NOVA CULTURA #13

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Revista de Cultura e Teoria Politica

70 ANOS DO INÍCIO DA

GUERRA DA COREIA

ENTREVISTA: Antonio Mata Salas, do Consulado Geral de Cuba em São Paulo EDITORIAL: Bolsonaro: um ano e meio de servidão

ao imperialismo ianque e aos reacionários brasileiros


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SUMÁRIO EDITORIAL “Bolsonaro: um ano e meio de servidão ao imperialismo ianque e aos reacionários brasileiros” página 03 “70 anos da Guerra da Coreia” página 16 ENTREVISTA: Antonio Mata Salas, do Consulado Geral de Cuba em São Paulo página 26 “A validade das teorias de Lenin sobre o imperialismo: a opressão capitalista sobre o Terceiro Mundo e o Brasil” página 32 “Com um projeto político na mão, juntos vamos tomar o Chile das garras da oligarquia nacional e imperialista!” página 38

NOVA CULTURA Nº 13 - JUNHO/2020 Revista teórica eletrônica, uma publicação da União Reconstrução Comunista (URC). Colaboradores: Gabriel Martinez, Cássio Lima, Alexandre Rosendo, Lucas Medina, Pedro Fernandes, Rodrigo Ortega, Igor Diaz, Guilherme Nogueira, Fúvia Fernandes, Matheus Ortega

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EDITORIAL: “Bolsonaro: um ano e meio de servidão ao imperialismo ianque e aos reacionários brasileiros”

E D O I E M E O N A M U : E O U R Q A N N A I O S O M S BOL I L A I R E P M I S O O A R I O E Ã L I D S I A R B SERV S O I R Á N O I C A E R S O A E

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Recentemente, completamos um ano e meio desde que Jair Bolsonaro assumiu o cargo de principal gerente do Estado brasileiro. Ainda que vários acontecimentos em nosso país durante seu governo não tenham sido difíceis de antecipar, encontramo-nos agora numa situação mais favorável para fazer um balanço do que ocorreu até então. Várias das tendências que apontávamos de um ano e meio para cá se mostraram corretas, a saber: aprofundamento do servilismo às grandes potências, particularmente ao imperialismo ianque, não só economicamente, mas também nas aventuras belicistas e manobras geopolíticas, resultando num maior empobrecimento do país e do povo; descrédito entre a maior parte das massas trabalhadoras da nação, muito difundida no período eleitoral, segundo a qual Bolsonaro e sua trupe seriam honestos ou mesmo “menos corruptos” do que outros políticos, algo como uma rebeldia “antissistema” ou coisa parecida; manutenção das leis e medidas anti-povo e anti-operárias que haviam se aprofundado durante o Governo Temer; avanço da tutela do militarismo fascista sobre o Estado brasileiro; a fraqueza de Bolsonaro e seu governo levaria não ao fim da “divisão nacional”, mas ao aprofundamento das disputas entre os diversos setores da burguesia burocrática pelos cargos chave do Estado reacionário brasileiro. A presente crise econômica e política motivada pela pandemia parece ter aprofundado a atuação da última e penúltima dessas tendências. É preciso que fiquemos atentos para vermos quais serão os principais desdobramentos delas. Porém, limitemo-nos agora a um balanço dos principais acontecimentos que ocorreram em seu um ano e meio de governo, bem como durante o período eleitoral.

Eleições, reformismo, cretinismo parlamentar: a “opção Bolsonaro” Até por volta do ano de 2014, Jair Bolsonaro era quase um desconhecido na opinião pública brasileira. Político de carreira do baixo clero, envolvido em pequenos esquemas de corrupção e impulsionando sua carreira política com o discurso racista, anti-pobre, pró-polícia de histeria anti-crime, tão tradicional em politiqueiros conhecidos – mas agora complementado por disparates da moda como “marxismo cultural”, “ditadura gay”, etc. –, não se poderia imaginar que alguém que mais se assemelhava a um trombadinha (para os padrões da corrupção brasileira) seria cotado para gerir os interesses de abrangência nacional das classes dominantes e do imperialismo. Já havia figuras muito mais endinheiradas e capacitadas para cumprir tal tarefa, caso a grave crise econômica e política não apontasse para outros caminhos. O fato de a candidatura preferencial das classes dominantes no pleito de 2018, Geraldo Alckmin, não ter ganhado popularidade entre os eleitores, mostrou aos grandes burgueses e latifundiários locais, bem como ao imperialismo, que era necessária a figura de um “outsider”, apresentando-se como “antissistema”, mas de fato profundamente favorável a ele, para salvar este mesmo sistema de dominação reacionário, ainda que momentânea e fragilmente. É notório que grupos como FIESP, FPA, UDR, etc. tenham bandeado, um após outro, para um apoio aberto e em bloco da candidatura de Alckmin para Bolsonaro durante o período eleitoral. Nas eleições estaduais, em questão de poucos dias, todo tipo de politiqueiros oportunistas se agarrou a Bolsonaro, querendo se associar a ele num momento em que seu nome estava em alta. As eleições de 2018 ocorreram numa atmosfera estranha às concepções liberais defendidas pela maior parte da chamada “esquerda” brasileira, mas não à realidade de um país cuja trajetória de golpes, governos praticamente autocráticos e repressão generalizada contra as massas remonta pelo menos há séculos. Os acontecimentos de maior destaque durante as eleições de 2018 (de importância fundamental, senão determinantes, para a eleição de Jair Bolsonaro) foram uma pequena ilustração que mostraram que a subversão das leis burguesas pela própria grande burguesia e pelos latifundiários é a regra, e não a exceção num país semicolonial e semifeudal como o nosso, a saber: o cancelamento de mais de 3,4 milhões de títulos eleitorais (supostamente por falta de cadastro biométrico), dos quais quase metade em regiões nos quais o candidato Fernando Haddad (PT) era o favorito; a prisão de Lula, principal nome nas pesquisas, em meio ao período eleitoral, o que acabou por favorecer diretamente a candidatura de Bolsonaro (lembrando também da ação de Moro em divulgar a “delação do Palocci” na mesma semana do segundo turno das eleições); um atentado a facada, até hoje pouco esclarecido, que transformou Bolsonaro num herói cívico de ocasião, que lutava contra a


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corrupção e a falta de ordem; contribuições milionárias de empresas capitalistas para o disparo de milhões de mensagens e “fake News” via WhatsApp e demais redes sociais para favorecer Jair Bolsonaro e prejudicar o candidato petista, com mentiras que iam e vão para muito além do limite do absurdo, para não falar do apoio estrangeiro, fornecido por Steve Bannon, a esse processo fraudulento que foi chamado não de corrupção, mas de “Caixa 2”. Esses poucos fatos são suficientes – embora haja muitos outros – para demonstrar o quão transgressoras e rebeldes às próprias leis burguesas foram as movimentações para a vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018. Se, por princípio, as eleições burguesas são fraudulentas pois apenas fornecem às massas trabalhadoras o direito de decidir quem gerenciará sua exploração, as eleições de 2018 foram ainda mais emblemáticas nesse sentido, isto é, foram farsantes de uma forma ainda mais escancarada. É irônico que mesmo que as transgressões e fraudes tenham sido necessárias para a vitória de Bolsonaro, tenham sido apoiadores seus quem tenham levantado o discurso de fraude eleitoral (quem não se lembra das “fake News” que falavam que as urnas eleitorais estavam direcionando votos automaticamente para o petista Haddad?), mas uma fraude que estaria favorecendo o petismo poderosamente apoiado pela máquina do Estado brasileiro e dos poderosos corruptos, ao passo que a campanha de Bolsonaro, sem grandes fontes de financiamento, estaria sendo conduzida pelas pessoas comuns organizadas de seus próprios lares, sem serem pagas e interessadas apenas no fim da corrupção e num país melhor. Igualmente irônica foi a situação na qual o discurso legalista em defesa do “Estado democrático de Direito” e da legitimidade do pleito ilegítimo tenha sido assumido justo pelo setor que saiu eleitoralmente prejudicado por conta de tais manobras. Ademais, os muitos anos de desgaste do petismo – a pecha de ter “afundado o país” e de ter sido supostamente responsável pela crise econômica dos anos 2014-2016 em virtude da corrupção massiva – foram fundamentais para a vitória de Bolsonaro. O voto em Bolsonaro foi fundamentalmente anti-petista. As ações por parte das bases petistas e “neo-petistas” também não foram de grande ajuda: caracterizando em bloco e de forma absoluta todos aqueles que votaram em Bolsonaro como fascistas e grandes inimigos (incluindo aqui o povo comum), mantinham de forma generalizada uma abordagem arrogante e paternalista principalmente para com os trabalhadores mais pobres, algo que, sem dúvidas, contribuiu para aprofundar ainda mais um sentimento de estranhamento contra os intelectuais (que já estava sendo estimulado pelos setores reacionários principalmente em campanhas contra o professorado) e cisão da classe operária e do campesinato com a intelectualidade. Até mesmo movimentos e mobilizações que surgiram de maneira completamente espontânea e desorganizada (a julgar pelo chamado “#EleNao”) não conseguiram mobilizar mais que as camadas médias esclarecidas, e se limitou igualmente a pautas morais e de costumes, sem lograr expor diante das massas trabalhadoras quem Bolsonaro realmente era e que caminho seguir a partir da compreensão do mesmo como um inimigo do povo. Primeiro ano do Governo Bolsonaro: aprofundamento do entreguismo, corrupção e persistência da crise econômica A euforia da vitória de Bolsonaro não durou muito. Antes mesmo de assumir o cargo presidencial, Bolsonaro já dava sinais de fraqueza. Não foi necessário sequer esperar o fim de 2018 para que um esquema de corrupção relacionado a funcionários fantasmas do gabinete de Flávio Bolsonaro, seu filho, viesse à tona. O laranja desse mesmo esquema de corrupção, Fabrício Queiroz, havia depositado valores suspeitos na conta da esposa do presidente, e por um ano a movimentação de sua conta bancária esteve incompatível com os rendimentos de um assessor político. Logo foram sendo descobertas as ligações de Queiroz com as milícias do estado do Rio de Janeiro, o que acabava por expor a podridão da própria família Bolsonaro. Os pedidos insistentes dos advogados de Flávio Bolsonaro para impedir as investigações mostravam que havia muitíssima sujeira por baixo do tapete. Entre os belos discursos e as ações se revelava um abismo, e a histeria “anti-corrupção” nada mais era que um amontoado de frases vazias. Ademais, mostraram-se ainda mais vazias ao trazerem para o governo federal figuras carimbadas da corrupção brasileira, como Ônix Lorenzony e Osmar Terra.

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Em um país mutilado pelo desemprego massivo deixado pela crise capitalista mundial, o número de desempregados não parava de aumentar – o aumento massivo de trabalhadores dependentes da chamada “economia informal”, as filas de milhões de pessoas que requisitavam benefícios como Bolsa Família e outros, etc., eram sintomáticos –, e a despeito dos golpes de frase feita contra a “bandidagem” e a “bagunça”, persistiram as formas e números grotescos da criminalidade e delinquência. As políticas neoliberais refletiam na desvalorização da moeda brasileira e a disparada dos preços dos combustíveis, que desdobravam, por sua vez, na escalada dos preços dos produtos básicos, afetando principalmente as camadas mais empobrecidas do operariado e do campesinato brasileiros. Contra as manifestações espontâneas do povo, tal como nos governos anteriores, o Exército e a polícia foram chamados para a repressão a ferro e fogo, como em processo de implantação da “GLO” (“Garantia da Lei e da Ordem”) em Suzano-SP e nas intervenções militares no Rio de Janeiro e Fortaleza. Em um país que se encontrava – e se encontra ainda mais atualmente – em polvorosa, o que fez Bolsonaro pelo povo brasileiro nesse primeiro período de seu governo? 1) Entregou um pedaço estratégico do território brasileiro para o usufruto do imperialismo ianque, em Alcântara-MA, dando ao governo dos Estados Unidos o direito a utilizar a Base de Alcântara para operações espaciais e militares, recebendo, em troca, alguns trocados do patrão Donald Trump. Sim, tal manobra entreguista foi feita com apoio de parte de um setor que se autodenomina “esquerda brasileira”, em especial, o revisionista PCdoB; 2) Num ato de servilismo, permitiu a entrada de norte-americanos, canadenses e australianos no Brasil sem a necessidade de visto, num momento no qual os brasileiros residentes nos Estados Unidos, Canadá e Austrália são alvos de discriminação e formas grotescas de chauvinismo, em troca nada mais do que promessas de inserir nosso país na OCDE (algo que, por sua vez, não se concretizou); 3) Inseriu nosso país como peão no xadrez de guerra do imperialismo ianque da agressão contra a Venezuela bolivariana e independente, isto é, contra um povo irmão, reconhecendo governos paralelos fantoches do nível de um Juan Guaidó e colocando lenha na fogueira de uma escalada de tensões que, por muito pouco, não eclodiram numa guerra continental em fevereiro de 2019; 4) Alinhou-se com o regime racista de Israel para insultar os povos do Oriente Médio ao tentar, por um momento que fosse, transferir a embaixada brasileira em Tel Aviv para Jerusalém, reconhecendo um território sagrado para os povos do Oriente Médio como uma ocupação sionista, resultando até mesmo na ameaça ao bloqueio na importação de carnes por diversos países árabes; 5) Depenou os pensionistas brasileiros, viúvas, inválidos, etc., ao aprovar uma Reforma da Previdência que aumentou expressivamente o período de contribuição para a requisição de aposentadorias e benefícios, bem como outras exigências danosas ao povo; 6) Liberou o mercado brasileiro para a importação predatória de produtos agropecuários, como uma cota de importação de 750 mil toneladas anuais de trigo dos Estados Unidos isentos de taxas e tarifas de importação (mais de 10% do volume total anual importado), e a liberou a importação do leite europeu sem tarifas, reduzindo os preços locais e conduzindo mais um golpe contra os camponeses médios e ricos, que já passavam por grandes dificuldades; 7) Com seu discurso, empoderou e estimulou os déspotas e pilantras das áreas rurais, grileiros, empresários e latifundiários, a se apoderarem ilegalmente de vastas extensões de terras e massacrarem populações locais, donas por direito das terras e dos territórios; 8) Aprofundou o estrangulamento do financiamento de órgãos dedicados a combater o trabalho análogo à escravidão e as formas mais predatórias de desmatamento do meio ambiente – que para Bolsonaro são verdadeiras “indústrias da multa”! –, facilitando a disseminação das formas mais atrasadas de servidão nas áreas de expansão da fronteira agrícola, principalmente na Amazônia Legal. Bolsonaro, com o poder que seu cargo público lhe oferece, aprofunda o massacre da nação brasileira e retira as atenções de seus verdadeiros atos com declarações absurdas e pitorescas para as condições de um presidente. Certamente há muito mais males a serem mencionados, mas é possível citar apenas estes para verificarmos como seu governo contribui


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para por nosso país ainda mais de joelho diante do imperialismo ianque e das classes reacionárias locais. O oportunismo e o reformismo não respondem às perguntas do povo De início é importante ressaltar como o governo se enfraquece mais e mais e, na medida que enfraquece, seja no âmbito político, ideológico ou militar, o oportunismo no movimento popular recua na mesma medida, assim, ainda que de forma decadente, observamos a sobrevida do reformismo e do revisionismo. A ofensiva dos bolsonaristas é proporcional à “defensiva eterna” do campo das forças democráticas. O enfraquecimento e processo de derrocada do governo Bolsonaro, acompanha uma intensa reacionarização do Estado burguês-latifundiário. Durante a chamada “redemocratização”, que nada mais foi do que uma reorganização do Estado burguês-latifundiário, e com a eliminação e neutralização dos elementos e organizações revolucionárias mais importantes, penetrou no movimento popular todo tipo de ideias confusas, burguesas e pequeno-burguesas, influenciadas por teorias liberais importadas dos Estados Unidos e em voga na academia dos países imperialistas centrais; acreditou-se muito que era necessário superar os “desvios” do “socialismo real” em nome de um “novo socialismo”, dessa vez “democrático”, o que não passava de velha e manjada deturpação revisionista. No campo dos partidos “comunistas” oficiais, PCB e PCdoB, apesar de divergirem entre si, adotavam posições bastante semelhantes, que os colocaram a reboque dos setores mais direitistas da burguesia nacional, que não almejavam uma verdadeira derrubada da ditadura militar, mas sim sua “transformação pacífica” em arremedo de democracia burguesa no estilo ianque. Quando esteve no governo, o Partido dos Trabalhadores abriu mão de sua retórica anti-neoliberal e socialisteira anterior, adotando um programa que agradava – ou pelo menos não ameaçava – os interesses dos setores mais importantes da grande burguesia brasileira. O neoliberalismo, longe de ser combatido, foi preservado, via políticas que preservavam a existência do chamado “tripé econômico”, agora com uma coloração “social”, dado o fato de o PT ter criado certos programas sociais. Com isso, a esquerda brasileiro passou a acreditar piamente que as massas populares, no Brasil, precisavam apenas de “mais direitos”(que poderiam ser adquiridos via implementação de “políticas públicas” e “fortalecimento da democracia”. O poder que detinham os generais, as grandes empresas monopolistas estrangeiras, a grande burguesia e os latifundiários, nunca foi colocado em cheque; a tutela que as Forças Armadas sempre exerceram sob o Estado, jamais foi questionado, pelo contrário, setores da chamada “esquerda” começaram a exaltar o papel dessa que é a instituição mais reacionária do Estado burguês-latifundiário brasileiro, sua coluna vertebral. A “redemocratização” consolidou o domínio do neoliberalismo no âmbito da superestrutura do Estado brasileiro. A Constituição Federal de 1988 reestabeleceu um regime democrático burguês, que teoricamente iria garantir ao povo direitos individuais, sociais, coletivos e políticos. Sendo uma constituição elaborada pelas classes domianantes brasileiras – com assessoria dos reformistas e oportunistas – a constituição também traz em seu bojo diversos mecanismos legais que na prática assentam as bases para a preservação da estrutura econômica reacionária e a continua dominação dos monopólios sobre a sociedade, em especial os monopólios ligados ao imperialismo ianque. A Carta Magna também introduziu vários dispositivos burocráticos que inviabilizam a atividade econômica do Estado (lei das licitações, necessidade de concurso público para empregos públicos), abrindo caminho para a “demonização” do Estado frente a chamada “iniciativa privada”, apresentada como sinônimo de efiência e modernidade, enquanto o Estado seria um entulho a ser eliminado, supostamente a fonte de todos os males da terra. Na verdade o neoliberalismo e o seu discurso anti-Estado nada mais é do que um aprofundamento do próprio capitalismo monopolista de Estado, que é justamente o processo de assalto do Estado pelos monopólios capitalistas. O setor “público” da economia capitalista vai reduzindo cada vez mais o seu espaço, em prol do cada vez maior controle por parte dos capitalistas monopolistas, e no caso do Brasil, dos monopólios capitalistas estrangeiros. Hoje vemos Lei do Teto de gastos, que é uma Emenda Constitucional, nos colocando abaixo do porrete imperial e neoliberal, que

