Origenes de la tuna en portugal (s xix y xx)

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A Tuna em Portugal1 As origens da Tuna em Portugal (séc. XIX e XX) II Congreso Iberoamericano de Tunas MURCIA, 24 Y 25 de Abril de 2014

Por

Eduardo Coelho e J.Pierre Silva 2

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Com base em “QVID TVNAE? A Tuna Estudantil em Portugal”, Euedito, 2012. Grupo de investigação tunante, composto por Eduardo Coelho, Ricardo Tavares, João Paulo Sousa e Jean-Pierre Silva, autores de “QVID TVNAE?”) 2


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MURCIA, Abril de 2014 A Tuna em Portugal, Ponência de J.Pierre Silva

A Tuna em Portugal - I – Contexto Em Portugal, o desenvolvimento dos agrupamentos a que chamamos tunas dá-se em duas etapas. A primeira vai de 1870 até sensivelmente 1950. A segunda constitui uma espécie de hiato temporal (décadas de 1950 a 1980) e a terceira inicia-se em 1984 indo até 1995-2000. Os últimos anos, já do séc. XXI carecem ainda de distância temporal para um estudo rigoroso e equidistante. Hoje em dia, em Portugal as tunas são agrupamentos essencialmente urbanos e associados a estabelecimentos de ensino superior, quer seja de âmbito universitário, quer politécnico. A criação de tunas a um ritmo exponencial que se verificou entre meados da década de 1980 e ao longo dos anos 90 - geralmente designado por “boom" - é um fenómeno único, quer no panorama cultural português, quer a nível internacional, no que a estes agrupamentos concerne, passando-se de apenas 5 agrupamentos estudantis em 1984 para mais de 200 em 1995 (e mais de 300 no virar do século). Só na cidade do Porto existem actualmente mais de 70 tunas (masculinas, femininas e mistas), com actividade regular, pelo que o Porto é, sem dúvida (e de longe), a cidade do mundo com mais agrupamentos tuneris. Apesar desta vitalidade, a tuna portuguesa não tinha sido objecto de uma investigação "científica": considerada culturalmente "inferior", desprezada pelos círculos musicais pela “falta de qualidade”, vista nos meios da sociologia e da história como um "não-tema", a tuna foi o “menos visível” dos “fenómenos visíveis”. A publicação em Abril de 2012 da obra “Qvid Tvnae? A Tuna Estudantil em Portugal” veio inaugurar uma nova fase de abordagem histórico-científica e desconstrução das narrativas míticas que se foram desenvolvendo em torno do fenómeno.

I Etapa: 1870 - c.1950 O ano de 1888 assinala a institucionalização da tuna em Portugal, com a fundação da Tuna Académica do Porto (Março) e Estudantina de Coimbra (Abril). Entre 1290 e 1912 existiu apenas uma universidade em Portugal, situando-se ora em Coimbra, ora ocasionalmente em Lisboa. É uma das universidades mais antigas da Europa ainda em funcionamento, a seguir a Bolonha (1088), Oxford (1096), Paris (1170), Palência (1175-1180) Cambridge (1209), e Salamanca (1218). A fundação da Universidade de Coimbra deve-se a D. Dinis, neto de Afonso X, O Sábio, de Leão. Dada a especificidade geográfica de Portugal (um rectângulo com 2


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aprox. 200x800 km), Coimbra situa-se praticamente no centro geométrico do território, a meio caminho entre as duas cidades mais importantes - Lisboa e Porto. Estas circunstâncias não potenciaram o surgimento da figura do “corredor de tuna”, ao contrário do que sucedeu em Espanha, uma vez que a distância entre a Universidade e a localidade de origem dos estudantes era relativamente curta. Por outro lado, a frequência da Universidade era cara, pelo que só estava ao alcance dos mais ricos. Também aqui se verifica uma diferença em relação a Espanha: não encontramos as figuras do “sopista” e do “gorrón”, o moço que vai servir o estudante rico e que frequenta a universidade a troco de uma propina praticamente simbólica. Como se sabe, estes estudantes pobres eram os que tinham necessidade de angariar a subsistência entre anos escolares, prática que ficou conhecida como “correr la tuna”. 3 Nos périplos que faziam durante as férias, estes bandos de escolares pobres (sobretudo salamanquinos) faziam também incursões em Portugal. Hoje em dia, a palavra “tunante” existe no vocabulário português com o sentido de “burlão”, “falsário”. Dado curioso: a primeira vez que a palavra “tuna” ocorre num dicionário é justamente num dicionário português de 1739.4 A prática de “correr la tuna” não era, por isso, desconhecida em Portugal, mas não teve expressão entre os escolares lusitanos. A verdade é que há referência a tunas ou estudantinas em Portugal antes de 1888. A «Estudiantina Española “Fígaro”» passou em Portugal onde deu 5 concertos (em data incerta). Os jornais publicam caricaturas de políticos fardados de tunos; há tunas integradas em IUma paródia política, com alguns políticos quadros de operetas, além de relatos dispersos de portugueses envergando o traje de estudiantina. 1879 tunas civis, como nos refere o etnomusicólogo José Alberto Sardinha: Pedro de Freitas, a p. 154 da sua História da Música Popular em Portugal, refere a existência, em 1870, de «estudantinas caprichosas e garridas» em Olhão.5

Já em Braga, por exemplo, se relata a existência de uma tuna liceal na década de 1870-80, precisamente nos antípodas geográficos do acima mencionado caso da cidade de Olhão, isto para além de relatos de estudantinas carnavalescas na Ilha da Madeira, também na mesma década. O fenómeno é conhecido, mais ainda é muito sazonal e efémero.

