidões, com ruídos de tiros incorporados ao ritmo, exaltação de facções do tráfico e incitação à destruição da polícia, muito já aconteceu. Claudinho e Buchecha e MC Sapão foram alguns dos responsáveis por colocar o funk em programas de TV direcionados para famílias, conquistar a simpatia da classe média e, por que não, das classes mais altas. Na década de 1990 e anos 2000, o funk invadiu casas noturnas e festinhas particulares sem escolher faixa de renda, cor da pele, nível de escolaridade. Mais romântico e sensual, ganhou coreografias que viraram mania nacional. Ainda hoje, porém, poucos ousam dizer que gostam de funk. O fato é que o funk ainda é visto como cultura de minoria, o que só retrata a hipocrisia que vivemos hoje em dia. Ele traz aspectos particulares e resistentes em sua essência, que compõe um movimento com riqueza cultural, representando muito do cotidiano das grandes cidades brasileiras. É por abordar questões polêmicas e trazer à tona aspectos da realidade que muitos

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preferem anular sua representatividade, fazendo do funk alvo de preconceito. Muitas das declarações feitas em redes sociais e na grande imprensa brasileira sobre a tal prova de filosofia mostram a resistência do povo brasileiro de aceitar a música popular como aspecto cultural e relevante para a sociedade, ou seja, um ponto de partida para reflexões sociais e percepções sobre a realidade. Outro ponto polêmico, além da música de funk, foi a menção a Valesca Popozuda como grande pensadora, o que a colocaria no mesmo nível de Platão, como diriam alguns. Para o professor Antônio Kubitschek, autor da prova, a funkeira ao influenciar a sociedade com o que pensa, pode ser chamada de pensadora. E todos nós podemos ser pensadores de nosso tempo. Essa é a democratização da filosofia, sua relação com o cotidiano, seu interesse em questionar, eliminar o senso comum e seus argumentos prontos – desconstruir! A dúvida que fica: e se a música não fosse um funk, causaria tanta comoção? Seja que ritmo for, e mesmo que não agrade a todos, o recalque precisa passar longe!

Freud desceria até o chão? Freud não foi nenhum funkeiro, mas já dizia que os indivíduos tentam eliminar do seu consciente representações que consideram inaceitáveis. É possível dizer que recalcar qualquer tipo de manifestação artística é um ato de ignorância, já que cada criação é única e incomparável, dependente do contexto no qual é produzida, é um traço cultural. Então, “beijinho no ombro pro recalque passar longe!” Pensar a filosofia não é pensar somente o acadêmico e o erudito, mas pensar o que acontece, de fato, com as pessoas em seu cotidiano. É considerar o funk como


uma amostra da realidade, respeitar a produção cultural que se origina das periferias e questionar o que é considerado cultura apenas aquilo que está presente nas classes dominantes.

Batidão: do machismo ao feminismo Não é de hoje que letras de músicas transformam a mulher em símbolo sexual, objeto de desejo e alvo de relações dominadas pelos homens. No gênero, a falta de censura e pudor característicos ao ritmo explicitam o machismo da sociedade brasileira. Afinal, desejo e satisfação sexual são assuntos socialmente permitidos aos homens, apenas a eles. Mulheres que entram nesse território e assumem suas vontades são apontadas, ainda hoje, como vadias. Valesca Popozuda, alvo de muita polêmica, anda na contramão do machismo faz tempo – entra no Google aí e olha as letras da funkeira. Hoje, ela virou símbolo da liberdade sexual feminina. Será o início dos novos tempos do funk?? Não sabemos. A única certeza é que já está incomodando muita gente.

maioria das classes C e D. Quando perguntados sobre o sentido que a música tem em sua vida, as opiniões dos entrevistados se dividem: 22% acham que o funk é apenas diversão, um ritmo bom de dançar. No entanto, 26% acreditam que os MCs convidam a ambições que não cabem na pista de dança, ou seja: o funk seria uma forma de superação. A estudante de Direito Gabriela Veríssimo, de 19 anos, faz parte da galera que curte o funk. Ela afirma que o que a atrai no gênero musical é o ritmo sensual. Para a jovem carioca, o preconceito com relação ao estilo musical é injusto. “Acho que é uma forma de segregação, ainda mais pela origem do ritmo, que vem das favelas. Ter preconceito com o funk é não querer reconhecer a sua história”, afirma.

A realidade da periferia e o funk ostentação MC Guimê deu muita entrevista por aí, afirmou e reafirmou que sua música é realidade. Marcas de carros, roupas, bebidas e a importância do dinheiro em nossa sociedade são as inspirações do MC para produzir videoclipes, que são sucesso de visualizações no YouTube. Mas o que tem por trás de tudo isso? Para Guimê, adquirir esses objetos de consumo é como uma senha para fazer parte da sociedade. Esse é o reflexo da classificação do funk como cultura de minoria, da periferia como marginalidade; a prova de que o consumo e a dignidade, infelizmente, caminham juntos. Até quando?

E você, curte um batidão? O instituto Data Popular fez um estudo sobre o funk, funk que mostrou que hoje a “comunidade funk”” congrega 10 milhões de brasileiros com mais de 16 anos, a *Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal


Vencendo o preconceito Religiões de matrizes africanas, como a Umbanda, estão se tornando mais populares e, consequentemente, aceitas e respeitadas na sociedade** Victória Sátiro, Virajovem de Naviraí (MS)*; com a colaboração de Rayanna Santos

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tratados, essas entidades resolveram iniciar uma nova o período da colonização, negros que foram forma de culto. arrancados de sua terra, e de suas raízes para No dia seguinte, as entidades começaram a atender serem escravizados no Brasil, não tinham na residência de Zélio todos os que necessitavam, e, permissão dos senhores de engenho para praticarem posteriormente, fundaram a Tenda Espírita Nossa Senhora suas crenças e costumes, e ainda os obrigavam a se da Piedade. Essa nova forma de religião inicialmente foi catequizar e serem cristãos. Com isso, os escravos chamada de Alabanda, mas acabou tomando o nome de foram obrigados a tentar praticar sua religião de outro Umbanda, uma religião sem preconceitos que acolheria a jeito, sem que fossem vistos. Tiveram que se utilizar de todos que a procurassem: encarnados e desencarnados, elementos do catolicismo para se clamuflarem, já que em todas bandas. sua religião era tida como bruxaria para os senhores e Zélio foi o precursor de um trabalho umbandista jesuítas. As religiões africanas são derivadas do animismo voltado à caridade assistencial e com um culto muito “conceito de que a vida animal é produzida por uma simples, embora aberto à junção das formas já existentes alma imaterial” e, na umbanda, cada parte da natureza (ao próprio Candomblé nos cultos Nagôs e Bantos, tem um representante – os chamados orixás, que são que deram origem às religiões africanas que foram incorporados pelos filhos e pai de santo, nos terreiros. se mesclando e originando diversas correntes ou Após o começo dessa prática, foi nascendo um novo ramificações da Umbanda, com suas próprias doutrinas, jeito de se praticar a religião, porém a Umbanda que ritos, preceitos, cultura e características próprias dentro ou conhecemos hoje só foi fundada de verdade anos mais inerentes à prática de seus fundamentos. tarde. Uma das versões mais aceitas popularmente da história dessa religião é a sobre o médium Zélio Fernandino de Moraes que, em 15 de novembro de 1908, acometido de uma doença misteriosa, teria sido levado à Federação Espírita de Niterói e, em determinado momento dos trabalhos da sessão Espírita, manifestaramA inserção de jovens nessa religião se em Zélio espíritos nos dias de hoje está cada vez maior, e que diziam ser de índio um dos grandes motivos disso é que as e escravo. O dirigente Apesar da história da origem do pessoas estão cada vez mais se assumindo da mesa, no entanto, Umbandismo, a religião Espírita não e lutando contra o preconceito sofrido pediu que se retirassem, discrimina qualquer entidade espiritual. tanto na Umbanda quanto no Candomblé. por acreditar que não O espiritismo, conhecido como “mesa Desde que essa movimentação começou, passassem de espíritos branca”, que adota a linha de Alan foi possível perceber jovens que durante moralmente atrasados. Kardec, também trabalha com espíritos anos esconderam sua religiosidade por Mais tarde, naquela noite, como pretos-velhos e caboclos, por medo da repressão, hoje se interessarem exemplo, tidos pela doutrina como os espíritos se nomearam mais pelo assunto e conseguem falar mais espíritos de alta evolução moral, por como Caboclo das Sete abertamente sobre sua escolha religiosa. apresentarem-se humildes quando se Encruzilhadas e Pai Paulo. O papel da mídia e das redes sociais é manifestam nessa condição. Devido à hostilidade muito relevante para esse acontecimento, e a forma como foram

