NOVA CULTURA #11

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Revista de Cultura e Teoria Politica

Os 200 anos de Karl Marx

“As próximas eleições, o Golpe de Estado e as tarefas da Reconstrução do Partido Comunista” “Sobre o Movimento Estudantil Brasileiro”


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SUMÁRIO EDITORIAL “As próximas eleições, o Golpe de Estado e as tarefas da Reconstrução do Partido Comunista” página 03 “Os 200 anos de Karl Marx” página 18 “Sobre a Situação Internacional Atual” página 28 “Sobre o Movimento Estudantil Brasileiro” página 40 “O Assentamento e sua função no processo Revolucionário” página 44

NOVA CULTURA Nº 11 - MAIO/2018 Revista teórica eletrônica, uma publicação da União Reconstrução Comunista (URC). Colaboradores: Ícaro Alves, Gabriel Martinez, Cássio Lima Alexandre Rosendo, Lucas Medina, Gabriel Duccini, Rodrigo Ortega, Igor Diaz, Guilherme Nogueira, Fúvia Fernandes, Elaine Calça

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EDITORIAL: “As próximas eleições, o Golpe de Estado e as tarefas da Reconstrução do Partido Comunista”

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E P L O G O , ES Õ Ç I ELE AS M I X DA Ó R AS P F AS ARE T AS A E T O S I N AD U T M O C DE ES O D I T AR P O D O Ã Ç U R T RECONS Vivemos um ponto de inflexão na história. O capitalismo, uma vez mais, revela sua face mais monstruosa contra as classes trabalhadoras e os povos oprimidos de todo o mundo. A aparente solidez de todo um sistema reestruturado a partir das vitórias da contrarrevolução mundial desmancha no ar diante dos olhos de todos. O “fim da história”, apregoado por certos ideólogos burgueses, não chegou. A grande crise capitalista que estourou em 2007-2008 e suas consequencias escancaram novos sinais da decadência ideológica da burguesia e esgotamento histórico de seu modo de produção. A tendência irreversível às quedas nas taxas de lucro e às crises de superprodução impelem as forças imperialistas e seus aliados aos ataques mais brutais contra as massas trabalhadoras de todo o globo, que também são postas em movimento, acumulando força e experiência para passar da resistência ao ataque frontal contra todo este sistema de exploração. Assim, vivemos nos dias de hoje um impasse profundo no capitalismo monopolista mundial, que nos coloca diante de novas perspectivas para as lutas de classes e da urgência da reconstrução de um grandioso movimento anti-imperialista e comunista internacional.


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INTRODUÇÃO No Brasil, para executarmos devidamente a parte que nos cabe nesta tarefa, conforme exposto em diversas ocasiões pela nossa organização, devemos antes de tudo reconstruir um Partido Comunista em nosso país, guiado pelo Marxismo-Leninismo-Pensamento Mao Tsé-tung e que se consolide como dirigente inconteste da legítima revolta das massas trabalhadoras, atualmente “dirigidas” por elementos confusos ou por oportunistas de toda ordem. Este Partido deverá ter como seu objetivo primário e norte estratégico a Revolução Democrática Popular ininterrupta ao socialismo. Para realizar este objetivo, ele deverá contar com uma força capaz de defender os interesses das massas sob quaisquer circunstâncias, além de uma sólida unidade nacional, baseada na aliança operário-camponesa, mas que também congregue em uma frente ampla todos os setores anti-imperialistas e nacionalistas dispostos a empreender esta luta. Entretanto, para reconstruir este Partido, devemos seguir as indicações de Lenin e “observar com serenidade o estado real de consciência e de preparo de toda a classe (...)” [LENIN, 1920, s/p], afim de aproximar os elementos mais avançados e auxiliar os mais atrasados. Para tanto, devemos realizar um exaustivo trabalho de agitação e propaganda, visando conscientizar o proletariado para que desempenhe seu papel histórico de classe dirigente na construção de uma nova sociedade, tendo como instrumento fundamental desta construção seu Partido revolucionário. Esta classe e seu Partido deverão ser capazes de aplicar o método materialista dialético para compreender todos os aspectos da realidade nacional e deste modo aglutinar e dirigir a revolta de todas as classes populares de nosso país. É novamente Lênin quem nos esclarece sobre isso: “A consciência da classe operária não pode ser uma consciência política verdadeira se os operários não estiverem habituados a reagir contra todo abuso, toda manifestação de arbitrariedade, de opressão e de violência, quaisquer que sejam as classes atingidas (...) A consciência das massas operárias não pode ser uma consciência de classe verdadeira se os operários não aprenderem a aproveitar os fatos e os acontecimentos políticos concretos e de grande atualidade (...) se não aprenderem a aplicar praticamente a análise e o critério materialista a todas as formas da atividade e da vida de todas as classes, categorias e grupos de população.” [LENIN, 1902, s/p]. Assim, para avançarmos hoje na tarefa de reconstrução do Partido revolucionário do proletariado em nosso país, devemos ser capazes de oferecer uma leitura correta a partir da ideologia e ciência do proletariado, o Marxismo-Leninismo-Pensamento Mao Tsé-Tung, acerca dos principais fatos políticos que abalam todo nosso país. Isso envolve uma leitura sistemática do Golpe de Estado que vivemos desde o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e contra o qual nossa organização se opôs firmemente e fez ampla denúncia deste o início. Assim, no presente editorial devemos expor como as lutas de classes e o desenvolvimento contraditório do capitalismo em nível mundial redundou, no caso particular brasileiro, no presente Golpe de Estado; quais são exatamente as classes e frações de classes que estão engajadas e quais estão sendo atacadas por este golpe; qual é o seu conteúdo programático e quais são as melhores perspectivas de resistência das classes trabalhadoras e as tarefas dos comunistas no atual cenário, incluindo as que envolvem as eleições que se aproximam. 1. AS CONDIÇÕES CONCRETAS EM QUE SE ASSENTA O GOLPE DE ESTADO: A CRISE SISTÊMICA DO CAPITALISMO MUNDIAL O capitalismo, já nos afirmava Marx, é um sistema produtor de crises. Estas crises são cíclicas, portanto, acontecem necessariamente de tempos em tempos, sempre antecedendo períodos de grandiosa expansão do capital. Porém, também de acordo com o fundador do materialismo dialético, tudo comporta o seu contrário, tudo é eminentemente contraditório. Assim, o capitalismo, como não poderia deixar de ser, também é um sistema composto por contradições. Seus períodos de expansão – que representam seus períodos áureos, celebrados e enaltecidos pelos ideólogos burgueses de todo o tipo, como jornalistas, economistas, filósofos, etc. – sempre estão relacionados com o avanço da barbárie sobre o conjunto da população, que atinge especialmente as classes trabalhadoras de todo o mundo. Deste modo, desde a acumulação primitiva de capital nos primeiros países capitalistas europeus, que se iniciou a partir do século XV, até os períodos posteriores de expansão deste modo de produção em todo o mundo, todos sempre foram acompanhados de guerras, epidemias, penúria, desastres ambientais, expropriações, chacinas e fome;


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comprovando seu caráter eminentemente contraditório, bem como a justeza das análises de Marx. Todavia, é importante considerarmos que as crises capitalistas se alteraram, ao menos em aparência, daquelas estudadas por Marx no século XIX. Em sua essência, estas crises permanecem idênticas, possuem as mesmas causas, que são, resumidamente: a queda tendencial da taxa de lucro[2], que engendra um subconsumo entre as classes trabalhadoras; e a anarquia do mercado própria da produção capitalista, que engendra uma superprodução. Não obstante, até as últimas décadas do século XIX, as crises capitalistas mostravam-se como sucessivas, acontecendo em curtos intervalos de tempo, mas que também se esvaneciam rapidamente, iniciando no momento seguinte outro período de relativa expansão do capital. Apenas em 1873 irrompeu a primeira grande crise capitalista, o conhecido “Pânico de 1873”, causado pelo frenesi de investimentos especulativos nas bolsas de valores norte-americanas e europeias, impulsionadas pelas promessas de expansão do comércio devido ao projeto de construção das linhas férreas norte-americanas. Quando se descobriu que alguns burgueses e políticos norte-americanos estavam falsificando dados sobre as construções das linhas no sul do país, todo o movimento especulativo cessou e repentinamente as fábricas norte-americanas e europeias viram-se com seus estoques abarrotados e sem ter para onde correr, isto é, sem ter para onde escoar suas mercadoras, desencadeando uma crise que duraria duas décadas. Esta crise foi solucionada dentro dos marcos do capitalismo com a ascensão de grandes monopólios e a adoção de seus métodos monopolistas próprios – incluindo aqui tanto os métodos mais diretamente econômicos, como o dumping, mas também os métodos políticos, como a submissão completa de estratos governamentais de países inteiros – que possibilitaram a retomada de suas taxas de lucro e um novo período de expansão do capitalismo a nível mundial. Assim, nascia a fase superior do capitalismo, identificada e teoricamente formalizada com mestria por Lenin, que o identificou e popularizou com o termo “imperialismo”. O imperialismo, por sua vez, não poderia deixar de conter contradições internas próprias, que resultariam, em 1929, na irrupção de mais uma grandiosa crise capitalista mundial, conhecida como “a grande depressão” ou simplesmente como “crise de 29”. Esta apenas seria solucionada após a adoção de uma política econômica que aumentava o papel do Estado como impulsionador do capitalismo monopolista e amortecedor das lutas de classes, mas sobretudo, com a imensa destruição das forças produtivas nas duas grandes guerras mundiais, que legaram enormes “oportunidades” de investimentos lucrativos aos monopólios capitalistas, especialmente norte-americanos. Portanto, podemos ver que estas duas crises descritas acima diferem daquelas observadas nos primeiros momentos do capitalismo e que foram teorizadas mais pormenorizadamente por Marx, principalmente pelas suas intensidades e longas durações. Assim, estas crises foram cunhadas como “crises sistêmicas”, justamente por seu alcance longitudinal por todo o modo de produção capitalista e por abalar os próprios alicerces deste sistema. Até o presente momento, o capitalismo teria vivido apenas duas destas crises. Entretanto, sustentamos a hipótese, que neste momento talvez já apresente elementos suficientes para sua comprovação, de que a crise capitalista iniciada em 2007-2008 se configura como a terceira crise sistêmica ou grande crise do capitalismo mundial. Esta crise eclodiu em setembro de 2008 com a falência de cinco grandes bancos de investimento norte-americanos, devido à execução de papeis financeiros relacionados ao mercado imobiliário norte-americano e que foram revelados como “papéis podres”. Resumidamente, a oligarquia financeira norte-americana, no momento que antecede esta crise, afirmava ter inventado um “capitalismo sem risco”, baseado em complexos instrumentos financeiros, sobretudo pacotes de seguros de ações, que eliminariam todo e qualquer risco envolvido nas operações financeiras. Assim, prometiam lucros certos para todos que quisessem especular nas bolsas e incentivaram que as camadas médias americanas hipotecassem suas casas e especulassem com este valor. Esta indicação foi prontamente seguida aos milhões. Quando foi descoberto que todo este misticismo especulativo não passava disto – de misticismo –, tudo que era sólido desmanchou-se no ar [2] Resumidamente, a queda tendencial da taxa de lucro se explica pela tendência do capitalista em desenvolver constantemente os meios de produção, visando competir e destruir a concorrência. Com isso, o capitalista tende a investir cada vez mais em capital constante (maquinaria) e menos em capital variável (força de trabalho). Como a taxa de lucro buscada pelo capitalista corresponde com a diferença entre o que ele gasta com capital constante (maquinaria) e o que extrai do capital variável (mais-valia), a taxa de lucro é proporcional à taxa de exploração. Assim, conforme ele gasta mais em capital constante – e isso é uma necessidade do capitalismo – a taxa de lucro tende a diminuir, pois a diferença entre capital constante e capital variável também diminui. Para compensar esta tendência, os capitalistas adotam medidas para aumentar a extração de mais-valia absoluta (compressão de salários, aumento da jornada de trabalho, etc.), empobrecendo os trabalhadores, gerando subconsumo e, consequentemente, superprodução nas fábricas capitalistas.

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diante dos olhos de uma oligarquia financeira estupefata com o fracasso de suas invenções e de uma chamada “classe média” arrasada. Inicialmente, a crise financeira deu-se no setor imobiliário, levando à falência bancos e companhias de seguros que estavam ligadas a este ramo da economia. Entretanto, logo em seguida, uma vez que estas feitiçarias especulativas foram ensinadas por todos os lados, os crashs de bolsas e falências espalharam-se por toda a economia capitalista mundial. “As certezas fortalecidas por décadas (...) de repente desapareceram, junto com cerca US$ 40 trilhões de patrimônios globais, US$ 14 trilhões de riquezas das famílias somente nos Estados Unidos, 700.000 empregos norte-americanos mensais e incontáveis casas retomadas em toda a parte” [VAROUFAKIS, 2016]. Estes dados podem e devem ser expandidos e atualizados por um trabalho posterior, uma vez que se focam nos impactos iniciais da crise e sobretudo em relação aos Estados Unidos; e esta crise “não se limitou a uma geografia específica, a uma determinada classe social ou a certos setores da economia” [ibidem]. Trata-se de uma crise sistêmica, de abrangência mundial e duração e efeitos ainda não completamente definidos. Os fundamentos desta crise, que explicam também o otimismo e a onipotência das elites financeiras e imperialistas e suas novas tecnologias, que supostamente teriam criado um “capitalismo sem risco”, se encontram nas reestruturações que o modo capitalista de produção sofreu a partir do final da década de 60 e início da década de 70 do século XX. Estas modificações compreendem a passagem do regime de acumulação fordista-taylorista para aquele que ficou conhecido como “toyotista”, que traz em si a insígnia da flexibilização das relações de trabalho, condizente com o desenvolvimento tecnológico no ramo das comunicações e com a automação dos processos de produção que se iniciou naquela época. Assim, consolidava-se a ideologia que ficou conhecida como “neoliberalismo”, que congregou as novas diretivas do sistema imperialista mundial de “flexibilização”, “desregulamentação” e “privatização”. Tratava-se da continuidade e do aprofundamento da exploração imperialista, gerando maiores facilidades para sua exportação de capitais (desregulamentação), visando aumentar a monopolização de fontes de matérias primas e demais ativos lucrativos (privatização) e a exploração das massas trabalhadoras, em especial das nações coloniais e semicoloniais (flexibilização das leis trabalhistas). Estas modificações também coincidem com o declínio do bloco socialista do leste europeu a partir da década de 1980. Com crises internas em crescente acirramento – cujas causas podem ser localizadas nas modificações político-econômicas introduzidas por Khrushchev e aprofundadas por Brejnev e todos os revisionistas soviéticos posteriores; na influência do revisionismo soviético nos demais países socialistas europeus; bem como nas derrotas sofridas pela União Soviética no Afeganistão –, os países que compunham este bloco não resistiram à pressão do sistema imperialista mundial e encontraram um fim trágico na entrada da década de 1990. Eram as grandiosas experiências revolucionárias do proletariado europeu desmoronando frente à ação reacionária do revisionismo e da pressão externa do imperialismo. Com a introdução do capitalismo e a invasão de capitais monopolistas nestes países, abriam-se novas fronteiras para as oligarquias financeiras explorarem e instituírem seu “novo” capitalismo triunfante e “sem riscos”. Portanto, foram estes dois fatores fundamentais, a consolidação do neoliberalismo e o colapso do bloco socialista europeu, que deram as condições concretas (a desregulação de velhas e a abertura de novas fronteiras financeiras) e subjetivas (a emergência de uma consciência otimista, vitoriosa e universalista entre os ideólogos burgueses, que chegaram a afirmar o “fim da história”) para a criação das novas tecnologias financeiras e do chamado “capitalismo sem riscos”. Esta noção, por sua vez, criou também todas as condições concretas para a irrupção da crise sistêmica capitalista de 2007-2008. Assim, com a aporia criada por esta gigantesca nova crise sistêmica, a burguesia não desistiu de suas tecnologias financeiras mortíferas, apenas passou a utilizá-las em coordenação com métodos mais “tradicionais”. Especificamente, os monopólios bancários foram pedir socorro aos Estados imperialistas, da mesma forma que o fizeram nas duas crises sistêmicas anteriores. Foram cifras trilionárias – porque assaltos bilionários aos cofres estatais já são obsoletos para a quadrilha financeira que controla a desordem imperialista mundial – de dinheiro, pagas pelos impostos cobrados dos trabalhadores, que foram diretamente transferidos para estes monopólios bancários nos primeiros momentos posteriores à irrupção da crise.


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Não obstante, este socorro de emergência serviu apenas para garantir um fôlego inicial para os grandes monopólios capitalistas e impedir que algum monopólio “inquebrável” quebrasse. Para solucionar os efeitos da crise – que envolvem não apenas uma acentuada queda nos preços das principais mercadorias mundiais, uma estagnação econômica alarmante e a consequente queda nas taxas de lucros dos monopólios industriais (e consequentemente dos monopólios financeiros no médio e longo prazo), mas também o acirramento de todas as contradições de classes e de nações que existem dentro deste sistema de dominação – as elites imperialistas mundiais necessitam aplicar programas de “austeridade econômica” por todos os quadrantes do globo, bem como eliminar possíveis competidores menores e regionais, como a Rússia, a China e o Irã. Assim, vivemos por todo o mundo um tsunami de programas econômicos que envolvem as “flexibilizações” das leis trabalhistas; a garantia de divisas para o pagamento das “dívidas públicas” dos Estados; a privatização de serviços e ativos estatais e quaisquer outras psicopatias que a criatividade burguesa permita criar. A mobilização de poderosos aparatos de repressão, que impulsionam as produções e vendas da indústria bélica, também fazem parte do roteiro, para tentar garantir que nenhuma revolta dos “de baixo” venha terminar de derrubar este moribundo sistema de exploração. 2. A SITUAÇÃO DO BRASIL, A CONCILIAÇÃO DE CLASSES, SEU ESGOTAMENTO E A CONSUMAÇÃO DO GOLPE Atingido em cheio, arrebatado pela correnteza implacável da crise econômica sistêmica do capitalismo mundial, o Brasil, distraído por uma década de relativa calmaria, começou a ser levado pelas ondas da austeridade econômica de forma mais acentuada a partir de 2015. Mas antes, há de se explicar, mesmo que sucintamente, as bases socioeconômicas concretas que possibilitaram a referida bonança em nosso país no período que compreende os anos de 2002 até 2014. Assim, conforme revela este recorte de data, é preciso explicitar, neste momento, ao menos em linhas gerais, o que significaram os governos petistas para a história e para as lutas de classes deste país. O primeiro governo de Lula foi antecedido pela farsa da “redemocratização” brasileira, organizada por conta da falência da ditadura militar-empresarial-latifundiária e da crescente revolta popular contra a mesma. Esta abertura foi realizada de forma “lenta e gradual”, sem rupturas reais com os crimes da ditadura – prova disso é a vergonhosa realidade de que nenhum militar, nem o pior torturador e assassino, pagou pelos seus crimes da forma devida até hoje. Assim, este processo de suposta redemocratização, longe de significar um passo contundente em direção de uma autêntica Revolução Democrática Popular, tomou um rumo trágico, que também foi tomado pela maioria dos países latino-americanos subjugados pelo imperialismo ianque: a estrada do neoliberalismo. Desta forma, os governos de Sarney, Collor e Fernando Henrique Cardoso aplicaram religiosamente os preceitos da “flexibilização”, “desregulação” e “privatização”, conforme ordenavam as bulas imperialistas neoliberais. Estas três figuras ofereceram o Brasil aos monopólios imperialistas como parte da fabulosa expansão que estavam vendo em suas fronteiras de influência financeira, facilitados pela ideologia neoliberal que se tornava hegemônica nesta época. Vendia-se ao povo brasileiro, com ostensivos comerciais nos principais monopólios de comunicação, a noção de um Estado ineficiente e caro, que era contraposto ao regime de liberdade e eficiência que supostamente reinava na iniciativa privada. Porém, não obstante a prodigiosa propaganda ideológica neoliberal, a realidade concreta mostrava apenas o seu contrário: todas as medidas tomadas por estes governos apenas acirraram radicalmente as contradições internas da sociedade brasileira, em especial as lutas de classes no campo e nas grandes cidades industrializadas de nosso país. Em suma, estes governos foram incapazes de conter a crescente das revoltas das classes exploradas brasileiras, que haviam começado ainda no período de declínio da ditadura, e que deveriam ser “amortecidos” em um regime democrático-representativo. Assim, o imperialismo e as classes dominantes brasileiras, que compreendem a burguesia burocrático-compradora e os latifundiários, findado o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, fizeram uma aposta em um governo que representaria uma virada na estratégia de gerência do Estado burguês-latifundiário brasileiro. Com a famosa “carta aos brasileiros”, estas classes dominantes e o imperialismo permitiram a ascensão eleitoral e a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. A partir deste momento iniciou-se um período de conciliação de classes, tecido pelo Partido dos Trabalhadores, com Lula à frente, e que duraria por 14 longos anos em nosso país.