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se baseia numa mentira completa de que o Estado não teria dinheiro, e toda essa ideia de “gasto responsável”, tudo isso para engordar os bancos e os monopólios imperialistas. Dessa forma, ocorre uma brutal drenagem dos recursos econômicos da nação pelo capital financeiro. Ainda que os chamados “liberais” (guardiões raivosos do capital monopolista) tentam revestir o Capital com um véu de eficiência e eficácia na administração do mercado e das relações humanas, o capitalismo em sua fase monopolista, cada vez mais, constrange nações e seus povos a assimilarem o empobrecimento e a barbárie como meio de garantir os interesses das grandes corporações. Frente à essas mentiras neoliberais e “democráticas” a esquerda oportunista busca se contrapor à isso com teorias baseadas no velho keynesianismo, reafirmando a “importância do Estado para o desenvolvimento econômico” e no chamado “projeto nacional” – panacéia do momento adotada por todas as organizações da esquerda burguesa, que nada mais é do que tentar reviver no século 21 o chamado “desenvolvimentismo” formulado por intelectuais da burguesia nacional brasileira. Essa política significa marchar a reboque da burguesia nacional brasileira e dos seus setores direitistas, que acreditam ser possível, dentro da ordem semicolonial vigente, construir uma “nação independente”. Os oportunistas e reformistas, na “luta” que travam com Bolsonaro, dizem estar lutando pela “democracia”, tentando aparecer para as massas como os guardiões dessa velha ordem que está em completa putrefação. Que reformistas defendam a chamada “democracia” de maneira abstrata, não nos causa espanto; diferente é quando vemos pretensos “comunistas” e até alguns – pasmem – “marxistas-leninistas”, fazendo afirmações e analises completamente vazias e sem sentido algum. A democracia burguesa, como qualquer democracia, é democrática para uma determinada classe social (burguesia) e ditadura para uma outra (proletariado). Sendo o Brasil um país dependente, oprimido pelo imperialismo, seu regime político reflete a situação econômica em que estamos inseridos, onde vigora um regime que emula de maneira tosca e capenga os aspectos mais regressivos do regime “democrático” dos países imperialistas centrais (também em profunda crise). Chamar esse regime de “democracia” e, pior, tentar vender para as massas que esse é um regime que devemos defender, só mostra a situação de completo desespero e desorientação política de alguns setores da esquerda brasileira. Não negamos de modo algum que a luta contra Bolsonaro é algo extremamente necessário, uma tarefa fundamental no atual contexto histórico, e que devemos defender firmemente as liberdades democráticas obtidas pelas massas populares ao longo de décadas e décadas de grandes batalhas, porém acreditamos que a esquerda burguesa brasileira inverte completamente a lógica das coisas, prova de que não aprendeu e também desconhece a história da luta contra o fascismo. A luta contra o fascismo não pode ser simplesmente apresentada como uma luta entre democracia e ditadura, de maneira abstrata, mas sim como uma aguda luta de classes entre proletariado e burguesia. O avanço do fascismo no Brasil – e no mundo – é reflexo de uma crise brutal do regime político de dominação burguesa, que faz com que setores expressivos das classes dominantes passem a defender métodos políticos de dominação e opressão mais abertos, para que assim possam seguir obtendo os seus superlucros, e os seus interesses não sejam prejudicados pela mobilização das massas populares. Esse processo é impulsionado não só por forças “externas”, elementos outsiders do regime político – da qual Bolsonaro é um exemplo característico -, mas também por quadros e lideranças que atuam e sempre atuaram no interior das instituições burguesas, sendo o exército brasileiro um dos grandes impulsionadores desse movimento. É um movimento impulsionado e financiado pelas classes dominantes reacionárias. No contexto de luta contra o bolsonarismo, alguns setores da esquerda burguesa brasileira lançaram o chamado pela formação de uma “frente ampla”. O defensor mais ardoroso dessa política é o PCdoB, que afirma lutar pela formação de uma “frente ampla, amplíssima”. Porém, é necessário analisarmos cientificamente o que seria exatamente a tal “frente” defendida pelo PCdoB e como na prática ela se configura em uma completa deturpação dos princípios e orientações de formação de Frente Única anti-fascista apresentadas em seu tempo pela Internacional Comunista – recorremos aqui ao nome da IC, pois muitos dirigentes desse partido (PCdoB) usam tal período como exemplo para justificar a política que atualmente de-


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senvolvem. O processo de reacionarização do Estado burguês, que no Brasil é acompanhado por um fortalecimento do militarismo fascista e o aumento da presença militar em postos importantes do Estado, não quer dizer que o Estado atual já seja completamente fascista; ainda vigora no Brasil um regime democracia burguesa, agora em um estágio mais avançado de sua putrefação. Porém, não temos dúvidas de que Bolsonaro e o chamado “bolsonarismo”, enquanto fenônemo político, defende abertamente a instauração de um regime fascista no Brasil, que teria no anti-comunismo e na repressão das massas trabalhadoras o seu elemento mais fundamental. Nos anos que vigorava “normalmente” a democracia burguesa no Brasil, as massas continuavam oprimidas e exploradas pelos grandes capitalistas, latifundiários e demais algozes do povo; a repressão nas periferias das grandes cidades, com o extermínio da população negra e trabalhadora, continuou crescendo em números alarmantes; os aparatos repressivos do Estado, que buscam em última instância controlar e reprimir as masssas populares – e não garantir a “segurança pública”, como acreditam os ingênuos e os oportunistas – foram expandidos e modernizados; os setores reacionários e fascistas, que haviam consolidado o seu poder com a instauração do regime militar-fascista de 1964, continuaram mantendo suas posições em diversos pontos estratégicos do Estado, fazendo o seu trabalho ideológico e também político, tudo isso com a conivência de todo um setor da esquerda oportunista. Também durante o período de “normalidade” do regime democrático burguês no Brasil, cresceu e se fortaleceu em todos os âmbitos a presença do imperialismo ianque. A partir disto, nosso entendimento é que devemos lutar firmemente para defendermos as liberdades democráticas e direitos sociais do povo, ao mesmo tempo que denunciamos o caráter reacionário do Estado brasileiro. Precisamos denunciar amplamente o papel das forças armadas, em especial os generais, que impulsionaram esses movimentos fascistas e são um dos principais disseminadores do anti-comunismo e de ideologias anti-populares no Brasil. São verdadeiros cães de guarda da grande burguesia brasileira, serviçais deslumbrados do imperialismo ianque. Sem quebrar o poder e a influência que esses elementos exercem sobre o Estado brasileiro, é impossível falar em democracia. Nesse sentido, precisamos denunciar amplamente como uma verdadeira traição ao proletariado a política de tentar “fazer média” com o Exército reacionário. Isso não significa que, caso sejam estabelecidas as condições concretas para isso, não seja necessário desenvolver um trabalho de massas entre soldados e demais elementos do extrato mais inferior das forças armadas, visando desenvolver entre eles consciência de classe proletária e anti-imperialista. Mais do que nunca é colocada na ordem do dia a necessidade de avançarmos na luta pela revolução democrática e anti-imperialista no Brasil, que só poderá obter sucesso caso exista um Partido Comunista único - armado com a ideologia do marxismo-leninismo-maoismo - como forma de garantir a direção proletária no processo do avanço da luta democrática e anti-imperialista; uma Frente Única de amplas classes do povo brasileiro, que tenha como objetivo defender os direitos democráticos das massas e lutar contra o imperialismo, e que tenha como base a aliança operário-camponesa. Na medida em que avança o processo de luta e se intensificarem os embates entre o proletariado e a burguesia, os camponeses e os latifundiários, a intelectualidade democrática e revolucionária e os reacionários de uma maneira geral, entra na ordem do dia a necessidade de se constituir núcleos de auto-defesa das massas, que poderão servir como núcleo embrionário de um novo exército popular, que terá como objetivo claro ser um instrumento do proletariado em seu caminho pela conquista do poder político. Em amplos setores da sociedade cresce a insatisfação do povo com o regime de Bolsonaro. A chamada “popularidade” de Bolsonaro vai mostrando cada vez mais a sua fraca penetração em setores e estratos populares da sociedade. Ainda que durante um determinado período alguns setores das massas populares tenham se ludibriado com o discurso bravateiro do bolsonarismo, atualmente sua influência é cada vez menor. Além do apoio que possui nos setores inferiores dos aparatos repressivos do Estado, Bolsonaro parece ter uma maior influência entre alguns setores da pequena-burguesia pauperizada e pequenos patrões, que históricamente sempre foram mais próxima de ideias reacionárias e conservadoras, mas que

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antigamente careciam de uma expressão política própria, o que os aproximava politicamente de partidos como o PSDB, DEM, etc. Devemos, portanto, estimular a luta contra o bolsonarismo, contra o fascismo, denunciando ao mesmo tempo as manobras de um outro setor da burguesia, amplamente ligada ao capital financeiro e ao imperialismo ianque, tentam operar no cenário político brasileiro. Esses setores, liderados em especialmente pelo PSDB, buscam obter uma “renovação” de sua imagem e recuperar o terreno que perderam nos últimos anos para o fascismo bolsonarista, se apresentando como os defensores da “democracia”, o que não deixa de soar como uma grande piada. Esse setor, falsamente oposicionista, pretende trazer para o lado dele uma parte da esquerda burguesa, que parece ter atendido docilmente o seu pedido, manifestando todo o seu oportunismo e ingeuidade política. Não discordamos que a luta contra o fascismo representado pelo Bolsonarismo deve ser ampla, mas ela deve estar calcada em uma correta análise de classes, para que tenhamos uma clareza sobre quem são os nossos amigos e quem são os nossos imigos. Para tal, é necessário analisar quais classes constituem a base de apoio deste ou daquele partido e organização, e quais são as reais intenções por trás das políticas que tentam desenvolver. Os oportunistas, portanto, seguem os ditames das classes dominantes retrógradas, e se colocam agora como peões na estratéga de poder dos militares. Estão tão acovardados frente à reação que fazem conluio com ela, buscando apoio político nesta mesma reação. As teses derrotistas, tão apregoadas pela esquerda colonizada, assumiram um novo corpo com o movimento fascistizante do Estado reacionário. Para derrubarmos Bolsonaro e derrotarmos as estratégias dos militares de tomada completa do controle do Estado reacionário, é necessário lutarmos para criar as condições para o fazer avançar a luta de massas no país, tentando direcionar essa luta para a derrubada completa do regime golpista. Essa é uma palavra de ordem e uma bandeira de luta muito mais completa do que a palavra de ordem que pede meramente pelo “impeachment” de Bolsonaro. No contexto da epidemia do Covid-19, é necessário que lutemos para defender os direitos básicos do povo, que está morrendo aos milhares todos os dias, frente ao descaso criminoso das classes reacionárias. Precisamos lutar para que se criem as condições necessárias para a real implementação de um isolamento social, de modo que a saúde do povo possa ser efetivamente protegida e os seus direitos econômicos e sociais sejam assegurados. “Vamos aproveitar para passar a boiada”: os próximos ataques do governo Bolsonaro contra o povo No momento em que o povo brasileiro sofre com a perda de dezenas de milhares de pessoas por conta da pandemia da Covid-19, o governo não apenas negligencia e impossibilita de modo criminoso as necessárias medidas sanitárias que seriam necessárias para salvar vidas, como também se aproveita da situação para tentar concretizar os próximos ataques que planejam contra o povo. A fala de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, no vídeo ministerial revelado no contexto do inquérito das “Fake news”, “vamos aproveitar para passar a boiada”, explicita essa postura do governo, também evidenciada na fala de Paulo Guedes, que diz ter “colocado uma granada no bolso do inimigo”, referindo-se à aprovação do congelamento de aumentos salariais e de toda a forma de progressão de carreira entre o funcionalismo público até 2022. Foram muitas as medidas planejadas por Guedes reveladas nesse vídeo. A começar pelos seus planos de privatizações. O ressentido Ministro da Economia verbalizou que pretende terminar a entrega do Banco do Brasil – “vamos vender logo essa porra” – para financistas bilionários – colegas seus, tanto os daqui quanto os estrangeiros –, sendo que essa empresa já passa por um processo de privatização de anos, e que vem se aprofundando na gestão Bolsonaro, com a venda de R$ 1 bilhão de ações entre agosto do ano passado e fevereiro deste ano. Mas no vídeo também podemos ver que existem outras empresas estatais na pauta de vendas de sua “Secretaria Especial de Desestatização e Desinvestimentos e Mercados”, pasta criada exclusivamente para viabilizar a entrega de riquezas nacionais para tubarões do mercado financeiro. São citadas a Casa da Moeda, Serpro (Serviço Especial de Processamento de Dados) e a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação). Além dessas, sabemos que já houveram tentativas, que certamente serão retomadas, de entregar a Eletrobras ao capital estrangei-


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ro. São empresas que, caso sejam entregues para satisfazer a ânsia de grandes capitalistas, colocarão o país em uma condição ainda mais fragilizada e submetida aos interesses diretos dessa casta parasitária, com custos altos a serem pagos pela população. Guedes deixa claro que a abertura acelerada, completa e temerária do país aos monopólios imperialistas é o caminho que ele pretende continuar seguindo mesmo diante da crise econômica agravada pela pandemia. Ele afirma que não pretende utilizar recursos do Estado, mas sim atrair os capitais privados, sobretudo estrangeiros (que sabemos se referir às principais potências imperialistas, especialmente os Estados Unidos), para lidar com as turbulências econômicas esperadas para os próximos meses e anos. Isso possui uma série de implicações, como o crescimento do subemprego, que em setembro do ano passado já incluía 38 milhões de brasileiros, e do desemprego, que já atinge hoje 12,3 milhões, com estimativas de que esse número cresça para até 20 milhões até o final do ano; o aumento geral do custo de vida e da carestia das famílias; a destruição de pequenos e médios empreendimentos nacionais, que já estão tendo dificuldades para enfrentar a crise econômica que se inicia; e o aprofundamento geral da condição de subalternidade da nação. Nesse sentido, fica evidente a intenção de abrir espaço para o endividamento das pequenas e médias empresas, que são empurradas para a falência, para que estas sejam posteriormente compradas pelos velhos monopólios de sempre, que ocuparão todo esse espaço no mercado. Sabemos que essas empresas estão tendo enormes dificuldades para contrair empréstimos nos principais bancos do país, mesmo após estes bancos terem recebido do Estado aportes da ordem de R$ 1,2 trilhão, e sabemos também que o governo pouco fez para incentivá-los a abrirem os seus cofres – afinal, para que “perder dinheiro salvando os pequenos” se eles podem “ganhar dinheiro salvando grandes companhias”, como disse o próprio Guedes. O processo de abertura irrestrita ainda passa pela proposta de fazer o Brasil assinar o Acordo de Compras Governamentais (Government Procurement Agreement), impulsionado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que determina que todos os países signatários devem dar condições rigorosamente iguais para empresas nacionais e estrangeiras na contratação de serviços e compra de mercadorias pelo Estado. Isso, se concretizado, conforme pretendem Bolsonaro e Guedes, acabará com as poucas vantagens que ainda existem para os fornecedores nacionais. A pequena-burguesia, e em menor medida a burguesia nacional, que continuam formando boa parte das bases de apoio de Bolsonaro, são na realidade alguns dos principais alvos desse governo, comprovando uma vez mais a necessidade do proletariado, em aliança com o campesinato, assumir a direção geral das lutas contra o imperialismo e os reacionários locais. Isso tem implicações diretas para pensarmos as equivocadas políticas de “frentes cada vez mais amplas” e de rebaixamentos programáticos cada vez mais patéticos. Para favorecer a invasão do capital imperialista, Guedes precisa manter sua dogmática disciplina fiscal e criar um ambiente cada vez mais favorável para que esses capitalistas atuem em nosso país. Isso envolve a sua chamada “Reforma Administrativa” – que não passa de um conjunto de ataques contra os trabalhadores do chamado setor público – e sua “Reforma Tributária” – que nada mais é do que a redução de impostos para as velhas classes dominantes. É nesse sentido também que aventa a possibilidade de reviver sua proposta da “carteira de trabalho verde e amarela”, que reduz custos e obrigações dos patrões, da mesma forma que reduz ou até mesmo encerra garantias e benefícios mínimos dos trabalhadores. Entre outras coisas, essa carteira verde e amarela pode reintroduzir uma forma de capitalização da previdência, não aprovada na reforma do ano passado, pois retiraria a obrigação do patrão em arcar com esse valor e deixaria a responsabilidade inteiramente nos ombros do trabalhador, que teria que entregar sua contribuição previdenciária para algum “gestor” desses recursos, que poderá incluir, além de monopólios bancários, até mesmo os sindicatos ligados ao velho oportunismo. Não podemos deixar de citar as medidas que pretendem ser tomadas por Ricardo Salles, que pretende aprofundar ainda mais o processo de destruição dos aparatos mínimos de controle do desmatamento, da grilagem de terras e do avanço geral dos latifundiários contra os camponeses e povos originários. Isso inclui tanto as mudanças regulatórias, o desmonte de órgãos de proteção ambiental e de fiscalização ao trabalho escravo, quanto o aumento do

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financiamento e da mobilização das forças repressivas do Estado para defender esses latifundiários e massacrar o povo. Guedes e Bolsonaro deram o primeiro passo mais contundente em direção aos seus objetivos antinacionais e antipopulares ao pegar um empréstimo de US$ 4,1 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras instituições financeiras ditas “internacionais”, mas que de fato são controladas pelas nações imperialistas. Tratam-se de instituições conhecidas por impor condições draconianas aos seus devedores, que exigem que sejam impostas mesmo que custem a falência geral da nação e a vida de milhares, talvez milhões de trabalhadores. O empréstimo foi feito pura e simplesmente para mostrar subalternidade, haja visto que as reservas internacionais do país, mesmo que estejam sendo torradas pelo atual governo, ainda são da ordem dos R$ 300 bilhões. Supostamente, seriam empréstimos para custear os benefícios emergenciais e outras políticas assistenciais. Uma hipocrisia vinda de um governo que queria dar míseros R$ 200 reais para cada família sobreviver em meio à crise, que vetou a ampliação da faixa de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e que recentemente cortou R$ 84 bilhões de recursos do Programa Bolsa Família, cortes que atingiram principalmente as populações do nordeste. A cara de pau do presidente mostra não ter limites quando, a respeito deste último corte, disse que esses recursos estavam “sobrando”. Os desdobramentos decorrentes de todos esses fatos são imprevisíveis, mas podemos esperar uma grandiosa e decidida resposta das massas populares, que verão suas condições de vida cada vez mais pauperizadas pelas condições impostas pelo programa econômico desse governo a serviço do imperialismo e das classes dominantes locais. Programa, aliás, que é apoiado no fundamental por praticamente todas as forças da chamada “direita” e de “centro”, e até mesmo em alguma medida por algumas da chamada “esquerda” institucional. É contra esse programa – e todos aqueles que o apoiam – que o povo deverá se levantar. Trocando em miúdos: o mito da democracia de coturnos ou a República Nova que já nasceu velha A Constituição Federal de 1988, dita cidadã, não acabou com o poder dos militares sobre o regime político, ao contrário, garantiu a tutela permanente das Forças Armadas. O artigo 142 do documento atribui aos militares funções que não são compatíveis com um regime realmente democrático, como por exemplo, que eles seriam são responsáveis por garantir a “lei e a ordem” e por “garantia dos poderes constitucionais”; com a falência do projeto “neodesenvolvimentista” (com todas as ressalvas necessárias ao conceito) do Partido dos Trabalhadores, que esteve durante quase duas décadas no governo, e a consequência produzida traduzida com o golpe de 2016 e suas implicações; é inegável que com Bolsonaro voltam a ser força importante para determinar os rumos da conjuntura. Esse contexto produz contradições explosivas, pois as instituições brasileiras, já moribundas, tentam se apresentar como paladinas da defesa da democracia, contra o “retorno” de um militarismo que só esteve distante para os desavisados. O primeiro ano do governo Bolsonaro não foi menos turbulento. A atuação de Bolsonaro e seu grupo foi marcada por uma série de conflitos com o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, com prefeitos e governadores, com boa parte dos partidos políticos da velha ordem e com demais figuras das mais variadas instituições do velho Estado. Tais conflitos são em grande medida responsáveis pela situação atual do governo, que se encontra acuado entre investigações, ataques midiáticos, revesses no Congresso e, o mais importante, o início de um possível levante de massas. É preciso, portanto, compreendermos essas contradições que atravessam o velho Estado e explicam o enfraquecimento de Bolsonaro, bem como as condições que permitiram com que elas se acirrassem até o aparente antagonismo. Desde o período eleitoral, observamos que Bolsonaro funcionou como um aglutinador das forças reacionárias que pretendiam dar continuidade e aprofundar o Golpe de Estado iniciado em 2016. Para tanto, era preciso derrotar a candidatura do Partido dos Trabalhadores, partido que havia sido descartado pelas classes dominantes, e a figura aberrante de Bolsonaro surgiu como o melhor instrumento para alcançar esse objetivo. Isso aconteceu, entre outros


