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Aposta Ganha

Com a turnê ‘Trinca de Ases’, pela primeira vez Gilberto Gil, Gal Costa e Nando Reis se unem em projeto; à Revista, eles contam o que os aproximou

por_ Kamille Viola ■ do_ Rio ■ fotos_ Daryan Dornelles

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Foi em outubro do ano passado, em Brasília. Num evento em homenagem ao centenário de nascimento de Ulysses Guimarães (1916-1992) idealizado pelo jornalista Jorge Bastos Moreno, recém-falecido, Gal Costa, Gilberto Gil e Nando Reis se viram pela primeira vez dividindo palco. A ideia de partir para algo maior, um projeto que os unisse, logo surgiu e foi parecendo boa. Tomava corpo o show Trinca de Ases”, que estreia neste 4 de agosto no Citibank Hall, em São Paulo, antes de rodar por diversas capitais brasileiras até dezembro.

Turnê sem fim Gil praticamente emendará uma turnê na outra. Ao longo de dois anos, até o fim de 2016, ele excursionou com Caetano Veloso no projeto “Dois Amigos, Um Século de Música”, celebrando seus respectivos 50 anos de carreira. No setlist, clássicos de cada um deles, parcerias e releituras emocionantes de faixas como “Tropicália”, “Terra” e “Toda Menina Baiana”.

Além de músicas já conhecidas do repertório de cada um, como “Esotérico” e “A Novidade”, de Gil, e “O Segundo Sol” e “Por Onde Andei”, de Nando, o show trará uma parceria dos dois, “Tocar-se”; a faixa que batiza a turnê, composta pelo baiano; e outras duas inéditas do cantor e compositor paulista. Eles ganham a companhia do baixista pernambucano Magno Brito e do percussionista baiano Kainan do Jêjê, que trabalha com Ivete Sangalo. Os três assinam a direção musical do show, criado com assessoria artística de Marcus Preto.

Gosto do modo de compor do Nando, é interessante a maneira como trata as palavras, tem uma coisa muito pessoal.”

Gilberto Gil

Eles estão dentro da minha gênese, não só na formação como músico, mas como indivíduo.”

Nando Reis

“No momento em que eu e Gil tocamos juntos, houve uma química, um encontro. Aquilo ali nos deixou muito satisfeitos, criou muita alegria no palco para receber a Gal, a gente passou a se divertir, curtir, uma coisa fundamental na proposta de comunicação com a plateia. Mas estava longe das minhas ambições e suposições que pudesse ir adiante. Quando a Flora (Gil) falou que poderia ter sequência, percebi que de fato era a semente de algo”, lembra Nando Reis. “Mas agora será diferente, estaremos os três o tempo todo no palco”, frisa.

O meio é a mensagem Conectado, inquieto, ligado ao mundo à sua volta, Nando lançou seu último álbum em novembro do ano passado numa transmissão ao vivo por uma rede social. Além de apresentar cada uma das faixas de “Jardim-Pomar”, ele fez pausas para comentá-las e interagir com os fãs. A turnê teve início em março e dá um tempo durante os shows da “Trinca de Ases”.

Gil e Gal são amigos de longa data e já estiveram juntos em diversos projetos musicais, como o show “Nós, Por Exemplo” (1964), o álbum “Tropicália ou Panis et Circensis” (1968); a turnê dos Doces Bárbaros (1976) e o show em Londres (gravado em 1971, mas lançado em disco só em 2014). “Gil é meu eterno parceiro, somos parte dos Doces Bárbaros, somos irmãos espirituais e musicais. Temos uma química boa”, derretese a cantora. “Gal é amor antigo, começamos juntos, fizemos tanta coisa, a Tropicália, trabalhamos juntos quando voltei do exílio, produzi o disco ‘Índia’ (1973), depois fizemos show juntos, excursões fora do Brasil, pela Europa... Estivemos juntos em circunstâncias variadas, sempre muito próximos” devolve ele.

O encontro dos dois com Nando Reis, descrito na letra de “Trinca de Ases” como “menino impetuoso e viril”, foi uma grata surpresa para todos os vértices desse triângulo musical. “Eu tinha uma percepção à distância do trabalho que ele fazia com os Titãs”, lembra Gil. “Tive um momento de aproximação nas gravações de um disco da Marisa Monte anos atrás (Gil gravou os violões em quatro faixas e vocais em duas, Nando era autor de quatro músicas e tocou em diversas). Ele era dos Titãs ainda. Depois, seguiu em carreira solo, e eu continuei a prestar atenção... A aproximação dele com a Cássia Eller e o trabalho que fizeram juntos teve muito significado para mim”, recorda o cantor.

Com Gil tenho uma antiga afinidade. Com Nando é o começo de muitas parcerias, assim espero.”

Gal Costa

Nando revela que a verdadeira “trinca de ases” em sua vida é formada por Gil, Caetano Veloso e Gal. “Eles estão dentro da minha gênese, não só na formação como músico, mas como indivíduo, presentes não só como aprendizado, mas como parâmetro, aí, sim, na minha linguagem. Tocar com eles é quase a realização de um sonho, embora eu seja sincero (quando digo) que não sonhava com isso”, ele confessa. E admite: a turnê ao lado de Gil e Gal dá um frio na barriga. “Às vezes, eu falo para mim mesmo: ‘Nossa, onde é que eu tô?’ Mas isso é que é bom. Quando as coisas não são desafiadoras desse jeito, elas dão uma sensação de estagnação”, pondera. A aposta, sem dúvida, é alta. Mas a partida, pelo visto, já está ganha.

Gal, em dose dupla A turnê de “Estratosférica”, de Gal, também dá uma pausa durante o projeto com Gil e Nando. Lançado em maio de 2015, o álbum é o 36º da cantora e marca os seus 50 anos de carreira. Mais pop e menos experimental que o anterior, “Recanto”, tem o estilo solar de Gal, dona de uma das vozes mais admiradas na nossa música.

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A pedido da Revista, Gal, Nando e Gil fazem perguntas uns aos outros sobre sua vida e carreira. Confira a entrevista em vídeo no nosso canal do YouTube: youtube.com/ UBCMusica

Entre composições recentes de Nando Reis, sabe-se que uma tem como musa inspiradora Gal Costa: “A mãe de todas as vozes”. “É uma linda canção e me comovi muito com ela”, diz a cantora. “Fazer uma música pra Gal não é apenas uma homenagem, é uma declaração da importância dela na minha formação. Mesmo eu não sendo uma cantora, e sim um cantor, a minha relação com a música está muito relacionada com a voz feminina, a começar pela minha mãe, que cantava. A música trata disso e coloca ela na órbita dos corpos celestes de primeira grandeza na minha vida”, ele afirma.