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Esta conciliação de classes representava uma mudança na estratégia de amortecimento das contradições internas à sociedade brasileira – uma sociedade semicolonial e semifeudal, retrógrada e instável –, que passa da aplicação integral e explícita dos preceitos do neoliberalismo, acompanhada da repressão pura e simples, para uma conciliação social ampla, com uma política econômica que mesclava a atenção para as políticas sociais compensatórias, como o Bolsa Família, mas com as diretivas básicas dos consensos neoliberais intactos[3]. A ampla conciliação de classes tecida pelo PT – que neste momento já possuía hegemonia nos principais movimentos camponeses e centrais sindicais, dado sua origem democrática e popular – mostrou-se a forma de gerência mais sofisticada e adequada ao imperialismo e às classes dominantes locais para conter as contradições internas do Brasil durante longos anos. Com ela, todos os interesses fundamentais dos monopólios imperialistas, de seus aliados burocrático-compradores e dos latifundiários locais foram garantidos. Simultaneamente, as classes trabalhadores viram suas condições de vida melhorarem sensivelmente, graças às inúmeras políticas sociais, de emprego, renda e de facilitação de crédito dos governos petistas. Além disso, a harmonia e estabilidade criada permitiram o crescimento das taxas de lucro, de tal modo que, gradativamente, foi possível que os trabalhadores vissem um aumento real em seus salários. Não obstante a harmonia conquistada no período das gestões petistas, que garantiu um certo “ganha-ganha” para todas as classes sociais brasileiras, mas não sem garantir mais “ganhos” para as classes dominantes e implicar em algumas derrotas aos trabalhadores, apenas foi possível por coincidir com um período relativamente favorável no cenário internacional para nosso país. Em especial, destacamos os preços das principais commodities exportadas pelo Brasil – como minério de ferro, carne bovina, soja e petróleo – que estavam em alta nos mercados pelo mundo na entrada dos anos 2000. Junto disso, um ambiente diplomático relativamente estável, as descobertas de petróleo na camada pré-sal, bem como algumas medidas e programas governamentais de expansão de gastos públicos, da disponibilidade de crédito e de corte de impostos, permitiram certa bonança social (sempre relativa) nos últimos anos[4]. Este modelo, entretanto, mostrou-se insustentável no longo prazo, mesmo do ponto de vista das classes dominantes. Com o tempo, o aumento dos gastos públicos e a expansão do crédito, da forma que foi feita no período petista, favorecendo sobretudo as burguesias monopolistas estrangeiras e burocrático-compradoras locais, desencadeou um processo inflacionário, que apenas foi aprofundado pela manutenção de juros reais assustadoramente altos. Assim, as famílias se endividaram e o consumo reduziu, bem como os lucros dos capitalistas. Da mesma forma, o aumento da dívida pública em relação ao PIB, impulsionada pela desvalorização dos principais itens de exportação de nosso país, desagradou a burguesia financeira, que passou a considerar as condições de pagamento do Estado brasileiro inadequadas aos seus interesses. Não bastava o saque institucionalizado que já ocorria, com o aumento da relação dívida/PIB e o enfraquecimento do país, a quadrilha financeira exigia a entrega total dos trabalhadores e riquezas brasileiras ao seu jugo. Em suma, a gestão petista foi alcançada pelos seus próprios limites internos, que buscava garantir indefinidamente um sistema de “ganha-ganha” dentro dos marcos do capitalismo burocrático brasileiro; bem como pelo fim repentino de um contexto externo favorável, com a eclosão da crise de 2007-2008 e a consequente degradação dos preços dos principais itens de exportação do Brasil. A sede das classes dominantes, neste contexto, era muito maior do que o que poderia oferecer o sistema conciliatório petista, que necessitava, para se sustentar, ao menos dissimular ou amortecer os golpes que exigiam as classes dominantes estrangeiras e locais. Podemos constatar que este esgotamento da estratégia petista começou a se expressar mais claramente apenas depois da vitória eleitoral de Dilma Rousseff para seu segundo mandato. Até este momento podemos entender que esta estratégia, baseada fundamentalmente na conciliação ampla das classes sociais brasileiras, apesar de já mostrar sinais de esgotamento, ganhava um voto de confiança, não apenas por conta do logro eleitoral, mas sobretudo por causa do apoio financeiro dado para [3] Notadamente a manutenção e fortalecimento do chamado “tripé macroeconômico”, que consiste em uma política de câmbio flutuante, garantindo nossa vulnerabilidade frente ao dólar; metas inflacionárias, administradas através da manutenção de juros reais elevados; e metas fiscais, visando garantir o bom pagamento de todas as dívidas do Estado com os monopólios bancários internacionais. [4] É evidente que teríamos que comentar sobre inúmeros ataques e retrocessos impostos pelos governos petistas contra o povo brasileiro, como por exemplo o avanço da fronteira agrícola e o fortalecimento do velho sistema latifundiário, rebatizado ideológica de “agronegócio”; o massacre de populações indígenas; a desnacionalização da indústria nacional; a aprovação da lei antiterrorismo, entre outras. Não obstante, não fizemos uma análise pormenorizada de todos estes fatos por simples motivo de exposição e enfoque argumentativo.


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sua candidatura pelos monopólios imperialistas, latifundiários e grandes compradores. Dilma, nas eleições de 2014, ainda foi a candidata que recebeu as maiores cifras em financiamento eleitoral por parte das classes dominantes. O auxílio destes últimos fortaleceu ainda mais suas posições dentro da gerência petista, em detrimento das representações das classes trabalhadoras, como as centrais sindicais e movimentos camponeses. É importante destacar que as organizações populares que representavam os trabalhadores, ainda que possuísse algum espaço dentro desta conciliação, nunca desempenharam ali um papel principal, que sempre fora reservado às classes dominantes e ao imperialismo. Ainda assim, o espaço comprimiu-se ainda mais após as eleições de 2014. A expressão maior deste fato foi a condução do “ajuste fiscal” promovido por Joaquim Levy, indicado por Dilma para o Ministério da Fazenda, e que configurava um programa de austeridade similar, ainda que mais ameno, ao realizado por Michel Temer e Henrique Meirelles após o impeachment[5]. Assim, a estratégia petista de gestão conciliatória começou a entrar em crise por todos os lados: primeiro ao deixar corroer parte do apoio que ainda possuía do campo popular, ao promover um ajuste absolutamente anti-povo; depois, ao ser incapaz de atender às exigências das classes dominantes com relação à agilidade e o rigor esperados na aprovação do programa econômico de Joaquim Levy; e por fim, ao ser incapaz de frear os processos da Lava-Jato, desagradando sobretudo a burguesia burocrática encrostada ao Estado, aquela verdadeiramente atolada até o pescoço na corrupção sistêmica do capitalismo burocrático brasileiro. A partir deste momento, todas as condições políticas estavam dadas para a concretização do Golpe de Estado, que marcou a falência total da conciliação petista. Assim, neste momento, as classes dominantes determinaram que mudariam novamente sua estratégia: não mais fundamentada na conciliação, mas no ataque frontal aos direitos e condições de vida das classes trabalhadoras, visando aumentar a exploração especialmente dos operários e camponeses pobres. Para tanto, houve a condução farsesca de um impeachment e a emergência de Michel Temer como gerente do turno. Este golpe representou, para o Brasil, a aplicação das “terapias de choque”, das medidas de superexploração das classes dominantes contra as classes trabalhadoras em âmbito mundial. Estas medidas, por sua vez, foram as saídas escolhidas por estas classes dominantes para tentar salvaguardar seus interesses e seu sistema de dominação diante de uma terceira crise sistêmica do capitalismo mundial. 3. ANÁLISE DAS CLASSES NO BRASIL DIANTE DO GOLPE E DE SEU CONTEÚDO PROGRAMÁTICO-ECONÔMICO Neste capítulo, devemos expor quais são as chamadas “reformas” propostas pelo conteúdo econômico-programático do Golpe de Estado. Tratam-se de políticas econômicas visando aprofundar ainda mais a exploração das massas trabalhadoras brasileiras, buscando para tanto, criar as condições jurídico-institucionais ideais para esta exploração. É válido explicitarmos que, no programa do Golpe, além das políticas de ataques econômicos aos trabalhadores, que visam aumentar sua exploração das mais diversas formas, existe também um conteúdo institucional, que implica não só na retomada da operacionalidade das instituições políticas, mas sobretudo, na mobilização das instituições militares para conter possíveis resistências do campo democrático e popular, que representa os interesses dos trabalhadores. Neste momento, entretanto, enumeraremos apenas os principais conteúdos do aspecto econômico do programa do Golpe de Estado, que chamamos de conteúdo econômico-programático; bem como as maneiras que são afetadas as diversas classes sociais envolvidas nestas políticas. Esta divisão facilita a nossa exposição e a sistematização da conjuntura que vivemos. a) Pacote de Privatizações Em agosto de 2017, o governo reacionário de Michel Temer anunciou o “maior pacote de privatizações em duas décadas”, que incluía a concessão de diversos aeroportos, incluso a parti[5] Entre as medidas deste ajuste estavam: a) concessões e privatizações de rodovias e aeroportos; b) cortes orçamentários em todas as áreas, estimados em R$ 78 bilhões (o Programa de Aceleração ao Crescimento, que era dedicado ao saneamento e infraestrutura, por exemplo, teve um corte dramático de quase 30% em um ano); c) fim do subsídio estatal para prestação de serviços essenciais, como fornecimento de energia elétrica; d) mudança nas leis trabalhistas e previdenciárias, dificultando o acesso do trabalhador ao seguro desemprego e outras modalidades de pensões; e) contração do crédito estatal; entre outros.

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cipação da Infraero em Congonhas, Galeão, Brasília e Confins, rodovias federais, portos, a Casa da Moeda e estatais estratégicas como a Eletrobras. Além disso, posteriormente falou-se da venda das participações da Embraer para a Boeing. Este ambicioso programa de privatizações estava planejado para ser realizado até o final de 2018. Entretanto, já houveram inúmeros atrasos e recuos no cumprimento das metas até o fim 2017. Dentre os aeroportos, os mais rentáveis, como Congonhas, foram retirados da lista de concessões. O processo de privatização da Eletrobras avança, mas lentamente, com idas e vindas. O mesmo ocorre com a Casa da Moeda. A venda da Embraer para a Boeing havia sido temporariamente abortada, ainda que substituída por uma “parceria” com o monopólio norte-americano. Porém, em fevereiro deste ano, a venda de 51% das ações da empresa foi confirmada por Temer, significando a transferência não só de lucros, mas da tecnologia que atualmente permanece sob domínio brasileiro. Nestes casos, muitas vezes constata-se uma contradição entre setores da burguesia burocrática, encrustados no Estado brasileiro, e a oligarquia imperialista financeira, onde os primeiros utilizam-se de sua influência política nos “feudos estatais” para garantir privilégios, enquanto os segundos pressionam por sua completa entrega afim de aprofundar seu monopólio sobre as riquezas do país. Esta contradição também estava presente nos governos petistas, tendo sido o golpe de Estado e a subida de Temer ao poder, uma tentativa das classes dominantes de solucioná-la; intento apenas parcialmente bem-sucedido. Eis aqui, portanto, uma das causas para a pressão de setores das classes dominantes contra este governo e o modo como ele se apresenta moribundo no presente momento. b) Desmonte da Petrobras A Petrobras viveu neste último ano a continuidade e o aprofundamento da política de desmonte iniciada em 2015, por iniciativa de Aldemir Bendine, indicado por Dilma Rousseff para a presidência da companhia; e agora conduzida por Pedro Parente, indicado de Michel Temer. Vale ressaltar que por conta do histórico e da estatura desta empresa, esta política possui enorme impacto no conjunto da economia nacional e na vida do povo brasileiro como um todo[6]. A gestão da Petrobras em 2017 promoveu a venda da importante subsidiária NTS, dona da malha de gasodutos do Sudeste, para o fundo de investimentos canadense e norte-americano Brooksfield. Também realizou uma política de desinvestimentos e abandono da área de refino, que passa por contínua e acentuada queda de produtividade e aumento de capacidade ociosa. Simultaneamente, o Brasil alcançou taxas recorde de importação de derivados refinados de petróleo dos Estados Unidos, sobretudo gasolina e diesel, tornando-se estes, em termos de valor, os primeiros itens em nossa lista de importação dos norte-americanos[7]. Juntam-se com estas medidas aquelas tomadas pelo próprio governo reacionário na área de petróleo e gás, a começar pelas mudanças no modelo de cotação de preços dos combustíveis nas refinarias, que deixou de ser controlado pelo Estado e foi entregue às cotações internacionais. Todas estas medidas repercutem diretamente no preço final dos combustíveis nos postos, onde em alguns casos o aumento chega aos 25% em apenas seis meses, onerando pesadamente as pessoas das classes trabalhadoras. Por fim, houve a aprovação da MP 795, que representa um pacote de isenção de impostos no valor de R$ 1 trilhão até 2040 (cerca de R$ 50 bilhões por ano) para as petrolíferas estrangeiras e facilita que importem insumos de seus países de origem. Assim, favorecem o desmantelamento da indústria nacional, com consequências nefastas em termos de emprego e renda em nosso país. c) Lei do teto de gastos Ainda em 2016 foi aprovada e sancionada a PEC 55 ou 241, chamada de “Novo Regime Fiscal” ou “Lei do teto de gastos”. É uma medida de austeridade permanente e radical, que determina o congelamento das despesas e investimentos públicos em todas as áreas por 20 anos. Trata-se de uma tentativa de reduzir o déficit fiscal do Estado brasileiro e garantir-lhe a “saúde financeira” necessária para o pagamento dos serviços da dívida pública, um dos principais instrumentos de subjugação nacional ao poder imperialista, especialmente norte-americano, cujos monopólios bancários são os principais credores de nosso Estado. Tendo em mente que a dívida pública federal (o total [6] A tese do economista Marco Sartorio Leal afirma que a Petrobras é a principal responsável pelos investimentos produtivos – aqueles que geram um incremento na capacidade produtiva e uma estrutura produtiva perene – em nosso país, investindo cerca de R$ 90 bilhões em 2013. [7] Fonte: ANP e Blog O Cafezinho.


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dos débitos do Estado brasileiro) foi historicamente contraída nas relações desiguais estabelecidas com os países imperialistas, criada e sustentada em termos abusivos, esta medida revela-se uma tentativa de garantir um modo de transferência direta da riqueza socialmente produzida pelo povo brasileiro aos credores do Estado, sobretudo para a oligarquia financeira internacional. Assim, o serviço da dívida pública e todos os mecanismos criados para sustentá-lo, como este Novo Regime Fiscal e a velha Lei de Responsabilidade Fiscal, configuram-se como instrumentos de subjugação nacional diante das potências imperialistas. Em menor medida, esta lei também atende aos interesses de outros setores da burguesia imperialista e da burguesia compradora local, ao permitir o congelamento das contratações do Estado e dos salários dos servidores públicos, além de enfraquecer a concorrência do Estado em alguns ramos da economia onde hoje ele é hegemônico. d) Terceirização e Reforma Trabalhista Sob a insígnia da “flexibilização”, a aprovação da terceirização e da nova legislação trabalhista, também em 2017, representam dois dos maiores ataques em bloco contra as classes trabalhadoras de nosso país nas últimas décadas. Foram modificações em mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), permitindo o aumento da jornada de trabalho; parcelamento maior das férias; a contratação de trabalho intermitente e em casa (home office); o trabalho de grávidas em locais insalubres; a diminuição do horário de almoço; além de dificultar a criação de vínculo empregatício e a abertura de processos trabalhistas. Também permite a terceirização de qualquer atividade e, por fim, regula os “acordos coletivos” entre patrões e trabalhadores, colocando-os acima da própria legislação. É um conjunto de medidas que visa principalmente debilitar os sindicatos; pressionar os salários para baixo; regular todas as formas de contratos de trabalho precário e que não criem vínculos empregatícios; em suma, aumentar a exploração dos trabalhadores, principalmente por meio do aumento da extração da mais-valia absoluta. São diretamente beneficiados os setores da burguesia comercial, industrial e de prestação de serviços, ainda que a burguesia financeira também seja indiretamente favorecida. De certa forma, tanto a grande burguesia, como a média e setores da pequena burguesia aspiravam por estas modificações. Os efeitos destas medidas para as grandes massas trabalhadoras são nefastos, com indícios de aumento do desemprego, redução de salários e piora das condições de trabalho e vida. e) Reforma da Previdência O corolário do programa anti-povo imposto pelo golpe de Estado é a Reforma da Previdência, que o governo de Temer foi incapaz de levar a cabo. Ela baseia-se na noção de que a seguridade social é deficitária e compromete o orçamento do Estado, argumento amplamente questionado mesmo por especialistas burgueses[8]. Trata-se da principal exigência da grande burguesia financeira, que pratica toda a forma de chantagem e pressão pela sua aprovação, como a restrição de investimentos e a redução das notas de crédito do país. Ela se beneficia com a reforma na medida em que ela garante recursos para pagamento da dívida pública do Estado, além de eliminar um competidor hoje hegemônico no “negócio” da seguridade privada. Neste ponto, cabe esclarecer que estes mecanismos de cotações das “notas de crédito” e o “investimento estrangeiro” são instrumentos das nações imperialistas que compõem a exportação de capitais e servem para aumentar seu domínio sob países coloniais e semicoloniais e incrementar os lucros de seus monopólios. Não se tratam, absolutamente, de coisas benéficas para as massas populares brasileiras. Mas sim, na realidade, de necessidades das classes dominantes locais para sustentar sua dominação. Desta forma, a incapacidade de sua aprovação, admitida pelo governo golpista quando determinou a intervenção federal no Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano, configura outra contradição entre o governo Temer e setores das classes dominantes. Mas também representa um ataque gigantesco contra o conjunto das massas populares, em especial o proletariado, que em determinadas condições pode ficar completamente privado de qualquer direito a aposentadoria. Estas medidas em seu conjunto compõe o maior programa de destruição massiva de direitos trabalhistas e previdenciários, mesmo os mais elementares, das massas populares brasileiras. É o programa explícito da sua exploração e escravidão. É o caminho do [8] A tese de doutorado da economista Denise Gentil reúne os dados e argumentações que contestam a versão do governo reacionário. No trabalho, ela afirma que não só o déficit não existe, como há também um superávit nas contas da Previdência Social.

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aprofundamento de nossa condição semicolonial e semifeudal e da completa subjugação nacional. Por fim, é certamente o prelúdio de tempos difíceis, mas também deverá ser o da reedificação de um vigoroso movimento de massas, que deverá ser dirigido pelo proletariado e seu Partido revolucionário, que precisa ser reconstruído. Apenas um Partido Comunista, orientado pelo Marxismo-Leninismo-Pensamento Mao Tsé-tung será capaz de conduzir a resistência do povo brasileiro contra o imperialismo e as classes dominantes locais e apontar o justo caminho até a Revolução Democrática e o Socialismo. 4. AS TENDÊNCIAS EM MOVIMENTO NO GOLPE DE ESTADO Dado o impasse em que se encontra o Golpe de Estado passados dois anos de seu início, onde Michel Temer mostrou-se politicamente enfraquecido e incapaz de promover a Reforma da Previdência, pauta irrevogável e prioritária desde o início desta aventura para o poderoso capital financeiro internacional, devemos analisar quais as tendências que movem o seu desenvolvimento e para onde elas apontam. Dito de outra maneira, é preciso explicitar para quais caminhos estão apontando o desenvolvimento do Golpe de Estado na atual conjuntura; quais estratégias parecem estar sendo experimentadas e priorizadas pelas classes dominantes para solucionar as contradições que se apresentam diante delas. Desde o início do Golpe houveram evidências que mostravam sua tendência para assumir uma maior repressão contra as classes trabalhadoras e suas organizações políticas, desde as mais conciliadoras até as mais radicalizadas, em diferentes proporções e através de diferentes métodos. E desde o início as instituições militares foram incluídas para que se garantisse esta necessidade das classes dominantes. Assim, a alta cúpula das Forças Armadas brasileiras, estiveram desde sempre presentes em mais esta farsa golpista da história de nosso país. É o que atesta o famoso áudio da conversa de Romero Jucá com Sérgio Machado, onde o “ilustre” deputado afirmou, antes mesmo do impeachment, que estava “conversando com os generais e comandantes militares”, que eles haviam lhe garantido que estariam “monitorando o MST [e outros movimentos populares]” e que eles iriam “garantir”. Para corroborar com as palavras de Jucá e demonstrar o papel dos militares desde o início deste Golpe, também destacamos a ampliação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que passou a submeter a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), e sua entrega à chefia do general Sérgio Etchegoyen, militar notoriamente fascista e cuja família cultiva laços estreitos e antigos com o imperialismo norte-americano. Outras nomeações de militares para cargos estratégicos do Estado brasileiro foram sendo feitas durante o governo golpista, como a do general Roberto Ramos para a chefia do Gabinete da Casa Civil; a do general Carlos Santos Cruz para o comando da Secretaria Nacional de Segurança Pública; a do general Franklimberg Freitas para a presidência da Funai; e a do general Silva e Luna para o Ministério da Defesa, só para citarmos alguns exemplos. Existe uma presença ostensiva do alto escalão militar nos órgãos do Estado brasileiro que não se via desde os tempos da última ditadura latifundiária-empresarial-militar. Não é de se espantar que, dado sua impopularidade e fragilidade no que resta do regime político democrático-burguês em nosso país, Michel Temer apele para os militares como forma de assegurar algum tipo de governabilidade. Deste modo, contorna seus revesses no Congresso com a chantagem militar, ao mesmo tempo em que atende aos anseios tanto das classes dominantes e de seu ódio visceral contra as classes trabalhadoras, como dos setores médios cada vez mais capturados pela ideologia fascista e seduzidos por qualquer demagogo da segurança pública. Assim, Temer foi o gerente burguês-latifundiário que mais apelou para as intervenções militares para resolver o “problema da segurança pública e da criminalidade” em Estados da Federação brasileira. Foi assim em operações do exército no Espírito Santo, quando houve uma greve de policiais, e no Rio Grande do Norte, quando as rebeliões nas desumanas unidades carcerárias ameaçavam a estabilidade do Estado. Nestes dois casos, foi evocada a Lei Complementar nº 97, de 1999, conhecida como decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), um dispositivo do Estado brasileiro que permite o uso do exército, em determinadas condições, para reprimir a própria população brasileira que ele deveria proteger. Apenas mais um dos muitos indícios do caráter antipopular deste Estado e das classes dominantes que o controlam. Não obstante, a ação mais escandalosa de Temer no sentido de fornecer poder aos milita-