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motivos, porque as apostas mais tradicionais do imperialismo e das classes dominantes locais, como Geraldo Alckmin, mostraram-se politicamente fracas e eleitoralmente inviáveis. Isso era um problema para alguns setores dominantes porque poderia colocar em risco a aparência de normalidade democrática que se pretendia sustentar, ao menos naquele momento. Para outros desses setores, a questão estava mais voltada para a fraqueza política que Alckmin demonstrou, bem como pelo programa que este apresentou para dar continuidade aos ataques contra as massas trabalhadoras, uma vez que desejavam uma saída mais radicalizada. Os primeiros, foram os aliados vacilantes e ocasionais da candidatura de Bolsonaro, que o apoiaram principalmente a partir do segundo turno e que hoje se voltam contra ele; os segundos, são seus aliados mais decididos, que jamais deixaram de se identificar com projeto fascista que ele busca instituir. Desde o início, portanto, havia uma enorme instabilidade em todo o edifício bolsonarista. Ele só pôde ser erguido naquele momento específico por conta de outra instabilidade, mais ampla, mais determinante, que é a instabilidade da própria ordem institucional burguesa. Em outras palavras, Bolsonaro, seu grupo e seu projeto de poder, só puderam assumir a gerência do velho Estado porque este último já se encontrava em profunda crise. Os sinais que mostravam a implosão da jovem “democracia” brasileira – fundada com a anuência dos velhos generais da ditadura e desde sempre farsante, por não ser mais do que letra morta para a imensa maioria de nosso povo – já eram visíveis pelo menos desde 2013. Em 2014 e 2015, uma profunda crise econômica acelera enormemente esse processo. Em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, temos uma ruptura com as antigas regras do jogo e o início da reestruturação do velho Estado. O imperialismo e seus lacaios, cientes da crise e necessitados de um aprofundamento dos ataques aos trabalhadores, vislumbraram na instauração de uma ditadura aberta a saída para os seus impasses. A estratégia usada pelas classes dominantes no período anterior, que se baseava na aceitação de uma administração das organizações reformistas, de coloração “esquerdista”, representadas especialmente pelo PT, precisou ser substituída por outra que permitisse a generalização da repressão violenta em escalas cada vez maiores. É exatamente o que estamos assistindo no presente momento. Como já dissemos anteriormente, no contexto das últimas eleições, foi Bolsonaro quem se apresentou em melhor condição para executar essa reestruturação. Mas aqui também é preciso indicar o papel das Forças Armadas, força indispensável para o bom andamento desse projeto. De um lado, tínhamos generais ressentidos e desejosos de voltar ao poder, de outro, grandes fazendeiros e empresários que precisavam de uma força capaz de fazer valer seus interesses e projetos. Todos unidos pelo ódio visceral que nutrem pelo povo brasileiro e pelo temor que sentem de sua rebelião. Bolsonaro, nesse sentido, não foi mais do que um fantoche, um “álibi democrático”, por conta de sua projeção eleitoral, para o retorno dos militares ao poder. Ainda hoje eles conformam um dos pilares de sustentação do governo, apenas para tirarem o máximo de proveito que puderem dele. Assim, a cada nova baixa no governo, um militar está pronto para assumir o cargo. E é assim que temos hoje, além de vários ministros da ativa e da reserva chefiando importantes ministérios, mais de 2900 militares da ativa ocupando cargos no Estado. Os militares são tanto uma sustentação de Bolsonaro, quanto um rival na disputa pela gerência da reestruturação do Estado brasileiro. Essa frágil aliança pode se manter ou se romper a depender da conjuntura. Até a configuração completa de um regime fascista aberto, é normal que possa se desenvolver lutas mais ou menos abertas entre os setores do próprio fascismo. Um dos pontos que pode influenciar na relação entre Bolsonaro e os militares são os outros conflitos que o presidente entrou com os outros poderes e as investigações que pesam contra ele, sua candidatura e seus filhos. Sabemos que desde 2018, antes mesmo de assumir a gerência do velho Estado, Bolsonaro viu seu filho Flávio estampar as capas dos jornais ao ser investigado pelo esquema das “rachadinhas”, que aconteceu quando o filho 01 ainda era deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Recentemente, com a prisão de Fabrício Queiroz em uma residência do advogado da família Bolsonaro, esse caso voltou ao centro do debate e abalou fortemente o governo. As

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investigações sobre as “rachadinhas” podem levar até a relação da família Bolsonaro com as milícias cariocas. E esse é um poço que parece não ter fundo: grilagens de terras, lavagem de dinheiro, assassinatos por encomenda e muitos outros crimes com envolvimento direto da família Bolsonaro podem vir à tona. Dito isso, são investigações que em grande medida estão sendo instrumentalizadas por setores do poder judiciário e governadores desafetos do presidente, com potencial para atingir diretamente a família de milicianos. Ao mesmo tempo, são investigações que não miram nos militares, que aliás possuem, muito provavelmente, informações sobre o caso, na medida em que o próprio General Braga Neto ocupou o cargo de Interventor Federal do Rio de Janeiro no início de 2018, tendo chefiado a segurança pública do estado quando o inquérito das “rachadinhas” começou. O assassinato de Marielle Franco, provavelmente executado por essas mesmas milícias, também ocorreu no período em que Braga Netto era interventor, e forneceu a ocasião para que se investigasse a fundo a estrutura miliciana no Rio de Janeiro. É provável que a inteligência militar tenha informações sobre todos esses casos potencialmente explosivos para a República. Esse é um ponto que afasta os militares de Bolsonaro e o coloca em posição defensiva em relação a eles. Mas existem outros fatores que podem aproximá-los. Aqui podemos citar os conflitos que o governo estabeleceu com o Supremo Tribunal Federal. Como o projeto político que Bolsonaro encampou envolve a radicalização dos ataques e da repressão contra as massas populares, ele não pode ser plenamente realizado dentro dos limites jurídicos atuais. Assim, são as próprias condições de esfacelamento da institucionalidade burguesa e a tendência à radicalização reacionária de setores importantes das classes dominantes, que empurram Bolsonaro para a ruptura com a legalidade ainda vigente. Legalidade esta que vêm sendo esgarçada em nosso país nos últimos anos, inclusive por iniciativa de outros poderes – lembremo-nos da postura hipócrita do STF durante as últimas eleições, que julgou na época que as “fake news” não influíram no resultado eleitoral, mesmo sendo notória a prática vinda do então presidenciável Bolsonaro. Foi apenas quando essas armas se voltaram contra os próprios ministros do STF, que elas parecem ter se tornado um crime. Esse é apenas um exemplo, mas houveram inúmeros abusos cometidos durante esse pleito, o mais farsesco já visto por nossa maltratada República. Fato é que atualmente o STF conduz mais de uma investigação contra a família Bolsonaro. Além do caso das notícias falsas, temos o das manifestações recentes de apoiadores do governo que pediam pelo fechamento do Supremo Tribunal. Especialmente por conta do primeiro, que pode destituir a chapa eleita em 2018, atingindo tanto Bolsonaro quanto Mourão, os militares passaram a apostar em um alinhamento mais firme com o presidente e unificaram com ele a crítica ao STF. Foram muitas notas e artigos assinados por militares dos mais diversos escalões, da reserva e da ativa, ameaçando uma ruptura aberta com os outros poderes. Os ministros do supremo, por outro lado, não deixaram de atuar contra lideranças dos grupos fascistas que apoiam Bolsonaro e tentando supostamente limitar os arbítrios do presidente, especialmente durante o período de pandemia da Covid-19. Ao limitarem Bolsonaro, entretanto, são os próprios militares, que tanto se empenharam para compor e aparelhar o governo, que acabam sendo desautorizados. Esses embates atravessaram um ponto em que não podem mais retroceder. Existe uma guerra interna nas instituições brasileiras. Que os poderes do Estado se digladiem à vontade. Não cabe a nós posarmos de salvadores dessa ordem moribunda, que nunca fez nada além de massacrar o nosso povo. Mas é nossa tarefa nos aproveitarmos das contradições do inimigo para isolar seus setores mais reacionários, nesse caso, aqueles que defendem o projeto fascista de Jair Bolsonaro e seus tutores fardados. Para fazer isso, não devemos ingressar em frentes amplas que carecem de princípios e não observam as correlações de forças. Isso seria cair em um ridículo reboquismo, para não falarmos em traição explícita. Ao contrário, é preciso defender os interesses mais urgentes do povo. É preciso congregar para atacar. É do povo e de sua revolta que se retira a força para isolar os setores mais reacionários; é só a partir disso que poderemos efetivamente nos aproveitar das disputas do inimigo. A velha máxima se aplica: marchar separado, golpear junto.


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“70 anos da Guerra da Coreia”

70 ANOS DA GUERRA DA COREIA por Alexandre Rosendo

Na data de 25 de junho de 2020, completa-se 70 anos do início da Guerra da Coreia. Infelizmente, este fato de importância mundial não será suficientemente lembrado pela esquerda brasileira, ainda que sua importância se alastre para muito além da questão puramente coreana. O imperialismo norte-americano, que iniciou a Guerra da Coreia para se recuperar da dura crise econômica na qual afundou após o fim da Segunda Guerra Mundial (findadas as “encomendas de guerra” que viriam a duplicar a produção industrial estadunidense, já o maior do mundo, no decurso de seis anos, entre 1939 e 1945 , o colossal complexo militar-industrial dos Estados Unidos já não tinha mais condições de escoar a imensa produção acumulada, gerando um excedente que se traduziu em uma grave crise de superprodução), tentou utilizá-la como gatilho para o início de uma Terceira Guerra Mundial – sim, os setores mais reacionários de Wall Street não queriam se limitar a ocupar da Coreia do norte, mas buscavam marchar rumo à China, passando pela Mongólia (com o facínora general Douglas MacArthur, comandante das Forças Armadas dos Estados Unidos no Extremo Oriente, chegando ao ponto de defender o uso de bombas atômicas contra a China e a Coreia), e iniciando uma guerra capitalista geral contra a União Soviética. Planos bastante ambiciosos para um país que, mesmo tendo ascendido à condição de superpotência, estava ainda em meio a uma dura crise econômica. Pois bem, para o nível de ambição destes planos, os três anos de Guerra da Coreia terminaram com uma humilhante derrota para os imperialistas estadunidenses: não apenas não lograriam ocupar a metade norte da Coreia, como também não conseguiriam iniciar uma Terceira Guerra Mundial, tampouco conduzir uma guerra de agressão contra a China e a União Soviética. Os Estados Unidos, que com o fim da Segunda Guerra Mundial, gabavam-se de seu “poderio” devido à condição de única superpotência mundial, terminaram depenados por um exército então relativamente fraco (ao menos em termos militares) como o da Coreia do norte, mostrando a realidade segundo a qual o fator fundamental da guerra não é o poderio militar, mas sim o homem e sua ideologia. Pelas mãos do povo coreano, foi a primeira derrota militar que o imperialismo ianque sofreria em toda sua história, derrota esta que inauguraria muitas outras a serem impostas aos Estados Unidos por parte de outros povos, a mencionar aqui as mais importantes, Cuba e Vietnã. Tendo sido a primeira derrota militar do imperialismo ianque, pensamos estar aí a importância fundamental pela qual devemos lembrar e estudar a Guerra da Coreia. Ainda que a decadência dos Estados Unidos já venha se aprofundando há algumas décadas, é neste período de pandemia no qual ela se escancara ainda mais. É neste período no qual o imperialismo ianque, tendo suas fraquezas ainda mais evidenciadas, agirá mais agressivamente. Porém, o conhecimento dos fatos da Guerra da Coreia permitirá compreendermos a máxima segundo a qual “o imperialismo é um tigre de papel”, e que o inimigo principal dos povos do mundo e do povo brasileiro pode sim ser derrotado por uma luta revolucionária corretamente dirigida. Para além destes aspectos, aproveitamos a presente ocasião para saudar o povo coreano pelo aniversário de setenta anos do início de sua luta armada revolucionária contra o imperialismo ianque, a Guerra de Libertação da Pátria. Saudamos os milhões de mártires coreanos e chineses que, durante a Guerra da Coreia, cederam seu generoso sangue pela derrota do imperialismo ianque e a construção de uma nova sociedade democrática, independente, socialista e livre de quaisquer vestígios do fascismo, colonialismo e imperialismo.


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Pano de fundo da Guerra da Coreia O ano de 1945, que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial, concomitantemente à derrota das forças fascistas mundiais, foi a tempestade das nações oprimidas do mundo, que marchavam a passos largos para esmagar a tirania colonial do imperialismo. Apenas poucos anos após a guerra, muitas destas nações que destruíram o colonialismo seguiram o caminho da construção socialista, chegando ao ponto de cerca de um terço da humanidade ter realmente se retirado do caminho capitalista e seguido a edificação socialista. A Coreia foi uma destas nações oprimidas que, de armas em punho, derrotou seus opressores colonialistas e passou para o socialismo. Humilhada por mais de quarenta anos de tirania colonial do imperialismo japonês, a nação coreana conduziu por quase o mesmo período diversas formas de luta – tendo como ponta de lança a luta armada –, até expulsá-lo finalmente de seu território no ano de 1945. Dado que as guerrilhas do Exército Popular Revolucionário da Coreia (EPRC), conduzidas pelo presidente Kim Il Sung, líder histórico da revolução coreana, se encontravam no norte do país e na Manchúria, e este período coincidia quase exatamente com a capitulação do Japão – com a URSS declarando guerra contra este país –, a libertação da Coreia se deu mediante uma marcha do norte para o sul, realizada em conjunto pelo EPRC e o Exército Vermelho soviético. Anteriormente à libertação da Coreia, porém, já havia sido decidido que, enquanto as forças revolucionárias marchariam do norte para o sul, as forças do imperialismo ianque (que então se encontrava no campo das forças antifascistas mundiais) partiriam a partir das ilhas Okinawa, no Japão, para libertar o sul da Coreia do imperialismo japonês. Contudo, foi nula participação dos Estados Unidos na libertação da Coreia. Esta ocorrera completamente na data de 15 de agosto de 1945, ao passo que os Estados Unidos só viriam a estacionar suas tropas no sul da Coreia no dia 8 de setembro, mais de vinte dias após a libertação. Não apenas a morosidade que mostraram em combater os japoneses, como também uma série de ações seguintes demonstrariam que o imperialismo estadunidense estava, na realidade, muito pouco interessado em combater as injustiças de outras potências. Sua ocupação à Coreia do sul teria outras razões de ser. Desta forma, a partir do período de por volta de meados da década de 1940, estavam estacionadas, ao norte da Coreia, tropas do Exército Vermelho da URSS, que apoiaram o EPRC, e ao sul, as Forças Armadas dos Estados Unidos. Neste período, pouco após a derrota mundial do fascismo, o imperialismo ianque ainda se esforçava mais em posar de campeão da democracia e dos direitos humanos, afinal, seria apenas a partir de 1947, com a divulgação da “Doutrina Truman” – em alusão ao autor desta “Doutrina”, o então presidente estadunidense Harry Truman, feroz anticomunista –, que a política do chamado “roll-back anticomunista” (“política de contenção ao comunismo”) seria parte essencial e aberta da política externa estadunidense. Porém, isto não impediu que antes mesmo do ano de 1947 os imperialistas ianques seguissem neste mesmo sentido durante sua ocupação à Coreia. Ora, se os anteriores Acordos de Moscou (dos quais os Estados Unidos eram signatários) haviam previsto a libertação conjunta da Coreia pelo povo coreano e as tropas aliadas, os “marines” nada fizeram neste sentido. Ademais, os Acordos de Moscou previram também a retirada de todas as tropas estrangeiras do território coreano e a realização de eleições nacionais para a formação de um Estado democrático, independente e antifascista na Coreia. Nada disso foi também feito pelas forças armadas dos Estados Unidos. Ao contrário, ao passo que as tropas soviéticas concluíram sua retirada do território do norte da Coreia no ano de 1948, as tropas ianques permanecem no território ao sul da Coreia até os tempos atuais, em uma ocupação que já dura há quase oito décadas. Ademais, logo que chegaram à Coreia do sul, fizeram todas as manobras para impedir a realização de eleições unificadas, violando novamente as demandas do povo coreano por uma país unificado, próspero, independente e democrático. Dissolveram os Comitês Populares, órgãos do poder popular conformados pelos movimentos de massas sul-coreanos no decorrer da própria luta revolucionária anti-japonesa, intimidando, encarcerando e até mesmo matando quem dirigisse tais Comitês ou somente participasse deles. No lugar dos dissolvidos Comitês, os imperialistas estadunidenses reuniram os elementos tradicionalmente reacionários e entreguistas da Coreia do sul (classe latifundiária, burguesia compradora, bandidos e demais elementos antissociais) para que conformassem um


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governo separado, fantoche de seus interesses. O mais notório destes entreguistas foi Syngman Rhee, capacho do imperialismo estadunidense que, até a libertação da Coreia do domínio japonês, residia no Havaí. No ano de 1948, um ano após a divulgação da “Doutrina Truman”, o imperialismo norte-americano fabricou farsantes “eleições separadas” na Coreia do sul, que por sua vez levaram à “presidência” um maníaco entreguista como Syngman Rhee, com a consequente fundação da chamada “República da Coreia”, conhecida como “Coreia do Sul”. Por que, ao invés de não intervirem em assuntos internos da Coreia e deixarem seu povo resolver suas questões por si próprios, os Estados Unidos intervieram tão agressivamente na Coreia do sul, reprimindo as forças populares e empoderando políticos reacionários que fossem fiéis a seus interesses? Conforme colocamos, logo após a Segunda Guerra Mundial, às expensas de uma Europa e Japão profundamente destruídos (a primeira, por duas guerras mundiais seguidas), os Estados Unidos lograram colocar todas as outras potências sob sua bota e sob os interesses de sua política externa, tornando-se a principal superpotência imperialista do mundo. Enquanto no restante do mundo as forças produtivas capitalistas eram barbaramente destruídas por conta da guerra, os Estados Unidos, localizados geograficamente longe dos principais cenários de guerra, quase não tiveram danos materiais, e ao contrário, engordaram a ponto de dobrarem sua produção industrial, já o maior do mundo, em questão de somente seis anos de guerra, por meio da venda de armamentos, empréstimos e arrendamentos de equipamentos de guerra, alimentos e demais mercadorias, barganhas políticas de fornecimento de mercadorias para as potências europeias em troca de penetração econômica em suas respectivas colônias, etc. Todavia, quando a guerra mundial já se aproximava do fim, cessaram as encomendas de guerra e de demais mercadorias. Na Europa e demais regiões do mundo, arruinadas por anos de guerra, o poder de compra das populações trabalhadoras e de seus capitalistas chegava aos piores níveis possíveis. Tal situação colocou os obesos conglomerados estadunidenses contra a parede diante do problema: não havia para onde escoar os imensos estoques de bens que mofavam nos armazéns, resultando em uma grave crise de superprodução que atingiria os Estados Unidos já no final de 1945, e novamente no ano de 1948. Para lidar com tal crise, os onipresentes conglomerados estadunidenses levaram a cabo o chamado “Plano Marshall”, fornecendo bilhões de dólares sob forma de “auxílio” para os países da Europa Ocidental, que, sob pretexto de serem destinados à reconstrução pós-guerra, foram na verdade utilizados para a compra de quinquilharias excedentes dos armazéns estadunidenses, que em nada serviam para a verdadeira reconstrução da Europa. Outro meio para a saída da crise, e mais importante ainda, foi a militarização de países inteiros. Por meio da militarização (que poderia se dar por diferentes meios, fossem através do fornecimento de auxílios atados à compra de materiais bélicos estadunidenses, como forçando que os países que se encontravam sob dependência econômica e política do imperialismo ianque destinassem uma crescente fatia de seus respectivos orçamentos estatais para despesas de “defesa”), os Estados Unidos poderiam reativar seu conglomerado militar-industrial, arrastando consigo vários outros ramos industriais periféricos e retomando sua produção capitalista. Aqui, figuraram entre países beneficiários do auxílio militar estadunidense aqueles governados por regimes reacionários (a exemplo de Grécia e Turquia), mas principalmente a Coreia do sul e o Japão, que cumpririam papel central na eclosão da planejada Guerra da Coreia, que dispararia a tendência para a militarização, engordando os superlucros dos conglomerados bélicos ianques. Se a crise capitalista nos EUA nos ajuda a explicar as razões pela eclosão da Guerra da Coreia em 1950, há uma pergunta ainda pendente. Por que a Coreia, e não qualquer outro país? A eclosão de uma guerra na Coreia permitiria ao imperialismo ianque alcançar não somente objetivos econômicos, mas também geopolíticos (estes, por sua vez, firmemente ligados aos objetivos econômicos estadunidenses). A península coreana é o portão de entrada do continente asiático, de maneira que a conversão da Coreia em uma base militar de agressão permitiria que fossem militarmente alcançados os mais importantes países da Ásia. Naquele período, já se vislumbrava uma contenção em torno da Ilha de Formosa (Taiwan), pertencente à China, mas que cairia sob protetorado do imperialismo norte-americano e da camarilha reacionária de Chiang Kai-Shek, o que aumentava ainda mais a importância da Coreia neste plano