Superando estigmas

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http://ofabricantedeguias.blogspot.com.br/

pois com a internet, os adeptos ao condomblé tiveram a possibilidade de compartilhar pensamentos, crenças, histórias, curiosidades, imagens e várias experiências de suas histórias e dificuldades para se relacionarem e se assumirem umbandistas e, assim, quebrarem, dia após dia, vários paradigmas e estereótipos do senso comum. O aparecimento de espíritas em novelas e o apoio e a valorização à religião Umbanda como integrante da nossa cultura por parte de vários artistas como Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Gilberto Gil e Caetano Veloso, ajudaram a suscitar discussões na mídia contra a sua marginalização. Porém, é claro, é preciso tomar muito cuidado e analisar criticamente alguns programas, principalmente os de humor, que ainda concebem uma imagem preconceituosa e deturpada da Umbanda e de seus símbolos. Muitos jovens ainda precisam se esconder. Rayanne Santos, que é frequentadora e filha de santo de um terreiro em São Paulo desde os 17 anos, conta que no começo tinha muita dificuldade em falar de sua escolha religiosa com seus colegas da escola e não tinha liberdade de articular suas opiniões e experiências nas aulas de religião, já que os professores eram mal informados e tinham uma visão negativa sobre a Umbanda. Ela já foi perseguida na rua, sofreu cyberbullying, agressões verbais e físicas, além das repressões morais. Dentro de sua casa, como sua mãe não é umbandista, ela também sofreu muito até que todos aceitassem

sua escolha. Conta que no começo foi difícil, pois tinha que esconder suas roupas, seus santos, guias e velas, especialmente quando algum amigo ou amiga da família e parentes iam à sua casa. Hoje, Rayanne tem 20 anos e diz não se arrepender de nada, pois realmente encontrou seu lugar. Atualmente, luta contra o preconceito e apoia a opção dos jovens nessa religião, que mudou sua vida e abriu sua mente em vários aspectos.

*Uma das virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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galera repórter

dor que motiva Com o assassinato brutal de seu filho, vítima de ra Pereira homofobia, a militante paraibana Eleono reforçou sua garra na defesa dos direitos humanos

Luiz Felipe Bessa, Handryelly Ferreira e Scheylla Guthemberg, do Virajovem Recife (PE)*

O

utubro de 2010. Eleonora recebe a notícia de que seu filho José Ricardo havia sido espancado e encontrava-se no Hospital da Restauração, em Recife (PE). Desespero. Ao chegar ao hospital, é informada que o filho, ainda vivo, mas em estado grave, encontrava-se em coma induzido. Olhos roxos, crânio afundado. O jovem não resistiu aos ferimentos. O sentimento de dor sobreveio e Eleonora ficou como qualquer outra mãe ficaria. Faltava-lhe o chão. Haviam roubado a vida de seu filho confidente, amigo e companheiro. Aos poucos, o vazio deixado pela dor da perda e pela brutalidade como tudo aconteceu deu espaço à ação da militante Eleonora Pereira. Nascida e criada em João Pessoa (PB) e formada em enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mudou-se para Recife (PE), onde casou-se e teve José Ricardo e outros filhos. Na capital pernambucana, trabalha com formação de adolescentes e jovens em Direitos Humanos desde a década de 1970. Após o triste episódio que vitimou seu filho, Eleonora entrou para o movimento nacional Mães pela Igualdade, que reúne mães de várias partes do Brasil para uma campanha nacional contra a discriminação, a violência e a homofobia, situação que, infelizmente, se apresenta com índices cada vez mais alarmantes no País.

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Mas Eleonora não parou por aí. Após um ano da morte do seu filho, ela cria o Instituto José Ricardo, que atua na defesa e no combate à homofobia de crianças, adolescente, jovens e suas famílias. O instituto é a primeira organização do Estado de Pernambuco que trabalha diretamente com a proteção de crianças, adolescentes e jovens homossexuais. Confira a entrevista que fizemos com essa mulher admirável, exemplo de mãe e militante. Como foi encarar a morte do seu filho? Encarar a morte de José Ricardo foi doloroso. A partir do momento que encontrei o meu filho e que no dia seguinte soube que ele tinha vindo a óbito, as lágrimas desceram dos meu olhos naquele momento, mas alguma força muito maior veio dentro de mim dizer que meu filho precisava muito mais naquele momento. Para que ele pudesse ser transportado para outro local, pois já não podia mais conduzir a sua própria vida, então teria que ser conduzido por mim, foi aí que a força da mãe, com amor incondicional veio à tona e eu parti para cuidar do velório do meu filho. Foi doloroso, mas o fato de não querer que mais alguém passasse pelo o que o meu filho passou veio muito mais forte. Hoje vejo que a morte do meu filho pode transformar a vida de muitos outros adolescentes e jovens como ele.


Seu filho era ativista e militante como você? Como você vê o ativismo e a militância dessa juventude? Meu filho era ativista e militante como eu. Hoje eu vejo que a juventude precisa avançar mais, correr atrás, porque é uma militância que está focada muito no conservadorismo, numa militância que não está embasada politicamente, que vai muito no “oba-oba”, na onda do momento. Tem também a juventude erguida, que está na militância e no ativismo erguendo várias bandeiras. Por que você decidiu criar o Instituto José Ricardo? Decidi por já estar numa atividade de militância na defesa dos direitos humanos, e comecei a observar, após a morte de José Ricardo, que não existia uma política afirmativa para população LGBT. Então, o Instituto trouxe a visibilidade da violência doméstica por orientação sexual. Quisemos trazer para as famílias um consolo e dizer para elas que cuidem do seu filho, em vez de agredir e expulsálo de casa. Que elas possam amar seu filho quando ele assume a sua orientação sexual. Qual foi a maior dificuldade para criar o Instituto José Ricardo? Não houve, pois chegaram a mim vários amigos, que compraram a ideia. A dificuldade está na questão de financiamento. Como ele é muito recente – completamos um ano no dia 21 de maio – não podemos receber recurso para a realização das atividades, mas, mesmo assim, as parcerias estão nos ajudando a realizá-las. Qual o trabalho que vocês realizam no Instituto? Realizamos atividades psicossociais e jurídicas. A questão psicológica é mais no atendimento às famílias e aos próprios adolescentes e jovens que, muitas vezes, são expulsos de casa e espancados pela própria família. Como vocês atuam na proteção das crianças, adolescentes e jovens em defesa aos ataques homofóbicos? Usando o Estatuto da Criança e do Adolescente, mesmo que não tenha um artigo que fale sobre orientação sexual. Pegamos pela legislação que fala da liberdade de expressão, do direito de ir e vir, de dizer que o seu desejo tem que ser respeitado. Como é a aceitação do Instituto pela sociedade civil, ONGs e organizações cristãs, por defender um tema tão polêmico e desafiador? Em nossa sociedade, em tudo temos que ter cuidado, porque nem todos estão preparados para atuar com essa temática. Mesmo dentro das organizações, não temos pessoas preparadas. Há organizações, muitas vezes