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res, foi inegavelmente a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, novamente com a demagogia do “combate à criminalidade”[9]. Com esta medida, transferiram-se todas as responsabilidades e capacidades, ou para dizer mais claramente, todo o poder do Estado carioca no que tange à segurança pública para as mãos de um general, nomeado interventor. O general Walter Souza Braga Neto foi o escolhido para esta função, concentrando hoje o controle sobre o conjunto das polícias e demais aparatos repressivos no Rio de Janeiro. Como sabemos que, em última instância, a função do Estado é monopolizar os aparatos de repressão, para garantir os interesses das classes dominantes, entendemos que o cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro hoje está esvaziado, cumprindo papel meramente formal e ideológico, buscando garantir alguma aparência de legitimidade democrática para a Ditadura burguesa-latifundiária que se torna cada vez mais explícita, fascista e militarizada. O poder, de fato, encontra-se nas mãos do general-interventor e do novo Ministro da recém-criada pasta de Segurança Pública, o infame Sérgio Etchegoyen, que desempenhou um papel fundamental na articulação desta vergonhosa entrega de um dos principais Estados de nossa federação como laboratório de experiências perigosas. Destarte, observamos com preocupações cada vez maiores a crescente tendência à militarização do Golpe de Estado, contexto onde o recente assassinato de Marielle Franco se insere de modo tragicamente ilustrativo[10]. Ainda que não nutramos ilusões para com o caráter do Estado brasileiro – que como todo Estado burguês ou burguês-latifundiário, possui sempre duas formas fundamentais e contraditórias, sendo a primeira a forma democrático-representativa, que configura uma ditadura implícita e informal contra as classes trabalhadoras, que conseguem, ao menos em aparência, disputar seus interesses nos limites das instituições políticas; ao passo que a segunda forma é a fascista-militar, que configura a ditadura explícita e formal das classes reacionárias, que mobilizam o conjunto de seus aparatos repressivos e o que há de mais reacionário e anticivilizacional em sua ideologia para garantir seus interesses e golpear as classes trabalhadoras. Ainda que ambas as formas sejam essencialmente reacionárias, entendemos que a segunda é a mais violenta e mais odiosa, que deve ser mais energicamente denunciada e rechaçada pelas forças populares, em especial pelos comunistas, os primeiros a serem alvejados pelo militarismo burguês-latifundiário. Neste ponto, é importante reconhecermos que ao mesmo tempo em que as condições materiais e a conjuntura concreta apontam para uma militarização maior do Golpe de Estado – com a insistência da crise econômica, a fraqueza política do governo Temer e a crescente fascistização de parte da pequena-burguesia e demais “camadas médias” – esta tendência não é nem absoluta e nem exclui completamente a forma democrática-representativa de nosso Estado. Em suma, as duas formas apresentadas acima, apesar de contraditórias em alguma medida, não são antagônicas, podendo serem combinadas em diferentes graus a depender dos interesses e das estratégias adotadas pelas classes dominantes. Assim, a crescente militarização do país coexistiu perfeitamente, nos últimos anos, com o império da lei e da ordem burguesa e latifundiária, incluso sua propaganda cínica sobre as próximas “eleições livres” e o “exercício da cidadania”. E isso nos leva para outro ponto das tendências apresentadas pelo Golpe de Estado atualmente em curso, que era flagrante desde seu início, mas que também continua se agravando e se coordenando com as tendências militaristas. A saber, a tendência da judicialização do Golpe. Não é novidade na história da América Latina e mesmo do Brasil a conivência do poder judiciário com Golpes de Estado. Não obstante, a articulação apresentada entre a mídia burguesa hegemônica e os promotores e juízes da Lava-Jato, foi fundamental para a operacionalização Golpe atualmente em curso. Assim, o papel de figuras do meio jurídico, desde Janaina Paschoal, passando por Deltan Dellagnol, pela cúpula da Polícia Federal e pelo próprio juiz Sérgio Moro, apenas para citar alguns exemplos, foram fundamentais para que todo o processo do Golpe de Estado fosse revestido com uma aparência de “legitimidade” e “legalidade”, como se tudo tivesse sido feito dentro dos limites da lei e da busca pela “justiça”. O comprometimento do poder judiciário com a continuidade do Golpe ficou ainda mais patente com a vergonhosa condenação sem provas de Luiz [9] Para maiores informações e nossa leitura sobre a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, ler a nota da União Reconstrução Comunista “Abaixo à Intervenção Militar Reacionária do Governo Golpista”. Disponível em: https://www.uniaoreconstrucaocomunista.org/single-post/2018/02/19/Abaixo-a-intervencao-militar-reacionaria-do-governo-golpista [10] Para maiores informações e nossa leitura sobre o assassinato de Marielle Franco, ler a nota da União Reconstrução Comunista “Marielle Franco, presente!”. Disponível em: https://www.uniaoreconstrucaocomunista.org/single-post/2018/03/19/Marielle-Franco-presente

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Inácio Lula da Silva em um farsesco processo sobre a reforma de um tríplex, com a conivência e o acovardamento do Supremo Tribunal Federal, que negou o habeas corpus de Lula e garantiu sua prisão após a condenação em 2ª instância, em decisão flagrantemente anticonstitucional e com um procedimento claramente de exceção, com ritos acelerados e uma desavergonhada espetacularização pela grande mídia. Assim, esta condenação e a prisão de Lula entram no roteiro do Golpe de Estado para garantir sua continuidade, impedindo o petista de se candidatar nas próximas eleições e eventualmente retomar a conciliação de classes, estratégia já descartada pelas classes dominantes de nosso país. Trata-se da continuidade do impeachment de Dilma Rousseff e de um aprofundamento da ruptura democrática-representativa. Este episódio não apenas confirmou o papel do judiciário, como explicitou sua subserviência aos ditames dos militares, que se posicionaram publicamente sobre o julgamento, declarando que ansiavam pela condenação, posando agora como garantia última da continuidade do Golpe de Estado. Resumidamente, uma profunda crise econômica que insiste em permanecer; a fraqueza política do governo Temer como um todo e um consequente impasse no processo do Golpe de Estado; a crescente desilusão das massas populares e fascistização de parte das camadas médias; um processo cada vez mais acelerado de militarização e fechamento democrático-representativo no Estado burguês-latifundiário brasileiro; um aprofundamento da arbitrariedade do poder judiciário em favor das necessidades do Golpe; as resistências populares, ainda relativamente espontâneas, dispersas e tomadas por uma consciência reformista; e um processos eleitoral que se aproxima e equilibra-se fragilmente nesta conjuntura; eis as principais tendências em movimento no cenário político de nosso país atualmente. 5. A QUESTÃO DAS ELEIÇÕES E A TAREFA DOS COMUNISTAS As eleições burguesas do Brasil, no atual contexto, têm um duplo significado, devendo nós, enquanto comunistas, ficarmos atentos para isso. Assim, nos atentarmos para as múltiplas contradições que perpassam este processo configura uma necessidade, para não cairmos em quaisquer desvios, de esquerda ou de direita, de modo a não ficarmos a reboque nem do oportunismo e cretinismo eleitoreiro, nem da maré da antipolítica abstrata e de recorte cada vez mais fascista que se apodera de parte de nossa população, por meio do envenenamento ideológico promovido pela grande mídia e por setores golpistas em geral. Entendemos que este sentimento antipolítica, apesar de indicar a falência completa do semicolonialismo e semifeudalismo brasileiro, tende a ser suscitado e canalizado por forças reacionárias para uma postura contra a esquerda no geral, de modo abstrato e mesmo ridículo, resultando em consciências reacionárias e das mais confusas possíveis: aquelas que considerarão o Partido dos Trabalhadores como uma organização “comunista”, que tomarão Lula como origem de todos os males de nossa nação, e que consideram toda e qualquer organização dos trabalhadores e forças populares como uma “ameaça”, como “vagabundos” e “bandidos”. Ao mesmo tempo, é uma consciência que tende a pintar todos os partidos da velha ordem burguesa-latifundiária como “socialistas”, num confusionismo que, em muitos momentos, beira o delírio ou a alucinação. Em suma, trata-se de um envenenamento ideológico servil para a tendência à militarização de nossa sociedade, auxiliando na emergência de figuras dantescas como Jair Bolsonaro ou até mesmo de outras mais perigosas advindas das Forças Armadas. Assim, mesmo organizações populares mais recuadas, conciliatórias e reformistas, mesmo aquelas que se mostraram inofensivas e fieis aos limites da ordem burguesa-latifundiária, passam a ser atacados e difamados pelos aparelhos ideológicos desta mesma ordem. Portanto, mesmo quando certos Partidos buscam reconciliar com as classes dominantes, negociar saídas institucionais-legais para a atual crise e para suspender o Golpe de Estado, eles são prontamente rejeitados e atacados dentro destas instituições. Igualmente, quando organizações como o MST e o MTST invadem terras, prédios e terrenos das classes dominantes, mesmo quando são propriedades irregulares e de notórios corruptos da politicagem brasileira, estas organizações são imediatamente taxadas de “bandidos” e “invasores”, comprovando que o direito à propriedade das classes dominantes é inviolável e está acima de quaisquer parâmetros legais ou morais na atual sociedade brasileira. Neste contexto, onde a ruptura com a democracia representativa é patente e a ditadura brutal das classes dominantes está explicitada, onde o Estado burguês-latifundiário brasileiro mostra sua verdadeira face contra as amplas massas populares, torna-se mais necessário


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do que nunca aprofundar a denúncia contra o caráter deste Estado e a mobilização das massas contra este seu algoz. O papel dos comunistas, nesta conjuntura, não pode ser o de “salvador” do velho Estado, mas o de aprofundar as contradições que se apresentam e a crise da velha ordem burguesa-latifundiária, apontando a saída revolucionária para solucioná-las. Em outras palavras, é necessário que os comunistas afirmem para as massas populares a verdade, que muitas vezes lhes soa demasiadamente amarga, de que não existe solução para os presentes problemas sem uma ruptura completa com os limites da atual sociedade. Assim, com maior urgência agora do que em outros momentos, faz-se necessária uma autocrítica entre as forças populares e de esquerda em nosso país; no sentido de avaliar as estratégias e táticas que foram adotadas até este momento, sobretudo porque elas insistem em se repetir, mesmo em uma conjuntura tão diferente daquela dos últimos anos. A conjuntura que nos referimos é a do Golpe de Estado e sua tendência ao fechamento da democracia representativa em favor de exceção militarista, cada vez mais violenta e fascista. E as velhas estratégias e táticas são a priorização das lutas institucionais, especialmente eleitorais, e a mobilização popular restrita ou voltada à este instrumento. Deste modo, ao mesmo tempo em que o velho fisiologismo eleitoreiro e o cretinismo parlamentar de parte da chamada “esquerda” possui sua parcela de responsabilidade na situação em que nos encontramos, entendemos que estes mesmos instrumentos institucionais-eleitorais estão sendo denegridos e seu poder esvaziado pelas classes dominantes. Tornam-se, cada vez mais, instrumentos meramente formais, ou mesmo decorativos, a serem utilizados ou descartados na medida em que exigem as forças que comandam este país. Estes fatos estão expressos tanto na condução farsesca do impeachment de Dilma, quando na condenação e prisão arbitrária de Lula. Portanto, insistir em concentrar a resistência contra o Golpe por estes caminhos, mesmo que mobilizando as massas populares mais progressistas e indignadas com os últimos acontecimentos de nosso país, só poderá nos conduzir de derrota em derrota, obstaculizar o avanço da consciência revolucionária e resultar na desilusão completa das massas com a luta popular. Portanto, a condução de uma luta consequente contra o Golpe de Estado em curso exige uma nova postura, tanto dos comunistas quanto do conjunto do movimento popular no Brasil. Há de se compreender a grave crise que o sistema capitalista-imperialista passa por todo o mundo; as consequências desta crise em solo brasileiro em termos de decomposição e descarte das instituições “democráticas” de nosso país; e o modo como estas instituições já foram em grande medida substituídas por aparelhos puramente repressivos-militares. Há de se levar em conta, também, as conclusões a serem tiradas destes fatos. Primeiramente, é preciso compreender que toda esta crise e as “soluções” adotadas pelas classes dominantes, sobretudo em termos econômicos, colocam todo um conjunto de classes populares em um bloco de interesses antagônicos ao Golpe de Estado. Assim, estão colocadas as condições objetivas para a construção de uma ampla frente de lutas antigolpista e anti-imperialista em nosso país. Em segundo lugar, é preciso reconhecer que esta frente nunca poderá alcançar seus objetivos caso permaneça preso à ilusão da democracia representativa, uma vez que esta já foi descartada e existe atualmente como simples sustentáculo ideológico para legitimação da barbárie dos últimos anos. Nestes termos, nós da URC reconhecemos a importância das iniciativas das frentes populares atualmente existentes em nosso país, em especial a “Povo Sem Medo” e “Brasil Popular”, na medida em que congregam setores importantes das classes sociais objetivamente antagônicas ao Golpe. Entretanto, entendemos também que estas frentes precisam superar as ilusões que ainda nutrem com o processo democrático-representativo, sob pena de repetir velhas derrotas institucionais, que tanto penalizaram o conjunto dos trabalhadores brasileiros nos últimos anos. Assim, devemos, enquanto comunistas, incitar as massas mais radicalizadas destas frentes à luta anti-imperialista, antifeudal e democrática, apontando para outras táticas e estratégias, buscando abrir outros caminhos, que nos levem para uma verdadeira Revolução Democrática Popular em nosso país. Caminhos que estão definitivamente obstruídos pelos meios parlamentares, e que só poderão ser abertos com um vigoroso movimento de massas e com o nascimento de um poderoso Exército Popular para fazer frente aos desvarios militaristas das classes dominantes. Deve-se dizer, em alto e bom som, que mesmo as garantias e direitos democráticos mais elementares, que estão sendo postos em causa pelo Golpe de Estado, não podem mais ser garantidos nos limites do velho Estado burguês-latifundiário; que as massas trabalhadoras, que podem e

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devem se organizar em defesa dos direitos democráticos neste momento, jamais terão chances de vitória enquanto estiverem sufocadas pelos limites institucionais traçados pelas classes dominantes em suas instituições, mesmo as mais “democráticas”; que as eleições, neste contexto, tendem a servir muito mais como legitimação do atual Golpe de Estado do que como uma forma de resistência viável contra ele. Portanto, nós da União Reconstrução Comunista lançaremos a palavra de ordem do boicote ativo contra a farsa eleitoral em curso, em um contexto de Golpe de Estado. Este boicote deverá se utilizar do período eleitoral para fazer a mobilização política junto às massas, denunciando seu caráter, bem como de todo o Estado. Ao mesmo tempo, lançaremos uma plataforma democrática mínima, condizente com os anseios e interesses fundamentais das classes trabalhadoras brasileiras, no intuito de mobiliza-las em uma unidade anti-imperialista e antigolpista. Deste modo, a tática do boicote ativo e a plataforma democrática compõem as bases sobre as quais deverá ser organizada nossa resistência e luta na atual conjuntura. Através delas, devemos buscar aproximar e aglutinar os elementos das classes trabalhadoras atualmente descrentes com os rumos da atual resistência contra o golpe, bem como aqueles que ainda não se engajaram em nenhum tipo de luta, nem possuem experiência em atividades políticas. Devemos confrontar com nossa plataforma e tática tanto a desilusão daqueles que já lutam, e que se incomodam cada vez mais com os rumos que ela toma, quanto com a desesperança daqueles que nunca lutaram e não conseguem ver perspectivas para sair da crise pela qual passamos. O boicote ativo pressupõe uma ampla mobilização popular, que se torna possível na medida em que as lutas econômicas e políticas entre as classes sociais estão expostas à céu aberto. Ele pressupõe que não nos apartemos das classes trabalhadoras e que nos empenhemos em construir a unidade antigolpista e anti-imperialista entre elas. Implica, portanto, que se evite todo e qualquer desvio sectário e esquerdista, ao mesmo tempo em que se aposta e confia-se na potência de mobilização dos trabalhadores, em sua capacidade de empreender a luta política ao seu próprio modo, independente de quaisquer instrumentos e agendas das classes dominantes. Consequentemente, o boicote pressupõe que sustentemos firme a posição de que a democracia burguesa e o Estado burguês-latifundiário são incapazes de solucionar as atuais contradições e que deverão afundar como barcaças podres na torrente de desastres que eles mesmos criaram. Assim, uma vez que devemos nos inserir em amplos setores populares, não devemos nos furtar de participar de nenhuma mobilização ou manifestação das forças populares, incluindo aquelas convocadas pelas frentes democráticas atualmente existentes. Devemos fortalece-las (as mobilizações e manifestações) na medida em que reúnem amplas massas, expressando os anseios econômicos das classes trabalhadoras, seu desejo por unidade e seu rechaço contra os rumos do Golpe de Estado e as arbitrariedades das classes dominantes. Não obstante, não consideramos prudente acompanhar estas mesmas frentes em mais uma tragédia anunciada no teatro da democracia burguesa. Este deve ser o ponto limítrofe a demarcar o fim de nossas semelhanças e o início de nossas diferenças. O território que se estende deste ponto em diante aponta para a necessidade da reconstrução de um poderoso Partido Comunista e da concretização de uma Revolução Democrática Popular ininterrupta ao socialismo no Brasil. 6. CONCLUSÃO Retomando rapidamente todos os pontos levantados no texto, temos que o sistema capitalista-imperialista mundial passa por sua terceira grande crise sistêmica, que atinge e abala seus próprios alicerces, impulsionando as atitudes mais agressivas do imperialismo contra os povos do mundo, mas também colocando na ordem do dia a superação deste sistema pelas classes trabalhadoras, dirigida pelo proletariado em aliança fundamental com os camponeses. No Brasil, esta crise e suas tendências se manifestaram através do Golpe de Estado, iniciado com o impeachment de Dilma Rousseff e que se prolonga até os dias de hoje. Um golpe operacionalizado pelo imperialismo, cujos agentes foram o Ministério Público, Polícia Federal e outros setores do poder judiciário. E que inclui um programa de ataques frontais contra os trabalhadores brasileiros, uma crescente militarização e fascistização do Estado, bem como uma resistência das forças populares e a possibilidade objetiva de uma unidade nacional anti-imperialista e antigolpista. Assim, está na ordem do dia a superação do Golpe de Estado, que se encontra atualmente em um impasse. Nesta conjuntura, nós da URC vemos a necessidade de aprofundar a denúncia contra o caráter


EDITORIAL: “As próximas eleições, o Golpe de Estado e as tarefas da Reconstrução do Partido Comunista”

do Estado brasileiro, os interesses das classes que o controlam e sua crescente fascistização. Deste modo, visamos aprofundar sua crise e apontar para uma ruptura como solução para suas contradições. A tática do boicote ativo corresponde com esta denúncia, servindo também para desmascarar a tentativa de conferir uma aparência de “legitimidade democrática” ao Golpe de Estado através das eleições. Afirmamos também a necessidade de construir uma ampla unidade das forças que se opõem objetivamente ao golpe, que, entretanto, não pode se dar em torno de mais um jogo de cartas marcadas pelas classes dominantes, mas de um programa concreto de defesa dos interesses fundamentais das massas trabalhadoras brasileiras. Assim, resta-nos expor nossa plataforma programática mínima, para confrontar o programa golpista das classes dominantes e orientar nossa prática junto ao povo durante a tática do boicote ativo:

1 – LUTAR por todas as liberdades políticas democráticas, sejam elas sindicais, dos movimentos populares que lutam por terra, moradia ou outra necessidade urgente; pelos direitos básicos e seguranças jurídico-políticas previstas na Constituição. Neste sentido, exigir a soltura imediata de Lula e garantir sua candidatura, bem como a de Rafael Braga e de todos os presos políticos em nosso país; 2 – LUTAR contra a militarização do Estado reacionário e a intervenção militar no Rio de Janeiro; contra a repressão e o genocídio do povo periférico e negro; almejar a paz que tanto anseiam os trabalhadores brasileiros; 3 – LUTAR em defesa da Petrobras, das reservas de petróleo brasileiro e demais riquezas de nosso país; contra a privatização da Eletrobrás e toda a pilhagem das riquezas nacionais pelos monopólios estrangeiros; 4 – LUTAR pela industrialização nacional; pela melhoria das condições de vida das massas operárias brasileiras; em defesa do emprego, pelo aumento do salário mínimo e da média salarial de modo geral; em defesa dos direitos e seguridades trabalhistas e previdenciárias para garantir trabalho e aposentadoria dignas; 5 – LUTAR pela verdadeira Reforma Agrária, com a tomada de todas as terras do latifúndio e sua distribuição aos camponeses sem terra, com pouca terra ou para trabalhadores desempregados; pelo fim do poder dos latifundiários no interior do país e sua substituição pelos embriões do poder popular, organizados pela aliança operário-camponesa; 6 – LUTAR pela fundação de um poderoso Partido Comunista; de uma Frente Única Nacional e anti-imperialista; pelo embrião de uma força capaz de fazer frente ao militarismo das classes dominantes e que seja capaz de defender o povo contra qualquer tipo de arbitrariedade;

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“Já vão longe os meus tempos de noviço, manancial de cânticos perenes, ignorância do mundo, inexperiência que num botão de flor de Édens previa. Então sim, que topava em cada vale boninas que ceifar. Eu nada tinha... e tinha tanto!: o anelo da verdade (...).” (GOETHE, Fausto)

UMA HOMENAGEM – GOETHE E MARX Fausto, um representante ficcional da modernidade; Marx, um representante real da modernidade

Antanho, mais precisamente há dois séculos, nascia uma voz que ecoaria em todo o mundo, uma voz notável e distinta, com uma força vibrante e revolucionária, a de Karl Marx (1818-1883). A União Reconstrução Comunista, neste ano em que se comemora o ducentenário do maior pensador de todos os tempos, debruça-se novamente sobre sua obra – expressa como sistematização de um movimento histórico – e sobre sua biografia –, que para além da caracterização formal de história de vida, exprime a síntese de uma época e de seu espírito. Assim, pode-se dizer que para além de uma homenagem, o presente texto evidenciará a manifestação do esforço teórico e da prática política durante toda sua trajetória, bem como explicitará a importância do legado de Marx para a sociedade moderna. Os escritos de Marx são famosos pelos seus fechos. Mas, se o virmos como um modernista, percebemos o impulso dialético que subjaz ao seu pensamento, animando-o, um impulso de final aberto, que se move contra a corrente de seus próprios conceitos e desejos. Assim, no Manifesto, vemos que a dinâmica revolucionária destinada a destronar a burguesia brota dos mais profundos anelos e necessidades dessa mesma burguesia: “A burguesia não pode sobreviver sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e com eles as relações de produção, e com eles todas as relações sociais. (...) Revolução ininterrupta da produção, contínua perturbação de todas as relações sociais, interminável incerteza e agitação, distinguem a era burguesa de todas as anteriores”. Esta é provavelmente a visão definitiva do ambiente moderno, esse ambiente que desencadeou uma espantosa pletora de movimentos modernistas, dos tempos de Marx até o nosso tempo. A visão se desdobra: “Todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antiguidade e veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas relações se tornam antiquadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profano, e os homens finalmente são levados a enfrentar (...) as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus companheiros humanos”. [BERMAN, 1986, p. 19]

Por conseguinte, Marx deu vida a modernidade, impulsionando o ímpeto revolucionário, que outrora pertenceu à burguesia, ao proletariado. O espectro que ronda a Europa – bem como todo o mundo, pois é cada vez mais amplo –, expressa as contradições vivas da sociedade capitalista, onde tudo está impregnado pelo seu contrário. Foi Marx quem identificou esse nervo da


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vida, o motor da história, a possibilidade da criação do novo a partir das próprias entranhas da sociedade burguesa. Ele vislumbrou, através da racionalidade positivista da burguesia, o caos intrínseco que constitui seu mundo; não para sucumbir diante deste, mas para tomá-lo como a própria possibilidade de uma nova ordem – a ordem proletária, capaz de lançar a humanidade para outra etapa de sua história. O cânone da literatura ocidental, J. W. Goethe (1749-1832), autor muito estimado por Marx, dedicou sua vida para dar forma à tragédia do desenvolvimento, tragédia esta que marcaria profundamente a cultura moderna e que seria publicada pela primeira vez em 1808. Seguindo a tradição de um tema que transpassou a literatura desde o início da modernidade e de uma história que foi contada e recontada desde o século XVI, e que mais tarde, encontraria sua síntese na imaginação moderna, “Goethe ultrapassou todos os outros em riqueza e profundidade de perspectiva histórica, em imaginação moral, em inteligência política, em sensibilidade e percepção psicológica” (BERMAN, 1986, p. 39), e escreveu a obra-prima da literatura alemã, o Fausto. A obra, portanto, foi concebida e sendo criada ao longo de um dos períodos mais turbulentos e revolucionários da história mundial. Muito de sua força brota dessa história: o herói goethiano e as personagens a sua volta experimentam com grande intensidade muitos dos dramas e traumas da história mundial que o próprio Goethe e seus contemporâneos viveram; o movimento integral da obra reproduz o movimento mais amplo de toda a sociedade ocidental. O Fausto começa num período cujo pensamento e sensibilidade os leitores do século XX reconhecem imediatamente como modernos, mas cujas condições materiais e sociais são ainda medievais; a obra termina em meio às conturbações espirituais e materiais de uma revolução industrial. Ele principia no recolhimento do quarto de um intelectual, no abstrato e isolado reino do pensamento; e acaba em meio a um imensurável reino de produção e troca, gerido por gigantescas corporações e complexas organizações, que o pensamento de Fausto ajuda a criar e que, por sua vez, lhe permitem criar outras mais. Na versão goethiana do tema do Fausto, o sujeito e o objeto de transformação não é apenas o herói, mas o mundo inteiro. O Fausto de Goethe expressa e dramatiza o processo pelo qual, no fim do século XVIII e início do seguinte, um sistema mundial especificamente moderno vem à luz. [BERMAN, 1986, p. 39-40]

Contudo, ao contrário de propor uma comparação entre o herói ficcional goethiano e Marx, faz-se aqui o esforço de compreender que a modernidade, expressa pelo desenvolvimento das forças produtivas, das condições materiais da humanidade e de uma nova forma de conceber o mundo, atravessa todas as manifestações da vida social, desde a literatura de Goethe, até o pensamento político e filosófico de Marx. Não obstante, é este último o seu mais legítimo representante. Tanto a vida quanto a obra de Marx seguiram um caminho tortuoso, porém justo. Para além de suas contribuições teóricas, filosóficas e históricas; de seu trabalho crítico; de sua prática revolucionária; Marx deixou cravada na história da sociedade moderna mais do que a possibilidade da Revolução Proletária, a certeza inextricável à realidade de sua necessidade. Marx superou Fausto quando forneceu seu método de análise e transformação dos aspectos concretos e, consequentemente, subjetivos da vida cotidiana dos trabalhadores. Fausto deu a vida pela modernidade, sucumbiu diante dela; Marx, por outro lado, deu vida a ela, mostrando a contradição fundamental que a cinde e a coloca em constante movimento.