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Importa referir, para que não haja más interpretações, que estes bandos de escolares nada têm que ver com as tunas tal como as conhecemos. O único ponto de contacto é uma palavra: "tuna". 4 D. Raphael Bluteau, Vocabulário Portuguez e Latino, T. VIII, p. 325 5

SARDINHA, J. A. – Tunas do Marão, p. 102.

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No Carnaval de 1888, a Tuna da Universidade de Santiago de Compostela desloca-se a Portugal com o intuito de se apresentar em Coimbra, no Porto e em Lisboa. Foi uma tournée apoteótica, vivendo-se uma espécie de “tunomania” em Portugal e que dará origem à Tuna/Estudantina do Porto e Estudantina de Coimbra (extinta em 1891).

Tuna Compostela em Coimbra, 1888

Tuna Compostela no Porto, 1888

Tuna/Estudantina Portuense, 1888.

Estudantina de Coimbra, 1888.

Estava dado o pontapé de saída. Em 1889 nasce a Tuna de Viseu e, em 1890, formaliza-se definitivamente a Tuna do Porto (Estudantina Académica do Porto) no mesmo ano em que a Tuna da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa se desloca a Espanha. Nesse mesmo ano, nasce a Estudantina da Figueira da Foz e a Tuna do Liceu de Santarém. Segue-se a Tuna Académica de Coimbra, em 18946; Tuna Académica de Lisboa e Tuna do Liceu de Vila Real, em 1895; Estudantina de Espinho e Tuna do Liceu de Viana do Castelo em 1896, Tuna do Liceu de Castelo Branco, em 1898 e Tuna do Liceu de Évora (1900)7, entre muitas outras. 6

Que recupera o espírito da Estudantina de Coimbra de 1888. A associação Tuna é criada em 1900, mas a 1ª actuação acontece em 1901 e a eleição dos primeiros corpos gerentes é de 1902, data escolhida pela tuna para assinalar a sua fundação. 7

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Tuna da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa em Madrid, 1890

Estudantina da Figueira da Foz, 1890

Tuna do Liceu de Santarém, em 1890.

Tuna Académica de Coimbra, 1894

Tuna Académica de Lisboa, em 1896.

Tuna do liceu de Vila Real, em 1896.

Tuna Académica do Porto, em 1897.

Tuna Académica de Coimbra, em 1899.

São apenas alguns exemplos do fenómeno, ainda no séc. XIX. 5


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Nas primeiras décadas do séc. XX, irão surgir dezenas de Tunas Escolares, um pouco por todo o país, assim como muitas dezenas de cariz civil/popular (rurais e urbanas), chegando estas últimas a atingir as centenas até à década de 1960. Lisboa é a cidade com mais Tunas/estudantinas escolares e civis até à década de 19308.

Tuna do Liceu Politécnico de Lisboa, em 1901.

Tuna dos Liceus de Lisboa, em 1903.

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Tuna Académica de Lisboa, em 1903.

Tuna Comercial de Lisboa, em 1903-04.

Tuna da Escola Politécnica de Lisboa, em 1903-04.

Tuna do Liceu de Castelo Branco, em 1904.

Tuna do Liceu de Évora, 1903.

Tuna do Jornal "O Século", no carnaval de Lisboa, 1904.

Na actualidade, e desde a década de 1980-90, é a cidade do Porto que possui mais tunas académicas/universitárias.