A idealizadora do Instituto José Ricardo, Eleonora Pereira, é entrevistada por virajovem de Recife

A morte do filho José Ricardo, vítima de homofobia, mobilizou Eleonora para militar pelos direitos LGBTTs

religiosas ou fundamentalistas, que rejeitam a temática da homofobia. Ainda hoje, vamos em conselhos, que não aceitam introduzir a temática para discutir a política homoafetiva de crianças e adolescentes. Como está o julgamento dos acusados pela morte do seu filho? Faz três anos que José Ricardo foi assassinado e minha luta é em busca de justiça. Esse é o primeiro crime por homofobia no Nordeste que vai a júri popular, que deve acontecer ainda este ano.

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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Normal é ser diferente A livre manifestação da diversidade juvenil é garantida como direito no Estatuto da Juventude. Mas como isso funciona na prática? Webert da Cruz, Virajovem Brasília (DF)*; e Bruno Ferreira, da Redação

Estabelecido no Estatuto da Juventude, direito à diversidade é garantido em políticas públicas

Divulgação

“T

emos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”, nos atenta o professor Boaventura de Sousa Santos. A diversidade – seja ela étnica, sexual, religiosa, de gênero, cultural, entre outros – é o que torna a vida em sociedade rica e plural. No entanto, boa parte das políticas públicas vigentes as desconsideram,“garantindo” o direito da maioria, o que reforça a segregação entre pessoas, aumentando o abismo da desigualdade. Os jovens são extremamente diversos entre si, por inúmeros motivos: o local onde se é criado, os hábitos sociais, a religião, os gostos e interesses culturais, o papel da família, da escola e da própria mídia na vida do sujeito constroem de jeitos diferentes, específicos. É em razão dessa evidente diversidade que, inclusive, fala-se em juventudes (no plural) e não em juventude (no singular). Pensando nisso que o recente Estatuto da Juventude, em seu artigo 18, trata da garantia de políticas públicas que contemplem as diferentes características e necessidades dos grupos juvenis, definidos em cinco incisos que preveem ações de educação para a diversidade. São 51 milhões de jovens no Brasil. E para refletir e elaborar políticas públicas para e com as juventudes, é necessário considerar a diversidade e a complexidade do universo do jovem. O Artigo 18 do Estatuto da Juventude contempla a adoção das medidas como a capacitação de professores dos ensinos fundamental e médio para a aplicação das diretrizes de enfrentamento de todas as formas de discriminação, inclusão de temas sobre

questões étnicas, raciais, de deficiência, de orientação sexual, de gênero e violência doméstica. Há, por exemplo, o kit Escola sem Homofobia, sancionado pela presidenta Dilma em 2011. A própria UNESCO, de acordo com o site Terra, afirmou que “é dever do Ministério da Educação, e também de outros órgãos do governo, providenciar estratégias para a redução do bullying homofóbico”. Muitos professores, no entanto, não estão preparados para lidar com a questão da diversidade sexual. Materiais pedagógicos como o kit, possuem papéis importantes para mudar esse quadro. *Um dos virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal



capa

acesso

garantido!

no na semana Eventos em São Paulo discutem o acesso à internet como um direito huma em que o Marco Civil é aprovado e sancionado pela presidenta Dilma

V

ocê sabia que em breve as empresas não poderão mais monitorar suas conversas no Facebook e Whatsapp? O quê? Você não sabia disso? Deixa eu te explicar melhor. Agora com a aprovação do Marco Civil, garantindo a privacidade da rede, as grandes empresas não podem mais monitorar o que você faz no computador e no celular. Você nunca achou estranho as publicidades que aparecem no seu Facebook? Elas estão sempre relacionadas com buscas que você fez ou com gostos pessoais, mostrando claramente que as grandes empresas têm acesso aos dados que são fornecidos por nós, muitas vezes, em conversas privadas. O pior é que a espionagem é bem ampla. Lembra-se do Edward Snowden? Ele foi a público e denunciou que os Estados Unidos realizam espionagens nos e-mails e telefones de diversos chefes de Estados e presidentes pelo mundo (se até nós somos monitorados, imagina eles). Outro ponto considerado pelo Marco Civil é a falta de liberdade de expressão na rede. Apesar de parecer um lugar aberto, onde todos podem dar a sua opinião livremente, na prática, não funciona assim. Pudemos ver em junho do ano passado, que muitos vídeos denunciando a violência policial foram censurados nas redes sociais.

Houve também casos de mulheres, que tiveram suas fotos com os seios a mostra, excluídas. No entanto, elas estavam em uma manifestação, chamada de Marcha das Vadias, e não se tratava de conteúdo pornográfico. Até aqui, acho que já deu pra notar que a nossa internet não é essa maravilha toda. Sequer podemos ter privacidade e liberdade de expressão, então agora podemos dizer que o Marco Civil veio para mudar tudo isso? Pensando em ajudar você a entender melhor o que é Marco Civil, vamos dedicar um pouquinho do nosso espaço, para contar melhor como funciona, o que é e como ele atua.

Acesso à internet: um direito de todos e todas! O Marco Civil da Internet é a lei que regula o uso da Internet no Brasil, por meio da garantia de princípios, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado.

Da Renajoc: Alessandro Muniz (RN), Daniela Rueda (DF), Diego Henrique Silva (PR), EvelinHaslinger (RS), Izabela Cristina Silva (ES), Jefferson Lemes (MT), Jorge Anderson (PA), Luiz Felipe Bessa (PE), Monique Evelle (BA), Reynaldo Azevedo Gosmão (MG) e Sebastian Roa (AM) • Da Agência Jovem de Notícias/SP: Letícia Car18

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O jornalista e blogueiro ativista Leonardo Sakamoto fala sobre a internet como espaço de expressão na Arena Net Mundial

O texto do projeto trata de temas como neutralidade da rede, privacidade e retenção de dados. Ele também determina a função social que a rede precisará cumprir, especialmente para garantir a liberdade de expressão e a transmissão de conhecimento, além de impor obrigações de responsabilidade civil aos usuários e provedores. A ideia do projeto surgiu em 2007, após ser desenvolvido colaborativamente. Partindo dos debates e sugestões da primeira fase, formulou-se um “pré-projeto” que voltou a ser debatido, com participação da sociedade. E, em 2011, o Marco Civil foi apresentado como um Projeto de Lei do Poder Executivo à Câmara dos Deputados. Após muita burocracia e atrasos (por vários motivos e justificativas formais, a votação foi adiada ou simplesmente não aconteceu por diversas vezes) finalmente, em 25 de março de 2014, o projeto de lei foi aprovado na Câmara dos deputados e enviado no dia seguinte para o senado federal, que também aprovou o projeto e que apenas aguardava a sanção da presidenta Dilma para entrar em vigor. E foi o que ela fez, sancionou a lei aprovada no legislativo, durante a conferência NET Mundial, realizada em São Paulo. Beá Tibiriçá, do Coletivo Digital, diz que o Marco Civil é importante para a realização efetiva da inclusão digital. “O Marco Civil assegura o papel do cidadão, produtor de conteúdo, com iniciativa na articulação em rede e assim, favorece o exercício da cidadania digital. Pontos de acesso público, sejam telecentros ou pontos de cultura, devem promover o acesso irrestrito, e esse acesso estará assegurado pelo Marco Civil”.