UM BREVE ESBOÇO BIOGRÁFICO

A síntese de uma época e de seu espírito

Karl Marx nasceu em Treves, capital da província alemã do Reno (Prússia Renana), em 5 de maio de 1818. No início do século XIX, Treves “desempenhava papel mediador entre o liberalismo revolucionário de origem francesa e a reação do Antigo Regime, liderada pela Prússia” (GIANNOTTI, 1978, p. 07). Seu pai, Hirschel Marx, advogado e conselheiro de justiça, converteu-se, em 1824, ao protestantismo e adotou o nome de Heinrich; sua mãe Enriqueta Pressburg era descendente de rabinos, mas não influenciou os filhos com a tradição israelita.

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Terminando os estudos secundários no Liceu de Treves, Marx entrou para a Universidade de Bonn. Em 1836, foi para Berlim estudar Direito, mas se debruçou, sobretudo, nos estudos de História e Filosofia. “Numa interessante carta a seu pai, de novembro de 1837, onde se encontra um balanço de seus últimos trabalhos, Marx descreve suas relações contraditórias com o hegelianismo, pensamento dominante na Berlim da época” (GIANNOTTI, 1978, p. 07). Nessa carta, pode-se localizar o que mais tarde desembocaria no rompimento de Marx com o idealismo hegeliano, expresso, inicialmente, em sua crítica à Filosofia do Direito de Hegel, que em 1844, seria publicada em forma de manuscrito nos Anais Franco-Alemães. Manifestava-se aqui, antes de tudo, de um modo muito perturbador, a mesma contradição entre a realidade e o dever-ser, característica do idealismo e que seria a mãe da subsequente classificação, inepta e falsa. Preliminarmente, vinha algo que eu, com muita benevolência, chamava de metafísica do direito, isto é, princípios, reflexões, definições de conceitos, à margem de todo direito real e de toda forma real de direito, como vemos em Fichte – só que, em mim, de um modo mais moderno e carente de conteúdo. Em meu estudo, tudo assumia a forma acientífica do dogmatismo matemático, no qual o espírito gira em torno da coisa, tangenciando-a aqui e ali, sem que a coisa possa se desdobrar ela mesma em algo rico e vivo, mas se apresentando de antemão como um obstáculo para compreender a verdade. O triângulo deixa que o matemático o construa e o demonstre como uma mera representação dentro do espaço, sem chegar a desenvolver-se sob outras formas, pois, para que adquirisse outras posições, seria necessário relacioná-lo com outras coisas, e então veríamos como isto traz distintos resultados com relação ao já exposto e assume diferentes relações e verdades. Mas, na expressão concreta de um mundo de pensamentos vivos como o são o Direito, o Estado, a Natureza, toda a Filosofia, é necessário se deter para escutar atentamente o próprio objeto em seu desenvolvimento, sem se empenhar em imputar-lhe classificações arbitrárias, e sim deixando que a própria razão da coisa siga seu curso contraditório e encontre em si mesma a sua própria unidade. [...] O pano caíra, meu santuário se desmoronara; era, então, necessário elevar novos deuses nos altares. Abandonando o idealismo, que, diga-se de passagem, fora comparado e nutrido pelo de Kant e de Fichte, dediquei-me a buscar a ideia na própria realidade. Se, antes, os deuses moravam sobre a terra, agora se tornaram o centro dela. [MARX, 1837]

Conquanto, no período em que estudou em Berlim, Marx participou ativamente das discussões nos círculos intelectuais da cidade. No ano de 1841, terminou seus estudos e redigiu Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicuro, sustentando uma tese de doutorado sobre filosofia. Marx “abandonara definitivamente a carreira de advogado” (GIANNOTTI, 1978, p. 09) e retornou para Treves, com a intenção de conseguir uma cátedra universitária em Bonn. “Mas a política reacionária do mesmo governo que, em 1832, afastara Ludwig Feuerbach (1804-1872) de sua cátedra, e que, em 1836, recusara o seu retorno à Universidade, e ainda, em 1841, proibira o jovem professor Bruno Bauer (1809-1882) de realizar conferências em Bonn, obrigou Marx a renunciar à carreira universitária” (LENIN, 1914), não obstante, doutorou-se em Iena – universidade onde Hegel e Fichte haviam lecionado. “Nessa época, o desenvolvimento das ideias hegelianas de esquerda estava em franco progresso na Alemanha” (LENIN, 1914). Porém, a partir da segunda metade da década de 1830, Ludwig Feuerbach passou a criticar a teologia e apresentou-se como um filósofo de transição entre o idealismo alemão e o materialismo que, em 1841, incorporou inteiramente, como se verifica em A essência do cristianismo (1841) e em Princípios da Filosofia do Futuro (1843). Friedrich Engels (1820-1895), maior companheiro de Marx e também um dos fundadores do socialismo científico, fez uma declaração sobre a obra Princípios...: “É preciso ter experimentado em si mesmo a ação libertadora deste livro. Nós, isto é, os hegelianos de esquerda, inclusive Marx, fomos todos, em dado momento, ‘feuerbachianos’[1].” Não obstante, com a destituição de Bauer da Universidade de Bonn, o seu projeto e de Marx de editarem uma revista radical também caiu por terra. Assim, Marx empenhou-se em escrever contra a censura da imprensa para a revista Anedota, publicada por Arnold Ruge (1802-1880), [1] ENGELS, F. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. Études Phflosophiques, Editions Sociales Internationalles, Paris, p. 20.


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e em maio de 1842, passou a colaborar – junto a Bruno Bauer – com a Gazeta Renana, jornal de oposição ao regime monárquico publicado em Colônia, onde seria nomeado editor-chefe e onde conheceria Engels. “Inicia-se assim, uma fase de transição, na qual Marx começou a ocupar-se com problemas propriamente políticos e sociais” (GIANNOTTI, 1978, p. 10). “Sob a direção de Marx, a tendência democrático-revolucionária acentuou-se cada vez mais e, em consequência, o governo submeteu o jornal a uma dupla e mesmo tripla censura” (LENIN, 1914). Em março de 1843, Marx foi forçado a retirar-se do cargo de editor e o jornal foi fechado pelo governo prussiano, pois suas ideias socialistas e radicais apresentavam uma ameaça para a monarquia. “Entre os artigos publicados por Marx na Gazeta Renana, Engels cita um a respeito das condições dos viticultores do vale de Mosela. Suas atividades de jornalista bastaram para mostrar a Marx que os seus conhecimentos de Economia Política eram insuficientes, levando-o a estudá-la com ardor” (LENIN, 1914). Neste mesmo ano Marx casou-se, em Kreuznach, com Jenny von Westphalen (1814-1881), “sua conhecida desde criança e com a qual já se havia comprometido desde o seu tempo de estudante” (LENIN, 1914). Jenny pertencia a uma nobre família da Prússia, seu irmão mais velho foi Ministro do Interior do governo prussiano em uma de suas épocas mais reacionárias, de 1850 a 1858. O casamento foi realizado sem o consentimento das famílias Marx e Westphalen; Marx e Jenny passaram por diversas dificuldades, no entanto, a união se deu tanto pelo amor entre ambos quanto pelo trabalho revolucionário. Jenny escrevia, estudava com seu companheiro e transcrevia seus manuscritos. No outono de 1843, Marx foi à Paris para editar uma revista radical, os Anais Franco-Alemães, ao lado de Arnold Ruge, hegeliano de esquerda, que havia sido preso de 1825 a 1830; emigrado depois de 1848 e partidário de Bismarck de 1866 a 1870 – a revista teria apenas um volume por conta da dificuldade de sua difusão clandestina na Alemanha e das divergências políticas dos editores. “Nos artigos de Marx, publicados na revista, ele já nos aparece como um revolucionário que proclama “a crítica implacável de tudo o que existe” e, em particular “a crítica das armas” e apela às massas e ao proletariado” (LENIN, 1914). Foi para esse único volume duplo da revista que Marx escreveu Introdução a uma crítica da Filosofia do Direito de Hegel e A Questão Judaica, e Engels publicou o Esboço de uma Crítica da Economia Política. Destarte, “a própria noção de crítica, tal como vinha sendo desenvolvida pelos neo-hegelianos, foi posta em xeque. A análise da Filosofia do Direito de Hegel, considerada como a mais pura expressão da Filosofia do Estado moderno, deveria ser feita, no entender de Marx, a partir da crítica do Estado real que lhe serve de base” (GIANNOTTI, 1978, p. 12). Marx, assim, propôs uma crítica política concreta, em que as forças sociais capazes de modificar a sociedade são as massas trabalhadoras, em especial o proletariado. A crítica deveria atingir “a raiz do próprio homem e a sociedade na qual vive e se manifesta”, sendo assim, do desenvolvimento do capitalismo e do Estado moderno surgiu uma classe desprovida dos meios de produção, de todos os direitos e de todos os bens, o proletariado, a classe mais consequente para subverter a estrutura da sociedade moderna, pois “se ela tudo produz, a ela tudo pertence”. Em setembro de 1844, Friedrich Engels foi à Paris e tornou-se o amigo mais íntimo de Marx. Tiveram ambos a parte mais ativa na vida agitada dos grupos revolucionários parisienses da época. A doutrina mais importante era a de Proudhon com quem Marx acertou as contas, categoricamente, em A Miséria da Filosofia, publicada em 1847. Numa luta cerrada contra as diversas doutrinas do socialismo pequeno-burguês, Marx e Engels elaboraram a teoria e a tática do Socialismo Proletário revolucionário, o Comunismo (Marxismo). [LENIN, 1914]

“A coincidência de perspectivas e de resultados conduziu Marx e Engels a um trabalho comum. O primeiro desses trabalhos, A Sagrada Família, cujo subtítulo é Crítica de uma Crítica Crítica (1844), analisa as consequências políticas do neo-hegelianismo” (GIANNOTTI, 1978, p. 14). Nesse mesmo contexto, Marx estudou exemplarmente os clássicos da Economia Política, como Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), fornecendo assim, um precioso repertório teórico para uma crítica da teoria do Estado, aspecto percebido por Marx, desdobrado em seus

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Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844), publicados em 1932; em Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859) e analisado economicamente e de forma mais sistematizada em O Capital (1867-1894). “Em 1845, por exigência do governo prussiano, Marx foi expulso de Paris por ser um revolucionário perigoso. Seguiu para Bruxelas. Na primavera de 1847, Marx e Engels filiaram-se a uma sociedade secreta de propaganda, a Liga dos Comunistas[2] e tomaram parte preponderante no 2° Congresso desta Liga em Londres, em novembro de 1847. A pedido do Congresso, redigiram o imortal Manifesto do Partido Comunista, publicado em fevereiro de 1848. Esta obra expõe, com clareza e precisão geniais, uma nova concepção do mundo, o materialismo consequente, que abrange também o domínio da vida social, a dialética apresentada como a ciência mais vasta e mais profunda da evolução, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário, histórico e mundial, do proletariado, criador de uma sociedade nova, a sociedade comunista. “Deflagrada a revolução de fevereiro de 1848, Marx foi expulso da Bélgica. Regressou à Paris, de onde saiu depois da revolução de março, para voltar à Alemanha e se fixar em Colônia. Foi aí que apareceu, de 1º de junho de 1848 a 19 de maio de 1849, a Nova Gazeta Renana da qual foi redator-chefe. A nova teoria foi brilhantemente confirmada pelo curso dos acontecimentos revolucionários de 1848-1849, e, em seguida, por todos os movimentos proletários e democráticos em todos os países do mundo. A contrarrevolução vitoriosa vingou-se de Marx, tendo ele sido detido em 9 de fevereiro de 1849 e expulso, em 16 de maio do mesmo ano, da Alemanha. O mesmo aconteceu em Paris, de onde foi igualmente expulso, depois da manifestação de 13 de junho. Partiu então para Londres, onde viveu até o fim de seus dias”. [LENIN, 1914]

“As condições de sua vida de emigrado eram extremamente penosas, como revela, com uma clareza particular, a correspondência entre Marx e Engels, editada em 1913” (LENIN, 1914). Marx e sua família dependiam constantemente do apoio de Engels, seu companheiro de vida e de luta ao lado de Jenny. Marx também colaborou com o jornal anglo-americano New-York Tribune, “sobretudo pela necessidade imperiosa de exercer uma profissão para ganhar a vida” (MARX, 1978, p. 132). “Sem dúvida, as doutrinas e as correntes predominantes do socialismo pequeno-burguês, do socialismo não proletário em geral, obrigavam Marx a manter uma luta implacável, incessante, que chegava aos ataques pessoais mais furiosos e mais absurdos (...)” (LENIN, 1914). Não obstante, Marx elaborou, junto a Engels, uma série de trabalhos teóricos baseados na prática revolucionária e no estudo incansável da universalidade e das particularidades da sociedade moderna, a exemplo de sua aplicação às realidades da França, da Alemanha e da Inglaterra. Fundaram assim, o método histórico e filosófico mais importante e mais consequente da modernidade, o Materialismo Histórico e Dialético.

A época do recrudescimento dos movimentos democráticos, do fim da década 1850-1860, chamou Marx ao trabalho prático. Foi, em 28 de setembro de 1864 que se fundou, em Londres, a Primeira Internacional, a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Marx foi a alma, e igualmente o autor de seu primeiro apelo e de um grande número de resoluções, declarações e manifestos. Agrupando o movimento operário de diversos países, procurando orientar, pela via comum da atividade, as diferentes formas do socialismo não proletário, pré-marxista (Mazzini, Proudhon, Bakunin, o trade-unionismo liberal inglês, as oscilações para a direita dos lassallianos[3], na Alemanha, etc), combatendo as teorias de todas as seitas e escolas, Marx forjou uma tática única para a luta proletária da classe operária nos diferentes países. Depois da queda da Comuna de Paris (1871), sobre a qual Marx em A Guerra Civil na França, se pronunciou em termos tão penetrantes, felizes e brilhantes, como revolucionário e como homem de ação, e depois da cisão da Internacional, por obra dos bakuninistas, ela não pôde subsistir na Europa. Em seguida ao Congresso de 1872, em Haia, Marx conseguiu a transferência do [2] Primeira organização internacional marxista. Anteriormente Liga dos Justos, associação de artesãos proletarizados, criada em 1836 e que tinha uma perspectiva socialista utópica. [3] Partidários e seguidores do socialismo alemão pequeno-burguês F. Lassalle.


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Conselho Geral para Nova York. A I Internacional tinha cumprido sua missão histórica e cedia lugar a uma época de desenvolvimento incomparável do movimento operário em todos os países — época de seu desenvolvimento em amplitude, com a formação de partidos operários socialistas de massa, nos limites dos diversos Estados Nacionais. [LENIN, 1914]

Contudo, “a intensa atividade na Internacional e os trabalhos teóricos, que lhe exigiam esforços ainda maiores, afetaram a saúde de Marx. Continuou sua obra de transformação da economia política e a finalização de O Capital, acumulando num volume quantidade imensa de documentos novos e estudando várias línguas (o russo, por exemplo)” (LENIN, 1914). Em 1881, faleceu Jenny von Westphalen, sua esposa e grande colaboradora de sua obra. Em 1883, seus problemas de saúde pioraram e Marx desenvolveu bronquite e pleurisia, que causaram sua morte. Marx faleceu em 14 de março de 1883, em Londres, e foi enterrado nesta mesma cidade na condição de apátrida, no cemitério de Highgate.

MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

As contribuições de Marx para a sociedade moderna e o papel do proletariado em sua transformação “Comunismo não é amor, comunismo é um martelo com o qual se golpeia o inimigo”, já dizia o grande marxista e líder revolucionário Mao Tsé-tung. Marx forjou esse martelo quando dedicou sua vida à prática revolucionária e ao desenvolvimento do Marxismo, do socialismo científico, que caracterizam a visão de mundo do proletariado. “O materialismo dialético é a concepção filosófica do Partido marxista-leninista. Chama-se materialismo dialético, porque o seu modo de abordar os fenômenos da natureza, seu método de estudar esses fenômenos e de concebê-los, é dialético, e sua interpretação dos fenômenos da natureza, seu modo de focalizá-los, sua teoria, é materialista. O materialismo histórico é a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao estudo da vida social, aos fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história” (STALIN, 1945). Marx, fundador do Materialismo Histórico e Dialético ao lado de Engels, em contraposição à concepção metafísica do mundo, entende que o desenvolvimento de um fenômeno parte de seu conteúdo interno, portanto, reside em sua materialidade que expressa uma luta e uma unidade – lei da contradição; “em que o modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. (...) Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes. (...) Sobrevém, então, uma época de revolução social.” (MARX, 1978, p. 130). Destarte, “com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até o fim” (MARX, 1978, p. 130). Desta forma, Marx forneceu uma teoria científica e completa do desenvolvimento histórico, em geral, e da sociedade capitalista, em específico, partindo tanto das experiências concretas das lutas do proletariado, quanto do que havia de mais avançado no pensamento humano de sua época. Assim, Marx forjou a arma fundamental do proletariado em sua luta histórica pela construção de uma nova sociedade, ao fornecer-lhe uma perspectiva prática para a ação revolucionária, sendo a crítica à economia política inglesa, ao socialismo francês e à filosofia alemã seu arcabouço. A doutrina de Marx suscita em todo o mundo civilizado a maior hostilidade e o maior ódio de toda a ciência burguesa (tanto a oficial como a liberal), que vê no marxismo uma espécie de “seita perniciosa”. E não se pode esperar outra atitude, pois, numa sociedade baseada na luta de classes não pode haver ciência social “imparcial”. De uma forma ou de outra, toda a ciência oficial e liberal defende a escravidão assalariada, enquanto o marxismo declarou uma guerra

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implacável a essa escravidão. Esperar que a ciência fosse imparcial numa sociedade de escravidão assalariada seria uma ingenuidade tão pueril como esperar que os fabricantes sejam imparciais quanto à questão da conveniência de aumentar os salários dos operários diminuindo os lucros do capital. Mas não é tudo. A história da filosofia e a história da ciência social ensinam com toda a clareza que no marxismo não há nada que se assemelhe ao “sectarismo”, no sentido de uma doutrina fechada em si mesma, petrificada, surgida à margem da estrada real do desenvolvimento da civilização mundial. Pelo contrário, o gênio de Marx reside precisamente em ter dado respostas às questões que o pensamento avançado da humanidade tinha já colocado. A sua doutrina surgiu como a continuação direta e imediata das doutrinas dos representantes mais eminentes da filosofia, da economia política e do socialismo. [LENIN, 1913]

Contudo, a filosofia do Marxismo é materialista, porém, não se limita ao materialismo do século XVIII, vai adiante, superando-as ao considerar as contribuições da filosofia clássica alemã, sobretudo a dialética hegeliana e o materialismo feuerbachiano. “Marx e Engels defenderam resolutamente o materialismo filosófico, e explicaram repetidas vezes quão profundamente errado era tudo quanto fosse desviar-se dele” (LENIN, 1913). A principal de suas aquisições é a dialética, “a doutrina do desenvolvimento na sua forma mais completa, mais profunda e mais isenta de unilateralidade, a doutrina da relatividade do conhecimento humano, que nos dá um reflexo da matéria em constante desenvolvimento” (LENIN, 1913).