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mais amplo de agressão e dominação. Como parte dos objetivos geopolíticos, figurava também a mencionada política do “roll-back” anticomunista: a Coreia se encontra exatamente abaixo da então União Soviética e da Mongólia, e a vitória da grande revolução democrático-popular na China, em 1949, que a colocou no caminho do socialismo, tornariam ainda mais importante a manutenção da Coreia do sul enquanto semicolônia. Encontrava-se exatamente ao lado não somente dos países socialistas do Extremo Oriente, como também próxima a países onde se desenvolviam vigorosos movimentos de libertação nacional e emergiam governos nacionalistas democrático-burgueses. Dado que o processo de descolonização destes países e o ingresso de muitos deles no bloco socialista piorava ainda mais o problema do escoamento da produção de bens norte-americana sob condições leoninamente monopolistas, “conter” a tal “ameaça comunista” era uma questão vital para a política externa dos Estados Unidos, e aí cumpriria a península coreana papel central. Ainda que tivessem militarizado ao máximo a economia sul-coreana, construindo o fantoche “Exército da República da Coreia”, e arrastado consigo para a guerra de agressão, a partir de meados do ano de 1950, cerca de quinze países satélites seus em nome da Organização das Nações Unidas (ONU), não sobrou para o imperialismo estadunidense, em julho de 1953, senão uma humilhante derrota, constrangido a assinar um Acordo de Armistício, e tendo gasto bilhões e bilhões de dólares sem que seus objetivos políticos (com exceção da política das “duas Coreias”) fossem atingidos. Setenta anos depois destes acontecimentos, afirmamos que, para nós, brasileiros, o estudo da Guerra da Coreia traz muitas lições valiosas para a compreensão da realidade de nosso continente e do mundo, bem como para compreendermos o comportamento do inimigo número 1 de nosso povo, o imperialismo ianque. A Guerra da Coreia ilustra excelentemente a relação entre as guerras e as crises capitalistas A estreita dependência que possui o capitalismo monopolista-imperialista sobre a indústria armamentista representa um dos traços mais escancarados de seu parasitismo, de sua incapacidade histórica em desenvolver as forças produtivas. Ao contrário do período concorrencial do capitalismo, quando a inexistência de monopólios e carteis permitia que as crises fossem simplesmente resolvidas pelo avanço técnico, organização mais racional da produção, exploração mais intensa dos mercados e abertura de novos, no período do capitalismo monopolista, com a tendência à cartelização e à divisão de mercados entre os diferentes capitalistas. Quando a concorrência entre os capitalistas não mais pode ser resolvida pelos acordos comerciais usuais, quando a crise chega a um nível em que a queda da taxa de lucro e a gigantesca massa de mercadorias e capitais excedentes (devido à contração dos mercados ocasionada pela miséria das massas) não conseguem mais saída de jeito algum, tensiona-se as guerras, que cumprirão o papel em escoar as mercadorias excedentes, retomar os investimentos de capitais excedentes de forma lucrativa, e resolver pela força a configuração das fatias de mercado. Já explicamos mais ou menos como esta situação se manifestou no caso da Guerra da Coreia, com a crise capitalista nos Estados Unidos na segunda metade da década de 1940. Porém, neste caso, a situação era ainda mais grave: não estamos, aqui, diante de potências imperialistas em disputa por lucros, colônias, fontes de matérias-primas e esfera de influência política e militar, cujo resultado da disputa (desconsiderando aqui, evidentemente, a presença de forças políticas revolucionárias que tenham a perspectiva socialista) não pode ser senão uma reestruturação do mercado capitalista. Ao contrário, encontramo-nos em uma disputa onde, de um lado, há a ânsia desenfreada de uma superpotência imperialista por lucros de monopólio, e de outro, forças políticas democráticas e populares que buscam demolir o colonialismo e o próprio sistema capitalista de exploração do homem pelo homem, onde nenhuma das leis e contradições mencionadas terá mais vigor. Pode-se considerar, sem dúvidas, que este foi um fator que impulsionou a face agressora do imperialismo estadunidense neste período, desesperado diante do avanço do movimento revolucionário internacional. Paradoxalmente, a ascensão dos Estados Unidos enquanto superpotência – fato diante do qual poderíamos imaginar o auge de sua prosperidade – carregou consigo o fator de uma crise ainda mais pro-


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funda, que ameaçava a própria existência do sistema capitalista, devido à formação do sistema socialista mundial após a Segunda Guerra Mundial. Até que ponto a Guerra da Coreia foi necessária para recuperar a economia capitalista estadunidense pode ser observado nos montantes colossais de armamentos comprados pelo governo dos Estados Unidos e a camarilha fantoche sul-coreana aos grandes conglomerados armamentistas para a condução da Guerra da Coreia. “Em 1952, Clark, Comandante das Forças Armadas dos Estados Unidos no Extremo Oriente, tornou público o tal ‘plano de ataque’, e lançou as forças aéreas sob seu comando para operações de ‘estrangulamento’ em larga escala, buscando ‘não deixar nada por varrer na Coreia do norte’. Ele balbuciava que ‘87 cidades da Coreia do norte serão varridas do mapa’. “Seguindo o anúncio do ‘plano de ataque’ de Clark, bombardeiros e aviões de combate estadunidenses despejaram napalm, minas e outras bombas, mais de 52,380, sobre Pyongyang e seus arredores. Considerando que, naquela época, a área urbana de Pyongyang não possuía mais que 52 quilômetros quadrados, isso significa que derrubaram mil bombas por quilômetro quadrado. As brutais operações de ‘estrangulamento’ pelos piratas aéreos estadunidenses foram lançadas contra todas as áreas da Coreia do norte, embora sob intensidades variadas. Buscando ‘estrangular’ o front e a retaguarda, somente em 1952, os piratas aéreos estadunidenses derrubaram mais de 15 milhões de bombas de napalm sobre a Coreia do norte e, ademais, exauriram mais de 500 milhões de munições de metralhadora e mais de 400 mil projéteis de bazuca”. “Durante os três anos e um mês da Guerra da Coreia, os agressores estadunidenses derrubaram sobre a estreita área da Coreia do norte a mesma quantidade de bombas que derrubaram nos países do Pacífico durante os três anos e oito meses da Guerra do Pacífico. Excedeu de longe a quantidade de bombas derrubadas sobre a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Ademais, dispararam 221,56 milhões de foguetes e outros projéteis contra o povo coreano. Os navios de guerra estadunidenses dispararam 438 mil toneladas de bombas e quatro milhões de munições.” Diante da atual crise capitalista que vivemos em meio à pandemia da Covid-19, na qual as recessões de dois dígitos em grande parte dos países capitalistas parece ser a regra, que reflexões semelhante raciocínio traz? Como e sob quais condições o imperialismo estadunidense inicia uma guerra? As razões pelas quais o imperialismo ianque inicia uma guerra podem ser encontradas, como vimos, em última instância, na compreensão das leis do próprio capitalismo monopolista. Porém, há peculiaridades a serem levadas em consideração, principalmente as condições sob as quais o capitalismo estadunidense se tornou imperialismo, assim como as condições diante das quais o imperialismo ianque atingiu o posto de superpotência hegemônica do mundo capitalista. De qualquer forma, a Guerra da Coreia, neste sentido, fornece um grande aprendizado para os revolucionários-proletários dos tempos presentes. Durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, o modus operandi do imperialismo estadunidense – que ainda não era a superpotência hegemônica do mundo capitalista – consistiu em manter uma posição de relativa “neutralidade” diante de conflitos militares geograficamente distantes de seu território, enriquecer vendendo às partes beligerantes imensas somas de materiais bélicos, alimentos e demais bens, esperando o enfraquecimento comum das partes hostis. Em seguida, com seus inimigos (e aliados, importante mencionar!) enfraquecidos, as tropas do imperialismo ianque entravam em cena e assumiam as rédeas da situação, pisoteando seus inimigos e colocando aliados seus sob condições de submissão. Muito deste modus operandi foi também aplicado nos preparativos para a Guerra da Coreia, embora haja aqui importantes particularidades que diferenciam os vais-e-vens deste acontecimento do que ocorrera durante as duas guerras mundiais. Em que sentido há semelhanças? Primeiramente, os imperialistas estadunidenses concluíram seguidos acordos militares e comerciais com o regime fantoche sul-coreano, fornecendo-lhe elevadas somas de auxílio militar, e compelindo-o a expandir a parcela do orçamento do governo sul-coreano destinada setor de defesa. A partir daí, com a militarização, dariam certo impulso à retomada dos

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superlucros de seus conglomerados bélicos. Em segundo lugar, o plano original de guerra, elaborado pelos figurões do governo e das Forças Armadas dos Estados Unidos, consistia em fundar, equipar e treinar o “Exército da República da Coreia”, sua polícia e bandos militares de acordo com o estilo estritamente estadunidense, para que conduzissem prioritariamente uma guerra contra o norte, com as tropas ianques cumprindo somente um papel subsidiário. Neste período, os círculos mandatários ianques se referiam a esta manobra como a “solução mais eficiente e de menor custo” . Somente depois de constatarem a incompetência completa do “Exército da República da Coreia” para a tarefa de encabeçar a “marcha ao norte”, o plano de guerra foi substituído para as condições nas quais o exército fantoche sul-coreano cumpriria apenas o papel de bucha de canhão inicial, com as tropas ianques e dos países satélites (sob o letreiro de “tropas da ONU”) entrando logo em seguida como ponta de lança da guerra. Nestes desenvolvimentos, o Japão também cumpriria um importantíssimo papel nas condições de base militar de abastecimento, logística e reparação para as tropas ianques e da ONU. Do ponto de vista político, portanto, o imperialismo ianque, para lograr tal conformação de forças, fora obrigado a levar a cabo as seguintes medidas: 1) ressuscitar o militarismo japonês, que os próprios estadunidenses golpearam duramente durante a Segunda Guerra Mundial, instigando nos militaristas japoneses a ilusão de retomarem seus entrepostos coloniais na Coreia, em prol de seus próprios interesses; 2) alinhar politicamente duas forças outrora inimigas – militaristas japoneses e fantoches sul-coreanos – em um bloco militar anticomunista comum. Isso esteve em linha com políticas anteriormente adotadas durante a Primeira e Segunda Guerra Mundiais com relação às demais potências capitalistas ocidentais. Diferentemente do que ocorrera nestas ocasiões, porém, os imperialistas ianques já não poderiam assumir a posição de uma aparente “neutralidade”. Estavam completamente envolvidos na guerra, do início ao fim, e tinham um lado muito bem delimitado, ao contrário da posição oportunista que caracterizava sua política nas guerras mundiais anteriores, nas quais fornecera auxílio não só para as potências aliadas ocidentais, como também para a Alemanha nazifascista. Em suma, a política de fabricar fantoches e aliados submissos, terceirizando aspectos importantes da guerra, é um ponto destacado da política de guerra do imperialismo ianque, e que fora bem aplicada durante a Guerra da Coreia. Para o imperialismo ianque, a dissimulação dos preparativos de guerra é também um aspecto característico de sua política belicista. Iniciam guerras por meios diversificados, terceirizando-as, sem que precisem declarar abertamente que as estão iniciando e conduzindo. Neste sentido, a Guerra da Coreia foi um laboratório. Muito embora a historiografia oficial coloque a data de início da Guerra da Coreia como 25 de junho de 1950, se formos enxergar seus desenvolvimentos mais amplamente, levando em consideração a política estadunidense de guerra, seu início foi muito anterior, remontando já ao ano de 1947, com a chamada “guerrinha” (vários fatos demonstram, porém, que empregar o termo “guerra” no diminutivo não foi necessariamente correto, dado que muitos choques do período 1947-1950 se assemelhavam a conflitos militares abertos). Desde 1947, a Guerra da Coreia se desenvolveu sob os seguintes traços: 1) era o período de impulso do fornecimento de auxílio militar para o regime fantoche sul-coreano, para que este expandisse e modernizasse suas forças armadas em linha com o equipamento militar estadunidense de ponta, e treinasse suas tropas de acordo com a doutrina militar dos Estados Unidos. Aqui, tratava-se também de consolidar, com toda sorte de leis monstruosas, a máquina governamental fantoche, então encabeçada por Syngman Rhee, “homem de confiança” do imperialismo ianque; 2) inicialmente, dado que o plano de guerra estadunidense previa o uso do exército fantoche sul-coreano como ponta de lança, com as tropas ianques cumprindo somente um papel auxiliar, o período a partir de 1947 consistiu na “limpeza da retaguarda”. Isto é, o plano de guerra previa que o front se localizaria no paralelo 38, ao passo que o restante da Coreia do sul seria a retaguarda. Não seria possível conduzir com sucesso uma guerra no front com um poderoso movimento guerrilheiro levando a cabo a luta armada em larga escala na retaguarda da guerra. Portanto, a “limpeza da retaguarda” consistiu em um intenso genocídio na Coreia do sul que buscava exterminar o movimento guerrilheiro e o movimento de massas de forma mais


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geral. Contra os primeiros, os fantoches sul-coreanos conduziram em larga escala as sangrentas “operações punitivas” – mesmo termo utilizado, no passado, pelos imperialistas japoneses, em sua repressão ao movimento de libertação nacional anti-imperialista – que consistiam na evacuação forçada de aldeias, matanças, prisões e estupros indiscriminados, crimes bárbaros ao mais vivo estilo hitlerista. Parte constitutiva da repressão fascista foi ter mergulhado em mar de sangue as heroicas insurreições do povo sul-coreano contra o regime de Syngman Rhee e pela reunificação nacional, como a Insurreição de Jeju (1948) e o Motim dos Soldados de Ryosu (1948), e a insurreição camponesa de julho de 1949 contra a cobrança de tributos em espécie pelo regime reacionário. Contra os movimentos de massas que operavam de forma desarmada, não foi menor a agressividade por parte do regime da reação sul-coreana: somente no ano de 1949, por meio da monstruosa “Lei de Segurança Nacional”, o governo fantoche de Syngman Rhee arrastou aos cárceres quase 120 mil presos políticos. Até a revisão dos planos de guerra, as coisas assim corriam. Porém, alterando-o de maneira que as tropas ianques cumprissem o papel fundamental na guerra, o front, que antes estava estabelecido no paralelo 38, foi transferido para todo o território coreano (a tal “política de invasão da Coreia”), ao passo que a retaguarda foi deslocada para os territórios japonês e estadunidense. Assim, a repressão e fascistização sociais, impulsionadas na Coreia do sul, também se estenderam para os Estados Unidos e o Japão. Nos primeiros, foi decretada a monstruosa “Lei Taft-Hartley” em 1947, que golpeava durante o direito à organização sindical do proletariado estadunidense, proibindo as greves em período de guerra e dando aos capitalistas o direito de dissolver convenções coletivas de trabalho. Após a revisão do plano de Guerra da Coreia, à “Lei Taft-Hartley” acrescentou-se mais inúmeras medidas repressivas, que também golpearam duramente o direito de organização do Partido Comunista dos Estados Unidos da América (CPUSA), colocando-o na ilegalidade e prendendo os membros de seu Comitê Nacional sob pretexto de estarem tramando uma “rebelião violenta” para a derrubada do governo estadunidense. Na “retaguarda” japonesa, a fascistização social promovida pelo imperialismo estadunidense relembrou os períodos repressivos do militarismo e da autocracia burguesa-feudal. Por ordens do “general” MacArthur, o governo reacionário de Yoshida expulsou de seus respectivos postos governamentais vinte e quatro membros do Comitê Central do Partido Comunista do Japão (PCJ). No dia seguinte, banira o jornal Akahata, órgão central do Partido, e encarcerara todo seu corpo editorial. A fascistização da sociedade japonesa não poderia deixar de passar pela típica e humilhante discriminação nacional contra a população coreana. Contra ela, foi utilizada duras medidas repressivas. Escolas coreanas foram fechadas sob pretexto de não utilizarem o “idioma nacional” japonês. Também por ordens de MacArthur, foram banidas a Federação de Coreanos Residentes no Japão e a Liga da Juventude Democrática da Coreia (que operava no Japão). Tal foi a amplitude tomada pela chamada “limpeza da retaguarda”, que não pode ser menos caracterizada que uma operação de guerra, ou um grande conjunto de muitas destas operações; 3) os métodos de guerra aberta foram também largamente empregados neste período. Instigado pelo imperialismo ianque, o regime fantoche sul-coreano mobilizou destacamento menores e grupos para incursionarem nas áreas ao norte do Paralelo 38 para que conduzissem operações de reconhecimento das posições do Exército Popular da Coreia e “levantassem o sentimento público” da “população da Coreia do norte”, muitas vezes disfarçando-se com uniformes do Exército Popular da Coreia para que maltratassem as populações das aldeias ao norte do país e incentivassem uma postura anti-RPDC. Para verificarmos a amplitude destes ataques, citemos aqui um dos casos, no qual o chamado “6º Batalhão da ‘Unidade Horim’” do exército fantoche sul-coreano, incursionou o território ao norte do paralelo 38 a partir de 29 de junho de 1949 e, dentro de uma semana, mataram 28 pessoas inocentes, sequestraram 50 e incendiaram muitas casas nos distritos de Yangyang e Rinje. Este 5 de julho, as unidades das Forças de Segurança da RPD da Coreia cercaram os bandidos, matando 106 dos 150 efetivos, e levando 44 como prisioneiros. Entre 1949 e 24 de junho de 1950, unidades das Forças de Segurança da RPDC mataram ou feriram 2,650 soldados do exército e polícia fantoches sul-coreanos que tentaram incursionar ao norte, prendendo 3,553 soldados e confiscando 2,015 submetralhadoras.

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Ora, verificando este quadro de agressões cometido pelos fantoches sul-coreanos, instigados pelo imperialismo ianque, e observando de maneira mais atenta os passos tomados para os preparativos de guerra, dificilmente não encontraremos muitíssimas semelhanças entre o que foi feito pelos imperialistas estadunidenses, no passado, contra a Coreia, e o que fazem atualmente contra nosso vizinho do norte, a Venezuela bolivariana. Verificando atualmente, por exemplo, o recente processo de “limpeza da retaguarda” na Colômbia, com o desmantelamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e a matança de ex-guerrilheiros, a formação de governos satélites-fantoches não apenas com a Colômbia, mas também com Honduras e outros países, inundando-os com bases militares ianques, e a conformação de uma rede de governos reacionários sul-americanos para um tal “Grupo de Lima”, enquanto coalizão regional para a agressão à Venezuela, as provocações fronteiriças e tentativas mais recentes de invadir o país com o uso de mercenários, as sabotagens econômicas, o reconhecimento de um governo paralelo encabeçado por um golpista autonomeado e não-eleito (Juan Guaidó... quem não poderia enxergar um Syngman Rhee venezuelano, menos rico e menos articulado?), dentre mais uma vastidão de fatos, permite-nos constatar que, atualmente, o que observamos na Venezuela e em outros países não é um “filme novo”, tratando-se, ao contrário, de um modus operandi já experimentado em várias outras ocasiões pelo imperialismo estadunidense. Eis aí mais algumas lições importantes fornecidas pela Guerra da Coreia, quanto ao modus operandi e às condicionalidades específicas nas quais se encontravam os Estados Unidos, nesta ocasião, para a condução de uma guerra de agressão. Os imperialistas estadunidenses são herdeiros do fascismo japonês em suas guerras de agressão O imaginário fantástico do imperialismo norte-americano criou em torno de si a ideia de uma “nação civilizada”, defensora da “democracia” e dos “direitos humanos”. Os Estados Unidos seriam um imperialismo “civilizado”, formado a partir de uma base política democrática, que herdara a guerra civil democrático-burguesa de 1861-1865 contra a escravidão e as sobrevivências pré-capitalistas, uma reforma agrária ampla, e assim por diante. Seriam completamente diferentes do imperialismo japonês, que herdara um país “não-civilizado”, com uma pesada carga econômica e cultural de um regime baseado no feudalismo e na autocracia, em tradições rurais, patriarcais e não democráticas. Não foi por acaso que até mesmo numerosas correntes políticas progressistas, durante o período da Segunda Guerra Mundial, glorificaram erroneamente o imperialismo estadunidense, considerando-o um “mal menor” em relação aos imperialismos fascistas alemão, japonês e italiano. Mesmo estas diferenças de passado econômico e político – os Estados Unidos, com seu cabal sistema capitalista, e o Japão, com seu pesado passado feudal ainda não superado naquele período – parecem não ter sido impeditivas para que os “civilizados” ianques empregassem contra o povo coreano os mesmíssimos meios animalescos de matança que os realmente bárbaros japoneses. Durante sua ocupação em Harbin, Manchúria, nordeste da China, os imperialistas japoneses construíram um gigantesco complexo de “pesquisas” (com muitas aspas!) chamado “Unidade 731”. Nesta “Unidade 731”, cometeram crimes contra a humanidade ao utilizarem chineses, coreanos e russos (estas tais “raças inferiores”, assim consideradas pelas fábulas do racismo japonês) como cobaias nas mais bestiais experiências de testes de armas bacteriológicas, cujo uso é expressamente proibido por lei internacional. Tais experiências que testavam a eficiência de armas bacteriológicas em seres humanos, realmente tão distantes de qualquer coisa que se possa nomear “civilização”, foram amplamente utilizadas pelos “civilizados” imperialistas ianques. Emergindo vitoriosos na Segunda Guerra Mundial, os imperialistas estadunidenses anistiaram o maníaco criminoso de guerra Shiro Ishii , diretor da chamada “Unidade 731”, em troca de que ele fornecesse, para os maníacos de guerra estadunidenses, todo o “know-how” sobre como exterminar seres humanos com armas bacteriológicas, das formas mais dolorosas possíveis. “Coincidentemente” – para os ingênuos, claro! –, todo este “know-how” foi “aproveitado” pelos ianques na Guerra da Coreia, que não perderam tempo em utilizar contra a população civil armamentos banidos por leis