O jornalista e blogueiro Leonardo Sakamoto lembra que as pessoas ainda estão descobrindo a internet e se acostumando com uma liberdade que até então não tinham, “nossa democracia é jovem. Por conta de um longo período de ditadura, a cultura política da rua esteve interditada por muito tempo. E a internet abriu a possibilidade de conhecer o outro e nos colocar em contato com realidades diferentes. E aí as pessoas reagem”. Já o coordenador do Fora do Eixo, Pablo Capilé, lembra que as recentes mobilizações sociais criaram “um ciclo muito forte de ressignificação e criação de novos direitos”, relacionados à fruição cultural, à participação política e à ocupação do espaço público. Para o ele, o desafio agora é solidificar esses direitos e enfrentar a fragilidade a que estão expostos, constantemente ameaçados e criminalizados pelo poder público e por setores conservadores da sociedade. “A gente precisa de um pacto entre a sociedade e este governo, que se diz progressista, para solidificar as novas institucionalidades que estão surgindo no Brasil nos últimos anos”.

doso, Saulo Motta, Gabriel Fernandes, Henrique Fernandes, Kelton Campos, Larissa Marques, Bruno Samuel, Caterine Soffiati, Maria Carolina, Larissa Leão Gondin e Mayara Brandão • Da Redação: Bruno Ferreira, Carolina Ellmann, Elisangela Nunes, Filipe Campos, Gutierrez de Jesus Silva, Rafael Silva e Vânia Correia. Revista Viração • Ano 12 • Edição 107

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Internet em discussão A última semana de abril foi marcada pela aprovação do Marco Civil da Internet seguido da sanção da presidenta Dilma durante o Net Mundial, evento que reuniu em São Paulo autoridades de 97 países para discutir a governança na internet. Paralelamente a esse evento oficial, movimentos sociais pela democratização da internet organizaram o Arena Net Mundial, um evento aberto à sociedade civil, que discutiu a internet como direito humano. Durante a abertura do evento, no Centro Cultural São Paulo, os presentes, ao mesmo tempo em que estavam atentos às falas dos militantes, especialistas e representantes do governo, estavam ligados em Brasília, onde o Marco Civil estava sendo votado no Senado. Enquanto Beá Tibiriçá, militante e coordenadora do Coletivo Digital, reforçava a expectativa pela aprovação desse projeto de lei de iniciativa popular, a arena recebeu a tão esperada notícia da aprovação pelos senadores. A comemoração foi geral! Beá, que estava com a palavra, comemorou: “Articulação nas redes e nas ruas garante a nossa liberdade!”. Todas as falas da abertura da Arena Net Mundial abordaram a relevância do Marco Civil da Internet. Ronaldo Lemos, diretor de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, afirmou que jornais internacionais destacavam o nosso Marco Civil como referência de lei a ser adotada em outros países. Ele destacou o processo em que o projeto de lei foi construído: de modo colaborativo e com ampla participação popular. Ele ainda lembra que países como a Turquia praticam a censura na internet, banindo redes sociais como o Twitter. Para o especialista, o Brasil, com o Marco Civil, está propondo o oposto. “É uma lei vanguardista, que prevê que a internet seja regulada por multisetores. Ao ser comparada com outras legislações, é uma vitória em nome de todas as democracias. O Brasil assumiu essa responsabilidade com o Marco Civil e com a promoção deste evento”, explica Ronaldo. Também presente e muito questionado por militantes, o ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo afirmou que o Marco Civil da Internet é, antes de uma lei, uma carta de direitos. O ministro destacou ainda as inúmeras dificuldades para a aprovação de uma lei como esta, que fere interesses políticos e econômicos hegemônicos de setores sociais que não têm interesse de que a internet seja tratada como direito e não como produto a ser consumido apenas por quem pode pagar por ele.

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Ele parabenizou ainda a condução desse processo pelo relator do projeto de lei, o deputado federal Alessandro Molon (PT-SP), que falou de Brasília, via Skype, para comemorar essa conquista e agradecer aos militantes pela construção dessa lei, para ele muito significativa, uma vez que foi uma iniciativa da sociedade civil. Em entrevista ao virajovem Sebastian Roa, de Manaus, que participou do evento em São Paulo com outros jovens da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores (Renajoc), o deputado afirmou que o Marco Civil, além de necessário para a regulamentação da internet, demonstrou que é possível construir processos cada vez mais democráticos e participativos na criação de leis. “Eu não tenho a menor dúvida de que o Marco Civil demonstrou como a participação pode ser reforçada, aprimorada, estendida para que o Estado produza decisões melhores, tanto de políticas públicas quanto de leis. O Marco Civil é um marco não só do ponto de vista da legislação sobre internet, mas também do ponto de vista sobre como podem ser feitas leis melhores para o País. Isso precisa ser aprimorado para o parlamento e para todos os governos, do federal às menores prefeituras.” Militante defende a aprovação do Marco Civil da Internet durante Arena Net Mundial, em São Paulo


Governança em pauta

Problemas no Artigo 15 De acordo com militantes do movimento pela democratização dos meios de comunicação, o artigo 15 do Marco Civil viola princípios constitucionais e a privacidade do usuário. Antes da sanção da presidenta Dilma, uma reivindicação do movimento social era que ela vetasse o artigo 15. No entanto, o texto foi sancionado sem o veto. Em ofício encaminhado à presidente Dilma, em 17 de abril deste ano, e assinado por 15 organizações e movimentos que atuam pela comunicação livre e compartilhada, os militantes reivindicam o veto ao artigo em questão. “Com a redação aprovada na Câmara e que se mantém até o momento no Senado, o uso de criptografia se tornaria inócuo, pois todas as empresas precisarão, obrigatoriamente, reter registros de acesso de toda a sua clientela, inclusive de pessoas sabidamente inocentes, que não estejam sendo objeto de nenhuma investigação e que não tenham cometido nenhum crime ou outra infração legal. Nesse ponto, o dispositivo legaliza o monitoramento em massa dos consumidores, uma realidade cujo combate deveria ser papel do Estado”, diz trecho do ofício. No entanto, mesmo com a sanção posterior da presidente, a coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Bia Barbosa, entende que ainda há possibilidades de minimizar as brechas que o artigo traz: “O que esperamos agora é que, no processo de regulamentação deste artigo, via decreto presidencial, seja possível reduzir os impactos da vigilância em massa que o texto apresenta.”