Aprofundando e desenvolvendo o materialismo filosófico, Marx levou-o até ao fim e estendeu-o do conhecimento da natureza até o conhecimento da sociedade humana. O materialismo histórico é uma conquista formidável do pensamento científico. Ao caos e à arbitrariedade que até então imperavam nas concepções da história e da política, sucedeu uma teoria científica notavelmente integral e harmoniosa, que mostra como, em consequência do crescimento das forças produtivas, desenvolve-se de uma forma de vida social uma outra mais elevada, como, por exemplo, o capitalismo nasce do feudalismo. [LENIN, 1913]

Portanto, se o conhecimento humano reflete a natureza que existe independentemente dele, ou seja, a matéria em desenvolvimento; o conhecimento socialmente construído pelo homem reflete o regime econômico da sociedade. “As instituições políticas são a superestrutura que se erguem sobre a base econômica” (LENIN, 1913), sendo as diversas formas políticas dos Estados modernos a expressão e o instrumento da dominação fundamental da burguesia sobre o proletariado. Após ter verificado “que o regime econômico constitui a base sobre a qual se ergue a superestrutura política” (LENIN, 1913), Marx debruçou-se sobre a economia política clássica, que havia se constituído na Inglaterra; tendo como maiores expressões Adam Smith e David Ricardo e como fundamento a teoria do valor-trabalho. Partindo da crítica à economia política, Marx concluiu que o valor de qualquer mercadoria – forma mais simples, mais comum, contudo fundamental, da sociedade burguesa – é determinado pela quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Assim, a relação não se dá entre os objetos, mas sim entre os sujeitos. Não obstante, A troca de mercadorias exprime a ligação que se estabelece, por meio do mercado, entre os diferentes produtores. O dinheiro indica que esta ligação se torna cada vez mais estreita, unindo indissoluvelmente num todo a vida econômica dos diferentes produtores. O capital significa um maior desenvolvimento desta ligação: a força de trabalho do homem torna-se uma mercadoria. O operário assalariado vende a sua força de trabalho ao proprietário de terra, das fábricas, dos instrumentos de trabalho. O operário emprega uma parte do dia de trabalho para cobrir o custo do seu sustento e de sua família (salário); durante a outra parte do dia, trabalha gratuitamente, criando para o capitalista a mais-valia, fonte dos lucros, fonte da riqueza da classe capitalista. [LENIN, 1913]

Assim, “a teoria da mais-valia constitui a pedra angular da teoria econômica de Marx”


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(LENIN, 1913), bem como sua principal descoberta científica. Com ela, ele revelou o fundamento da dominação da burguesia sobre o proletariado. Por outro lado, ao subjugar os operários à sua dependência, o capitalismo cria uma grande força de trabalho unida, que produz socialmente em larga escala, sendo portanto a classe mais consequente para dirigir o Partido e o processo revolucionário que libertará as grandes massas trabalhadoras da dominação e da exploração do homem pelo homem. Quando o regime feudal foi derrubado e a “livre” sociedade capitalista viu a luz do dia, tornou-se imediatamente claro que essa liberdade representava um novo sistema de opressão e exploração dos trabalhadores. Como reflexo dessa opressão e como protesto contra ela, começaram imediatamente a surgir diversas doutrinas socialistas. Mas, o socialismo primitivo era um socialismo utópico. Criticava a sociedade capitalista, condenava-a, amaldiçoava-a, sonhava com a sua destruição, fantasiava sobre um regime melhor, queria convencer os ricos da imoralidade da exploração. O socialismo utópico não podia indicar uma saída real. Não sabia explicar a natureza da escravidão assalariada no capitalismo, nem descobrir as leis do seu desenvolvimento, nem encontrar a força social capaz de se tornar a criadora da nova sociedade. [LENIN, 1913] O Socialismo Científico, cunhado por Marx e Engels, superou os socialistas utópicos – sendo os mais expressivos Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen, que vislumbravam uma ordem social ideal, em que não haveria a necessidade da libertação de uma classe, mas sim de toda humanidade, caracterizando o pensamento de um período em que o antagonismo entre a burguesia e o proletariado encontravam-se ainda em um estágio inicial. “Entretanto, as tempestuosas revoluções que acompanharam toda a Europa, especialmente na França, a queda do feudalismo e da servidão, mostravam cada vez com maior clareza que a luta de classes era a base e a força motriz de todo o desenvolvimento” (LENIN, 1913). Karl Marx foi a mente genial que resolveu os maiores problemas científicos de sua época e a voz vibrante que ecoou por todo o mundo, anunciando a decadência capitalista e o alvorecer de um nova sociedade. É o espectro que, desde o Manifesto, ronda a Europa e o resto do globo, causando pesadelos em toda a reação e dando esperança aos explorados e oprimidos. Por fim, Marx é o maior expoente da modernidade ao encarar suas contradições de frente e levá-las aos seus limites, permanecendo inabalável até os dias de hoje.

VIDA LONGA A KARL MARX! REFERÊNCIAS BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. Tradução de Carlos Felipe Moisés; Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. GIANNOTTI, J. A. Introdução. In: MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos e outros textos escolhidos. Seleção de textos de José Arthur Giannotti; traduções de José Carlos Bruni et al. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 06-24. GOETHE, J. W. Fausto. Tradução de António Feliciano de Castilho (1800-1875). 1956. LENIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do Marxismo. Obras Escolhidas em seis tomos. Tomo 1. Edições Avante!, 1977. p. 35-39. __________. Figuras do Movimento Operário: Karl Marx. Problemas, Revista Mensal de Cultura Política, nº 18, abr./maio de 1949. __________. Os destinos históricos da Doutrina de Karl Marx. Obras Escolhidas em três tomos. Tomo 2. Edições Avante!, 1984. p. 86-88. MARX, K.; ENGELS, F. Cultura, Arte e Literatura: textos escolhidos. São Paulo: Expressão Popular, 2010. MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos e outros textos escolhidos. Seleção de textos de José Arthur Giannotti; traduções de José Carlos Bruni et al. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. STÁLIN, J. V. Sobre o Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico. Rio de Janeiro: Edições Horizonte, 1945.

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L A U T A L A N O I C A N R E T N I O Ã Ç A U T BRE SI


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1- Introdução Neste documento, discutido na I Conferência da União Reconstrução Comunista, apresentamos algumas teses sobre a situação internacional, que caracterizam as posições da nossa organização Apresentamos uma análise da evolução da luta de classes em nível internacional, bem como o papel das organizações comunistas e dos países socialistas neste processo. Em linhas gerais, acreditamos que o Partido Comunista que pretendemos reconstruir em nosso país deverá se guiar por essas posições no plano internacional. 2- A Ordem Mundial e o governo Trump Vivemos na época do imperialismo e das revoluções proletárias. Desde a supressão do capitalismo de livre-concorrência e do advento do capitalismo monopolista, a elaboração da estratégia e da tática do Partido operário não pode mais ser empreendida tendo em conta unicamente as forças nacionais, mas também as internacionais. A dissolução do campo socialista acentuou ainda mais essa realidade, eliminando a ordem mundial bipolar e impondo a asfixiante nova ordem mundial. Um terrível sistema de opressão unipolar dos EUA sobre todos os povos do mundo. No campo internacional, o imperialismo norte-americano representa o inimigo principal da revolução. Com a nova administração de Donald Trump, o capitalismo monopolista dos Estados Unidos vivenciou momentos de agitação que geraram frenesi em todos os meios. Se faz fundamental entender o seu significado. A administração de Donald Trump não representa uma mudança radical da natureza imperialista dos Estados Unidos da América. Pelo contrário, sobretudo no campo das despesas bélicas, o orçamento militar proposto por Trump representa a continuidade da incrível expansão militarista do país no século XXI. Sob Bill Clinton, este orçamento chegou a US$ 313 bilhões (2001); sob Bush foi de US$ 621 bilhões, no último ano de seu mandato; com Obama, o presidente “pacifista”, em oito anos de mandato se excedeu em US$ 816 bilhões sobre as despesas militares dos oito anos anteriores. O atual presidente americano propõe um orçamento de US$ 650 bilhões para esse ano. Porém, no plano estratégico, Donald Trump procurou adotar uma abordagem distinta para o imperialismo americano, buscando utilizar o poderio militar para fortalecer o mercado de trabalho interno e assegurar apoio de massa a intervenção econômica ultramarina. Pretendeu que a econômica imperialista se apoiasse na exportação de mercadorias e captura de mercados, enquanto faria retornar as multinacionais para o mercado interno americano. Opunha-se a alianças econômicas e militares que viessem agravar os déficits comerciais e a dívida americana e propunha um acordo Rússia-Estados Unidos. A resposta do presidente americano a impossibilidade demonstrada pelo império de derrotar o regime russo ou isola-lo dos mercados europeus através de sanções, foi um grande acordo global para negócios comerciais em larga escala, que beneficiaria todos os setores da economia americana. Na sua visão, os lucros obtidos pelo crescimento das exportações dos EUA e a eliminação das despesas com operações militares e sansões a aliados russos, permitiria elevar os salários e os lucros no seu próprio país. A nova estratégia entrou em choque com o aparelho de Estado permanente, que defende uma política de cerco e destruição da Rússia como contrapeso a dominação global dos Estados Unidos. Esse aparelho é composto de um complexo poderoso de 17 agências de inteligência, os departamentos de propaganda, a Marinha e a Força Aérea, os setores industriais de alta tecnologia e a elite comercial. Por isso, a estratégia Trump de fortalecimento das posições na Ásia, acordos bilaterais com a Rússia e condições para a expansão dos mercados de exportação causou escaramuças sem precedentes na história das classes dominantes dos Estados Unidos. Trump não está completamente isolado, conta com o apoio o Exército, de indústrias manufatureiras internas e das Câmaras de Comércio, porém, fracassou no esforço de consolidar seu regime. O aparelho de Estado permaneceu repleto de remanescentes dos regimes anteriores; o presidente fracassou em mobilizar o apoio de massas e de setores importantes da elite econômica; sua política de imigração também fracassou; e também não teve sucesso no plano

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externo, não conquistando suficiente apoio internacional e falhando na política de aproximação com a Rússia. A luta entre as duas estratégias é o enfrentamento entre duas facções de camarilhas do imperialismo americano, o inimigo principal dos povos. Nenhuma delas merece o apoio das forças progressistas. E a vitória de qualquer uma dessas facções não representa uma situação mais favorável aos interesses dos povos. No seu primeiro ano no poder, Trump já teve todas as oportunidades de demonstrar como sua nova estratégia significa a continuidade da política de rapina, que não se detém diante de nenhum crime contra a independência e soberania dos povos, a favor dos interesses e da maximização dos lucros americanos. No Oriente Médio, ele adotou uma política de estreitamento de relações com as forças da reação feudal da Casa de Saud. O maior acordo de venda de armas da história dos Estados Unidos foi firmado com a Arábia Saudita, em maio de 2017, onde se previa a venda de US$ 350 bilhões em armas, com US$ 110 bilhões a serem pagos imediatamente. Tal acordo visou fortalecer a dominação militar-colonial dos Estados Unidos sobre a região através da transferência gradual das atividades de policiamento das forças armadas americanas para as forças armadas sauditas. Ele foi assinado sobre o cínico pretexto de combater o terrorismo na região, mesmo se sabendo que a monarquia saudita é a principal responsável pela irradiação da ideologia ultrarreacionária da Wahhabi. Outro pretexto para o mencionado acordo é o de deter a “ameaça iraniana”. O que demonstra que o Irã passa a ser o principal alvo da administração americana naquela área do globo. Trump busca reverter todos os entendimentos de 2015 sobre o programa nuclear iraniano, empreender uma política de isolamento do Irã e retorno a guerra econômica impiedosa, criando condições para a mudança de regime. No dia 12 de janeiro de 2018, Trump chegou a declarar que tem fortes inclinações a retirar os Estados Unidos do acordo nuclear do Irã. Um dos crimes mais graves cometidos pela administração Trump nessa região foi o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel. Medida voltada contra o direito do povo palestino a autodeterminação nacional e que corresponde em obstaculizar ainda mais a luta pela paz na região. Em 1948, Israel ocupou a parte ocidental de Jerusalém, expulsando e matando a população palestina da cidade, confiscando seus imóveis e pilhando seus bens. Em 1949, proclamou Jerusalém ocidental como capital de seu Estado. Tal medida violava a Resolução 181 das Nações Unidas sobre a partilha da Palestina. Em 1967, os israelenses ocupam as regiões orientais de Jerusalém e o restante da Palestina, declarando Jerusalém sua capital indivisível. A alegação sionista de soberania sobre Jerusalém oriental não foi reconhecida por nenhum país. Porém, desde então, Israel separou Jerusalém do resto do território palestino através da construção de um muro nas terras tomadas e da pulverização de dezenas de postos de controle. Os cristãos e muçulmanos são proibidos de visitar a cidade santa, mesmo essa sendo sagrada para as três religiões monoteístas. Em Jerusalém impera um verdadeiro regime de Apartheid, onde os palestinos nativos não têm sua cidadania reconhecida e são expulsos sistematicamente da cidade. Alegando defender a segurança israelense, a medida da administração Trump fortalece ainda mais do ponto de vista diplomático a brutal ocupação militar sionista que pesa sobre o povo da Palestina. Reafirmamos nossa solidariedade com o povo árabe-palestino em luta contra a ocupação militar de Israel, repudiamos o caráter racista, militarista e reacionário da Entidade sionista e o apoio concedido pelo imperialismo norte-americanos aos interesses desse organismo, sobretudo, o recente reconhecimento de Jerusalém como sua capital. A Síria sofre ainda mais sobre Trump, com a agressão militar direta. Trump havia declarado que os americanos não tinham nada a ganhar com uma guerra contra a Rússia pela Síria. Demonstrando seu caráter traidor e demagógico, voltou atrás em suas posições e tem aumentado a escalada de ações militares no país. Em abril de 2017, depois que um ataque aéreo do exército sírio atingiu um prédio onde terroristas armazenavam armas químicas, em Idlib, os EUA apresentaram acusações mentirosas sobre um suposto ataque do governo sírio com armas químicas,


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e bombardearam uma base aérea. O ataque deu uma oportunidade para que as forças do ISIS e da Al Nusra retomassem o controle de reservas de petróleo de Palmira antes liberadas pelas forças nacionais. Em 6 de junho, voltou a atacar uma posição do governo sírio sob o pretexto de que estas invadiram a “zona de amortização da tensão”. Estas zonas haviam sido formadas sem permissão do governo sírio depois do aparecimento do Estado Islâmico. Os EUA agem como donos destes territórios, o que faz com que, na prática, a síria se encontre na condição de um país militarmente ocupado pelo imperialismo norte-americano. O presidente Donald Trump também adotou uma posição mais agressiva com relação a nosso continente. Durante 15 anos, a despeito das enormes dificuldades que criaram, as administrações norte-americanas fracassaram em promover um golpe de Estado na Venezuela e acabar com a revolução bolivariana. No último ano, o governo americano mudou sua estratégia, partindo para a promoção de uma guerra civil no território venezuelano. Em cooperação com as forças da oposição venezuelana organizadas na MUD, o Comando Sul buscou uma intervenção multilateral, mobilizando o apoio dos presidentes argentino, paraguaio e colombiano, empreenderam uma ação coordenada nos planos econômico, político e militar, levando a Venezuela até a atual situação de emergência. Trump vem intensificando a política criminosa com relação a Cuba. Em junho, anunciou o cancelamento do acordo de 2014 entre Washington e Havana, impondo novas restrições ao comércio com empresas controlas pelas Forças Armadas Revolucionárias de Cuba. Reduziu em 60% as representações diplomáticas em Havana e em outubro anunciou a expulsão de 15 diplomatas da embaixada de Cuba. Principalmente na sua política para a Ásia, Donald Trump demonstra todo o caráter sinistro de sua nova estratégia. Ele intensificou a guerra econômica contra a República Popular Democrática da Coreia. As sanções de agosto de 2017, proíbem a exportação das principais commodities daquele país e impedem que outros países abram novas joint ventures no seu território. Essas medidas equivalem a eliminação de 90% dos ganhos em exportações da RPDC, o que estrangula a arrecadação de divisas para as importações do país. Com um território montanhoso, o que reduz extremamente as terras cultiváveis, a Coreia tem na importação de alimentos uma condição básica para a sobrevivência de sua população. A redução das chuvas no período de plantio de abril-junho do ano passado torna as sanções econômicas americanas uma medida inumana, que podem criar uma situação de risco alimentar catastrófica no norte da península. As sanções também estabelecem seríssimos limites a importação de petróleo pela Coreia, em prejuízo de sua economia industrial. A guerra suja dos EUA não inclui somente sanções econômicas. Altos funcionários do governo americano vêm ameaçando bancos, empresas, instituições e personalidades chinesas e russas que fazem negócio com a Coreia. É forte a pressão diplomática americana para afastar os países da África da RPDC, sobretudo porque este é o continente no qual os norte-coreanos possuem as relações econômicas e diplomáticas melhor consolidadas, em decorrência de sua política de amizade e apoio as lutas anticoloniais desses países. Outrossim, Trump busca intensificar as tenções militares na península, desde o começo do ano passado quando instalou na Coreia do Sul um sistema THAAD de escudos antimísseis desenvolvido pela Lockheed Martin, no valor de US$ 1 bilhão. Em agosto, ele demitiu o estrategista chefe Steve Bannon por este afirmar que não existia uma solução militar para a situação da Coreia e vociferou que na verdade a solução militar já estava pronta. Só a tenaz resistência do povo coreano, sob a justa orientação da política Songun e a liderança do camarada Kim Jong Un e do Partido do Trabalho da Coreia levaram ao triunfo do país na situação de crise e as atuais rodadas de negociação norte-sul. O imperialismo norte-americano segue sendo o inimigo principal dos povos que lutam pelo socialismo e pela autodeterminação nacional. É nosso dever denunciar como criminosas as duas facções de camarilhas do imperialismo norte-americano que hoje se enfrentam para decidir quem governará a maior potência do mundo e seguirá saqueando e explorando todos os países. Denunciar a continuidade do militarismo sob Donald Trump e das políticas de agressão militar, sanções econômicas, ingerências e chantagens, e sobretudo, sua política hitlerista com relação

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a Ásia e contra a RPDC, força de vanguarda na luta pelo socialismo e o direito dos povos da libertação nacional.

3 - Os países socialistas: nossa solidariedade e estudo

3.1. República Popular Democrática da Coreia Em diversas ocasiões a União Reconstrução Comunista teve a oportunidade de manifestar abertamente o seu apoio decidido à República Popular Democrática da Coreia. Ao longo dos últimos cinco anos, enviamos cartas e saudações ao Comitê Central do Partido do Trabalho da Coreia, publicamos notas, organizamos seminários e publicamos livros sobre o país. Todas essas iniciativas correspondem a nossa linha política, que reconhece na RPDC uma importante fortaleza do socialismo e do anti-imperialismo. A República Popular Democrática da Coreia é um país socialista, fundado em 1948, após uma dura e sangrenta luta contra o imperialismo japonês. É liderada pelo Partido do Trabalho da Coreia, organização fundada pelo camarada Kim Il Sung, grande líder do povo coreano e importante figura do Movimento Comunista Internacional. O camarada Kim Il Sung, a exemplo de outros grandes líderes do Movimento Comunista Internacional, tais como o camarada Mao Tsé-tung, foi uma grande liderança comunista, que soube integrar de maneira criativa os princípios básicos do marxismo-leninismo à realidade coreana, dando grandes contribuições ao desenvolvimento da teoria do socialismo científico e à causa de construção do socialismo na Coreia. Graças a sua liderança, a revolução coreana pode avançar da etapa nacional-democrática da revolução à etapa socialista, construindo um poderoso Estado socialista industrializado e independente. Consequente com o internacionalismo proletário, o camarada Kim Il Sung sustentou o apoio do Partido do Trabalho da Coreia a diversos movimentos revolucionários e anti-imperialistas ao redor do mundo, fator que contribuiu com o avanço da luta revolucionária em escala internacional. Após a queda da União Soviética e dos países do Leste Europeu, os camaradas coreanos convocam em Pyongyang, inúmeras organizações de esquerda, socialistas, comunistas e anti-imperialistas, para participarem de um encontro internacional que reafirmou a validade do socialismo e da luta anti-imperialista. Durante o encontro os participantes denunciaram as manobras das forças hostis ligadas ao imperialismo, o avanço da contrarrevolução em âmbito internacional e a necessidade de se continuar lutando pelo socialismo e pela independência nacional. Foi publicada a chamada “Declaração de Pyongyang”, que contou com a assinatura de inúmeras organizações. O camarada Kim Il Sung falece em 1994. A difícil tarefa de liderar a RPDC cai nas mãos do camarada Kim Jong Il. O camarada Kim Jong Il assume a direção da RPDC e do PTC em meio ao agravamento do cerco econômico, militar e ideológico dos imperialistas. É nesse contexto que Kim Jong Il, se apoiando no legado do pensamento militar desenvolvido por Kim Il Sung, desenvolve a Política Songun, que consiste em dar primazia aos assuntos militares no processo de construção do socialismo. Essa original política possibilita que a RPDC sobrevivesse enquanto Estado socialista e anti-imperialista. É importante ressaltarmos que a atividade do camarada Kim Jong Il é largamente desconhecida entre um grande número de organizações revolucionárias ao redor do mundo. Kim Jong Il se destaca como um grande teórico e organizador no PTC desde meados da década de 60, época em que começou a publicar artigos e realizar conversas e seminários com quadros dirigentes do Partido. Durante essa época, quando os revisionistas modernos, que se apossaram do poder na URSS e outros países socialistas, ampliam seus ataques contra os fundamentos básicos da teoria revolucionária, Kim Jong Il denuncia o papel nefasto dessa corrente, denunciando abertamente o revisionista Kruschev. Kim Jong Il também desempenhou um papel importante no processo de sistematização das contribuições de Kim Il Sung ao desenvolvimento da teoria do socialismo científico, a qual ele chamou de kimilsunismo. No último período os camaradas coreanos, contando com uma correta direção política e ideológica, foram capazes de impor duros golpes contra o imperialismo norte-americano, especialmente no campo diplomático. A República Popular Democrática da Coreia concluiu de forma