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internacionais que regulamentam os limites dos conflitos armados. Escórias humanas como Truman, Eisenhower, MacArthur, Johnson e outros, para não falarmos no atual estrume Donald Trump, longe de “civilizados”, foram e é belos aspirantes a projetos de Hitler. A Guerra da Coreia revelou que os imperialistas estadunidenses são tigres de papel, e que são homem e sua ideologia, não o fuzil, os fatores decisivos para a vitória na guerra A luta de libertação do povo coreano durante a Guerra da Coreia jogou por terra o mito do “poderio” do imperialismo estadunidense, assim como outros mitos segundo os quais a posse da bomba atômica forneceria para os Estados Unidos uma posição de controle e supremacia absoluta sobre todo o mundo, o que impossibilitaria a condução futura de guerras de libertação nacional. Até mesmo pretensos “comunistas” compartilharam de tais visões, que se mostraram nada mais que conversas vazias. Como pôde o povo coreano, fracamente armado em comparação com um inimigo numérica e militarmente muito superior, impor sobre ele duras derrotas e a frustração de seus planos de dominação mundial? Tal pergunta somente pode ser respondida a partir de uma avaliação dos aspectos estratégicos da Guerra da Coreia. Enquanto o imperialismo ianque e o regime fantoche sul-coreano, anti-populares ao extremo, padecendo de graves crises econômica e política, se encontravam decadentes, por mais poderosos que fossem, a base democrático-revolucionária do norte da Coreia, correspondendo à tendência dos tempos e às mais profundas aspirações do povo coreano e dos povos do mundo, foi capaz de lograr uma sólida unidade entre seu povo e as massas trabalhadoras do mundo, particularmente as massas asiáticas, para que se unissem como um só na sagrada luta para abater o imperialismo ianque e construir uma nação livre e independente, demanda profunda e de muitas décadas do povo coreano e dos povos democráticos e amantes da paz do mundo. Portanto, a despeito de uma desvantagem tática e temporária, eram moral e ideologicamente superiores, bastando uma questão de tempo e manutenção de uma linha política acertada para a conquista da supremacia militar. Esta verdade seria também confirmada por numerosas revoluções de libertação nacional no mundo, mostrando o vigor dos povos em luta e a bancarrota do capitalismo-imperialismo. Atualmente, vivemos em um período de grande ameaça à paz. A pandemia global acelerou exponencialmente a crise capitalista, levando o imperialismo ianque ao debacle e ao desespero para tentar postergar sua queda inevitável. Seu chefe maior, Trump, tem conduzido uma campanha agressiva de “nova guerra fria” contra os povos do Terceiro Mundo, ameaçando particularmente a Venezuela bolivariana e retomando as ameaças contra Cuba. Também intensifica mais diretamente suas ameaças contra a China, alardeando uma “nova guerra fria”, abandonando a velha retórico de “cooperação” com o país asiático. Nada temos a temer, porém. Se há uma lição que a Guerra da Coreia nos ensina é que o imperialismo é um tigre de papel, e que o aprofundamento do saque contra os povos, das guerras de agressão e da militarização só cavarão ainda mais rapidamente sua cova. Mantendo em mente tal compreensão, massificando-a entre os melhores filhos do povo brasileiro e materializando-a na ação coletiva, certamente a luta das massas brasileiras terá perspectivas muito melhores. Por fim, deixemos que um correspondente do New York Times expresse suas palavras de concordância conosco: “Os coreanos veem suas casas e escolas permanecerem tal como estão durante a evacuação das tropas comunistas. Em contraste, as Forças da ONU, lutando com armas de poder destrutivo muito superior, nada sabem senão reduzir uma cidade às cinzas. Os comunistas vencem moralmente até mesmo durante a evacuação”. FONTE: HO, Jong Ho; HUI, Kang Sok; HO, Pak Thae. Os imperialistas estadunidenses iniciaram a Guerra da Coreia. São Paulo: Nova Cultura, 2020

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ENTREVISTA: Antonio Mata Salas, do Consulado de Cuba em São Paulo”

ENTREVISTA

A Revista Nova Cultura retoma uma prática do seu início, e volta a publicar entrevistas sobre questões importantes da atual conjuntura política nacional e internacional. Para esta edição, falamos com Antonio Mata Salas, do Consulado Geral de Cuba em São Paulo, sobre diversos aspectos políticos e sociais da República de Cuba, em torno das principais questões do povo cubano e sua revolução, 60 anos após a tomada do poder por Fidel Castro.

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Breve atualização sobre a situação em Cuba O Partido Comunista de Cuba (PCC) elaborou um conjunto de diretrizes que foram discutidas e enriquecidas num processo de ampla consulta popular e aprovadas pelo último Congresso, com vistas a atualizar o modelo econômico, político e social na construção do socialismo, levando em conta a situação nacional em meio de todo tipo de guerra travada pelos Estados Unidos em 6 décadas e a situação política internacional. A Constituição, aprovada por referendo após um amplo programa de consulta a toda a sociedade cubana, no qual mais de 60% das propostas foram incorporadas, foi concluída com sua entrada em vigor em 24 de fevereiro de 2019. A Constituição reafirma o Socialismo como um sistema irreversível e o papel do PCC como um líder da sociedade. Atualiza outras formas de propriedade, como a cooperativa e a privada, e de organizações sociais, prevalecendo a propriedade estatal sobre os meios fundamentais de produção através do empreendimento socialista; além de manter as conquistas da Revolução, como educação, saúde, moradia, cultura, igualdade de gênero, família, seguridade social, desenvolvimento científico e técnico, entre outras. O Parlamento aprovou a figura do Presidente do Conselho de Estado e de Ministros e Presidente da Assembleia Nacional, do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, dos Governadores, dos Prefeitos e a melhoria dos poderes do povo, são os aspectos mais inovadores da ordem política do país. Isso significa que a nova geração de revolucionários cubanos ocupa os cargos mais importantes, incluindo o de Presidente e Primeiro-Ministro, o que exprime a continuidade da Revolução sobre os mesmos princípios e legado da geração histórica do Comandante Fidel Castro. O Presidente eleito pela ANPP, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, assume o desafio da nova geração na complexa situação econômica do país, na ordem jurídica do país, e agora diante do confronto com a covid-19 em meio à intensificação do bloqueio e dos efeitos econômicos da pandemia. Neste momento, a Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP) está aprovando as leis complementares derivadas da Constituição com um cronograma a ser completado nos próximos 3 anos. Os planos da economia nacional têm sofrido grandes ajustes devido à falta de novos investimentos, principalmente por causa do colapso do turismo e do comércio internacional. Por outro lado, os EUA continuam com maior força não só em seu bloqueio genocida, mas também propagando notícias falsas, não respondendo ao recente tiroteio ocorrido em nossa embaixada em Washington, e agora incorporando Cuba à espúria lista de países que promovem o terrorismo. Bloqueio O bloqueio econômico, financeiro e comercial imposto pelo governo norte-americano desde 5 de fevereiro de 1962, com o objetivo de fazer o povo cubano sofrer de fome e necessidades para se rebelar contra a Revolução, já arrecadou mais de 900 bilhões de dólares em embargos econômicos e, principalmente, em sofrimento humano. No governo Trump o embargo vem tomando maiores proporções, com a implementação sem precedentes da lei americana Helms-Burton, lei extraterritorial onde os proprietários dos imóveis nacionalizados nos primeiros anos da Revolução poderiam reivindicá-los, dissuadindo assim os investidores estrangeiros de investir nessas propriedades. Dentro dessas propriedades, eles poderiam reivindicar portos, aeroportos, terras, indústrias vitais de energia, comunicações, atividades produtivas, que eram de empresas americanas e da burguesia nacional, praticamente os recursos mais importantes que estavam em suas mãos. Além do acima exposto, há disposições atuais do bloqueio em que qualquer empresa estrangeira que tenha até 10% de componentes americanos em seus produtos não pode ser vendida a Cuba sob pena de sanções. A proibição de aeronaves comerciais e privadas ame-


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ricanas viajarem para Cuba, a não chegada de navios de cruzeiro, bem como a proibição de viagens americanas para a ilha. Tudo isso implica num sério efeito sobre o turismo. Um aspecto extremamente importante é a implacável perseguição, com métodos de pirataria, para que navios com petróleo não cheguem a Cuba. Apenas um exemplo: recentemente Cuba teve que comprar um navio com petróleo porque o armador que chegou à ilha relatou que teve que voltar por causa das sanções que os Estados Unidos imporiam à companhia de navegação se ela tocasse um porto cubano. Além disso, há as sanções de um milhão de dólares sobre entidades que fizeram transações com Cuba. No momento, em meio ao combate do Covid-19, Cuba não pode adquirir matéria-prima para a produção de alguns medicamentos e equipamentos. Apenas um exemplo: os respiradores que Cuba estava comprando de uma empresa suíça foram comprados por uma empresa americana, por isso não pudemos adquiri-los. Apesar do apoio internacional nas Nações Unidas, onde apenas Estados Unidos, Israel e Brasil votaram contra a Resolução cubana para a eliminação imediata do bloqueio, o bloqueio, como já dissemos, está se fortalecendo a cada dia com mais de 280 medidas adicionais até o momento. Não temos esperança no levantamento do bloqueio com uma nova administração americana. Apenas resta manter e aumentar a pressão e a solidariedade internacional e, sobretudo, a continuidade da resistência do povo cubano, que resistiu, resiste e resistirá à guerra imposta pelo imperialismo norte-americano para que possamos deixar de ser livres e independentes na construção do nosso socialismo sustentável, melhorando constantemente com a maior justiça social possível. Covid-19 Cuba, com menos de 12 milhões de habitantes, tem 95 mil médicos, 85 mil enfermeiros e 58 mil técnicos de saúde, 9 médicos por 1 mil habitantes, a maior taxa do mundo onde todos estão incluídos no sistema público de saúde universal e gratuito. É a garantia de enfrentar o coronavírus com conquistas, pois possui um sofisticado e integrado sistema de saúde pública desde a atenção primária a nível de bairro, policlínicas a hospitais altamente especializados com todos os recursos do mundo desde os primeiros anos da Revolução, o que tem possibilitado, junto com os medicamentos, alguns deles únicos no primeiro nível mundial e no alto nível médico e científico, combater a pandemia. 80% dos casos positivos tiveram alta e a mortalidade é uma das menores do mundo, foram identificados por médicos e estudantes de medicina da comunidade e outros as pessoas assintomáticas, de casa em casa, com diagnóstico rápido utilizando os testes necessários e monitoramento dos testes realizados na população assintomática. A biotecnologia cubana de primeiro mundo, que tem sido uma das conquistas mais significativas da Revolução, está dando uma contribuição essencial à pesquisa e produção de medicamentos para lidar com a pandemia. Entre eles estão sendo utilizados o Interferon Alfa 2B Recombinante, que foi utilizado na China com bons resultados na produção conjunta; o Preveng Ho vir; o CIGB 258; o Itolizumab, um anticorpo monoclonal, gotas homeopáticas, para reforçar a imunidade de toda a população, e outros. Além disso, um protótipo de vacina já se encontra em fase de ensaio clínico. Juntamente com os serviços médicos, o povo é organizado através da Defesa Civil e suas organizações de massa, essencialmente os Comitês de Defesa da Revolução e a Federação das Mulheres Cubanas, que têm desempenhado um papel de liderança no isolamento social, bem como no controle da indisciplina social na compra de alimentos e artigos. A experiência de Cuba na Cooperação Médica Internacional, onde a solidariedade é inerente à Revolução, permitiu-nos celebrar nestes dias o 57º aniversário do início da nossa cooperação com o mundo, através da qual, desde 1963 até hoje, mais de 420 mil profissionais de saúde estiveram presentes em 169 países, em mais de 600 mil missões. Mais de 5 décadas depois que um avião partiu para a Argélia com a primeira brigada

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médica cubana, hoje mais de 2500 colaboradores organizados em mais de 28 brigadas médicas do Contingente Henry Reeve estão contribuindo hoje para a luta do covid-19 em 24 países, para os quais o apoio internacional está crescendo a fim de ser agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Além disso, há mais de 28 mil profissionais de saúde que já estavam trabalhando em 59 nações. Para Cuba, compartilhar modestamente e solidariamente o que tem, sem condicionamentos políticos e ideológicos, é cumprir um conceito marciano e fidelista, que para nós é sagrado, de que a Pátria é Humanidade. Ao mesmo tempo, Cuba está realizando esforços para enfrentar a situação dos cidadãos retidos em diferentes países, a fim de garantir seu retorno ao país. Enquanto isso, os Estados Unidos continuam sua campanha de calúnias e mentiras para tentar macular a colaboração cubana, alegando que são escravos, terroristas e pressionando países a dispensar e não solicitar nova ajuda de Cuba. A USAID aumenta financiamento para sabotar brigadas médicas cubanas. Relações Cuba - Brasil As relações entre os povos e países de Cuba e do Brasil sempre foram muito boas. Estamos unidos por laços históricos, pelo capítulo triste da escravidão e pelas características étnicas, culturais e idiossincráticas derivadas da peculiar combinação de múltiplas influências africanas e europeias. Cultura, música, dança, crenças religiosas são alguns dos ingredientes que fortalecem o nosso afeto mútuo. Esta comunidade de atributos, que nos caracteriza, sempre incentivou o intercâmbio em todos os setores da vida social e econômica de nossos países. Assim, as relações nos campos comercial e econômico têm sido fluidas e se mantêm há décadas, e na área de ciência e tecnologia, principalmente biotecnologia, também temos nos beneficiado das contribuições e dos pontos fortes de cada um. Por todas essas razões, compartilhamos uma grande simpatia e solidariedade uns com os outros. Mas, devemos ressaltar, muito especialmente, que nossa amizade atingiu os mais altos níveis com a presença de médicos cubanos nestas terras. Cuba tinha mais de 11.000 médicos no Brasil, que estavam localizados nas partes mais remotas e menos favorecidas do território brasileiro. Essa experiência, que nossos dois países desfrutaram, aprofundou ainda mais o sentimento de fraternidade bilateral. Por isso ambos os povos sofreram com o retorno forçado dos médicos cubanos; nós sofremos, sobretudo, espiritual e humanamente, porque irmãos e irmãs foram separados, e porque muitos brasileiros ficaram sem atendimento médico, o que, a cada dia que passa, lamentamos mais. Isso explica porque não pode haver nenhum evento político temporário, ou qualquer outro tipo, que seja capaz de nos separar. O turismo, com o fim da atual pandemia, foi aumentando; o intercâmbio cultural, também, e, nos últimos anos, as relações comerciais foram se consolidando e tendem a crescer. Nossas experiências pessoais com o povo brasileiro e suas mais diversas instituições são positivas e mostram as infinitas reservas amistosas que nos unem. Portanto, estamos muito otimistas quanto ao futuro. Venezuela e América Latina Cuba mantém estreita relações de irmandade e cooperação a todos os níveis com a Revolução Bolivariana que encontra ao melhor amigo de Cuba, como disse Fidel ao referir-se a Hugo Chávez. Cuba reitera a sua solidariedade invariável com Maduro, a Revolução Bolivariana e Chavista e a união cívico-militar do seu povo e apela a todos os povos e governos do mundo para que defendam a paz e se oponham, unidos através de diferenças políticas ou ideológicas, a uma nova intervenção militar imperialista na América Latina e no Caribe que prejudique a independência, a soberania e os interesses dos povos do Rio Bravo na Patagônia. Milhares de médicos cubanos prestaram e continuam prestando colaborações a Ve-


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nezuela, que o imperialismo calunia e falsamente tenta retratar como soldados cubanos que apreendem a Revolução Bolivariana Não vamos fazer referência à guerra econômica amplamente conhecida e às constantes ameaças militares dos Estados Unidos para derrubar o Presidente constitucional Nicolás Maduro, que tem o apoio maioritário do povo e a forte aliança cívico-militar. Apenas salientaremos que os planos dos EUA com o fantoche Guiado e a oposição reacionária fracassaram, tal como a infame resolução do Conselho Permanente da OEA, que não por coincidência presidiu aos EUA. O governo venezuelano e o povo Chavista conseguiram um feito com páginas admiráveis de resistência. O povo bolivariano se define hoje se é verdade que as nações da América Latina e Caribe têm direito à autodeterminação, se o povo soberano repousa no povo ou num governo estrangeiro, se é aceitável que um país poderoso determine quem são os governantes de um Estado independente, se as normas e os princípios que regem a ONU têm algum valor real ou se são letras mortas, se os povos da região permanecerão passivos perante a tomada do poder soberano de uma nação irmã ou se responderão em repúdio ao crime. A Venezuela não está sozinha e conta com verdadeiros amigos, que não são apenas Cuba, mas também a Rússia, a China, o Movimento dos Não-Alinhados e a solidariedade progressista planetária. A chegada dos navios iranianos com os abastecimentos necessários para a economia venezuelana está demonstrando que a Doutrina Monroe da América para os americanos está a morrer.

Da esquerda para direita, os camaradas Antônio Mata Salas, Jasely Fernández Garrido e Pedro Monzon Barata, do Consulado Geral de Cuba em São Paulo, em atividade sobre os 60 anos da Revolução Cubana realizada pelo NOVACULTURA.info em 2019 na FFLCH-USP


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“A validade das teorias de Lenin sobre o imperialismo: a opressão capitalista sobre o Terceiro Mundo e o Brasil”

Contribuição da União Reconstrução Comunista (URC) à conferência “Lenin aos 150 anos: Lenin vive!” que seria realizada em Amsterdã, Holanda, no dia 28 de março de 2020, co-organizada pela Liga Internacional da Luta dos Povos (ILPS) e o Recurso Popular para a Solidariedade Internacional e a Mobilização de Massas (PRISMM).

A VALIDADE DAS TEORIAS DE LENIN SOBRE O IMPERIALISMO: A OPRESSÃO CAPITALISTA SOBRE O TERCEIRO MUNDO E O BRASIL Com o aniversário de 150 anos de Lênin, questiona-se por parte de círculos burgueses e oportunistas de direita a aplicabilidade e vigência das teorias leninistas sobre o imperialismo para o presente século. Os axiomas sobre “industrialização neocolonial do Terceiro Mundo”, “ascensão da multipolaridade” (a despeito das inegáveis tentativas por parte de governos nacionalistas do Terceiro Mundo em conquistarem a independência de seus respectivos países) e a maior complexidade da economia mundial atual aparecem como forma de negar a atualidade das teorias leninistas. A realidade demonstra, porém, que tais noções são equivocadas, quando não absurdas. Tais linhas são escritas num momento em que o mundo desaba cada vez mais no buraco de uma nova crise capitalista mundial. De um ano para cá, o Terceiro Mundo foi tomado por ondas de protestos anti-imperialistas. Na América Latina, particularmente os povos do Chile e Bolívia, seus operários, camponeses, estudantes e demais estratos da vida social têm lutado contra as medidas privatistas e reacionárias de governos bancados pelo imperialismo norte-americano. Neste último país, particularmente, as massas têm lutado contra o Golpe de Estado que pretende entregar tudo que possa para o governo dos Estados Unidos. Na Venezuela, as massas trabalhadoras têm lutado contra todo tipo de intervenções econômicas e políticas por parte do imperialismo norte-americano e dos governos fantoches da Colômbia, Peru, e outros, intervenções estas que por pouco desembocaram numa guerra continental no início de 2019. O Brasil também tem sido submetido à agressão do imperialismo norte-americano, que há anos amplia aqui suas posições econômicas e políticas, particularmente após o golpe de Estado de 2016 (que derrubou por meio de um impeachment o governo de Dilma Rousseff) e a eleição farsante de Jair Bolsonaro em 2018. No Oriente Médio, o assassinato do general Soleimani, em janeiro de 2020, foi o gatilho que despertou os mais ardentes sentimentos patrióticos e anti-imperialistas nas massas, levando dezenas de milhões às ruas particularmente de Bagdá e Teerã para demonstrar sua disposição para a luta contra o imperialismo norte-americano. Precisamos recapitular e reafirmar o corpo teórico que identifica o fio condutor destes acontecimentos, aproveitando para ilustrar os casos que demonstração a persistência da dominação imperialista sobre o Terceiro Mundo e sobre o Brasil.