O Comitê Gestor da Internet (CGI) promoveu, na mesma semana da Arena Net Mundial, a 4ª edição do Fórum da Internet no Brasil, que reuniu sociedade civil, empresas, universidades e governo para discutir governança a partir de três temáticas principais: Inovação e Empreendedorismo, Segurança e Privacidade, Internet e Legislação. Uma das painelistas do evento foi a alemã Jeanette Hoffman, diretora do Instituto Humboldt para Internet e Sociedade, que palestrou sobre o tema “Internet, Direitos Humanos e privacidade”. Para ela, liberdade de expressão e informação, além de privacidade, são questões implícitas no âmbito dos direitos humanos. “As empresas estão ferindo diretamente o princípio da privacidade dos usuários”, afirma Jeanette, ressaltando que os espaços criados para a liberdade de expressão em rede são oferecidos por empresas privadas, como o Facebook e o Google. Jeanette trata também como um dilema a ser superado a questão da proteção nacional de dados. Muitos serviços estão sendo oferecidos na internet, aparentemente de modo gratuito. No entanto, esses serviços são pagos com os dados pessoais dos usuários, a partir do que ela chama de “moedas de dados”. Na finalização de sua fala, Jeanette Hoffman parabenizou a conquista brasileira pela aprovação do Marco Civil da Internet, além de destacar a importância da construção de acordos bilaterais entre países, a exemplo entre Brasil e Alemanha para cooperação e proteção de dados. O relatório final do 4º Fórum da Internet no Brasil contemplou a participação de adolescentes e jovens na discussão sobre governança da internet. O documento fez menção a essa articulação, que contou com a participação de integrantes da Renajoc durante a trilha Segurança e Privacidade. Thiago Tavares, da Safernet, afirmou que participaram desta edição do Fórum da Internet no Brasil cerca de 30 jovens que realizaram o estudo do Marco Civil da Internet. Ele ressaltou ainda que cerca de 20 por cento dos usuários da rede mundial de computadores são jovens, dado que reforça a necessidade de envolver esse público nas discussões sobre internet

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Integrantes da mesa de abertura da Arena Net Mundial comemoram aprovação do Marco Civil da Internet

Mobilização via Web Nana Queiroz, criadora da campanha #EuNãoMereçoSerEstuprada, falou durante a Arena Net Mundial sobre o poder de mobilização via internet e sua importância para romper com a invisibilidade de casos de mulheres vítimas de estupro. A campanha alcançou milhares de adesões pelo País num curto espaço de tempo. A repercussão da ação fez com que a presidenta Dilma recebesse Nana e um grupo de mulheres para discutir ações de enfrentamento à violência sexual. A imprevisibilidade das ações que se iniciam na rede também foi pautada pela jornalista. Nana e outras adeptas da campanha foram ameaçadas e perseguidas por internautas. Além disso, muitas pessoas usaram a campanha para pregar pena de morte aos estupradores, o que contraria os princípios humanistas da campanha. “Quando você solta uma ideia na rede, não tem mais controle algum sobre o que isso vai se tornar”, afirma a jornalista.

tá na mão Confira o texto completo do Marco Civil da Internet em: http:// migre.me/jat2C

Confira o link sugerido pelo QR Code!

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Principais aspectos do Marco Civil Privacidade: as mensagens privadas que você mandar via e-mail ou chat do Facebook, por exemplo, não serão mais alvo de monitoramento dos provedores e serão lidas apenas pelo seu destinatário. Isso em tese, pois o artigo 15 do Marco Civil ainda abre brecha para a violação da privacidade do usuário, uma vez que permite aos provedores guardarem os registros dos usuários por, no mínimo, seis meses, em caso de necessidade de investigação criminal, o que fere o princípio de presunção da inocência, previsto na Constituição de 1988. Neutralidade: o Marco Civil impede que os provedores ofereçam serviços diferenciados de conexão como, por exemplo, para favorecer o uso de determinados aplicativos e plataformas em detrimento de outras. Além disso, o princípio da neutralidade também prevê que os conteúdos disponíveis na internet tenham igual visibilidade em sites de busca. Agora, não apenas os conteúdos mais acessados sobre determinado tema serão os primeiros a aparecer na sua pesquisa do Google. Responsabilidade jurídica: os provedores que hospedam conteúdos colaborativos não podem mais ser penalizados caso um vídeo, por exemplo, for alvo de processo judicial. Esse aspecto do Marco Civil evita a censura na rede, uma vez que antes da lei, qualquer pessoa que se sentisse ofendida com um conteúdo poderia entrar com um processo e o responsável, ao ser notificado, deveria retirar do ar a sua publicação. Obviamente que conteúdos que infrinjam a lei, com teor violento ou discriminatório, podem ser retirados do ar sem ordem judicial.


como se faz!

Storytelling Contar e ouvir histórias pode ser mágico para o aprendizado e para os bons relacionamentos Mônica Oliveira, do Virajovem Porto Alegre (RS)

S

torytelling é a arte de contar histórias, uma ferramenta milenar utilizada pelos seres humanos para disseminar crenças, hábitos, valores culturais, entre tantas outras coisas. O resultado do storytelling é tão relevante que passou a ser estudado pelos teóricos de marketing como forma de potencializar a comunicação das empresas com seus públicos. Esses estudos podem ser aplicados não somente a instituições, como também a qualquer pessoa que deseje potencializar relacionamentos. Em sala de aula, por exemplo, a ferramenta pode aumentar o interesse dos alunos pelo conteúdo, facilitando o aprendizado. Pessoas que ouvem uma história criam laços com o narrador e entre si, pois compartilham uma experiência que atinge tanto o coração quanto o intelecto. Essa união potencializa os resultados e atinge a memória diretamente. Afinal, tudo o que você mais lembra na sua vida está relacionado à emoção, seja ela positiva ou não. *Fonte das dicas: http://labssj.web.modyo.com/

Passo a passo Embora não exista uma única forma de contar uma história, algumas dicas podem ajudar. Confira algumas delas!

1. Selecione uma história Que tipo de história é mais adequada ao público que você pretende se relacionar? Será uma biografia sobre alguém importante? Uma história sua? Uma lenda, um fato histórico? 2. Mapeie a história

Pense de que forma ela deve ser contada para que faça sentido e atraia a atenção. Por exemplo, do presente ao passado? Organize os elementos-chave e organize começo, meio e fim.

3. Prenda a atenção do ouvinte e mantenha-a até o fim Encontre o momento certo para contar a história. Algumas começam com uma pergunta, outras com uma estatística ou comentário. 4. Conte a história a partir de um ponto de vista diferente Apresentar fatos não basta. É preciso mostrar uma perspectiva diferente, gerar interesse. 5. Use uma linguagem viva Ser claro, específico e usar exemplos ajuda o ouvinte a compreender a história e ativar a própria imaginação. 6. Explore a emoção Toda boa história precisa gerar conexão emocional entre quem conta e quem ouve. Palavras, imagens e sons ajudam a criar esse vínculo. 7. Seja breve Selecione os fatos principais que podem despertar interesse e garantir um final atraente. Permita que o ouvinte preencha as lacunas com sua imaginação e reflexão. 8. Mantenha um bom ritmo Ritmo é o coração de todas as histórias. Acontecimentos que não avançam podem aborrecer o ouvinte e desviar sua atenção.


Cheia que isolou o Acre Francisco Souza e Anna Karina, do Virajovem Rio Branco (AC)*

A

Vista aérea da BR 364 mostra a dificuldade de tráfego por conta do excesso de água na rodovia

nualmente, com o período de chuvas na Região Amazônica, que ocorre de dezembro a abril, o nível do Rio Madeira – e de grande parte dos rios que percorrem a Região – aumenta e inunda. Os rios atingem o máximo em abril. As cheias na Região Norte do País causam grandes problemas, porque grande parte das cidades foi construída às margens do Madeira. A última cheia do rio começou a preocupar as famílias desde dezembro de 2013, quando atingiu 14,12 metros, cinco a mais que no ano anterior. Naquele mês, o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) já sinalizava maior risco de inundações e desmoronamentos para quem mora em bairros próximos ao Madeira. Por isso, em dia 27 de dezembro de 2013, foi decretado estado de alerta em Porto Velho (RO) e, em 7 de fevereiro deste ano, o Rio Madeira chegou a 16,45 metros, fazendo com que a prefeitura da capital de Rondônia decretasse estado de emergência e, 19 dias depois, estado de calamidade pública. O nível estava em 18,60 metros. Neste período, cinco mil famílias já se encontravam desalojadas e, pelo menos, cem mil pessoas estavam sem acesso à água potável e alimentação adequada na cidade. Em Porto Velho foram 12 o número de bairros afetados. No entorno de suas usinas, cerca de 50 comunidades ribeirinhas, habitadas por gerações sucessivas de indígenas, seringueiros, pescadores e camponeses, foram alagadas por águas consideradas “incontroláveis”.