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exitosa o seu processo de nuclearização, convertendo-se em uma das potências nucleares do mundo. Nossa organização, longe de sustentar uma posição pacifista pequeno-burguesa, típica da maioria das organizações da “esquerda” nacional e internacional, saudou efusivamente todos os testes nucleares exitosos realizados pela República Popular Democrática da Coreia, afirmando que a vitória do povo coreano nesta área, também pode ser considerada uma vitória de todos os povos do mundo que lutam por independência nacional e social. Ainda no campo diplomático, após a leitura da Mensagem de Ano Novo, o camarada Kim Jong Un se dirigiu ao povo coreano afirmando a necessidade de melhorar as relações Norte-Sul, cogitando a participação da RPDC nos jogos olímpicos de inverno na Coreia do Sul. O “presidente” da Coreia do Sul, Moon Jae-in, recebeu a mensagem de maneira positiva, concordando em conversar com a RPDC, fato que já possibilitou alguns avanços importantes, como o acordo de que a RPDC e a “República da Coreia”, estado títere, irão desfilar na inauguração do evento conjuntamente, sob uma mesma bandeira; também foi acordado que norte e sul-coreanos jogarão hóquei em uma mesma seleção. Tais movimentações mostram que os camaradas norte-coreanos, ao contrário do que pinta a imprensa burguesa internacional, sempre estiveram a disposição de dialogar com a Coreia do Sul, sempre ressaltando o fato fundamental que tais diálogos devem ser levados a cabo de maneira independente, sem intervenção de nenhuma grande potência internacional, em especial os Estados Unidos. Sabemos que os Estados Unidos não ficaram satisfeitos com os recentes acontecimentos e muito brevemente atuarão no sentido de fazer fracassar os recentes avanços nas relações intercoreanas. A recente convocação da reunião de ministros dos “países participantes da Guerra da Coreia” - como qualificou a KCNA - no Canadá mostra o caráter provocador do imperialismo norte-americano, bem como também demonstra o caráter lacaio dos países que participaram de tal “reunião”. Frente ao acima exposto, devemos em nossa conferência reafirmar de maneira clara o nosso apoio militante à causa do povo coreano em sua luta pela construção do socialismo e pela reunificação pacífica e independente da península. Manifestamos apoio decidido ao Partido do Trabalho da Coreia, liderado pelo camarada Kim Jong Un, bem como afirmamos nossa decisão de assinarmos a Declaração de Pyongyang, decisão esta que será informada oficialmente aos camaradas funcionários da Embaixada da República Popular Democrática da Coreia no Brasil. 3.2. Cuba Socialista Em novembro de 2016 falece Fidel Castro, líder histórico da Revolução Cubana. O camarada Fidel Castro foi a grande figura que durante mais de 50 anos liderou as massas populares cubanas em direção da conquista da independência nacional e do socialismo. A notícia do falecimento de Fidel, que já estava afastado da direção do Partido Comunista de Cuba e do Estado, foi recebida com grande tristeza por todas as forças democráticas, progressistas, socialistas e comunistas do mundo. Desde a sua criação, a União Reconstrução Comunista prestou apoio ao processo revolucionário cubano e ao Partido Comunista de Cuba, considerando este ser uma obrigação de todas as forças comunistas do nosso continente. A Revolução Cubana, inicialmente liderada pelo movimento democrático armado “Movimento 26 de Julho” se desenvolveu inicialmente enquanto revolução democrática anti-imperialista, tendo como objetivo principal derrubar o regime ditatorial liderado por Fulgêncio Batista. Esta luta democrática contou como amplo de vastas camadas do povo cubano, tendo como núcleo a classe operária, os camponeses e os estudantes. A Revolução Cubana triunfou contra as forças de Batista em 1º de janeiro de 1959, disposta a realizar as tarefas democráticas exigidas em um país oprimido pelo imperialismo, tais como a Reforma Agrária e a nacionalização das empresas imperialistas. A realização das tarefas da revolução democrática em Cuba colocou este país em profunda contradição com o imperialismo ianque, principal inimigo dos povos. A crescente radicalização das massas populares, em especial a classe operária, colocou na ordem do dia a questão da transição ao socialismo. No entanto, naquela época, apesar de existir organizações comunistas, marxistas-leninistas, não existia em Cuba um partido único revolucionário. Os principais dirigentes do Movimento 26 de Julho,

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liderados por Fidel Castro, compreenderam no Marxismo a única ideologia revolucionária de nossa época, capaz de guiar corretamente a classe operária no sentido da real libertação. Esse processo fez com que a construção do partido revolucionário fosse considerada a tarefa mais importante daquela etapa da revolução. A união das organizações revolucionárias Movimento 26 de Julho, Partido Socialista Popular (antigo partido comunista) e o Diretório Revolucionário 13 de Março, deu origem ao Partido Unido da Revolução Socialista, organização marxista-leninista dirigente do processo revolucionário. Depois o Partido iria alterar o seu nome para Partido Comunista de Cuba. Não é preciso dizer que ao longo do processo de construção do socialismo o povo cubano obteve inúmeras vitórias e avanços, mesmo estando a poucos km de distância do imperialismo ianque, bem como de ter se engajado - por conta do complexo cenário internacional - ao lado do revisionismo soviético. É importante ressaltar que mesmo diante de tal cenário, o Partido Comunista de Cuba e o seu povo nunca faltaram com os seus compromissos diante da classe operária internacional, tendo prestado decidido apoio a todos os principais processos de luta de libertação nacional e social ocorridas a partir da década de 60, entre elas a luta contra a ditadura militar fascista no Brasil. O proletariado brasileiro e os comunistas de uma maneira geral, nunca esquecerão este apoio recebido dos camaradas cubanos, de modo que seremos eternamente gratos. Atualmente, frente ao complexo cenário da luta de classes em âmbito internacional, Cuba segue resistindo e levando alto a bandeira do socialismo. Sobreviveu de maneira heroica ao vendaval contrarrevolucionário representado pela queda da URSS e dos países socialistas do Leste Europeu, destroçados graças a ação corrosiva do revisionismo. Cuba obteve importantes avanços na luta contra o bloqueio econômico, obrigando o imperialismo norte-americano a reconhecer a inutilidade da política aplicada contra a ilha socialista. A situação, no entanto, se altera com a chegada de Donald Trump ao poder da Casa Branca, que reverteu certos avanços diplomáticos alcançados entre os dois países e voltou a adotar um discurso belicoso e intervencionista contra Cuba. No atual momento, aumentam as pressões do imperialismo contra Cuba, que tenta por todos os meios destruir o socialismo na ilha. Atualmente, promovem a chamada “evolução pacífica”, tática já adotada em outros países socialistas, que consiste em tentar ganhar a batalha entre socialismo e capitalismo por meio da corrupção ideológica da população cubana, em especial dos jovens. Soma-se a isto o fato de Cuba estar realizando certas reformas econômicas, que inevitavelmente farão com que elementos pequeno-burgueses e burgueses se desenvolvam, sendo estes uma futura base social para a restauração do capitalismo. O Partido precisa estar armado política e ideologicamente para estar preparado para resolver tais problemas, algo que demandará uma constante batalha ideológica que necessariamente deverá mobilizar a classe operária e os setores mais conscientes da população cubana. Ao mesmo tempo, é necessário resolver os problemas econômicos que existem no país, dando impulso ao crescimento da economia e ao desenvolvimento do socialismo, mantendo o rumo socialista e as conquistas alcançadas com a revolução. 4- A atual situação do Movimento Comunista Internacional A situação do Movimento Comunista Internacional atual segue sendo difícil e altamente complexa. A situação de agravamento das divergências de posições, longe de terem sido atenuadas, intensificaram-se consideravelmente, o que revela o caráter complexo de nossas tarefas em direção a unidade do movimento comunista internacional. As divergências ideológicas são profundas e abarcam um amplo número de questões relevantes para o entendimento da situação atual. Para nós da União Reconstrução Comunista, o mais importante é saber analisar os fatos atuais tendo como bússola uma correta compreensão da teoria Marxista-Leninista, levando em consideração nossos próprios critérios, que respondem ao desenvolvimento objetivo da revolução em nosso próprio país. Longe de ignorar o que pensam partidos e organizações comunistas de outros países, consideramos que o mais importante é “pensarmos com a nossa própria cabeça”. Esta é a única posição correta e foi aplicada por todos os partidos comunistas vitoriosos em suas lutas revolucionárias.


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No último período chegamos a desenvolver importantes contatos com organizações comunistas de outros países com a qual mantemos grandes proximidades ideológicas. Entre os vários exemplos, destacamos o Partido Comunista das Filipinas, organização que dirige uma Guerra Popular em seu país. Através do contato com o Partido Comunista das Filipinas passamos a entender uma série de importantes questões ideológicas referentes a compreensão do Marxismo-Leninismo e do Pensamento Mao Tsé-tung (maoísmo). O Partido Comunista das Filipinas é uma organização que, assim como nós, reivindica as contribuições dadas por Mao Tsé-tung ao desenvolvimento da teoria do socialismo científico. Contudo, ao contrário de algumas organizações que reivindicam tal pensamento, os camaradas filipinos não se guiam por uma concepção exclusivista, que se nega a colaborar com um espectro amplo de forças democráticas, progressistas e revolucionárias internacionais. Consideramos essa uma posição correta, que está de acordo com os princípios básicos do Marxismo, algo que deve nos inspirar em nosso trabalho internacional. Também através do Partido Comunista das Filipinas tivemos a oportunidade de conhecer mais detalhadamente a experiência dessa organização em seu trabalho revolucionário de dirigir a Guerra Popular Prolongada das Filipinas. As Filipinas possuem muitas semelhanças com o Brasil, sendo também um país semicolonial, de modo que podemos aprender importantes lições ao estudar a história da revolução filipina. É importante que continuemos desenvolvendo nossas relações com tal organização, fortalecendo o movimento de solidariedade com a revolução filipina. Na Turquia, estamos mantendo importantes contatos com a DHKP-C, Frente Popular, importante organização marxista-leninista do país. Apesar de nossas relações ainda estarem em um estágio inicial do seu desenvolvimento, acreditamos ser de grande importância prestarmos atenção nos documentos e posições dos camaradas turcos. Os camaradas turcos são vítimas de uma intensa campanha de repressão promovida pelo AKP de Edorgan, partido fascista. Também é de extrema importância promovermos no Brasil a solidariedade internacional com as organizações revolucionárias da Turquia. Através de nossos veículos de informação, em especial o site NOVACULTURA.info, também damos espaço para a divulgação das ações do Partido Comunista da Índia (Maoísta), que dirige uma importante Guerra Popular. Apesar de não mantermos relações oficiais com este partido, apoiamos o processo de luta armada no país, mesmo estando cientes de que a situação da Índia também é bastante complexa, dado a grande fragmentação que abate o Movimento Comunista Internacional do país. Ao contrário do que se passa nas Filipinas, na Índia existe um gigantesco número de organizações comunistas que reivindicam o marxismo-leninismo, e o partido revisionista tem uma grande influência de massas. Esses problemas não foram empecilho para que o Partido Comunista da Índia (Maoísta) ousasse se levantar em armas, fato que possibilitou um importante avanço organizativo do Partido e o avanço da Guerra Popular. Sabemos que atualmente a Guerra Popular na Índia passa por grandes dificuldades, mas sabemos que os comunistas indianos superarão tal problema. Na América Latina, chegamos a desenvolver relações com alguns partidos, especialmente o Partido Comunista Chileno (Ação Proletária), porém no último período tivemos dificuldades em manter contato com os camaradas. Isso se deve a vários fatores, entre eles a desorganização geral que abateu nossas fileiras no período recente, algo que devemos superar urgentemente. Continuaremos apoiando iniciativas internacionais que chamam pela criação de frentes anti-imperialistas, compostas por organizações de massa de todos os países, como é o caso da Liga Internacional de Luta dos Povos (ILPS). A ILPS é uma importante organização revolucionária de massas internacional, que agrega diversas organizações, liderada pelo camarada José Maria Sison, fundador do Partido Comunista das Filipinas. A ILPS vem se destacando como uma das mais importantes iniciativas promovidas pelas forças do movimento comunista internacional, mantendo posições importantes de denúncia contra o imperialismo, a favor da revolução nos países onde se desenvolve a guerra popular; em defesa dos processos anti-imperialistas na América Latina e em defesa da República Popular Democrática da Coreia. Futuramente, seguiremos

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promovendo as atividades da ILPS em nosso país, bem como nos esforçaremos para fazer com que as organizações de massas dirigidas pela nossa organização se filiem à ILPS. Temos ciência da existência de várias outras iniciativas internacionais de organizações marxista-leninistas. Entre elas, poderíamos destacar o Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO); a Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxistas-Leninistas (CIPOML); a Coordenação Internacional de Partidos e Organizações Revolucionárias (ICOR). O EIPCO é um encontro internacional de partidos convocado inicialmente pelo Partido Comunista da Grécia (KKE) e teve sua primeira edição realizada em Atenas, Grécia. Neste encontro, participam inúmeros partidos que reivindicam o comunismo e o marxismo-leninismo, sendo a maioria deles composta por antigos partidos “pró soviéticos”. No EIPCO também participam em algumas edições os partidos comunistas que governam os países que ainda reivindicam o socialismo, sendo eles o Partido do Trabalho da Coreia, o Partido Comunista de Cuba, Partido Popular Revolucionário do Laos e o Partido Comunista do Vietnã. No Brasil, o PCdoB revisionista e o PC Brasileiro participam anualmente desse encontro. Em nossa opinião, apesar de este ser o encontro mais bem estruturado, não podemos deixar de notar sérias limitações em seu seio. O KKE, por exemplo, claramente o utiliza como forma de construir uma “nova internacional comunista”, onde todos os partidos que a integram devem se submeter às suas concepções. Apesar deste encontro contar com a presença de organizações com a qual temos muita proximidade, tais como o Partido do Trabalho da Coreia, também conta com a presença de organizações claramente revisionistas, tais como o Partido Comunista da Espanha, o Partido Comunista da França e o Partido Comunista do Brasil. Não podemos deixar de notar que importantes partidos, tais como o Partido Comunista das Filipinas, estão fora desse encontro. As Filipinas são representadas no EIPCO pelo chamado PKP-1930, organização revisionista que se opõe a guerra popular no país. A CIPOML foi criada por iniciativa de organizações “hoxhaístas”, que se alinhavam internacionalmente às posições do antigo Partido do Trabalho da Albânia de Enver Hoxha. Apesar desta coordenação dizer denunciar o revisionismo, não podemos deixar de chamar atenção para o anti-maoísmo gritante de muitos partidos que a compõem, algo que nos coloca em profunda contradição com tal iniciativa. Também não podemos deixar de notar a completa ausência de qualquer nota de solidariedade ao povo coreano e ao seu processo revolucionário nos documentos da CIPOML. Ao contrário, essa conferência já deu espaço para partidos que classificam como “fascista” o Partido do Trabalho da Coreia. Recentemente, após a realização do VIIº Congresso do Partido do Trabalho da Coreia, o Partido Comunista Marxista-Leninista do Equador - um dos principais impulsionadores da CIPOML - publicou um texto em seu órgão central Em Marcha (17 de maio de 2016), onde condenam o “Estado autoritário” que promove o “culto à personalidade” de Kim Jong Un. Os marxista-leninistas do Equador vão além e dizem que a visão do PTC é “mais atrasada do que muitas democracias burguesas”. Condenar o “autoritarismo”, lamentações entorno ao “culto à personalidade” e outros choramingos, não passam de vacilação e capitulação diante do inimigo de classe e do imperialismo. Pior ainda quando uma organização marxista-leninista se coloca ao lado das “democracias burguesas” contra um país socialista que está na linha de frente da luta anti-imperialista internacional. A posição desses “antirrevisionistas” é mais vacilante e conciliadora do que a de partidos como o PCdoB no Brasil. Não sabemos como andam os debates internos no seio da CIPOML em relação como caracterizar a República Popular Democrática da Coreia, mas essa vacilação em se posicionar abertamente ao lado da RPDC é motivo de preocupação. No Brasil, o representante desta corrente é o Partido Comunista Revolucionário (PCR). A ICOR é uma coordenação internacional impulsionada pelo Partido Marxista-Leninista da Alemanha. Este partido também possui posições que consideramos preocupantes, tais como a de considerar o Brasil um “país imperialista”, se opor à RPDC e manifestar certas posições que flertam com o trotskismo. De qualquer modo, dentro da ICOR existem vários tipos de organizações, com posições diferentes relacionadas sobre um mesmo assunto. Por exemplo, na ICOR


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existem organizações que apoiam a RPDC. Não menos importante é falarmos de algumas outras iniciativas internacionais, menores, mas que precisam ser tratadas com atenção. No passado, organizações maoístas como o Partido Comunista do Peru, o Partido Comunista Revolucionário dos Estados Unidos, Partido Comunista do Nepal (Maoísta) e o Partido Comunista da Índia impulsionaram uma iniciativa chamada Movimento Revolucionário Internacionalista (MRI). Dentro do MRI participavam organizações que reivindicavam o Marxismo-Leninismo-Maoísmo e de maneira geral se aproximavam das teses dos peruanos, desenvolvidas por Abimael Guzman. Com a prisão de Guzman e da direção do PCP, o movimento ainda teve um fôlego extra devido ao avanço excepcional da Guerra Popular no Nepal, liderada pelo PCN (Maoísta) de Prachanda. Infelizmente, em 2006, os maoístas do Nepal assinaram um “acordo de paz” com o Estado reacionário do país e acordaram em desmobilizar o Exército Popular de Libertação. Tais acontecimentos, que colocaram um fim no avanço vigoroso da Guerra Popular do Nepal, trouxe uma gigantesca confusão e crise para o interior do movimento comunista do país e também para o interior do MRI, que se dividiu completamente em relação ao tema. O Partido Comunista da Índia (Maoísta) publicou um documento criticando a direção do Partido Comunista do Nepal (Maoísta) e o PCR dos EUA, liderado por Bob Avakian, embarcou no caminho da chamada “nova síntese”. Segundo Bob Avakian, suas contribuições ideológicas teriam elevado o comunismo a um novo patamar, sendo necessário reconstruir o movimento comunista tendo essa ideologia como base. Todos esses fatos revelam a completa fragmentação na qual o movimento comunista internacional está inserido. Sendo assim, é de extrema importância que ao mesmo tempo que levemos em consideração e acompanhemos o desenvolvimento de todas essas iniciativas internacionais, sempre tenhamos como básico analisar os fatos partindo de nossos próprios critérios, com independência e autonomia. Nossa relação com os partidos comunistas e organizações de outros países, devem se estabelecer como relações bilaterais, respeitando os assuntos internos de tais organizações e buscando contar com o respeito destas. Isso não significa que no âmbito interno não tenhamos nossa própria posição sobre as posições de tais organizações. Também não descartamos a possibilidade de que no futuro o movimento comunista internacional supere suas debilidades ideológicas e organizacionais, criando um ambiente mais propício para a cooperação internacional entre os vários partidos comunistas de um modo mais unitário. Acreditamos que no momento atual nossa intervenção internacional de maneira mais coordenada deve se dar no âmbito das frentes internacionais de massa, que chamam pela criação da unidade internacional anti-imperialista, tais como a ILPS. 5- A crise da Venezuela e a luta nacional-libertadora na América Latina A situação do nosso continente tem mudado de forma acelerada nos últimos anos. O imperialismo norte-americano tenta liquidar com todos os vestígios de autonomia real ou relativa que os países latino-americanos conseguiram nesse começo de século. Desta maneira, vem conduzindo, econômica, política e militarmente, uma série de golpes de Estado e substituições de governos com os quais possuem alguma contradição em favor de forças reacionárias da elite agrária e empresarial. Assim se passou com o nosso país. O caso mais grave e também o mais importante para a independência do continente é atualmente o da Venezuela. Com a morte do comandante Hugo Chávez, os Estados Unidos acreditaram que poderiam retomar o país para o seu controle por via eleitoral, através da candidatura direitista de Henrique Capriles Radonsky. Após sua derrota nas urnas, a Mesa de Unidade Democrática passou as ações armadas de rua, enquanto o imperialismo americano valia-se da diminuição das importações venezuelanas, em decorrência da escassez de divisas resultante da baixa dos preços dos petróleos, para estimular o esvaziamento de seu mercado interno através do contrabando de gêneros básicos para a Colômbia. Em janeiro de 2016, os imperialistas ianques jogaram sua cartada decisiva, visando levar a Venezuela a uma situação insustentável, pressionando o rebaixamento dos preços do petróleo até o seu patamar mais baixo, de 19 dólares. Como resposta as violências e a recusa da oposição armada ao diálogo, o governo na-

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cionalista de Nicolas Maduro convocou uma nova Assembleia Constituinte. Os opositores, que antes a reivindicavam, recusaram-se a tomar parte nela, iniciando a ofensiva geral pela tomada do poder mediante um golpe armado. Iniciou-se uma sequência de marchas violentas (guarimbas) que levaram a Venezuela a uma situação de verdadeira guerra civil e se transformaram efetivamente em ações de terrorismo após o ataque aéreo, de junho de 2017, contra os prédios do Ministério do Interior e do Supremo Tribunal. Tais ações têm contado com a participação direta de paramilitares colombianos, armados e treinados nas bases militares norte-americanas da Colômbia. A atual oposição venezuelana do MUD é na verdade uma força títere, de tipo neocolonial, que busca entregar as enormes reservas de petróleo do país aos Estados Unidos, e seu principal líder, Leopoldo Lopez, é responsável por dezenas de assassinatos perpetrados contra o povo. Em meio a grave situação de crise, o governo de Maduro conseguiu negociar com a OPEP o aumento do barril de petróleo para 50 dólares, em maio de 2017. Dessa maneira pode fazer elevar os índices de importação, conseguindo assegurar um maior abastecimento de alimentos e medicações para a população pobre. Tal medida significou um verdadeiro contra-ataque a ofensiva imperialista e reacionária e possibilitou organizar vitoriosas marchas em favor do governo e da revolução bolivariana. Adotar uma política de solidariedade para com a Venezuela e sua revolução não significa que adotamos as posições políticas do chavismo, guardamos nossa independência frente as suas posições ideológicas e a sua estratégia política particular. Porém, a luta que se trava hoje na Venezuela é para decidir da continuidade da via independente daquele país ou de sua recolonização pelo imperialismo americano. Ela se transformou no ponto mais importante do continente, e todas as forças da reação continental voltam-se para atacar sua soberania. A partir da aliança neoconservadora Macri-Temer, se impuseram sanções severíssimas contra Caracas no Mercosul. Isso demonstra como o golpe de Estado no nosso país, cumpriu também a função de transformar o Itamaraty num braço do departamento de Estado norte-americano, e num órgão voltado contra as lutas democráticas e de libertação nacional dos povos latino-americanos. A atuação crise venezuelana também demonstra todo o perigo que representa para a soberania dos países da América Latina a permanência de tropas norte-americanas em solo colombiano e peruano e a imediata necessidade de lutar por sua retirada. É nossa tarefa central para o continente lutar em defesa do governo nacionalista da Venezuela, contra a guerra colonial encoberta travada pelo imperialismo e as forças da reação no presente momento. Assim como combatermos decididamente contra a política de “cordão sanitário” organizada pela nova “Santa Aliança” articulada em torno dos governos do Brasil e Argentina. 6- Outros elementos da luta contra o imperialismo ianque A ordem mundial unipolar do imperialismo norte-americano não pode existir sem se defrontar constantemente com diversos focos de resistência e dissenção. Seu objetivo principal é varrer os países que mantiveram a orientação socialista após a dissolução da União Soviética e do bloco de países socialistas do Leste da Europa, mas também, aniquilar as potências regionais que compreende como uma ameaça a sua dominação global. A Rússia se tornou um alvo central da estratégia americana por esse motivo. A forte tensão nas relações entre os dois países, que veio em crescente desde meados do segundo governo Putin, coincidente a segunda administração Bush, geraram forte polêmica dentro e fora das forças populares sobre o real sentido da atual política russa. A União Reconstrução Comunista respondeu a estas polêmicas opondo-se tanto a tese do “imperialismo russo”, quanto as teses apologistas da atual política do Estado nacional russo de capitalismo restaurado. Explicamos que o grupo governante de Putin representa uma política da burguesia russa que visa retomar os padrões de acumulação capitalistas normais, através do aumento dos investimentos em setores produtivos, regulamentação do sistema bancário e maior intervenção estatal na econômica. No plano internacional, sua administração buscou a manutenção da aproximação com o governo americano, o que se verificou em seu apoio a guerra do Afeganistão, sendo forçada, porém, a reverter tal orientação em decorrência da crescente expansão das forças da OTAN sobre os países da zona de influência da antiga URSS, o que punha em xeque a segurança nacional do país.