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Questões sobre alguns fundamentos teóricos leninistas da dominação sobre o Terceiro Mundo De acordo com Lênin, a conquista e de colônias e semicolônias é um ponto nevrálgico para a manutenção do capitalismo monopolista, dos lucros de monopólios das grandes corporações imperialistas. Neste sentido, há cinco razões básicas que determinam a avidez por submeter centenas de países de forma colonial e semicolonial: 1) monopolizar fontes de matérias-primas e produtos agrícolas, para obtê-las aos preços mais baixos, e para garantir a possibilidade de negá-las a possíveis concorrentes; 2) monopolizar a exportação de capitais para o país colonizado, como forma de manter lucros de monopólio altíssimos devido à inexistência ou fraqueza da burguesia local, ou de ter que dividir o mercado do país colonizado com outros capitalistas monopolistas; 3) monopolizar o mercado interno do país colonizado, como forma de garantir a venda de todo tipo de mercadorias, incluindo as mercadorias ruins, a preços de monopólio; 4) garantir o amplo acesso à mão-de-obra barata de operários assalariados e camponeses; 5) manter o país colonizado como esfera de influência militar e política para a manutenção das condições para levar a cabo eventuais guerras de agressão. Na busca por monopolizar fontes de matérias-primas e produtos agrícolas, é evidente que a dominação imperialista sobre os países coloniais e semicoloniais se apoia principalmente sobre a propriedade latifundiária da terra, dado que é das entranhas da terra que brotam os principais produtos que buscam os imperialistas na dominação de tipo colonial e semicolonial. É usual que os imperialistas estabeleçam sobre estes países dominados o sistema de plantations, isto é, grandes extensões de lavouras baseadas na monocultura dedicada quase que inteiramente à exportação. Desta forma, arrebatam matérias-primas e produtos agrícolas a preços extremamente baixos e geram nos países do Terceiro Mundo receitas que podem ser utilizadas na importação de produtos manufaturados a preços exorbitantes, produzidos por empresas de países imperialistas. A existência de um pequeno punhado de conglomerados capitalistas que monopoliza a comercialização de produtos agrícolas e recursos naturais do mundo inteiro (sendo ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus Commodities as principais, de acordo com dados de 1994, apenas duas empresas controlavam 77% da comercialização mundial de grãos, três empresas controlavam 80% da comercialização mundial de bananas, e três empresas controlavam 87% da comercialização mundial de tabaco); o crescimento da produtividade na indústria, da inovação e da racionalização da produção capitalista, que passam a demandar uma quantidade relativamente menor de matérias-primas e produtos agrícolas para manter uma produção equivalente ou mesmo aumentá-la; a dispersão da produção agropecuária (e de outros recursos naturais) característica do sistema capitalista; e as medidas protecionistas, fitossanitárias, etc. por parte das grandes potências para dificultar a entrada dos produtos de exportação do Terceiro Mundo em seus mercados, constrangem estes países a venderem sua produção colonial a preços cada vez mais aviltados, ao passo que a importação dos bens manufaturados é realizada a preços de monopólio, que se mantêm altos ou até mesmo aumentam. Na medida, porém, em que os países do Terceiro Mundo são forçados a colocar sua agricultura a serviço do mercado mundial dominado pelo capitalismo monopolista, exigindo grandes plantations exportadoras, avança-se sobre as culturas de subsistência e mercado interno, forçando tais países a importarem não apenas bens manufaturados, mas até mesmo alimentos que, na prática, teriam todas as condições de produzir localmente. Como consequência desta pilhagem, os países do Terceiro Mundo terminando enfrentando duras dificuldades e deformações em todas as tentativas de industrialização e diversificação da produção agrícola. Persiste o atraso econômico como reflexo do desenvolvimento unilateral de poucos setores necessários ao saque imperialista. Desta forma, as massas de centenas de milhões de camponeses expulsas das regiões rurais, encontrando apenas de maneira parcial empregos nas áreas urbanas em razão dos constrangimentos à industrialização, acabam amontoando-se nas favelas e bairros pobres, quando não indo parar nos próprios centros imperialistas, sujeitas a toda natureza de trabalhos mal pagos, discriminação racial e chauvinismo nacional.


“A validade das teorias de Lenin sobre o imperialismo: a opressão capitalista sobre o Terceiro Mundo e o Brasil”

Ilustrações dos princípios teóricos leninistas da dominação imperialista sobre o Terceiro Mundo A queda dramática dos preços de produtos que possuem um peso fundamental nas pautas de exportação dos países semicoloniais foi um fator fundamental do empobrecimento destas no decurso de 1980-2000. É vigente, num comércio internacional plenamente controlado por um punhado de corporações imperialistas, a degradação dos termos de troca em detrimento dos países do Terceiro Mundo. Os países da África Subsaariana são um exemplo passível de ser utilizado para demonstrar o empobrecimento dos países semicoloniais por meio do mecanismo de diminuir os preços das matérias-primas e produtos agrícolas. TERMOS DE TROCA E VOLUMES DE EXPORTAÇÃO DA ÁFRICA SUBSAARIANA

1980-1981 1996-1997 Termos de troca 100 64,5 Volume de exportações 100 125

Em 1980-1981, os termos de troca das exportações dos países da África subsaariana estavam em 100, enquanto os volumes das exportações também se encontravam em 100, ou seja, 100 unidades de mercadorias exportadas por estes países eram suficientes para adquirir 100 unidades de mercadorias importadas. No decorrer de 1996-1997, porém, a queda vertiginosa dos preços dos produtos agrícolas e matérias-primas levou ao fardo de que ainda que as exportações tivessem aumentado comparativamente de 100 para 125, estas 125 unidades de mercadorias exportadas eram suficientes para adquirir apenas 64,5 unidades de mercadorias importadas! Consequência deste fardo lamentável não pode ser senão a descapitalização destes países, o empobrecimento e a miséria. A degradação dos termos de troca revela o caráter extremamente desigual do comércio internacional realizado sob o comando do imperialismo: com a queda dos preços das matérias-primas e produtos agrícolas, os países industrializados ganham e se beneficiam através do atraso e da pilhagem dos países agrários, semicoloniais. O controle das cadeias produtivas industriais existentes nos países semicoloniais pelos imperialistas se manifesta também como uma das principais formas de pilhagem. Muito embora os imperialistas busquem por várias maneiras emperrar o progresso da industrialização nos países semicoloniais, retraindo seu desenvolvimento, interessa aos imperialistas também uma forma limitada e deformada de desenvolvimento capitalista em que a acumulação de capital se encontre sob o controle de grandes transnacionais capitalistas estrangeiras, e que de preferência dê como retorno fabulosos lucros monopolistas através de pífios investimentos de capital. Forma dominante de “industrialização” que o imperialismo impõe sobre os países semicoloniais é a da construção de maquiladoras, isto é, empresas industriais que se limitam tão somente a montar componentes importados em manufaturas acabadas, reexportando-as ou vendendo-as no mercado interno do país semicolonial. Os elevados lucros monopolistas alçados pelos imperialistas por meio das maquiladoras, todavia, se dedicam muito pouco ao reinvestimento do mesmo com os fins de expandir a produção interna. Ao alçarem lucros de monopólio, os imperialistas os remetem para seus países de origem, mantendo os investimentos nos países semicoloniais em níveis medíocres, praticamente estagnados. Na América Latina, o México foi o país semicolonial que mais profundamente entregou seu território e sua economia ao bel prazer para a instalação de empresas maquiladoras mantidas pelo imperialismo estadunidense. Ingressando a partir de 1994 no acordo NAFTA (North American Free Trade Agreement), um tratado de “livre comércio” mútuo entre Estados Unidos, Canadá e México, este último teve seu mercado interno arrebentado por importações predatórias vindas dos EUA e pela entrada de inumeráveis indústrias maquiladoras. A ida destas indústrias para o México foi apresentada pelos lacaios e apologistas do imperialismo ianque como um “importante meio de geração de empregos”, e o NAFTA – um tratado desigual de humilhação e submissão nacional do México – como “forma de atrair investimentos”. A teimosa realidade

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bastou para desmascarar as mentiras do imperialismo: no decurso dos anos 1998-2000, o México recebeu 36 bilhões de dólares em investimentos de capitais de países estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, parte considerável dos quais foram investidos na construção de maquiladoras. Todavia, no mesmo período, as empresas estrangeiras remeteram para o exterior – predominantemente para os Estados Unidos – 48 bilhões de dólares em lucros e juros. Se fossem computados em tais valores os montantes gastos na importação de componentes, a cifra seria ainda maior. Simplificando: entraram 36 bilhões, saíram 48 bilhões. O imperialismo norte-americano retirou do México o enorme montante de 12 bilhões de dólares. A pretensa “industrialização” de que falam os imperialistas revela-se como uma “industrialização” que, na prática, impede a industrialização, impede a acumulação interna de capitais e a expansão das forças produtivas. A dominação imperialista, assim, relega aos países semicoloniais a mera condição de apêndices agrários, fornecedores de matérias-primas e produtos agrícolas aos países desenvolvidos. Governos títere de Bolsonaro assiste a crescente dominação do imperialismo norte-americano sobre o Brasil Forneçamos alguns poucos exemplos sobre como Bolsonaro, Mourão e seus asseclas têm depenado a soberania nacional brasileira, que também ilustram diversos pontos da teoria leninista sobre a dominação imperialista sobre o Terceiro Mundo. Dumping agrícola: O desenvolvimento da agricultura de exportação é estimulado como forma de compensar o estrutural déficit comercial que o Brasil possui (cerca de 100 bilhões de dólares) com produtos manufaturados, em decorrência da desindustrialização. Porém, há um óbvio desinteresse por parte das classes dominantes locais em estimular aquele setor da agricultura de fato responsável pelo abastecimento interno do país, para a produção de alimentos para a população e matérias-primas para a indústria nacional, mais ligado aos camponeses e os setores menos abastados da burguesia rural. Vejamos o caso do leite, por exemplo. Trata-se de uma produção conduzida, no âmbito rural, basicamente por camponeses médios, proprietários da própria terra (ou em alguns casos, arrendatários sem-terra). Em virtude de uma série de fatores – dentre eles, o alto custo dos empréstimos e meios de produção, acesso precário aos mercados em virtude da enorme dispersão dos produtores diretos e certa concentração do processo de industrialização entre os laticínios – tais camponeses médios vivem sempre endividados, à beira da ruína e da proletarização ou semi-proletarização. Como forma de reduzir ainda mais os preços pagos aos camponeses, os atravessadores e laticínios, com apoio das agências do Estado reacionário, impõe uma série de “restrições fitossanitárias” ao leite do camponês, como limitação do nível de gordura do leite, dentre outras. Ainda diante de tal situação, o governo Bolsonaro cometeu no ano de 2019 o crime de derrubar as tarifas de importação do leite da União Europeia, medida esta que a longo e médio prazo terminará por reduzir ao pauperismo e tirar do mercado local as famílias camponesas envolvidas na cadeia produtiva do leite. Na primeira reunião realizada entre o fantoche Bolsonaro e Trump, no início de 2019, também foram feitas “negociações” em torno de produtos agrícolas. Bolsonaro se propôs a importar dos Estados Unidos, permanentemente, uma cota anual de 750 mil toneladas de trigo (mais de 10% do montante anual de 7 milhões de toneladas anuais de trigo importadas pelo Brasil) completamente livres de tarifas protecionistas, o que acabará por pressionar para baixo os preços internos do grão e arruinar os capitalistas agrários e camponeses ricos brasileiros, cuja produção se encontra numa situação muito semelhante à dos camponeses médios envolvidos na produção leiteira (ainda que estes sejam, de fato, muito mais pobres que os plantadores de trigo ou capitalistas também envolvidos com a plantação do grão). Todavia, dado que o Brasil é um importador líquido de trigo, comprando do exterior a grande maior parte do trigo que consome em virtude das precárias condições nas quais se desenvolve a agricultura triticultora brasileira, serão os camponeses ricos e capitalistas agrários argentinos os principais afetados, pois


“A validade das teorias de Lenin sobre o imperialismo: a opressão capitalista sobre o Terceiro Mundo e o Brasil”

são estes quem abastecem mais de 80% das importações de trigo do Brasil. A medida imposta por Trump e aceita por Bolsonaro não será ruim apenas para o Brasil, mas também poderá em grande parte prejudicar as exportações argentinas. Escravização econômica: Saindo do âmbito da agricultura e entrando na questão da indústria, o entreguismo de Bolsonaro se sobressai ainda mais, e tem mantido e aprofundado a tendência do anterior regime golpista de Temer de “fechar as portas” para todos os caminhos possíveis que podem apontar para uma verdadeira industrialização da sociedade brasileira, ainda que uma industrialização sob condições capitalistas (no sentido de superação da atual condição semicolonial e semifeudal da sociedade brasileira). Pois bem, desde o ano passado, Bolsonaro seguiu na concretização do programa de desnacionalização e desindustrialização quando concluiu a entrega da Embraer para a transnacional americana Boeing sob o disfarce de “fusão”. Neste sentido, Bolsonaro age em favor das tendências do imperialismo norte-americano à monopolização, jogando para escanteio no mercado mundial a única empresa de aviação do Terceiro Mundo que possuía condições reais de competir consigo. Entrega da Base de Alcântara como expansão de esfera de influência militar e política no Brasil: Também em sua primeira visita aos Estados Unidos para se encontrar com Trump, Bolsonaro assinou nesse verdadeiro ninho de urubus a entrega da Base de Alcântara, no Maranhão, para a utilização por parte das forças militares norte-americanas com fins bélicos e de agressão. Faz parte da “luta” para “reestabelecer a democracia na Venezuela” e “acabar com a tirania de Maduro”, nas palavras do próprio fantoche Bolsonaro. É um cuspe na cara de cada brasileiro honesto e patriota. Uma base militar estrangeira encravada estrategicamente em território brasileiro, com fácil acesso ao litoral e às regiões Norte e Nordeste do país, agora para bombardear e agredir um povo irmão. Tal assinatura deste “compromisso” desigual e de submissão é ainda mais odiento se levamos em conta a ampla quantidade de documentos existentes (inclusive por parte do Wikileaks) que comprovam as diferentes manobras do imperialismo norte-americano para sabotar o uso da base espacial de Alcântara com fins nacionais, comprovando até mesmo o dedo norte-americano no acidente da base de Alcântara de 2003, cuja explosão matou 21 cientistas brasileiros. A entrega da base de Alcântara para o imperialismo não possui, contudo, um caráter puramente militar, mas também econômico e político. Trata-se de uma situação na qual o imperialismo norte-americano está galgando posições em nosso país e na América Latina, inclusive no que tange ao controle de fontes de matérias-primas. Quem duvida que a declaração aberta de Alcântara como base militar americana para a agressão da Venezuela não será acompanhada de expedições de cientistas, técnicos e ONGs do imperialismo para fazer incursões para comprar terras próximas a possíveis fontes de matérias-primas que sejam de interesse de empresas industriais americanas, generalizando ainda mais a grilagem contra as comunidades camponesas e quilombolas locais? Aliás, a entrega da Base de Alcântara para os americanos é a verdadeira desgraça e morte para os quilombolas e camponeses desta região. Especialistas já mostraram como o uso da Base de Alcântara provocara o deslocamento forçado de comunidades rurais, inclusive tirando delas seus meios de subsistências tradicionais, reduzindo-as à miséria e à fome. Mesmo o mais ingênuo é capaz de enxergar como o aumento da circulação de norte-americanos no local, com grande poder aquisitivo, que aqui vêm se instalar com suas famílias, têm como consequência o aumento nos preços dos terrenos, e como nova consequência, a especulação fundiária, a grilagem, e o maior massacre sobre as populações rurais por parte de fazendeiros, políticos e espertalhões das proximidades.

UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA Brasil, 18 de março de 2020

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O mundo está vivendo uma conjuntura explosiva, o imperialismo, cada vez mais, busca avançar contra o proletariado mundial como único mecanismo possível de garantir o aumento da margem de lucros dos grandes monopólios. No Chile, como uma nação colonizada, essa conjuntura toma proporções gigantescas. Sob os ditames do fascista e fantoche do imperialismo Piñera, o proletariado chileno, camponeses, povos originários, a pequena burguesia e até setores médios e grandes desta burguesia, mas com perspectivas mais democráticas, são alvos do avanço inescrupuloso da política neoliberal do Estado. Neste contexto, Eduardo Artés Brichetti – dirigente histórico do Partido Comunista do Chile (Ação Proletária), ou simplesmente PC(AP) – nos oferece uma contextualização e direcionamento político vigorosos. Reafirma a importância do papel do Partido desde a presença e a liderança em lutas dentro da ordem – como a luta por uma Assembleia Constituinte –, mas sem perder, um minuto sequer, a perspectivas revolucionárias e combatendo todo tipo de ilusão com o reformismo e o revisionismo. Assim, o PC(AP), cada vez mais, se coloca na conjuntura chilena como garantidor de um aprofundamento político capaz de conduzir a luta do proletariado para transformar as estruturas da sociedade no caminho de edificação do socialismo.

“COM U JUNTOS VA DA OLIGAR


“Com um projeto político na mão, juntos vamos tomar o Chile das garras da oligarquia nacional e imperialista!”

UM PROJETO POLÍTICO NA MÃO, AMOS TOMAR O CHILE DAS GARRAS RQUIA NACIONAL E IMPERIALISTA!”

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INICIAMOS O ANO DE 2020: BREVE REFLEXÃO A necessidade do partido político da classe proletária Nos últimos anos parecia que um mecanismo escondido no universo, oculto entre galáxias e neblinas cósmicas, tinha acelerado o tempo aqui em nossa pequena Terra. Por cada unidade de tempo vão ocorrendo mais eventos. Fica praticamente impossível omitir um dia as notícias do mundo, é arriscado passar por alto um ou outro fato que poderia revolucionar a história contemporânea humana: O que está acontecendo? Os ideólogos da burguesia (especialmente da burguesia imperialista) estão reconhecendo – mais ou menos abertamente – o fim do “neoliberalismo” (isto é, a forma, certamente inerente, da exploração da classe trabalhadora pela burguesia, praticamente sem resposta política por parte dos primeiros) e da “globalização” (ou seja, a hegemonia econômica e política das nações centrais do modo de produção capitalista contemporâneo, na economia mundial, sem um bloco socialista forte que fosse capaz de fazer um contraponto – vulgo: imperialismo desenfreado). Com razão. O começo do fim do “neoliberalismo”? A cura do protesto, contra o vírus que ataca a humanidade (o capitalismo em sua fase imperialista), se propaga pelo mundo, de maneira gradual. A burguesia pressente isso – de forma mais ou menos consciente: seus crescentes privilégios, acumulados especialmente desde a queda do Pacto de Varsóvia, começam a ser questionados por cada vez mais gente. Em mais e mais países se alçam as massas populares – lamentavelmente ainda – espontaneamente… Na França, no Haiti, em Honduras, no Chile, no Equador, na Colômbia – em breve no Peru e em outras latitudes (no continente africano está se aglutinando o protesto contra as forças de ocupação francesa, britânica, estadunidense e, em menor grau, alemã), levantam-se as massas populares, para, essencialmente, reivindicar uma distribuição mais justa da renda; o que significa nada menos que a riqueza social não seja apropriada de forma (quase) exclusiva por aqueles que não trabalham mas são donos dos meios de produção, a burguesia nacional e imperialista, e sim que seja apropriada em maior grau por aqueles trabalham e, portanto, criam a riqueza social, mas não são donos dos meios de produção, o proletariado. A espontaneidade é a fortaleza do movimento? Na espontaneidade certamente habita a força dessas explosões sociais: perdeu-se o medo à repressão do Estado, e conseguiu-se em parte prescindir das direções pelegas e corruptas, que durante muito tempo se expandiram, como mofo ácido, nas organizações políticas da classe trabalhadora (sindicatos, organizações sociais e – muito pior ainda – partidos políticos que deveriam representar os interesses classistas do proletariado). Mas, ao mesmo tempo, habita na espontaneidade sua profunda fraqueza: a desunião, a desorganização e consequentemente uma luta sem um norte. Enquanto assim for, o proletariado e seus aliados (a pequena burguesia democrática, os povos originários, o campesinato e inclusive setores da grande burguesia não oligárquica e democrática), poderão unir-se nas ruas aos milhares e milhões – como deve ser ao se confrontar com a oligarquia nacional e imperialista –, mas não conquistarão melhorias substanciais e necessárias. Enquanto o proletariado e seus aliados, em qualquer lugar do mundo, não construam o partido que organize e oriente sua luta, estarão organicamente desarmados. Enquanto o proletariado e seus aliados não orientem seus esforços, aglutinados organicamente nesse partido, no sentido da tomada do poder político, estarão politicamente desarmados. Enquanto o proletariado e seus aliados não mirem o socialismo, objetivo materializado nesse partido, estarão intelectualmente desarmados. Mas… os posicionamentos “anti-partido” são realmente problemáticos? São equivocadas, mas antes de tudo perigosas, essas posições que implícita ou explicitamente negam a necessidade do partido político da classe trabalhadora e seus aliados como