Acre em apuros Por mais de 60 dias, o Rio Madeira transbordou a ponto de atingir três trechos da BR-364, única ligação do Acre com o restante do Brasil. Por isso, a interdição se tornou inevitável pela Polícia Rodoviária Federal, provocando uma crise de abastecimento no Estado. Por essa razão, também no Estado do Acre foi decretado estado de calamidade pública. O decreto do governo assinalava que o bloqueio da rodovia federal provocara o desabastecimento gradual e crescente de itens básicos para manutenção das atividades públicas e privadas no Estado, em especial de alimentos, combustíveis, medicamentos, insumos hospitalares, insumos para o tratamento de água, entre outros. No entanto, no auge da crise, o Estado exportou itens como trigo, leite, cerveja, remédios de países vizinhos como Peru e Bolívia. A Força Aérea Brasileira (FAB), para minimizar o problema, transportou insumos em seus aviões, mas as demandas não foram resolvidas. O Acre passou cerca de dois meses isolado por via terrestre do restante do País, o que causou um aumento de mais de 400% nos preços das passagens aéreas, que já eram caras. O Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) de Rondônia divulgou que a probabilidade de uma nova cheia do Rio Madeira na mesma proporção deste ano, para o ano que vem, é de 0,45%. O anúncio ocorreu durante uma reunião entre os governos de Rondônia e Acre, na sede do instituto. A cheia do Rio Madeira este ano atingiu 42,5% do Estado de Rondônia e isolou o Acre com a inundação da BR-364. O maior registro feito anteriormente foi de 17,50m, e este ano, o Rio chegou a atingir 19,74m. A coordenadora do Sipam, Ana Strava, apresentou os motivos

que levaram o Rio Madeira a apresentar uma cheia tão grande como essa. Segundo ela, o Sipam já havia observado que, em setembro e outubro do ano passado, choveu nas cabeceiras do Rio, na Bolívia, um volume de água maior do que o registrado nos últimos 50 anos na mesma região. O acúmulo desse grande volume de água nas cabeceiras, mais as chuvas que não pararam, foi o principal motivo da cheia.

Balseiros que desciam o Rio Madeira foram levados pela correnteza

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q Representantes dos governos do Acre e Rondônia se reuniram na sede do Sipam, em Porto Velho, na manhã de 14 de abril deste ano, para discutir as consequências da cheia do Rio Madeira. A comitiva acreana noticiou que, apenas na economia, o impacto até agora é de 600 milhões de reais. Já Rondônia acredita que os prejuízos na economia, bens e serviços públicos ultrapasse 1,6 bilhão. Tanto Acre quanto Rondônia esperam que o governo federal ajude os Estados durante a recuperação econômica. Alguns estudiosos da região acreditam que o Rio Madeira possa ainda este ano passar por nova enchente, causando novamente transtornos à população dos dois Estados.

Trafegabilidade da BR 364 fica comprometida por cauda da enchente

Após fim da enchente, lama dificulta a passagem de carros na rodovia

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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quadrim

Somos todos brasileiros Nobu Chinen, crítico de quadrinhos

O

s livros de história costumam registrar os acontecimentos protagonizados por personalidades notáveis como líderes políticos, heróis militares e autores de grandes façanhas. No entanto, a história miúda e corriqueira, feita por pessoas comuns também é cheia de fatos pitorescos, fascinantes e que ajudam a entender a formação da nossa gente. O álbum Os Brasileiros, de André Toral, traz um pouco dessa história cotidiana, em sete relatos que narram, do século 16 até o 20, o choque do contato entre os índios, originais habitantes do nosso País, e os colonizadores europeus. São histórias curiosas que retratam passagens de um Brasil muito antigo, quando ataques e emboscadas entre tribos eram muito comuns e hábitos como o canibalismo faziam parte dos costumes. A mais longa, com mais de 30 páginas, descreve uma expedição formada para capturar índios com o intuito de vendê-los como escravos e auferir um bom dinheiro, como faziam os bandeirantes, mas os resultados não são exatamente os esperados. As outras são mais curtas e há algumas com apenas uma página. Todas, porém, embutem uma boa dose de ironia.

Toral, historiador e antropólogo de formação, tem um reconhecido trabalho de pesquisa de imagens de época e aplica o seu rigor de estudioso na elaboração de suas histórias em quadrinhos com minuciosa composição de tipos físicos, vestimentas e armamentos de época. As histórias citam nomes famosos como o do pintor holandês Frans Post, o que aumenta ainda mais o ar de veracidade das histórias, mesclando elementos que existiram de verdade com ideias que nasceram na imaginação do autor. Os Brasileiros é um tipo de produção rara, que explora um tema pouco abordado nos quadrinhos e sob um ponto de vista também inusitado. O autor fez um trabalho muito original ao tratar de certos comportamentos não como estereótipos de algo exótico e selvagem, mas como tradições peculiares a um determinado grupo social.

Por que é legal ler? Os episódios têm um tom de anedota, de histórias contadas pelo povo e que se perpetuaram no tempo. Algumas resgatam crenças e tradições antigas que, apesar de fantasiosas, ainda são preservadas

Por que é importante ler? A relação entre índios e brancos tem sido problemática desde os seus primórdios e foi marcada pela violência, a exploração e o conflito. Sempre é interessante conhecer aspectos da nossa realidade social e histórica para podermos entender melhor o contexto atual em que vivemos.

Para ler e refletir! A história que nos ensinam na escola nem sempre é aquela que realmente aconteceu. Aliás, quase nunca é.


Presentes e invisíveis Povos indígenas são retratados de forma simplista e genérica pelos livros didáticos brasileiros Diego Teófilo, do Virajovem Belém (PA)*; Augusto Ramos e Vanessa de Sousa, colaboradores da Vira em Belém (PA)

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história dos povos indígenas no Brasil ao longo dos anos é marcada por grandes debates e embates desde o processo de colonização. Durante o processo de alfabetização escolar temos contato com algumas informações referentes aos povos indígenas no Brasil, seja nos eventos comemorativos do dia 19 de abril, considerado oficialmente Dia do Índio ou pelas informações contidas nos manuais didáticos distribuídos nas escolas. O fato é que, pela grande relevância, o tema não pode ser lembrado esporadicamente ou ser reproduzido de forma equivocada. Trata-se da importância de manter viva a história do País, respeitando a diversidade desses povos e desconstruir o processo de negação da história dos índios do Brasil. A abordagem sobre a história dos povos indígenas na escola vem sendo objeto de estudo por vários intelectuais ligados à história e à educação. Essas produções acadêmicas possibilitam diversos olhares sobre esta temática nos livros didáticos, além de garantirem sua efetiva presença no processo histórico de construção social que temos hoje. A estudiosa Circe Bittencourt propõe, em uma de suas obras, um estudo sobre a concepção e caracterização do livro didático. Para autora ele “continua sendo o material de referência de professores, pais e alunos que, apesar do preço, consideram-no básico para o estudo”. De modo geral, em alguns espaços escolares, o livro didático é o único material de referência para a construção do conhecimento em sala de aula e fora dela. Isso pode causar prejuízos na formação do aluno, quando não aborda temas presentes na sociedade brasileira, entre eles a questão indígena, pois como não são oferecidas outras leituras ou fontes alternativas de formação, os conteúdos dos livros didáticos acabam por