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Dissemos, entretanto, que a política externa mais assertiva e nacionalista da Rússia não poderia ser consequentemente anti-imperialista, e visava, sobretudo, melhores condições para a negociação e a integração com o Ocidente. Afirmávamos, ainda assim, que a propaganda contra o suposto “imperialismo” russo era a principal armadilha na análise da situação internacional, pois equivalia a um alinhamento com os interesses estratégicos do imperialismo de Washington, e que se fazia necessário uma postura de apoio as medidas anti-ianques adotadas pelos russos em alguns pontos do globo. Nossas teses foram confirmadas. Os russos adotaram uma posição equivocada no ano de 2016 ao apoiar a candidatura de Donald Trump e se felicitar por sua vitória. Mas o fracasso dos esforços da nova administração em estabelecer um acordo com o governo de Moscou levou ao recrudescimento da ofensiva americana em pontos estratégicos para os interesses do Kremlin. Como consequência, os russos não realizaram nenhum realinhamento pró-americano, pelo contrário, mantiveram suas posições assertivas. Por exemplo, suspenderam o memorando de cooperação militar com os Estados Unidos, reforçando sua proteção a bases aéreas sírias com mais complexos antiaéreos. As ações diplomáticas e militares da Rússia foram decisivas e permanecem sendo fundamentais para a vitória das forças nacionais na guerra civil síria e, por conseguinte, para o direito à autodeterminação daquele povo. A guerra da Síria é ainda um ponto nevrálgico da luta dos povos por libertação nacional e soberania. As ações militares dos Estados Unidos e de Israel contra as forças governamentais, sob o pretexto, respectivamente, de retaliar o uso de armas químicas e impedir o fornecimento de armamentos para o Hezbollah, são ações mal disfarçadas para auxiliar forças “opositoras” e terroristas na luta contra as tropas do Exército Árabe da Síria e para ajudar a debilitar o governo sírio. Sob o comando do presidente Bashar Al Assad, o exército e o povo sírio vêm vencendo a guerra de libertação contra os terroristas e “opositores” que funcionam como agentes internos da política de dominação estrangeiras. Em dezembro de 2016, as forças nacionais conseguiram a histórica vitória que foi a libertação de Aleppo, desfechando um golpe avassalador nas forças terroristas. Seguimos apoiando as forças governamentais e a luta de libertação nacional do povo sírio contra as forças terroristas e fantoches, contra as agressões e ataques aéreos norte-americanos e israelitas e pela dissolução das “zonas de amortização da tensão”. O Irã se transformou em outra zona do planeta onde forças anti-ianques são acossadas e sofrem com a ofensiva do imperialismo. Desde a 1979, quando a revolta popular derrubou o regime do xá Reza Pahlevi, um dos principais aliados norte-americanos, as relações entre Teerã e Washington se tornaram críticas. O governo de Washington armou o Iraque de Saddam Hussein para lutar contra o regime do aiatolá Khomeini e após o fracasso dessa estratégia desenvolveu uma terrível guerra econômica buscando tornar inviável o programa de desenvolvimento nuclear para fins pacíficos daquele país. Só em 2015 foi possível chegar a um acordo arbitrado pela comunidade internacional sobre essa questão. A política econômica das forças “moderadas” do governo Rohani criou dificuldades para a vida do povo iraniano, levando a levantes populares iniciados em fins do ano passado. A ação da propaganda imperialista e dos seus agentes infiltrados no país a partir do Afeganistão buscam canalizar a revolta para uma mudança de regime. É nosso deve defender os setores políticos iranianos que se opõe as políticas econômicas neoliberais e buscam proteger a soberania do país. Defender a soberania de todos os povos e as justas reivindicações daqueles países que buscam manter uma política independente frente aos Estados Unidos é uma estratégia adequada de explorar as múltiplas contradições da ordem unipolar e buscar enfraquecer a cadeia do imperialismo. Nesse sentido, necessitamos acompanhar atentamente o agravamento de todas as tensões no globo, sobretudo, as delicadas e complexas relações que vêm se estabelecendo entre Estados Unidos e Rússia, e as manobras empreendidas pelos primeiros contra os governos verdadeiramente nacionais, como o sírio, o iraniano, o venezuelano, etc.

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SOBRE O MOVIMENTO ESTUDANTIL BRASILEIRO 1- Elementos gerais do Movimento Estudantil atual. Das organizações e mudança histórica na Universidade Historicamente, o acesso à universidade no Brasil se concentra aos rebentos das classes mais abastadas, dando o tom de que o ensino de “qualidade” é um privilégio que, entre outros elementos, evidencia a desigualdade determinada, no geral, pela contradição entre capital e trabalho. Neste contexto, o que há de mais avançado são movimentos “progressistas” (em que medida, em qual situação e por quais motivos?) com pouco enraizamento nas massas populares e com relevante influência ideológica pequeno-burguesa, de caráter oportunista e, em última instância, se convertendo em elementos antipopulares que vislumbram a manutenção do status quo como meio de garantir suas regalias e, mais facilmente, através do serviço prestado aos seus partidos, ingressarem na política formal burguesa, isto é, de forma nitidamente oportunista, essas organizações utilizam-se do movimento estudantil como trampolim para suas carreiras individuais. 2- Das associações de estudantes universitários O principal aparato de organização dos estudantes universitários é a União Nacional dos Estudantes que se organiza há décadas e outrora fora combativa. A UNE - enquanto representação máxima dos estudantes dentro da democracia burguesa - consegue aglutinar forças consideráveis na composição do Movimento Estudantil mediante a uma estrutura de aparelhamento eficaz. Nas universidades, há a previsão de organização de associações de representação estudantil, como o Diretório Central dos Estudantes (DCE’s), Centros Acadêmicos (CA’s) e Diretórios Acadêmicos (DA’s) que, diferente da UNE, são associações de atuação intra-universitária. Da União dos Estudantes; Do Diretório Central dos Estudantes; o DCE é a instância máxima de representação estudantil em uma universidade. Representa todo o corpo de estudantes da instituição, mesmo esta sendo multicampi (com vários campi espalhados). Geralmente, as mesmas organizações que disputam a UNE, disputam os DCE’s de cada universidade e com a mesma falsa polarização que existe na UNE entre situação e oposição. Do Diretório Acadêmico; quando a universidade é multicampi, em cada campus é estruturado o DA, que fica incumbido de representar as(os) estudantes daquele espaço físico específico. Do Centro Acadêmico; o Centro Acadêmico é a instância representativa dos(as) estudantes de cada curso de graduação. Este aparelho deve atuar em prol dos interesses estudantis, no entanto, geralmente, para as organizações oportunistas é um meio para se conseguir chegar ao DCE, deixando, quase que exclusivamente os interesses e necessidades dos cursos em segundo plano, cursos que com o desmonte das universidades, sejam as públicas ou privadas, muitas vezes são comprometidos (sobretudo nas universidades públicas).

por Cássio Lima e Rodrigo Ortega


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3- Contexto do ensino superior no Brasil Com a experimentação do crescimento econômico e o processo de políticas compensatórias - sob o crivo do Banco Mundial e o FMI - do governo Lula, ocorre um aumento tímido do acesso das massas populares ao ensino universitário, alterando em alguma medida o contexto das universidades brasileiras, sejam as públicas ou privadas, no entanto, nunca houveram tantos estudantes universitários matriculados. Em um total de 8.081.369 vagas ofertadas ao todo, segundo o censo da educação superior de 2014 (o mais recente), número muito superior aos 3.887.022 do ano de 2013 (segundo o censo da educação superior de 2003). Deste total de vagas ofertadas de acordo com o censo de 2014, 7.287.421 estão concentradas nas mãos da iniciativa privada, enquanto que o Estado (em suas esferas federal, municipal e estadual) é responsável apenas 793.948 vagas. Quando se trata de cursos presenciais, o Estado detém 723.904 das matrículas, enquanto que as universidades privadas detêm 4.314.488 (72% do total); quando se trata de cursos à distância ou semipresenciais, o Estado é responsável apenas por 70.044 das vagas, enquanto que a iniciativa privada fica com 2.972.933 das vagas, isto é, 90% do total. Destes dados pode-se concluir que o Estado burguês tem interesses relevantes na produção do ensino superior, no entanto, esse fato não significa uma pró-atividade iluminista na ampliação do acesso a razão; pelo contrário, evidencia-se neste contexto o caráter mercadológico imposto pelo Estado burguês em relação a educação superior, se expressando em âmbito educacional fortemente tecnicista, desaguando na mera formação de uma relativa mão de obra qualificada (na medida em que o ensino é depreciado) desprovida de qualquer politização mínima do sujeito. O ensino superior, desde que instituído em nosso país, com a vinda da família real portuguesa, é um diferenciador social para as classes dominantes e seus agentes das demais classes, no entanto, com a ascensão das políticas neoliberais e suas aplicações mais selvagens durante os governos FHC, em 1999 é criado o programa do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Com o FIES, há um aumento significativo no número de estudantes no ensino superior em instituições privadas (uma média de 29,9% de aumento de matriculados do ano de criação do FIES até o último ano de mandato de Fernando Henrique Cardoso, 2002), como podemos ver no quadro 1 (anexado). Os governos petistas seguiram com o FIES e o fizeram maior do que nunca,

“Temer esse ‘e sp dele, ignorá-lo, írito reacionário’, tentar presc é in temer o papel d uma grande tolice, pois equiv dir e a siste em instru vanguarda do proletariado qu le a ir, ilustrar, educ e conar, nova as camad as e as massas atrair para uma vida mais atrasa classes trabalh adoras”. LENIN das das

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sobretudo no primeiro mandato de Dilma Rousseff aonde se pode verificar investimento pesado no programa. Em 2010 (último ano do governo Lula), eram investidos “singelos” 274 milhões de reais, enquanto que em 2016 (ano do golpe de Estado), chega-se ao absurdo de 20 bilhões de reais, podendo-se observar que no primeiro triênio do governo de Dilma Rousseff, os valores dobram ano a ano, como mostra o gráfico:

Os bilhões do erário público despejado no FIES fez com que conglomerados de educação crescessem se fortalecessem e criassem monstros monopolistas na educação e seus efeitos já são sentidos na qualidade de ensino e sucateamento da profissão docente, como salas superlotadas e, como visto o crescimento da educação à distância, o que diminui a qualidade da educação etc. O grupo que mais cresceu com o governo petista foi o Kroton, que tem mais de 1 milhão de estudantes matriculados em suas universidades, tendo um total de 35,54% do “mercado educacional” no país (como consta no quadro 2) e que recebeu grandes repasses do governo federal através do FIES. Enquanto isso, neste mesmo período (2011-2017), as universidades públicas vêm sendo sucateadas, sobretudo pelo governo federal. Neste período tivemos duas grandes greves nacionais de professores universitários, a de 2011, que durou mais de 120 dias, contra o sucateamento e atraso e a falta de reajuste dos salários e a greve de 2015 que foi, sobretudo, contra o corte de 10 bilhões na educação por parte do governo federal, no entanto, como vemos, mesmo tendo tido um crescimento menor em relação ao ano de 2014, o FIES teve aumento de mais de 1 bilhão no ano de 2015, isto é, o pagamento às universidades privadas não só se manteve como se expandiu, enquanto as universidades públicas, mantiveram-se estagnadas e muitas correram o risco de fechar suas portas. Vale lembrar que as universidades públicas são responsáveis pela produção da ciência em nosso país, mesmo representando apenas 28% do corpo discente do ensino superior, como consta no quadro 8 (anexado). Há que se considerar também o público que frequenta as universidades privadas através do FIES e, assim, acaba endividando-se após o término da graduação, sem emprego devido às flutuações do mercado. São jovens da classe trabalhadora querendo qualificar-se para ter uma renda maior e garantir sua existência. Geralmente são jovens que são condicionados a estudar no período noturno por conta da jornada laboral do período diurno, ou acabam por cursar algum curso à distância que são predominantemente oferecidos em instituições privadas, como já exposto aqui. Segundo o censo de 2014, a maioria dos estudantes em universidades particulares estudam no turno noturno, enquanto que nas IES (instituição de ensino superior) pública, esse quadro se inverte, isto é, mantém-se o espaço de exclusividade das universidades públicas para as classes dominantes e seus agentes, enquanto que nas universidades privadas, frequentada em sua maioria pela juventude da classe trabalhadora, mantém-se enquanto espaços para a qualificação da mão de obra operária, como consta no quadro 9, em anexo. Nas universidades públicas, o perfil do público é diferente. Geralmente, são jovens de classe média com concepções de mundo pequeno-burguesa e que têm em seu seio familiar outros


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parentes que já frequentaram o ensino superior, no entanto, com o desenvolvimento das políticas compensatórias e de ampliação mínima de direitos vivenciados nos governos de Lula e Dilma evidencia-se a inserção de alguns elementos da classe trabalhadora nas universidades públicas a partir do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), através do Sistema de Seleção Unificado (SiSU). Este ingresso, é claro, geralmente foi condicionado à locomoção desses jovens de um Estado a outro e, em sua maioria, a cursos de licenciatura (que tem uma nota de corte mais baixa) que são, em sua maioria no turno noturno, uma vez que esses jovens precisam trabalhar para sua manutenção na universidade. As políticas afirmativas (cota social e racial) também foram determinantes para este tímido ingresso nas IES públicas. Por se locomoverem centenas de quilômetros para estudar, muitas vezes estes jovens não conseguem se manter e acabam evadindo da graduação, ou também evadem por conta da pesada jornada cotidiana, que se traduz na difícil tarefa de conciliar entre trabalho e educação e, nos casos das mulheres, em geral, ainda há a jornada do trabalho doméstico que lhe é socialmente imputado pela primitiva divisão sexual do trabalho que segue legitimada pela sociedade capitalista e pelo seu modo de produção. 4- Encaminhamentos para uma atuação guiada pelo Marxismo-Leninismo-Pensamento Mao Tsé-tung no Movimento Estudantil Traçado, de forma resumida, o perfil das instituições de ensino superior em nosso país, algumas instâncias representativas do movimento estudantil, bem como as facetas das organizações de juventude nas universidades e um breve perfil dos(as) estudantes nas IES, creio que possamos indicar certas linhas de atuação no movimento estudantil. A UNE, enquanto representação máxima dos estudantes dentro da democracia burguesa, consegue aglutinar forças consideráveis na composição do Movimento Estudantil mediante a uma estrutura de aparelhamento eficaz. Neste contexto, a atuação dos comunistas deve ter um significado bem objetivo, atuar em áreas estratégicas do movimento estudantil, não só no sentido de avançarmos no processo de propaganda e de formação político-ideológica de quadros de comunistas estudantes, com particular atenção aos proletariados. Nossa atuação ganha concretude na medida em que nos adaptamos para atuarmos nos variados campos da vida estudantil, implicando na luta pelas garantias elementares de sobrevida dos estudantes empobrecidos (como na luta pela permanência estudantil por meio de programas de auxílio econômico), nas lutas pelas liberdades individuais (instrumento importante para combatermos as influências obscuras da pós-modernidade) até o avanço e aprofundamento ideológico do movimento estudantil em sentido mais amplo (por meio de formação político-ideológica ampliada, um exercício constante de propaganda comunista e a ligação orgânica com movimentos sociais locais) em um futuro de construção solidificada. É estratégico ocuparmos os espaços institucionais, que são disputados de maneira encarniçada pelos movimentos de origem socialdemocrata, pois é um instrumento importante para o processo de aproximação de militantes mais avançados ou que mostrem mais potencial no desenvolvimento do processo de lutas. Devemos compreender que o Movimento Estudantil tem caráter heterogêneo, e é composto pelas mais diversas classes sociais, e nossa atuação dentro do desenvolvimento do ME significa disputar e aprimorar futuros quadros comunistas, principalmente estudantes proletários. Devemos fazer da nossa militância universitária uma caixa de ressonância das lutas sociais em vigência, no campo e nas cidades, afim de estreitar laços com os movimentos sindicais, de luta por teto e pela terra, forjando alianças importantes no sentido de dar alcance para a luta estudantil. Portanto a militância universitária não deve estar dissociada das lutas sociais, ou serão fadas eternamente ao isolacionismo. Há também que se atuar junto às comunidades que circundam as universidades, uma vez que é sentimento geral dessas comunidades geralmente pauperizadas de que a universidade pública é uma realidade distante. Neste sentido, é dever dos comunistas agirem de modo a aproximar o povo da universidade, com ações pontuais e cursos populares para que a classe trabalhadora ocupe cada vez mais as universidades públicas. A vinculação das pautas estudantis aos interesses nacionais também é tarefa determinante, compreender como o processo de formação universitária dialoga com as necessárias tarefas de luta pela libertação nacional, de garantia de nossa soberania e, fundamentalmente, de luta anti-imperialista converte-se em uma tarefa da ordem do dia.

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O ASSENTAMENTO E SUA FUNÇÃO NO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO por Elaine Calça

A condição histórica do Brasil numa relação de servidão continuada ao mercado mundial nos une, como nomeia Darcy Ribeiro. No primeiro momento enquanto colônia à serviço do mercantilismo e, depois do capitalismo dependente –primeiro à serviço do mercantilismo e, depois do capitalismo monopolista - geraram uma burguesia antissocial, antinacional e antidemocrática. Independentemente dos conflitos entre as teorias, se houve revolução burguesa ou não, o fato é que nossa burguesia não fez reforma agrária e não cumpriu as pautas típicas das revoluções burguesas tradicionais. Na atual conjuntura, no Brasil submetido a um governo pró-Imperialista, títere, é impossível ser consolidada uma reforma agrária. A possibilidade de Reforma Agrária no Brasil só seria possível enquanto pauta principal da Revolução Democrática Popular Anti-Imperialista, que deve ser construída.


“O Assentamento e sua função no processo revolucionário”

1- Introdução: O reflexo das políticas públicas A partir do contexto histórico do Assentamento “Boa Esperança” e de bibliografia sobre outros assentamentos, problematizaremos as lutas políticas para permanência na terra. Plínio de Arruda Sampaio Jr. recentemente, através de publicações , denuncia que a política de assentamentos conduzidas pelo Partido dos Trabalhadores, sob os governos Lula e Dilma, foi uma política intencionalmente de exclusão de homens pobres. Nessa primeira parte tentaremos contribuir com o argumento do isolamento desses homens elaborado por Sampaio. A política de assentamentos ter como motivo ou proposta principal esse isolamento pode ser questionado, entretanto mostraremos, que de fato, esse isolamento foi uma consequência vivida no caso do Assentamento “Boa Esperança”. Inclusive porque o Oeste Paulista, assim como o Interior do Brasil, são áreas que historicamente tem um baixo grau do desenvolvimento das forças produtivas, se diferenciando substancialmente do desenvolvimento no Litoral do país. Nesse sentido o estudo de caso pode nos permitir a reflexão crítica feita por Sampaio Jr.[1], independentemente se o isolamento fora causa ou não da política pública, tal isolamento é uma realidade em muitos assentamentos do Brasil. O que instiga a elaboração deste artigo são as inquietações da autora desde o primeiro contato com os produtores da Cooperativa do Assentamento “Boa Esperança” (COOAABE), por meio da INCOP em 2013, ano na qual foi integrante do projeto de extensão “Práticas Educativas no Assentamento Independente Boa Esperança”, financiado pelo PROEX/UNESP - Projeto de Extensão Universitária. O fim desse projeto não resultou no fim das relações consolidadas naquele território, pelo contrário, possibilitou fortalecimento da relação através de outras atividades, como cursos de agro ecologia, mutirões de trabalhar na terra, organização de assembleias, reuniões, idas as chamadas de greves e visitas a outros assentamentos, além de festas juninas. Com anseio de continuar no local, a autora começou um projeto de História Oral, na qual visitava os assentados em seus lotes, na tentativa de resgatar a história de luta por conquista da terra. Os materiais obtidos são vídeos, áudios, manuscritos que serão usados aqui como fonte. Sendo assim, esse artigo é uma tentativa teórica dialética, já que a trajetória anterior a escrita é baseada no tripé prática – teoria – prática. No Oeste Paulista, historicamente temos municípios de médio e pequeno porte de base econômica rural (monocultura extensiva). O grupo fora assentado em um pedaço de latifúndio, escolhido pelo próprio latifundiário, visto que o modus operandi das políticas de reforma agrária é deixar o dono escolher qual terra será assentada, além do Governo comprar a terra pelo preço tabelado do mercado, entre outras mazelas. Resultado disso é que em “Boa Esperança” temos um PDS, Projeto de Desenvolvimento Sustentável, ou seja, o território escolhido possui uma nascente, tornado por lei uma área de preservação e, portanto, os lotes são pequenos, tendo menos de 1 hectare: 16.000m². Além da série de problemas graves na produção, visto que era uma área de pasto, conhecida popularmente como baqueara, que precisa de processos para recuperação e manejo do solo. Trabalho este conhecido por ser feito por profissionais da engenharia e agrônomos, que são de remuneração alta. Sendo assim, a melhor solução para o assentamento foi desenvolver as técnicas da agroecologia, prática agrária baseada nas condições histórico sociais de nosso país. Através de autores como autores como Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho (Dialética da agroecologia) e Ana Primavesi, a terra é a base material para transformação da sociedade. Recentemente, no final de 2017, em vista a um Edital da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, o assentamento recebeu o primeiro certificado de transição agroecológica. Esta secretaria conta com pouquíssimos funcionários em situação precária que, entretanto, tomaram esta iniciativa em conjunto com a INCOP; o CAT; a AMATER – Cooperativa de trabalho Assessoria Técnica, Extensão Rural e Meio Ambiente; o Grupo de Agroecologia de Assis – Ágape; Incra e Itesp. Inacreditável o quanto esse certificado mobilizou essas Instituições, enquanto que outros problemas muito mais graves, como falta de saneamento sanitário ou de água, são mais difíceis de serem resolvidos na mesma eficiência. Existe uma bibliografia acadêmica sobre a reforma agrária que denuncia a falta de assistência técnica rural – o que chamamos de ATER - posterior à disponibilização da terra. Ao longo desses 5 anos, além de se comprovar essa afirmação, alguns fatos, demonstrados a seguir, nos levam de encontro à tese de Sampaio Jr. do descaso proposital, tanto para benefícios de alguns [1] Tese que se encontra no livro SAMPAIO Jr., Plínio de Arruda. Crônica de uma crise anunciada: crítica à economia política de Lula e Dilma, São Paulo: Amarante Editorial, 2017 e no artigo Notas críticas sobre a atualidade e os desafios da questão agrária.