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ferramenta, não somente necessária, mas também fundamental para a luta por uma sociedade melhor. Incluem-se nesses posicionamentos não somente os conhecidos como anarquistas, mas também os do amplo espectro revisionista. No Chile, por exemplo, partidos históricos, cujo símbolo era a bandeira vermelha, estão negando a necessidade do partido não apenas no discurso, mas na própria ação, ocupando as ruas sem suas bandeiras. Na prática, além de negar o projeto socialista como horizonte de sociedade para o movimento social, projeto este simbolizado historicamente com a bandeira vermelha (desde o início do próprio movimento socialista), também estão negando a si mesmos como partido político. E assim se explica que em vez de vermos um mar de bandeiras vermelhas, ou seja, uma maré de gente com um horizonte social claro, que assimila todas as demandas particulares, cada pequeno grupo caminha disperso levantando suas bandeiras particulares. Imaginemos o que seriam hoje as manifestações no Chile com um mar de bandeiras vermelhas! Imaginemos o caráter que assumiria a luta por uma Assembleia Constituinte se as grandes massas tivessem o socialismo como horizonte de sociedade! Não é necessário voltar ao passado da história humana para constatar que a negação da existência do partido político entrega de bandeja os levantamentos populares, tanto no Chile como nos outros lugares onde estão acontecendo, no sentido da desunião, desorientação e, portanto, ao fracasso total. Vejamos a França, onde a classe trabalhadora e seus aliados, simbolicamente vestidos com coletes amarelos, foram às ruas já faz mais de um ano, sem conquistas, mas tiveram em troca a perda de vidas humanas e mutilações corporais. O presidente Macron segue governando e aprofundando a exploração burguesa sobre a classe trabalhadora e intensificando as ações imperialistas do Estado Francês. E assim os coletes amarelos foram reconhecendo – pouco a pouco – a necessidade da participação política e de um partido político que aglutine e represente as demandas sociais do movimento. Lamentavelmente, os partidos políticos que estão se formando a partir do movimento abraçam as chamadas ideias “cidadãs” e colocam no centro da pauta não a mudança estrutural da sociedade, mas apenas a renúncia do presidente Macron, como se mudando a pessoa, fosse possível mudar também o feitio da casa em que ela mora. O momento histórico da França demanda mais do que ideias “cidadãs” e a renúncia de Macron. A falta de perspectiva do movimento de massas francês é, ao mesmo tempo, a falta de uma perspectiva de uma nova sociedade no interior desse movimento. Resumindo, sem partido político que tenha a perspectiva do socialismo, será como como tapar o sol com a peneira. Isto é válido para todos os lugares em que vêm ocorrendo os levantamentos populares. E no Chile? A boa notícia é que em nossa pátria existe esse partido da mudança social que aglutina a classe trabalhadora e seus aliados: a União Patriótica (UPA), que aceita todas as pessoas que queiram mudar o Chile e não somente um presidente, todas as que não querem mais ser enganadas por aqueles que apenas querem aproveitar o movimento social para retornar ao governo (os vestígios apodrecidos do que alguma vez foi a Concertación). E justamente o risco de que este retorno possa acontecer é produto da falta de coesão do levantamento popular no Chile. Quem mais senão a UPA poderia dar coesão ao movimento? A UPA é um órgão democrático, popular, socialista e amplo, cujo objetivo é um Chile socialista, industrializado, soberano, democrático, mais justo e com um mercado sob rígido controle social. A UPA deve estar presente, representando consequente e honestamente, os interesses populares, em todos os aspectos que incumbem à tarefa nacional. Temos que estar presentes nas ruas, temos que assumir a luta eleitoral. Tanto as ruas como as eleições são luta política, são luta de classe. Ambas caminham de mãos dadas. Em cada espaço temos que ir ganhando a batalha contra a grande burguesia nacional e imperialista. Como ferramenta política, a UPA estará presente no processo Constituinte, para neutralizar as tentativas da oligarquia (que tem em suas mãos o congresso, o governo, os ministérios, os municípios, a polícia e o exército, enfim, todo o Estado) de desvirtuar o processo Constituinte, de tal modo que o essencial (que é quem se apropria em maior ou menor grau da riqueza social – a classe trabalhadora e seus aliados ou a grande burguesia, incluindo a oligarquia) não

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sofra alterações em relação ao que vivemos hoje no Chile. Só uma potente luta nas ruas orientada politicamente é capaz de nos garantir uma Constituição democrática e popular. A função da UPA é dar essa orientação. Concentremos toda nossa força dispersa em um só punho! O processo Constituinte é pela luta nas ruas! Não vamos deixar que nos arrebatem o processo Constituinte! Convidamos todos a fazer uma UPA grande entre centenas de pessoas. Com um projeto político na mão, juntos vamos tomar o Chile das garras da oligarquia nacional e imperialista! Por um Chile para as grandes maiorias! Vamos refundar o Chile! O fim do “neoliberalismo” não significa o fim do capitalismo imperialista. E para aqueles que não se conformam com isso, há uma notícia ainda melhor: No Chile temos o partido comunista, que desde 1979 até o presente esteve, sem vacilar, junto à classe trabalhadora e os povos originários, sob a consequente direção política do ex-candidato à presidência, Eduardo Artés Brichetti: o Partido Comunista Chileno (Acción Proletaria). O PC(AP), consequente e permanentemente, tem rechaçado e denunciado as direções pelegas, oportunistas e vendidas da organização proletária, manifestando-se sempre a favor da luta em todas as suas formas e sabendo fazer a política adequada ao momento histórico. Nunca postulamos mais do que cada momento histórico pode dar, mas também nunca menos. Desde sua fundação, o PC (AP) lutou por uma Assembleia Constituinte. Levantamos esta bandeira, quando nenhum dos partidos governantes o fazia. Hoje, num oportunismo descarado, Chile Vamos, Nueva Mayoría, Frente Amplio, todos os partidos que emergiram da apodrecida Concertación (a assim chamada “oposição”) “aderem” ao chamado agora que veem as massas em levante reclamando em uníssono uma Assembleia Constituinte, uma Nova Constituição. Certamente esses partidos não aderem por “amor ao povo, por amor à classe trabalhadora”, mas o fazem em troca de algo, em troca de recuperar o governo, para poder se alimentar por mais alguns anos do “manancial de riqueza” que representa para eles o Estado. Como PC(AP), pensamos que é fundamental participar no processo Constituinte, mesmo na alternativa manipulada que o governo oferece com o aval da “oposição”, participar de forma coordenada, de forma preparada, para conseguir impor da melhor forma possível os pontos mais essenciais de interesse social para as grandes maiorias de nossa pátria. No entanto, dado que a burguesia, através de seus representantes políticos, tem o controle da situação, não devemos alimentar ilusões de que a constituição resultante desta “convenção constituinte” represente os interesses das grandes maiorias. Podemos conquistar avanços como classe trabalhadora, pequenos empresários, mapuches, intelectuais, mas a Constituição seguirá refletindo essencialmente os interesses da “apátrida” burguesia nacional e da burguesia imperialista. A constituição resultante do processo que começa neste ano vai estar longe de ter eliminado as contradições de classes. A luta por uma sociedade diferente, de caráter socialista, popular, democrático, governada para e pelas grandes massas da nação, continuará! Mas quanto mais conseguirmos neste processo, mais assentado estará o caminho para as lutas do futuro! O PC(AP) é parte integrante da UPA. O PC(AP) integra a UPA porque como comunistas sabemos que sozinhos não faremos as mudanças sociais. Ao longo da história da luta comunista, os comunistas nunca lutaram sozinhos... Se você quer não apenas um novo Chile mas um novo mundo, se quer uma sociedade livre de classes sociais, livre da exploração do ser humano pelo ser humano, em que aquele que trabalha é o que recebe os frutos de seu trabalho, se quer um mundo com crianças livres e felizes brincando a qualquer hora em qualquer rua, se quer um mundo com um ecossistema florescente, vivo e dinâmico, se quer um mundo extremamente tecnológico e a ciência ao serviço da humanidade, se quer um mundo em que cada ser humano seja trabalhador manual e intelectual ao mesmo tempo, se quer um mundo em que não haja desigualdade social entre homens e mulheres, entre etnias e entre as diferentes orientações sexuais, se você acredita que lutar com molotov é mais do que insuficiente e que é preciso drones, tanques, aviões e um exército vermelho, então te convidamos a engrossar massivamente as filas deste partido para ser parte da organização da revolução socialista. Os tempos atuais têm essa urgência! A decadência do capitalismo imperialista grita por uma alternativa social! O comunismo deve voltar a ser força política!


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O movimento no Chile tem a capacidade de desarticular o sistema em suas próprias estruturas? Como acabamos de ver, falta ao movimento no Chile fortalecer os dois partidos que de forma genuína buscam a mudança social: Unión Patriótica (UPA) e Partido Comunista Chileno (Acción Proletaria) – PC(AP). Quanto maior a debilidade de ambas organizações, tanto maior a debilidade do movimento. Urge engrossar as fileiras destas organizações. Mas ainda falta ao movimento seu segundo alicerce: a parte mais importante da sociedade não conforma seu eixo central: os centros de produção, isto é, o trabalhador organizado e mobilizado em seu local de trabalho. Enquanto isso não acontece, o movimento ficará imerso no movimento, logo não terá a capacidade de transformação social. É urgente a unidade entre o partido e os centros de produção, de modo que se possa coordenar a luta operária a nível nacional. Se os trabalhadores organizados nos centros produtivos paralisassem a produção e as vias de distribuição de mercadorias, de maneira coordenada, toda a economia nacional colapsaria. Enquanto a trabalhadora e o trabalhador não conquistem a mais férrea organização nos centros de produção, os donos do capital se sentirão incomodados mas não vão tremer e, pelo contrário, continuarão mantendo as coisas, ao menos as essenciais, tal como estão. E as Forças Armadas e da Ordem? Como comunistas também apelamos ao soldado e ao policial, que são filhos e filhas de trabalhadores, de mapuches, do pequeno comerciante e produtor, a tomar consciência de classe, a se posicionar do lado dos que produzem a riqueza social, do lado dos que estiveram neste território muito antes da chegada dos colonizadores, do lado dos que cumprem as funções comerciais para sobreviver e não para arrebanhar numerosas quantidades de riqueza, do lado dos intelectuais que aportam novos conhecimentos e os colocam a serviço da sociedade. A mudança social exige que a e o soldado e policial patriota, com consciência de classe, comece a se posicionar do lado das grandes maiorias. A melhoria de vida das grandes maiorias é a um só tempo a melhoria de vida do soldado e do policial. Nos últimos anos parece que um mecanismo escondido no universo, oculto entre galáxias e nuvens cósmicas, acelerou o tempo, aqui na nossa pequena terra. Para cada unidade de tempo, mais eventos vão ocorrendo. Torna-se quase impossível omitir um dia as notícias do mundo, arriscando ignorar um ou outro fato que poderia revolucionar a história humana contemporânea: Imperialismo está morrendo, portanto, mais perigoso O risco de uma terceira guerra mundial Quando foi que o imperialismo iniciou a atual ofensiva contra povos soberanos? O Imperialismo, com o fim do Pacto de Varsóvia, quando a União Soviética foi liquidada em 1º de julho de 1991, sabendo que era vencedor do primeiro confronto contra o socialismo, e certo de que o fim do pacto significava ao mesmo tempo o fim de um poderoso contrapeso político aos seus esforços para se apreender as fontes das matérias-primas, a fim de dominar as rotas de transporte e encontrar mão-de-obra barata no exterior para a exploração do trabalho, abre eufórica e sedentamente o caminho para aquele mundo que durante décadas esteve livre de sua hegemonia (Europa Oriental), para ali colocar seu capital imperialista para que possa se valorizar a taxas espetaculares. Sua forma de abrir caminho tem sido caracterizada por duas formas: a pressão econômica e a persuasão política, tanto diplomática quanto militar (esta última forma sendo realizada essencialmente, embora não exclusivamente, pela Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN). A primeira ação militar do imperialismo através da OTAN, depois de 1991, foi na Iugoslávia. Depois que as nações líderes da OTAN criaram uma discórdia entre os povos da Iugoslávia, e a OTAN acabou intervindo militarmente, uma vez que possuía a legitimação e a cooperação da Organização das Nações Unidas (em 1992 na forma da Força de Proteção das Nações Unidas - UNPROFOR), a Iugoslávia - após um brutal bombardeio que durou 78 dias (de 24 de

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março a 11 de junho de 1999) - deixaram de existir como Estado (no mesmo ano de 1999). Naquela época era evidente para o mundo que a OTAN, liderada pelos EUA, o principal órgão de guerra do imperialismo (embora, como veremos mais adiante, não o único), iniciasse sua ofensiva belicista para conquistar as riquezas naturais do mundo. A bênção de um país ser rico em fontes de matérias-primas é, ao mesmo tempo, a sua condenação. Quanto mais riquezas uma nação tem, mais cobiça ela provoca na oligarquia imperialista. A OTAN, depois de despedaçar a Iugoslávia em 6 (7) países e subjugar a maioria dos países restantes da Europa Oriental (com exceção de Belarus, Rússia e Sérvia - esta última sobreviveu como o único fragmento de soberania do que era a antiga Iugoslávia) por meio da chantagem financeira, colocou seu olhar ganancioso sobre o Oriente Médio. Ali se unem os três interesses essenciais que uma nação imperialista tem no exterior: vastas quantidades de matérias-primas, as principais rotas de transporte internacional (ligando Oriente e Ocidente), e abundante quantidade de mão-de-obra barata. É por isso que a OTAN – como ligando peças num jogo de dominó - interveio no Afeganistão (2010 até hoje), no Iraque (1991, 2003), na Líbia (2010 até hoje), na Síria (2011 até hoje); e menos diretamente no Mali (2013 até hoje), no Iêmen (2015 até hoje), no Sudão (2013) e na Ucrânia (2014 até hoje). Em meio à provocação de guerras, intervenções e golpes de Estado, a autodenominada “aliança de defesa” (OTAN) se move. O imperialismo é invencível? Praticamente nenhum país listado na seção anterior conseguiu enfrentar seriamente a OTAN, do ponto de vista militar, exceto a Síria, que na história recente teve o monumental mérito histórico de desacelerar seu avanço. A Síria ainda não restaurou integralmente seu território. Seu governo anunciou: o Estado da Síria não será intimidado pelas bases militares americanas, ilegitimamente instaladas em seu território. As unidades militares americanas, ocupando a Síria, hoje saqueando petróleo sírio (no valor de aproximadamente 30 milhões de dólares por mês), serão confrontadas pelo Exército Árabe Sírio num futuro não muito distante. Os Estados Unidos, assim como a França, terão que, forçados pelo Exército Árabe Sírio, mais cedo ou mais tarde, retirar todas as suas tropas do país. Também estamos confiantes que a Síria recuperará sua soberania sobre os Montes Golan (hoje ocupados pelo Estado sionista de Israel, com a aprovação dos Estados Unidos). No entanto, a derrota da OTAN na Síria hoje é um fato consumado. A luta da Síria tem sido épica e sua vitória anuncia uma nova era: com determinação, com o apoio de outros povos, é possível romper a mão do imperialismo. A Síria deu uma lição histórica: que o imperialismo, apesar de seu enorme potencial militar, pode ser derrotado. Desde 2011, graças à Síria, o imperialismo, tendo os Estados Unidos como epicentro, não é mais capaz de impor sua vontade na cena internacional sem atritos, ou seja, de agir à vontade no mundo. A Síria não é o único revés sofrido pelas nações líderes da OTAN, embora seja o único verdadeiro revés de natureza militar. A Venezuela também mostrou mais capacidade do que o esperado para enfrentar o imperialismo. A abertura do ano de 2019 parecia marcada pelo derrubada do governo legítimo da Venezuela - liderado pelo presidente Nicolás Maduro -, por meio de um golpe de Estado meticulosamente planejado pelo Pentágono. Nós comunistas, porém, ao contrário da imprensa burguesa, liberal ou conservadora, e mesmo falas que emanam de pessoas supostamente “esquerdistas”, dissemos que o processo bolivariano sobreviveria à agressão direta e sairia fortalecido. Hoje, observa-se como o processo bolivariano na Venezuela está avançando na solidificação interna (a Milícia Nacional Bolivariana conta hoje com mais de 3,5 milhões de membros, as Forças Armadas e a polícia mostraram total lealdade ao processo, os 3 milhões de unidades habitacionais foram entregues em dezembro, o poder militar da Venezuela aumentou prodigiosamente, laços econômicos e militares sólidos foram estabelecidos com nações aliadas...) e este ano certamente verá os primeiros sinais de recuperação econômica, apesar do brutal bloqueio econômico e de uma possível recessão global, há muito anunciada e aos poucos se aproximando para sacudir a economia internacional (incluindo aqueles que estão no coração


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dela: os Estados Unidos, o Reino Unido, o Japão e a União Européia). O ano de 2019 teve o menor crescimento em uma década. No próximo ano, as estimativas das Nações Unidas apontam para um crescimento médio mundial de apenas 2,5%. Mas o mais importante: segundo a mesma ONU, um em cada cinco países sofrerá uma redução na renda per capita, o que significa não mais do que um aumento da pressão sobre os salários em todo o mundo, para que o dono do capital possa manter - mais ou menos estável - a taxa de lucro. Apesar de nossa confiança no processo bolivariano e nossa convicção de sua justiça, esperamos que a liderança política do processo bolivariano tenha aprendido a lição: “Uma revolução não pode ser feita com luvas de seda” (Joseph Stalin). A lacaia e antinacional burguesia nacional e o imperialismo continuarão endurecendo suas ações contra o processo bolivariano. Esperamos que o processo bolivariano seja capaz de dar respostas fortes e que não permita que, ao final do percurso, o imperialismo e seus lacaios nacionais alcancem seu objetivo. É do interesse de todos os povos da América Latina e do Caribe que enveredaram pelo caminho da soberania nacional e da justiça social, e sem dúvida dos outros países do planeta que estão no mesmo caminho, que o processo bolivariano seja solidificado politicamente e fortalecido militarmente (de todas as formas possíveis)! Os fatos nos provaram que tínhamos razão. Hoje, no início do ano 2020, a reação golpista, fascista e lacaia do imperialismo está sendo devorada por corrupções, lutas internas de poder e alianças com os paramilitares do narcotráfico. A imprensa imperialista teve que admitir que havia se equivocado ao supor que o presidente Maduro estava numa posição de absoluta fraqueza política e social. Pelo contrário, como esta mesma imprensa reconhece no presente, o presidente Nicolás Maduro se fortaleceu. Como se derrota o imperialismo? Embora a Síria e a Venezuela sejam dois países muito diferentes, tanto em sua localização territorial quanto em sua história e cultura, e estejam vivendo em circunstâncias muito diferentes atualmente, eles estão unidos pelo fato de se manterem em pé contra a mão dura do imperialismo. Suas lutas partilham aspectos importantes, que constituem uma lição para o resto dos povos do mundo que buscam sua soberania nacional. O futuro próximo verá mais e mais povos, em todas as latitudes do mundo, levantarem-se contra o imperialismo - inclusive o Chile -. Portanto, é relevante aprender com as experiências da Síria e da Venezuela (entre outras): A luta dessas duas nações é caracterizada por povos determinados a não perder sua soberania, por uma orientação política correta, encarnada em presidentes patrióticos leais a seus povos, como os presidentes Dr. Bashar Al-Assad e Nicolas Maduro, que não abandonam seus postos, e pela existência de um Exército corajoso e patriótico. Mas há outro fator importante. Os dois países não lutam sozinhos. Eles são apoiados por outros estados, grupos políticos, etc. Em suma, com um povo determinado, com uma direção correta, com um exército leal e o apoio de outras nações, é possível enfrentar o imperialismo. Existe mais algum contratempo sofrido pelo imperialismo? Apesar das tentativas imperialistas de desestabilizar a República Islâmica do Irã internamente, e apesar das sanções econômicas, violações unilaterais de acordos assinados, sequestro de navios iranianos no Estreito de Gibraltar, mentiras abertas espalhadas pela mídia, etc., as nações organizadas na OTAN não alcançaram seu objetivo: isolar o Irã e disseminar, entre sua população, um descontentamento tal que os faça se rebelar contra seu governo. Desde que não tiveram sucesso, as nações líderes da OTAN têm intensificado, passo a passo, suas ações contra esta República. Em um ato de incrível arrogância, os Estados Unidos assassinaram o general iraniano e comandante da Força Quds, Qassem Soleimani, um herói na luta contra o terrorismo e um pilar fundamental no avanço da Síria para a vitória. De tal assassinato há apenas uma mensagem que pode ser lida: uma declaração de guerra dos Estados Unidos contra a República Islâmica do Irã. Mas, por mais perigosa que a situação seja hoje, desta vez também não haverá a tão desejada guerra contra o Irã, devido à oligarquia financeira dos EUA. A força demonstrada pelo