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se tornar, para os alunos que fazem uso dele, o único instrumento de estudo. Quanto à questão da presença da temática indígena no livro didático, o autor Luís Donisete Benzi Grupioni, destaca que “os livros didáticos produzem a mágica de fazer aparecer e desaparecer os índios na história do Brasil. O mais grave neste procedimento é que, ao jogar os índios no passado, os livros didáticos não preparam os alunos para entenderem a presença destes no presente e no futuro.” O fato de a história indígena se manter no passado se confirma a partir de relatos como o do jovem Walisson de Souza, de 18 anos, que mora em Brasília (DF) e é estudante do 3º ano do ensino médio: “Os professores independentemente do contexto só mencionavam como eles sofreram e como eles perderam sua liberdade, crenças e terras. Só contavam mesmo o que estava na programação e nada mais”, afirma. É importante ressaltar que no Brasil os índios vivem um processo de negação de direitos em diversos espaços. No entanto, é dever do poder público garantilos, como consta na Constituição, inclusive o direito à terra, pois constantemente diversas etnias têm as suas terras invadidas. Logo, é possível compreender que mantê-los na invisibilidade interessa a setores da sociedade ligados ao agronegócio e também aos madeireiros. O professor e pesquisador da temática indígena Marcio Couto Henrique, da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA), fala que a ausência dos índios nos materiais didáticos representa o mesmo que excluí-los da narrativa histórica do Brasil. “Dificilmente, ele vai se fazer presente no livro didático enquanto não estiver fazendo parte da narrativa que


se construiu sobre a história do País. O índio continua sendo, de certa maneira, um sujeito ausente”, analisa. O pesquisador diz também que um dos desafios para a constituição da temática indígena na escola é fazer com que as produções acadêmicas, acerca do tema, cheguem ao livro didático. O processo de afirmação da cultura dos povos indígenas passa pelo reconhecimento da sua importância histórica, desfazendo, inclusive, as concepções que os tratam de forma generalizada. Mas a verdade é que cada comunidade possui práticas diferentes umas das outras e, para que sejam compreendidas de forma qualificada, a temática precisa ter o seu valor reconhecido como importante e, principalmente, seguir as orientações a partir da legislação vigente. Assim, o Brasil avançará como um País que reconhece, valoriza e respeita a diversidade étnica de sua população.

Lei 11.645 Em 2008, foi aprovada a Lei 11.645, que institui o ensino da História e cultura afro-brasileira e indígena, em instituições de ensino fundamental e médio, públicas e privadas. Segundo a lei, os conteúdos referentes ao tema devem ser ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística, de literatura e história brasileira.

Literatura específica Em janeiro deste ano, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) lançaram edital para seleção e aquisição de obras de literatura sobre a temática indígena destinadas a estudantes e professores de ensino infantil, fundamental e médio das escolas públicas federais e redes de ensino estadual, municipal e do Distrito Federal. O objetivo da seleção é que as obras possam divulgar e valorizar a diversidade sociocultural dos povos indígenas e suas contribuições no processo de formação da sociedade brasileira.

Pesquisador da UFPA acredita que os indígenas são retratados superficialmente nos livros porque não foram inseridos na narrativa histórica do Brasil

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no escurinho Sérgio Rizzo*

Para não esquecer o passado

*www.sergiorizzo.com.br

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Divulgação

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ngana-se quem pensa que a sociedade norteamericana “passou a régua” na questão racial com a chegada de Barack Obama à Casa Branca, como se os dois mandatos do primeiro presidente negro dos Estados Unidos atestassem a superação de antigos conflitos. Diferentemente do que supõe essa linha de raciocínio, episódios do passado foram invocados nos últimos anos por Hollywood para saciar, demandas do público, em torno de um difuso sentimento na linha de que “coisas assim não podem ser esquecidas e jamais poderão acontecer outra vez”. Se o alerta precisa ser feito, talvez exista quem ainda precise ouvi-lo. Esse grupo de filmes preocupados com o preconceito racial inclui Lincoln (2012), superprodução de Steven Spielberg que reconstitui a batalha política de um dos mais lendários presidentes do país (interpretado por Daniel Day-Lewis em atuação premiada com o Oscar) pela libertação dos escravos, e mais recentemente 12 Anos de Escravidão (2013), dirigido pelo inglês Steve McQueen (Shame) com base no livro de memórias de Solomon Northup – um cidadão negro e livre que, sequestrado por uma quadrilha de brancos, foi mantido como escravo durante anos, pouco antes da guerra civil norte-americana (1861-1865). Pode-se gostar ou não dos procedimentos de McQueen para reconstituir o injusto e violento pesadelo vivido por Northup (interpretado pelo inglês Chiwetel Ejiofor), mas não se pode negar que nunca antes um produto de mercado – vencedor do Oscar de melhor filme e que arrecadou, até meados de maio, 187 milhões de dólares de bilheteria em todo o mundo – foi tão explícito, como um ultrajante reality show, na exposição do ódio e da violência raciais nos Estados Unidos. Nesse drama de sofrimento explícito, uma cena se destaca pela banalidade do horror, quando uma dança de escravos – constrangidos por seus patrões a lhes oferecer um espetáculo exótico – é subitamente interrompida por uma terrível agressão a um deles.

Analfabetismo é retratado em diferentes enredos e contextos, no cinema

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que figura!

Encantos de orixá O bailarino e coreógrafo baiano Augusto Omulu disseminou a cultura afro-brasileira por meio da dança na Europa e Estados Unidos

Emilae Sena, do Virajovem Salvador (BA)*

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ascido em 1962, em uma família de dez irmãos, Augusto José da Purificação foi um talentoso bailarino e coreógrafo, que disseminou, em outros países, a cultura afro por meio da dança dos orixás. Ele começou sua trajetória na dança participando como bailarino no Balé Folclórico do Sesc. Foi um dos fundadores e professor da Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia, diretor artístico e coreógrafo do grupo anfitrião do Carnaval de Nice (França), em 1991, com Gilberto Gil. Popularmente conhecido como Augusto Omolu, por se destacar como intérprete do orixá que leva esse nome, o soteropolitano integrou o Balé Teatro Castro Alves (BTCA), em Salvador, por mais de três décadas, como professor e coreógrafo do Balé Folclórico da Bahia. Fundou a Instituição Social IAÔ (Ilê Augusto Omolu), que mantém atividades artísticas na capital baiana, com grupos de dança, teatro e música para crianças em situação de rua. Augusto foi ainda coordenador artístico do Projeto Axé e fez parte do quadro de professores da Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado. A partir de 2002, realizou espetáculos e seminários, na Europa e nos Estados Unidos, tendo por base a dança dos orixás. Essas experiências contribuíram para a formação de diversos atores e bailarinos, além de grupos de pesquisa e núcleos disseminadores da experiência. Augusto passou a atuar como professor de qualificação profissional e de cursos livres a partir de seu envolvimento com a dramaturgia da dança dos orixás, compreendida não apenas como técnica, mas também como um pensamento que ele sistematizava com competência. Querido por todos, retornou ao Brasil em 2009, após viver na Dinamarca como membro do Odin Teatret, uma das mais importantes e respeitadas companhias de teatro

e performances do mundo, onde elaborou os espetáculos Ode ao Progresso, As Grandes Cidades ao Abrigo da Lua, Sonhos de Andersen. Augusto tornou-se uma referência de vitória pessoal entre os jovens artistas de Salvador, sobretudo entre os negros. Isso se deve aos seus muitos sucessos e conquistas nos vários campos em que atuou sendo reconhecido, inclusive, internacionalmente. Augusto Omolu aos 52 anos foi encontrado morto em sua chácara, na região de Buraquinho, localizado no município de Lauro de Freitas, na Bahia, em 2 de junho de 2013, deixando três filhos e esposa.