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quanto para precarizar cada vez mais o trabalho baseado na agricultura familiar: a) A localização do Assentamento está entre os municípios de João Ramalho e Rancharia, ao lado de uma Rodovia Simples e mal sinalizada, o que já causou diversas mortes e acidentes aos moradores; b) Como ocorre em muitos assentamentos, os seus moradores advêm de acampamentos de outras localidades, separados para desarticular a luta; c) No processo de obtenção das terras, foram estranhamente incluídas pessoas que não estavam na luta; d) Falta de Políticas Públicas; e) Projetos mandados pela COOABE para acessar editais foram contemplados, todavia a verba não foi recebida pelo que chamaremos de tramites internos do Incra. Existe a dificuldade ao acesso às políticas públicas, por serem necessário condições de organização e formalização do grupo de produtores em associação ou cooperativas, além das taxas, do modelo burocrático e vocabulário adotado nos editais, desconhecidos pelos trabalhadores rurais. É nesse ponto que atua a Incubadora de Cooperativas Populares da Unesp de Assis, auxiliando os cooperados ao acesso à informação, na escrita desses projetos para acessar editais, formas de geração de renda, planejamento da produção e quaisquer outras demandas emergentes. As relações interpessoais entre os estudantes e os trabalhadores dentro dos projetos de extensão tem alterações significativas no âmbito micro a longo prazo. Há um esforço por parte dos estudantes no âmbito micro de acessar políticas públicas e desenvolver projetos que aliem suas teorias com a prática (educação, agroecologia, música), entretanto a não alteração do paradigma da política científica-tecnologia e a burocracia imposta à execução dos projetos reduzem a efetividade das práticas dos alunos e professores ao ensino ou pesquisa exclusivamente, os distanciando da prática; ou aqueles que estão no trabalho de campo e acabam não entrando em contato com uma teoria revolucionária. Porque então uma teoria revolucionária é necessária nesse trabalho prático de campo? Por mais que as pessoas se mobilizem em mutirões e atividades no campo, seja nesse, quanto em outros assentamentos, se não forem encarados como táticas, o trabalho se tornará exaustivo. Temos que encarar essas atividades como táticas e não como objetivos finais, nosso objetivo final é a revolução. Por vezes, pode parecer que tal trabalho seja suficiente, mas deve ser percebido o quanto esse trabalho é repetitivo, pois após meses ou anos, teremos que, novamente auxiliar na manutenção das bombas de água ou nas produções em si. Durante esse trabalho na terra, devemos problematizar quais são nossos inimigos e o que devemos fazer para lutar em rumo à Revolução. Existe o desgaste por parte dos estudantes e técnicos envolvidos, causado pela política ínfima e marginal que fora mantida tanto pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), quanto a outras Instituições Estatais, ou seja, os alunos, professores, militantes e técnicos se veem sobrecarregados no desejo de realizarem cada vez mais no âmbito da “micropolítica”, mas ao enfrentar o descaso do Estado cada vez mais Mínimo, surge o desanimo e, muitas vezes a depressão. Entendendo que a realização de atividades não depende exclusivamente desse pequeno grupo de pessoas, que estamos lidando com modo de subjetivação capitalista, com questões materiais e com ataques diários desse governo golpista. Precisamos pensar as possibilidades de luta em conjunto, não apenas em Assis, mas em nível nacional. Os grupos por luta pela terra de outras partes do Brasil têm muito a contribuir ao compartilharmos experiências e práticas, entretanto sempre com horizonte revolucionário. Sendo assim, se houver uma organização desses grupos, o trabalho se torna muito mais efetivo. A falta de técnicos do ITESP e do INCRA nos deixa claro que o Estado Burguês cria Instituições para iludirem a existência de democracia, nos convencendo que esse sistema é de todos e, portanto, amenizar ou subtrair os movimentos de luta. Toda Democracia Representativa do Ocidente necessariamente está ligada ao Liberalismo, como outros teóricos marxistas pontuam, vivemos sob a Ditadura Burguesa-Latifundiária e, por isso necessitamos de uma Ditadura do Proletariado tal como o camarada Lênin propôs há um século atrás. No âmbito macro vemos que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 2008 não gastou nem 1% do seu orçamento com tecnologias sociais (NOVAES, 2015). Mesmo que tenhamos profissionais honestos e comprometidos com a causa, por serem poucos e estarem dentro de Instituições burocráticas se vêem a todo tempo atribulados a cumprir infinitas demandas. O PAA Programa de Aquisição de Alimentos e o PNAE Programa nacional de Alimentação Escolar foram as únicas políticas públicas progressistas no campo, o que nos mostra o quanto


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alterações estruturantes contribuem para a construção de uma atividade econômica produtiva e sustentável, auxiliando na redução da fome na cidade e no escoamento da produção de pequenos produtores que muitas vezes não conseguem competir com o grande latifúndio. Entretanto por diversas dificuldades, inclusive do município que não teve essas políticas públicas, a COOAABE não conseguiu ser contemplada com o PAA em alguns anos e passou por momentos difíceis, nesse período, houve a criação da Rede de Comercialização Trem Bão, que inclusive gera o dobro de renda que o Programa de Aquisição de Alimentos. 2- Relação Rede Trem Bão–COOABE Segundo Dal Ri (2013) a partir da década de 1970, as organizações de trabalho associado cresceram em muitos países, em especial nos da América Latina. O movimento cooperativista internacional cresceu, mas nunca chegou a ser uma ameaça ao sistema capitalista. Ao contrário, os grandes empresários, principalmente os ligados aos latifúndios e ao agronegócio, a partir de um certo momento, começaram a utilizar as cooperativas para organizar as compras e vendas. Na verdade, denominam-se cooperativas, mas substituíram o cooperativismo ligado aos trabalhadores para criarem monopólios, subordinando os pequenos agricultores. As cooperativas populares, que se diferem destas grandes cooperativas citadas, são parte potencial na realização de um processo de transformação do sistema capitalista. Elas são, ainda, híbridas enquanto substrato ideológico para o fim do sistema capitalista e sua efetivação no plano da lei do valor. Entretanto o fato de poderem superar o trabalho alienado através de atividades socialmente necessárias é uma chama revolucionária. Portanto devemos nos atentar as relações capitalistas presentes nesse meio, como mostra Novaes: “Muitas corporações cooperativas agrícolas cresceram se utilizando da massa de pequenos camponeses como chamariz para obtenção do apoio governamental e depois expulsaram esses mesmos produtores de seu quadro de associados, nos anos 1970 e 1980. Esse processo de acumulação e de expropriação via cooperativas se dá de forma concomitante à expulsão de pequenos camponeses do meio rural pela expansão de áreas controladas por agricultores capitalistas modernizados e já incorporados à dinâmica de alto uso de insumos tecnológicos “modernos” combinado à vinculação com os mercados de produção e de exportação de commodities, especialmente soja e carnes no Sul do Brasil”. (Novaes, 2015). As cooperativas de produção transformam os trabalhadores em proprietários coletivos dos meios de produção e, nesta medida, representam um passo à frente enquanto projeto de democratização das relações de trabalho. Alienação vem do tipo de desenvolvimento histórico pelo qual o ocidente passou, o que faz com que possamos, a partir da consciência histórica, sermos agentes no tempo presente para construir um novo mundo. O sistema capitalista é sustentado pelo trabalho alienado, superando-o, conseguimos abalar o capital e, além disso, o superar – o sistema cooperativo pode ser potencialmente mais produtivo que o sistema fabril – verticalizado, com produção e salários pré-estabelecidos – nas cooperativas há a possibilidade de ampliação dos horizontes de expectativa – onde se quer chegar – a partir da própria produtividade; não necessariamente significando mais horas de trabalho para os cooperados, tendo em vista a força maior que possuem coletivamente. Na prática que os camponeses pobres, assentados, agricultores familiares, verão a vantagem econômica que o sistema de cooperativas acarreta. E justamente por ser uma alternativa de trabalho materialmente mais vantajosa, as pautas políticas e conscientização que essa prática traz, se tornam concretamente viáveis para os trabalhadores. Em Sobre a Cooperação, Lênin pontua como a cooperação pode acabar com o individualismo nas organizações de trabalhadores visto que ajuda no processo de transferência do trabalho individual para o trabalho coletivo. Sendo assim, encaramos o processo de cooperação do campo parte das etapas da construção da revolução, visto que, segundo Lênin, a cooperação significa a liquidação da desigualdade entre as bases econômicas no campo e na cidade; se tornando uma ferramenta política fundamental para sustentação da ditadura do proletariado: para a construção de uma nova cultura. Além disso, como consta em um trecho do item sete do “Programa dos 15 pontos” da União Reconstrução Comunista: “Cooperativizar os camponeses em sociedades econômicas de ajuda mútua para a aquisição de meios de produção comprados do Estado”. Mas precisamos ter claro os limites da cooperativa dentro do Capitalismo. Por exemplo, a manutenção da remuneração do trabalho através do salário mínimo deve ser questionada, pois

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é uma relação que torna a força de trabalho mercadoria mesmo dentro da cooperativa. Então qual seria a diferença entre cooperativa e empresa? Essa é uma autocrítica que deve ser considerada, em vista que a cooperativa tem por base a divisão do montante acumulado entre seus trabalhadores, seja ele qual for o valor individual: haverá meses em que se ganha mais e mês em que já prejuízos. Além disso, manter salários mínimos também produz uma mais-valia que é retirada do trabalhador: um exemplo concreto (e muito corrente no Brasil) são cooperativas de catadores de material recicláveis que conseguem o aval da prefeitura – através de negociações e editais – para realizar a coleta do município. A prefeitura concede um valor montante total que ao ser dividido pelos cooperados, resulta em salários mínimos e, todos os meses são fornecidos regularmente o mesmo montante. Ou seja, a produção não se baseou no tanto que os cooperados trabalharam, a cooperativa perde seu sentido: produzir juntos é mais potente do que produzirmos isoladamente – principalmente profissões marginalizadas na sociedade. Sendo assim a estratégia da prefeitura deve ser combatida; os cooperados devem reivindicar valores justos em relação ao produzido, pois, nos meses em que a coleta é grande, a prefeitura ao vender as latas de alumínio, por exemplo, poderá extrair mais valia da cooperativa. Muitos podem argumentar que as produções não são regulares e que, na verdade a prefeitura estaria “saindo no prejuízo”, entretanto é nitidamente um discurso burguês! Ao realizarmos um trabalho necessário socialmente, todo e qualquer valor justo deve ser coberto pelo Estado, já que pagamos impostos; logo se a prefeitura tem prejuízos, com certeza a culpa nunca será de um grupo pequeno de cooperados. Uma cooperativa – em nossa conjuntura atual – toma os meios de produção muitas vezes com o objetivo de remuneração e fortalecimento do serviço. Não retiramos nenhum mérito desse feito, mas as cooperativas devem tomar os meios de produção com um fim: realizar um trabalho socialmente necessário, sendo sua produção coletiva repartida por todos, não precisando produzir em níveis de capital – o que não significa não produzir excedentes, mas sim alterar o modo de produção, apropriação e distribuição; os excedentes devem ser destinados para custear as aposentadorias, as pensões dos inválidos, a infraestrutura, etc.– tema polêmico desenvolvido por Marx em Crítica ao Programa de Gotha e por Lênin em O Estado e a Revolução. Trabalhando juntos, os camponeses trabalham por menos tempo, sobrando horas para se dedicarem à outras tarefas como estudo ou lazer, esse é o verdadeiro significado de emancipação humana. Mas essa emancipação ocorre dentro do sistema capitalista? Analisando o caso do Assentamento Boa Esperança: os produtores tinham uma horta coletiva, entretanto logo se desfez. Primeiro que os lotes são divididos individualmente, não se tem a concepção de uma terra coletiva de bem comum a todos. A ideologia burguesa é muito forte, o que mais ouvimos quando há proposta de terra coletiva é “o que deixarei para meus filhos e netos?”. A ideia de herança faz parte do que chamei acima de subjetivação capitalista, que precisa ser desconstruída pelos movimentos sociais – essa subjetivação também é o que mantêm as velhas ideias. Em alguns lugares o costume indígena da terra coletiva, advinda de antes do período colonial, permanece e, pode ser útil para o processo revolucionário, em vista que o capitalismo só os coloca em uma posição ainda mais subalterna. Muito além de um resgate de uma identidade indígena, as condições das comunidades indígenas devem ser refletidas e agregadas em uma grande frente nacional anti-imperialista, para que iniciemos assim, o processo revolucionário, na construção de uma nova cultura. Devemos, no entanto, cuidar para não idealizar tais comunidades, em vista da existência de práticas culturalistas que fazem parte das velhas ideias, como morte aos filhos deficientes ou outras formas de mutilação compulsória; entretanto, em um trecho do item 10 do “Programados 15 Pontos”, encontramos que “os povos originários têm o direito de viver segundo sua cultura e em suas terras demarcadas pelo novo Estado”. Nesse ponto do texto temos por objetivo refletir sobre produção, comercialização e consumo, a partir da experiência com a constituição da rede de comercialização solidária, que colocou em relação direta produtores e consumidores. Nesse momento político se faz necessário uma Rede de Consumo como resistência, estamos onde o Estado não atua, estamos fazendo o serviço que o Estado burguês-latifundiário é incapaz de realizar: escoamento da produção dos pequenos produtores da região e distribuição dos mesmos para a população local. Precisamos denunciar quais motivos levam o Estado a se ausentar. Primeiro porque nosso Estado está vivendo um momento de exceção e, em períodos progressistas anteriores foi mantida as alianças do governo


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com a classe dominante e, consequentemente ao imperialismo para fins de governabilidade. A Rede é um Empreendimento de Economia Solidária e frequentemente ouvimos que, por isso, acontece na Rede Trem Bão uma autogestão. O que importa para quem acredita na autogestão é termos um horizonte de expectativa, já que o ideal pode ser um norteador da prática. Ou seja, devemos basear no nosso espaço de experiência para embasarmos as atividades sociais tendo em vista sempre um horizonte de expectativa no qual queremos chegar, no caso a busca por uma sociedade com relações mais igualitárias e visando a emancipação humana, na qual os produtores livremente associados controlarão relações mais justas sem mercantilização da vida e envenenamento dos alimentos. De dezembro de 2016 à julho de 2017 a rede deu passos largos devido a organização, devemos entender que esta não buscou hierarquias, mas sim dividir os trabalhos para que não haja sobrecarga dos membros ativos. Na Rede Trem Bão, por dividirmos o trabalho em grupos de trabalho nos quais denominamos Trens, muitos partem da impressão de que ocorre autogestão. Há um grupo gestor que concentra as informações dos demais grupos e, tem por função comunicar à toda rede, consumidores e produtores, decisões, necessidades, agenda de atividades, etc. Logo podemos dizer que nossa prática se assemelha ao centralismo democrático, só que em nível menor. Faz-se notar que há diversos enganos e preconceitos com o termo, inclusive pelos ruídos que centralismo causa, pois muitas organizações utilizarem essa prática sem dar feedback aos seus associados, ou seja, reter informações ou ter problemas em comunicar todos das decisões; por isso é importante que enquanto Rede, nos questionemos sempre de nossas práticas, realizando a autocrítica. Centralismo Democrático deve ser praticado e entendido na dinâmica política do grupo; e não como algo além e acima dela; pois é, em sua definição, a prática de organizar debates e decisões através de uma democracia direta: parte-se das bases, das sub-sedes, do povo, uma demanda que, por sua vez, chega até a gestão, que pensa, debate, repassando seus posicionamentos para as bases, que, retorna à gestão quantas vezes necessário até se chegar à uma conclusão. A gestão é um modo de nos organizar, fazer um balanço do que os grupos pedem e demonstrar tais dados aos demais grupos, é um diálogo entre um grupo em grande escala. Como temos um grupo pequeno, o método do centralismo democrático da rede funciona de forma dinâmica – embora nem sempre eficientes em termos de desentendimentos e falhas na comunicação. Sempre quando surgem esses problemas, devemos debater em grupo e “refazer” o caminho inverso da história para compreender o ocorrido e então fazer a autocrítica, sem que ninguém leve para o pessoal, pois é político. Devemos ter uma dimensão dos erros e acertos da Organização da Rede Trem Bão, assim como de quaisquer outras organizações que façamos parte enquanto militantes. A autogestão, que leva em conta a desalienação do trabalho e pela superação do sistema produtor de mercadorias, não é realizada e nem sendo inclusa nos projetos políticos da maioria dos movimentos sociais ou partidos, e aqui é pensada que só se tornará possível no estágio de emancipação humana, no qual ainda nos falta muito para chegar. Partindo do pressuposto do trabalho socialmente necessário, os alimentos que estão sendo produzidos no assentamento de Boa Esperança cumprem seu papel: levam a mesa de pessoas o alimento necessário, enquanto que o agronegócio e o latifúndio só servem ao imperialismo. Se nos remetermos a alguns meses atrás, houve uma queda do valor do tomate que acarretou em caminhões parados na pista jogando cargas de tomates aos barrancos com o fim de abaixar o preço: lógica do capital = lei da oferta e da procura - e não está em vista a fome ou a humanização da força de trabalho. 3- A função das cooperativas populares na revolução democrática Mao Tsé-Tung, em seu famoso texto “Retifiquemos o Estilo de Trabalho no Partido”, nos expõe 3 problemas: o subjetivismo, que se expressa através do dogmatismo e do empirismo, o sectarismo e o estilo clichê. Observando o Movimento da Economia Solidária durante os últimos anos e na participação no Seminário Internacional PROCOAS, percebemos que no geral é enfocado a questão da prática como o principal fator revolucionário, o que Mao consideraria um grave empirismo. A prática por si só não é revolucionária! Ajudar a gerar renda em grupos excluídos, que passam fome, é, sem dúvida, uma medida tática imediata, mas incorporar ao mercado aqueles que foram excluídos desse pode ser só mais uma forma de legitimar o Capitalismo. Entretanto, aqui

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também não deixarei passar da crítica colegas e grupos marxistas que somente se reúnem para estudos e debates fechados à quatro paredes, problema gravíssimo de dogmatismo, distanciados da sociedade e dos problemas reais dos trabalhadores e dos segregados. A principal questão no marxismo-leninismo é a relação dialética, praticar, teorizar e, ver na prática novamente a teoria. O antagonismo entre heterogestão e autogestão, próprio do modo de produção capitalista, longe de estar solucionado com a posse coletiva da propriedade, dá lugar a uma tensão entre as relações de produção e as relações de propriedade, isto é, da forma capitalista de organização da produção e do poder nas unidades produtivas, dos mecanismos de extorsão da mais-valia. Resumindo devemos perceber os limites da cooperativa dentro do sistema atual. A proximidade da ação com a autogestão e do cooperativismo na região do oeste paulista dependerá de uma ruptura política encabeçada pelos movimentos sociais anticapital, que certamente questionarão os limites da proposta cooperativista dos governos. Por isso pensar a autocrítica é uma reflexão essencial para os membros de movimentos sociais. Precisamos nos posicionar enquanto anti-imperialistas, enquanto anticapitalistas; aliados aos princípios dos movimentos sociais, aos anseios da minoria explorada seja pela questão racial, camponesa, de gênero e sexualidade, religiosa, etc. 4- Conclusão Primeiramente podemos concluir que a tese de Plínio de Arruda Sampaio Jr. se aplica ao Assentamento Boa Esperança e, portanto, só através da quebra desse isolamento podemos tornar possível a união com outros movimentos e organizações de esquerda, enquanto táticas para podermos continuar no processo rumo à emancipação humana. O Brasil viveu uma conciliação de classes durante o governo petista, em que os dominados ou os seus representantes puderam assumir o comando moral do país, só não podendo alterar os fundamentos econômicos da dominação, ou seja, se reproduziu amplamente o capital financeiro e deu continuidade à permanência do capital internacional no país. Tivemos vários sinais da aliança do governo petista com a burguesia latifundiária, vide Kátia Abreu e a liberação de transgênicos. Novaes nos lembra que a atual lei geral das cooperativas no Brasil não foi alterada; elaborada em 1971, em plena ditadura militar, essa lei contém uma série de supostos mecanismos que dificultam a proliferação de um cooperativismo popular sob controle dos trabalhadores. O que só nos mostra o quanto o reformismo sob o falso argumento de revolução, visa introduzir uma série de mudanças na ordem capitalista sem empreender a transformações fundamental: a destruição do Estado burguês-latifundiário. Historicamente podemos apontar o quanto os governos socialdemocratas e suas ambições reformistas falharam, em vista que essa mesma crítica era feita por Rosa Luxemburgo na Alemanha progressista anterior ao Nazismo. A história é rodeada por momentos de bem-estar social baseado em políticas públicas, que logo em seguida reprimem ainda mais o povo: pensemos após Roosevelt, após Obama, Trump; os exemplos são infinitos. O discurso reformista das duas revoluções mencheviques, ou seja, a crença de que a revolução se dá em primeiro momento pela Social-Democracia desenvolvendo o capitalismo e a revolução burguesa e, a posteriori, da revolução do proletariado, é uma falácia. Como tática, para finalizar, devemos lembrar que esses homens da reforma agrária estão isolados da luta, devemos ir até eles. Devemos estar em diálogo com outros movimentos sociais, seja o MTST, MST, Movimento das Mulheres, Movimentos Negros, LGBTs, dos Trabalhadores Mineradores e do Campo, além de muitos outros. Ao trabalhar com a população desprivilegiada da sociedade, será despertada a consciência de unidade através da exploração em comum e, sendo assim, unidos poderemos construir uma Frente Única Anti-Imperialista e, até mesmo, a Guerra Popular Prolongada. Outra tarefa diante das pautas dos movimentos de esquerda é desmistificar as concepções burguesas nas quais acreditam. No caso do campo, por exemplo, há o desvio na crença da herança e o preciosismo acerca da propriedade privada – que devemos romper, pois ambos são criações burguesas – nesses dois pontos, novamente penso nas ações cooperativas como solução para superarmos velhas ideias. Ao mesmo tempo que devemos lutar em âmbito material, pelas pautas concretas, devemos destruir a Ideologia Burguesa e construir uma ideologia de emancipação humana. Não devemos esquecer que tais táticas são parte de um processo ininterrupto para a Revolução.


Figuras do Movimento Operário

Saiba mais sobre o primeiro livro editado pela URC, baseado na edição especial da Revista Nova Cultura em homenagem ao centenário da obra de V. I. Lenin

www.uniaoreconstrucaocomunista.org/imperialismo-100anos

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UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA

A União Reconstrução Comunista (URC) visa ser um polo aglutinador de todos os militantes revolucionários e ativistas descontentes com os rumos tomados pelo movimento comunista em nosso país, destruído e corroído pelo revisionismo e oportunismos de direita e esquerda. Após longos estudos e debates e um ano da fundação do Coletivo Bandeira Vermelha, conquistamos, enfim a base da unidade orgânica que deve nortear nossa prática: a unidade ideológica na teoria do proletariado desenvolvida por Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao; a luta pela refundação do Partido Comunista com base na teoria revolucionária do proletariado; a necessidade de se levar a cabo a Revolução Proletária dentro das condições concretas de nosso país.

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