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povo daquele país, que apoia profundamente seu Estado, tem sido a principal razão pela qual os EUA decidiram - por enquanto - não se mover tão rapidamente em direção a um confronto aberto. Mas também, a reação contundente e direta do próprio estado do Irã fez com que, desta vez, os Estados Unidos hesitassem. Queremos que o Irã fortaleça, assim como a Venezuela, todas as veias possíveis de seu poder militar, pois só assim pode garantir a si e, portanto, ao mundo, a paz. Podemos ter certeza de que não haverá guerra? Que desta vez uma guerra aberta não seja desencadeada, não é uma razão para se sentir calmo. O que nós, como Partido Comunista Chileno (Ação Proletária), temos advertido há mais de uma década, a terceira guerra mundial, que naqueles anos ainda parecia uma sombra pouco visível, está hoje tomando forma, rosto e fala. Em essência, todas as guerras imperialistas contra nações, de uma forma ou de outra, aliadas da Rússia e da China, são igualmente (claro que não exclusivamente) guerras contra essas nações. O que essencialmente tem detido o avanço beligerante do imperialismo não é apenas a força de nações como a RPDC, Síria e Irã, mas também a força econômica da China e a força militar da Rússia, nações que, ao mesmo tempo em que compõem suas contrapartidas mais poderosas, são seu objetivo final de guerra. Isto significa, na prática, a tentativa de isolar politicamente a Rússia e a China do resto dos países do mundo e, se possível, até romper as alianças econômicas e militares entre as duas nações, e destruir ou pelo menos enfraquecer aqueles Estados que de uma forma ou de outra são seus aliados, começando pelos mais fracos e depois direcionando seus esforços para os mais poderosos. Recordemos aqui as palavras premonitórias que Wesley Kanne Clark, general aposentado do Exército dos Estados Unidos, comandante supremo da OTAN durante a Guerra Kosovo-Yugoslávia, onde liderou o bombardeio daquela nação pela OTAN, disse em março de 2007 numa entrevista para o “Democray Now”: “Cerca de 10 dias após o 11 de setembro [2001] fui ao Pentágono e vi o Secretário Rumsfeld e o Segundo Secretário Wolfowitz. [...] Um dos generais apareceu. […] Eu lhe perguntei: ainda vamos entrar em guerra com o Iraque? E ele disse: “É pior do que isso”. Ele pegou um pedaço de papel de sua mesa e disse: “Acabei de receber isto do topo do escritório do Secretário da Defesa. Este é um memorando que descreve como vamos aniquilar sete países em cinco anos. Começando pelo Iraque, depois Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e terminando no Irã”. Desde 2007, embora (graças à Síria) não nos 5 anos indicados, dos países enumerados na citação, os Estados Unidos têm intervido militarmente, nem sempre em conjunto com a OTAN, na Síria, Líbia, Somália e Sudão. É apenas uma questão de tempo até que seja “a vez” das outras três nações mencionadas pelo Sr. Clark. Levar também em conta que em dezembro do ano passado foi aprovado esmagadoramente pelo Congresso dos Estados Unidos a “Autorização de Defesa Nacional 2020”. Tanto democratas quanto republicanos votaram a favor. O renomado analista Francisco Javier Martinez disse sobre a “Autorização de Defesa Nacional 2020” na RT que “é um golpe do Pentágono para o governo Trump tomar medidas militares e guerras intermináveis a partir de 2020”. As palavras dele são alarmantes. E se ao exposto acrescenta-se que uma das principais razões pelas quais o Reino Unido está deixando a União Européia é a regulamentação da União que limita seu desejo de aumentar sua presença militar no mundo, é de se esperar que, juntamente com o provável início de uma crise econômica global, o ano 2020 seja marcado por uma aceleração da escalada militar dos Estados Unidos e seus aliados ao redor do planeta. Quais seriam as implicações de uma guerra contra a República Islâmica do Irã para o mundo? Para entender a relevância que o Irã tem na política internacional, vejamos primeiro o caso da Bolívia, pois é um exemplo de um país aliado da Rússia e da China com capacidade (infelizmente) insuficiente para enfrentar o imperialismo: o processo liderado pelo honorável presidente Evo Morales, eleito em 2006, incluiu um equívoco. Na confiança do processo que


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ele estava liderando, digamos, ingenuamente, na “democracia”, foi cometido o erro de não limpar o exército de elementos de natureza fascista e antipatriótica, que mesmo no próprio dia em que o presidente Morales foi destituído do cargo, gabavam-se de terem sido eles - com grande orgulho, é claro - que assassinaram o comandante Ernesto Che Guevara. No entanto, estamos convencidos de que não existem condições materiais para que uma ditadura fascista seja imposta na Bolívia. O povo, em sua maioria (+60%) nativo, saberá como pôr fim ao golpe de estado... Para o próximo o processo terá de garantir a lealdade do exército e preparar milícias populares! O golpe de Estado na Bolívia deveu-se às nacionalizações de recursos naturais realizadas por Evo Morales durante seu governo, que afetaram diretamente os interesses da oligarquia imperialista e do lacaio burguês nacional, e às quantidades monumentais de lítio que a nação possui (diz-se que a Bolívia possui as maiores reservas conhecidas de lítio do mundo). Como mencionado acima, a benção de grandes quantidades de matérias-primas significa ao mesmo tempo a desgraça das nações, que as possuem, que procuram ser soberanas. Pouco antes do golpe, a Bolívia e a China assinaram um acordo comercial de exploração do lítio. Mas os Estados Unidos e a União Européia têm interesses crescentes no lítio, entre outras razões, porque suas economias, com cadeias produtivas altamente dependentes do abastecimento de petróleo, estão buscando alternativas a ele (petróleo). Foi assim que o imperialismo tomou a decisão de intervir indiretamente na Bolívia, comprando oficiais de alta patente do exército boliviano. Dado que o governo de Evo Morales não se dedicou a criar uma capacidade militar nas mãos do povo, não houve a necessidade - da parte das nações imperialistas - de intervenção militar direta. Isso não significa, de forma alguma, que essa forma de intervenção seja, para a população que a recebe, mais humana do que a direta. Representa apenas custos mais baixos para os países imperialistas. As mortes das pessoas e a deterioração do seu padrão de vida são as mesmas. O derrube do presidente progressista, democrático e original fez com que o imperialismo, num piscar de olhos - em 14 anos -, conseguisse impor, pelo menos provisoriamente, seus objetivos na Bolívia e, com isso, se fortalecesse na região. O povo da Bolívia perdeu todas as suas conquistas. O imperialismo, por sua vez, ganha plenamente e pode continuar seu curso. Outro é o caso do Irã. O Irã é um país com grande força interna (apesar do atual presidente Rohani ter promovido uma reestruturação “neoliberal” da economia nacional), portanto não pode ser facilmente desestabilizado a partir de dentro, como foi o caso da Bolívia, e tem capacidade militar independente suficiente para dar uma resposta sólida a uma agressão militar dos Estados Unidos e seus aliados. Desde 1979 (40 anos) os Estados Unidos vêm tentando, sem sucesso, derrubar a República Islâmica do Irã. A força do Irã se baseia na forma como ele assumiu o poder político nos primeiros dias do processo: derrubando o antigo regime do Xá (o lacaio americano) com as armas e o apoio retumbante do povo. Se em 40 anos os EUA não conseguiram derrubar a República Islâmica do Irã de dentro para fora, sua verdadeira e única opção, e ele sabe disso, é fazê-lo de fora, através da guerra. Os Estados Unidos não só entendem isso, mas também sabem muito bem o risco que isso acarretaria: Em um efeito dominó, envolveria Iraque (do lado iraniano), Líbano (do lado iraniano), Israel (do lado americano), Arábia Saudita e as outras monarquias do Golfo (do lado americano), Síria (do lado iraniano), Turquia (de que lado, ainda não é claro prever, mas o presente sugere que será do lado americano), as outras nações líderes da OTAN, Reino Unido, França e Alemanha (do lado dos EUA) e com elas as outras nações membros da OTAN e, naturalmente, Rússia e China (do lado iraniano), para que o cenário de guerra não fosse mais exclusivamente o Oriente Médio, mas se catapultasse para a Europa e Ásia: As tropas da OTAN localizadas desde o Mar Báltico até o Mar Negro começariam suas ações bélicas contra a Rússia, e as que hoje cercam a China no Mar do Sul da China e seus arredores, por sua vez, as suas contra ela. O Oriente Médio, a Ásia, a Europa como um todo, seria mergulhada na guerra. Os continentes da África, América Latina e Caribe também seriam sugados para o redemoinho da guerra, simplesmente porque são áreas ocupadas militarmente pela OTAN. O mundo inteiro seria afogado numa guerra feita apenas no interesse dos donos do ca-

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pital financeiro, ou seja, das oligarquias financeiras das nações imperialistas e das oligarquias lacaios, aliadas da OTAN. De uma guerra dos Estados Unidos contra o Irã, nascerá a terceira guerra mundial, sem dúvida de natureza nuclear e com armas de destruição em massa de inimagináveis capacidades devastadoras. Não se deve perder de vista: mais de 90% das armas nucleares são possuídas pelos Estados Unidos e pela Rússia (oficialmente mais de 7.000 cada). Uma guerra envolvendo os Estados Unidos e a Rússia em confronto direto pode até significar o fim da civilização humana. Como os EUA conhecem muito bem a importância do Irã na política internacional, justamente por causa de seu poderio militar, eles se retiraram repetidamente do lançamento de sua guerra contra ele. É por isso que essa República existe até hoje, tal como nasceu: soberana e anti-imperialista. Nada é mais verdadeiro do que as palavras do líder da Revolução Islâmica do Irã, Ayatollah Ali Khameinei: “Eles também temem [referindo-se aos inimigos do Irã] nossos mísseis, mas temem mais o apoio do povo para o sistema”. (13.02.2020) Do exposto acima tiramos uma lição: se uma nação quer permanecer livre, soberana e anti-imperialista, ela deve ter um poder militar maravilhoso. Mas... -Dizem que já estamos em uma guerra? Note aqui o absurdo da crença de que o presente já estaria afundado em uma terceira guerra mundial - “do novo tipo”, como os defensores desse absurdo costumam chamar. Nada é mais incongruente e errado do que esta ideia. O presente é o frágil prelúdio de uma guerra em grande escala internacional, o “galo” que o imperialismo faz contra nações soberanas e as últimas mostrando resistência e força diante das primeiras ou simplesmente sucumbindo. Uma guerra mundial do futuro, que se torna cada dia mais clara no horizonte, verá voar, como um bando de aves no céu, um armamento nuclear e de hidrogênio muito mais poderoso que aquelas bombas nucleares lançadas no Japão pelos Estados Unidos em 1945. Essa guerra resultaria na morte, não de centenas de milhares, não de bilhões, mas de bilhões de seres humanos, homens, mulheres, idosos e crianças. Catapultaria grandes partes da humanidade de volta à idade da pedra e destruiria vastas partes do nosso ecossistema, em outras palavras, uma terceira guerra mundial significaria um cataclismo total. Isso não deve acontecer! É por isso que nós comunistas nos declaramos amigos do povo do planeta. fazer frente ao imperialismo, pois somos amantes da paz. Somente o fortalecimento das nações soberanas conseguirá deter a guerra há muito planejada do imperialismo. O povo da Síria, com seu sangue, conseguiu deter o avanço beligerante da OTAN por 8 anos, para o bem de todos nós. Se não fosse por eles, por sua luta heroica, o quadro que acabamos de descrever teria avançado por 8 anos! Cada vitória do povo contra os centros do imperialismo é uma vitória da parte da humanidade que quer a paz! A Rússia e a China teriam capacidade suficiente para responder a uma guerra de agressão da OTAN? Enquanto a Rússia e a China mostrarem capacidade suficiente para responder ao “ataque nuclear preventivo” (como a OTAN chamou sua estratégia militar contra a Rússia e a China), as nações centrais do imperialismo não lançarão sua guerra direta contra elas e continuarão seus esforços para enfraquecer essas duas nações a partir de dentro. Por exemplo, hoje eles estão buscando balcanizar a China em quatro regiões: Xingjang, Tibete, Taiwan e Hong Kong. Os movimentos em Hong Kong, aclamados pela imprensa burguesa como lutas pela “democracia” e “liberdade”, são na verdade reacionários, diretamente controlados a partir dos Estados Unidos. Os supostamente oprimidos Uighurs em Xingjang não são oprimidos nem em sua maioria querem a independência da China, mas o Ocidente está constantemente tentando promover grupos próximos aos Daesh (estados islâmicos), instrumentalizando o fato de que a maioria de sua população é sunita muçulmana. O imperialismo é descaradamente ousado de intervir em todos os lugares. Como podemos


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ver, não tem medo de fazê-lo em países que são potências atômicas como a China (a China tem aproximadamente 270 ogivas nucleares), pois sabe muito bem que nenhuma nação não-imperialista tem o menor interesse em uma guerra. Com a China e a Rússia balcanizadas, a guerra contra as duas nações seria mais fácil - pelo menos é assim que o imperialismo vê as coisas. Mas o poder militar da Rússia e da China (e outros como o Irã e a RPDC) está impedindo o avanço da OTAN, e até que veja uma clara possibilidade de vitória total e total, ela se afastará de seu objetivo final - uma guerra de extermínio total. Assim, China e Rússia, embora militarmente distantes das nações da OTAN (e isto considerando seu poder nuclear), têm hoje a capacidade de responder militarmente em grande escala e com poder monumental. O imperialismo tem contradições? As contradições internas do imperialismo. O imperialismo se corrói. Por um lado, seu capital financeiro, o motor econômico do imperialismo, que grita incessantemente por mais e mais mercado, e os gastos militares que abrem espaço nele, são, ao mesmo tempo, as razões de sua própria crise. Sem capital financeiro, o imperialismo não seria. Sem poder militar também. Um anda de mãos dadas com o outro. A primeira é a base das economias imperialistas, a segunda é a sua proteção. Mas quanto maior o capital financeiro, mais mercado ele precisa para continuar se alimentando; mais poder militar ele precisa. A incapacidade de deter o declínio gradual da taxa de lucro com a ajuda dos mercados internacionais, agora completamente liberalizados, a necessidade de acessar fontes de matérias-primas a uma velocidade cada vez maior para alimentar as cadeias produtivas cada vez mais complexas, e o crescente e incessante gasto militar que acompanha este processo, ameaça afogar o imperialismo a partir de dentro. Sua salvação são as economias da China e da Rússia, nações com enormes quantidades de mão-de-obra e fontes de matéria-prima. Subjugar ambas as nações sob sua hegemonia daria ao imperialismo 50, talvez 150, anos de espaço para respirar. Mas assim como o imperialismo está avançando em sua cruzada final para se salvar do colapso total por algumas décadas, o mesmo acontece com as economias do resto do mundo. A China, com Xi Jinping, lançou a iniciativa “One Belt one Road”, mais conhecida como “The Silk Road”. Essa iniciativa talvez seja a única forma econômica de evitar a guerra mundial, ao mesmo tempo em que indica que o peso da economia mundial está se deslocando do Ocidente para o Oriente, o que é uma boa notícia, no atual quadro político internacional, pois nenhuma das nações daquela região possui capital financeiro e, portanto, não é imperialista. A Rota da Seda é, portanto, uma iniciativa muito importante para o mundo não-imperialista, para quebrar a hegemonia dos países imperialistas sobre as rotas de transporte e seu desejo de promover a industrialização das nações participantes. Os acordos estabelecidos em torno de alianças econômicas com a China, exigem investimentos no setor produtivo e não no setor especulativo ou bancário. As nações envolvidas nesta iniciativa devem necessariamente promover sua própria indústria. Desde que a África aproximou sua economia da China, houve progressos na industrialização de proporções notáveis e a corrupção estatal foi reduzida, dado o controle apertado que a China exerce. A partir do PC(AP), saudamos a iniciativa da Rota da Seda. Contradições inter-imperialistas: Contradições também são visíveis entre as nações imperialistas. O Reino Unido, o lacaio absoluto dos Estados Unidos, deixou a União Européia em janeiro (31 de janeiro de 2020). A França e a Alemanha continuarão sendo seus únicos líderes. Com a saída do Reino Unido, haverá um agente muito poderoso, que poderá atuar em toda a Europa, econômica e politicamente a favor dos interesses americanos, sem que o resto dos países possa avaliar se tais e tais decisões políticas e econômicas tomadas pelo Reino Unido estão ou não de acordo com os interesses das demais nações membros da União Européia (especialmente Alemanha e França). Em outras palavras, os EUA vão desfrutar de um poderoso cavalo de Tróia na região. Dadas as contradições (ainda pouco evidentes) entre os interesses da França e da Alemanha, por um lado, e os dos Estados Unidos e do Reino Unido, por outro, é que a União Européia, liderada pela primeira, busca levantar seu próprio projeto militar, a Cooperação Estrutu-

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rada Permanente (PESCO). A União Européia está lutando pela independência da hegemonia americana para exercer uma política externa menos, ou simplesmente não, que seja álibi dos Estados Unidos, mas de acordo com os interesses de seu próprio capital financeiro poderoso. Recapitulando, a União Européia é imperialista, mas ao mesmo tempo é a lacaia dos Estados Unidos, ou seja, os Estados Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial, vem se elevando como a nação imperialista por excelência, exercendo, mesmo sobre os demais países imperialistas, forte domínio militar e consequentemente político. Na verdade, a União Européia e o Japão estão atualmente sob ocupação militar pelos Estados Unidos. É exatamente por isso que o PESCO ainda está subordinado à OTAN, mas por quanto tempo? Há sinais (ainda não claros) de que o PESCO pode procurar manter-se, mesmo num futuro próximo, como um projeto independente dele, mesmo que seja de se esperar que, sendo ou não um projeto absolutamente independente da OTAN, ele atuará em todos os pontos de interesse comum em unidade com ela. Então, independentemente das contradições entre a União Européia e os Estados Unidos e o Reino Unido, o que sem dúvida trabalharão em unidade, e para o qual a PESCO não representará nenhum enfraquecimento dos centros do imperialismo no sentido militar, estará em ação contra os povos soberanos da terra. Se os interesses não se sobrepuserem, pode haver atrito (o quão forte isto seria depende principalmente do grau em que a União Européia conseguir o desenvolvimento de uma potência militar independente dos Estados Unidos).

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Talvez a questão mais problemática na tentativa da União Européia de buscar a emancipação militar seja que vários de seus países membros têm atualmente bases militares americanas em seus territórios, como parte do pacto da OTAN, que certamente não tentarão fechar. Eles ficariam ali - abertamente - e não, como acontece hoje, de forma oculta, como forças ocupantes. PESCO, portanto, significará apenas um aumento no belicismo do imperialismo como um todo. Este ano, quando se comemora o 75º aniversário da vitória do Exército Vermelho sobre a Alemanha fascista, escarnecendo assim sem vergonha da memória histórica, e com base numa aceleração das despesas militares (marcadamente desde 2018) dos países membros da OTAN, esta celebrará em Abril e Maio - na Europa - os maiores exercícios militares dos últimos 25 anos, “Defender Europa-20”, realizados num total de de 10 países do continente, que incluirá a Força Aérea Americana e a Infantaria da Marinha e custará cerca de US$340 milhões. Segundo a EUCOM, Washington destacará 20.000 soldados para a Europa para estes exercícios. O Defender Europa-20 envolverá um total de 37.000 soldados (incluindo os 20.000 americanos, ou 54% (!) dos soldados que participarão destes exercícios serão americanos). Escusado será dizer que a essência da Defender Europa-20 é a sua orientação anti-russa. Seus exercícios se concentrarão em simulações de guerra contra aquele país. O imperialismo está morrendo, mas isso o torna mais perigoso...

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UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA

A União Reconstrução Comunista (URC) visa ser um polo aglutinador de todos os militantes revolucionários e ativistas descontentes com os rumos tomados pelo movimento comunista em nosso país, destruído e corroído pelo revisionismo e oportunismos de direita e esquerda. Após longos estudos e debates e um ano da fundação do Coletivo Bandeira Vermelha, conquistamos, enfim a base da unidade orgânica que deve nortear nossa prática: a unidade ideológica na teoria do proletariado desenvolvida por Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao; a luta pela refundação do Partido Comunista com base na teoria revolucionária do proletariado; a necessidade de se levar a cabo a Revolução Proletária dentro das condições concretas de nosso país.

www.uniaoreconstrucaocomunista.org


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