*Uma das virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

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sexo e saúde

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partir de março desse ano, o Ministério da Saúde passou a oferecer gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a vacinação contra o vírus do HPV (papiloma humano) para meninas entre 11 e 13 anos. A vacina é usada na prevenção de câncer de colo do útero, sendo necessárias três doses. Após tomar a primeira vacina, a menina deve retornar ao posto de saúde após seis meses, o que é necessário para a efetiva imunização. A terceira dose deverá ser aplicada cinco anos após a primeira, servindo como um reforço para o efeito protetor contra a doença. Para esclarecer algumas dúvidas sobre a vacina de prevenção ao HPV, conversamos com Tani Schilling Ranieri, sanitarista e epidemiologista, coordenadora do Núcleo de Imunizações da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Confira!

Claudia Ferraz, do Virajovem São Gabriel da Cachoeira (AM); e Evelin Haslinger, do Virajovem Porto Alegre (RS)*

Por que apenas meninas de 11 a 13 anos recebem a vacina gratuitamente? A vacina contra o HPV será ofertada para adolescentes entre nove e 13 anos, de forma gradativa. Em 2014, a população-alvo da vacinação é composta por adolescentes do sexo feminino na faixa etária de 11 a 13 anos. Em 2015, serão vacinadas as adolescentes na faixa etária de nove a 11 anos e, a partir de 2016, serão vacinadas as meninas de nove anos de idade. Qual o melhor momento para se vacinar?

Natália Forcat

Nas meninas entre nove e 13 não expostas ao HPV, a vacina é altamente eficaz, induzindo anticorpos em quantidade dez vezes maior do que a encontrada em infecção naturalmente adquirida num prazo de dois anos. A época mais favorável para a vacinação é nesta faixa etária, de preferência antes do início da atividade sexual, ou seja, antes da exposição ao vírus. Estudos também verificaram que nessa faixa etária, a vacina quadrivalente (destinada a prevenir quatro tipos de HPV) induz a uma melhor resposta quando comparada em adultos jovens, e que meninas vacinadas sem contato prévio com HPV têm maiores chances de proteção contra lesões que podem provocar o câncer uterino. As mulheres que já tiveram HPV podem tomar a vacina? Mulheres que já tiveram diagnóstico de HPV podem se vacinar. Existem estudos com evidências promissoras de que a vacina previne a reinfecção ou a reativação da doença relacionada ao vírus nela contido.

Mande suas dúvidas sobre Sexo e Saúde, que a galera da Vira vai buscar as respostas para você! O e-mail é redacao@viracao.org

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*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal


Delícia junina o cural, A canjica de milho, conhecida no Nordeste brasileiro com é uma iguaria que não falta nas tradicionais festas de São João Joelma Oliveira e José Carlos Santos, do Virajovem João Pessoa (PB)*

Ingredientes 100 g de manteiga derretida; 50 espigas de milho; 2 kg de açúcar; 1 colher (chá) de sal; 5 litros de leite de coco; Canela a gosto para decorar.

Modo de preparo Descasque os milhos cuidadosamente e, em seguida, rale as espigas. Depois disso, bata tudo no liquidificador com leite de coco. Coloque a massa numa panela, acrescentando o açúcar e o sal. Basta cozinhar em fogo brando até formar um mingau. Depois disso, separe o mingau em pequenas porções e salpique-as com canela em pó. Você pode servir quente ou gelado, vai depender do gosto! Bom apetite!

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal

Joelma Oliveira

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unho é o mês de colheita do milho. Por isso, justifica-se a quantidade de doces deliciosos feitos para as tradicionais festas de São João a partir desse grão. Um desses pratos típicos é a canjica de milho. Na Região Sudeste, no entanto, esse prato é conhecido pelo nome de curau, e é um creme doce ou mingau preparado a partir milho e salpicado com canela em pó. Esse prato é consumido durante o ano todo, embora seja no período das festas juninas que este alimento ganha ainda mais destaque nas mesas, especialmente no Nordeste. Uma curiosidade é que canjica, aqui no Nordeste, refere-se ao que boa parte das pessoas, em outras Regiões conhecem por cural. Mas o que se conhece por canjica no Sudeste, aqui nomeamos de mungunzá, feito de milho branco, que também é uma delícia. Confira a seguir uma receita do cural ou canjica de milho! E bom arraiá!


parada social

Educom nas Escolas

Iniciativa da Renajoc, o projeto Mais Educomunicasção promove atividades extracurriculares de comunicação em 20 escolas do Brasil Evelin Haslinger, do Virajovem Porto Alegre (RS); e Vânia Correa, da Redação.

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Mais Educomunicação é uma iniciativa da Viração e da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores (Renajoc), que pretende fortalecer a participação de adolescentes e jovens pelo direito humano à comunicação, por meio de intervenções em 20 escolas públicas, de diferentes cidades do País. Iniciado em 2013, o projeto conta com o apoio do Instituto C&A, e terá um ciclo de três anos de duração. Para a implementação do projeto nas cidades, a Vira e a Renajoc contam com o apoio de organizações e coletivos jovens locais. O Mais Educom promove, em cada edição, um ciclo de aproximadamente 15 oficinas sobre comunicação e humanidades, com estudantes da rede pública, no contraturno escolar. O projeto acontece, preferencialmente, em escolas que aderem ao Programa Mais Educação, do Ministério da Educação, que prevê a realização de atividades extracurriculares, num programa de educação integral. Além das oficinas os estudantes também organizam ações de mobilização comunitária, como o Dia C – Dia da Juventude Comunicativa, para as quais reivindicam o direito humano à comunicação. No primeiro ano de execução, o Mais Educom realizou mais de 250 oficinas, com 415 estudantes de 11 a 18 anos, em 20 cidades, abrangendo todas as regiões do País, áreas urbanas, rurais e ribeirinhas.

Na edição de 2014, a proposta é fortalecer as discussões sobre o direito à participação de adolescentes e jovens. Neste ano também, estudantes do Mais Educom participarão de Encontros Regionais da Renajoc, onde terão a oportunidade de se articularem com jovens de diferentes estados, discutirem temas relacionados à comunicação e direitos humanos, além de planejarem ações para o ano seguinte.

tá na mão Acompanhe as atividades da Renajoc e Mais Educomunicação em: http://renajoc.org.br/

Confira o link sugerido pelo QR Code!

*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal



QUEREMOS UM PAÍS CAMPEÃO NA BOLA E NOS DIREITOS HUMANOS.

Desde 2007, o Fundo Brasil já destinou R$ 6 milhões a mais de 200 grupos que atuam em defesa dos direitos humanos nas mais diversas áreas. Nesse contexto, a partir de 2011, a fundação tem apoiado organizações sociais mobilizadas em defesa de populações vulneráveis que sofrem diretamente os impactos negativos das obras da Copa do Mundo nas 12 cidades-sede. O Fundo Brasil acredita que somente a mobilização de diferentes atores da sociedade pode garantir os direitos humanos para todos e todas e, dessa forma, fortalecer a democracia. Conheça em nosso site os projetos apoiados. Faça parte desta luta. Contribua com o Fundo Brasil para a construção de um país melhor para todos e todas.

11 3256-7852 www.fundodireitoshumanos.org.br | www.facebook.com/fundobrasil | twitter.com/fundobrasil


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