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À semelhança do que acontecia em Espanha, estes agrupamentos tinham uma actividade sazonal que, no caso português, era sobretudo centrada nas celebrações do dia da Independência (1º de Dezembro) e do Carnaval. Durante estes anos assistiu-se à criação de um número impressionante de tunas dentro e fora do meio académico. Às primeiras daremos o nome de “tunas populares”9 por oposição às “tunas estudantis”. Preferimos o termo “estudantis” (escolares) em detrimento de “universitárias” porque a grande expressão tunante estudantil, em Portugal, não se confinou, apenas, à Universidade. No Porto e em Lisboa havia ensino superior, sim, mas politécnico. Além destes, havia escolas de nível secundário (Liceus) em todas as capitais de distrito. Ora foi precisamente a nível dos liceus que a tuna estudantil conheceu maior expressão. E não apenas no território de Portugal continental: vamos encontrar tunas de liceu (e outras populares) em todas as antigas colónias - Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe - inclusivamente em Goa, na Índia! A nível popular, chegou a haver tunas em praticamente todas as localidades portuguesas, chegando mesmo a haver aldeias com duas tunas10. Este movimento de criação de tunas começou a abrandar por volta dos anos 50, não demorando duas décadas a que se extinguisse quase totalmente, muito por força do surto de emigração e da guerra colonial dos anos 60/70. A nível estudantil, as tunas apresentavam o “modelo orquestral” herdado da «Estudiantina "Fígaro”» e das primeiras estudiantinas espanholas que visitaram Portugal em finais do século XIX e inícios do XX11: repertório de pendor clássico, disposição orquestral, com maestro, apresentação de quadros e entreactos, acção beneficente. A Tuna Espanhola em Portugal: 18?? - Estudiantina Fígaro (localidades???) 1888 – Tuna Compostelana (Lisboa, Coimbra, Porto) 1890 – Tuna de Salamanca e Tuna Compostelana (Lisboa, Porto e Coimbra) 1895 – Tuna de Compostela (Coimbra e Porto) Tuna Compostela em Lisboa, 1904. Ilustração Portuguesa, 1901 – Tuna Compostelana (Coimbra, Porto e Aveiro) Nº17, 29 Fevereiro, p. 264-65 1902 – Tuna de Valladolid (Lisboa e Coimbra) 1904 – Tuna Compostelana (Coimbra, Lisboa e Porto) 1905 - Estudiantina de Córdoba e de Valência (Porto) 1906 – Tuna Escolar de Madrid e Tuna Compostelana (Lisboa) 1907 – Tuna de Salamanca (Porto) 1909 – Tuna de Salamanca (Lisboa e Santarém) 1910 - Tuna de Valladolid (Lisboa)

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Tuna Compostelana em Lisboa, DN de 24 Fevereiro, p.3

Termo chancelado na etnomusicologia. Como o confirma o etnomusicólogo. José A. Sardinha em “Tunas do Marão” (2005). 11 A lista das visitas de tunas espanholas e Portugal, e vice-versa, é apenas indicativa e não exaustiva. 10

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Ca. 1920 – Estudantina Madrilena (Lisboa) 1925 – Tuna Salamanca (?) 1936 – Tuna Compostelana (Lisboa) 1957 – Tuna de Valladolid (Lisboa) Estudantina de Córdoba em Lisboa, 1905

Tuna de Valência no Porto, 1905.

Tuna de Córdoba, no Porto, 1905.

Tuna de Valladolid em Lisboa, 1910

Tuna Compostelana em Lisboa, 1936.

Tuna Escolar de Madrid, em Lisboa, 1905.

Estudantina Madrilena em Lisboa, ca. 1920

Tuna Compostelana no Porto, 1950.

A Tuna portuguesa em Espanha: 1890 – Tuna da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa (Madrid) e Tuna Académica do Porto (Salamanca) 1897 – Tuna Académica do Porto (Santiago de Compostela) 1898 – Tuna Académica de Coimbra (Galiza) 1900 - Tuna Académica de Coimbra (Salamanca e Valladolid) 1902 - Tuna Académica de Coimbra (Lugo e Ourense), Tuna Académica de Lisboa (Salamanca e Valladolid), Tuna Académica do Porto (Galiza) e Tuna do Liceu de Évora (Badajoz) 8


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1903 – Tuna Académica de Lisboa (Valladolid) 1904 – Tuna Académica do Porto (Santiago, La Coruña e Ferrol) 1905 - Tuna Académica de Coimbra (Santiago de Compostela e La Coruña) 1906 - Tuna Académica de Coimbra (Léon, Zamora e Salamanca) e Tuna do Liceu da Guarda (Salamanca e Zamora) 1908 - Tuna Académica de Coimbra (Galiza) 1909 – Tuna Académica de Lisboa (Salamanca e Valladolid) 1911 – Tuna Académica de Coimbra (Cuidad Rodrigo, Salamanca, Valladolid e Zamora) 1920 – Tuna Universitária do Porto (Galiza, Valladolid, Saragoça, Tarragona, Barcelona, Salamanca e Madrid) 1925 - Tuna Académica de Coimbra (Sevilha e Cádiz) 1927 - Tuna Académica de Coimbra (S. Sebastien, Valladolid e Bilbau) 1962 - Tuna Académica de Coimbra (Oviedo)

……………….

Tuna Académica do Porto na Galiza, 1904.

TAUC, Coimbra, em Sevilha, 1925.

TAL, Lisboa, em Valladolid, 1905.

TAUC, Coimbra, em Bilbau, 1927.

TAUC, Coimbra, em Valladolid, 1923.

TUP, Porto, em Saragoça, 1928.

Este modelo manteve-se nas 3 únicas tunas estudantis que sobreviveram dessa época: Tuna Académica da Universidade de Coimbra, Tuna Académica do Liceu de Évora e Tuna do Orfeão Universitário do Porto/Tuna Universitária do Porto. Por outro lado, a noção de “Tuna” ou “Estudantina” era muitas vezes assumido como sinónimo de Orfeão, agremiação cultural, Ateneu…. ou seja uma entidade que englobava não apenas a Tuna/estudantina propriamente dita (também chamada de “orquestra da tuna”), mas outras actividades que faziam parte do espectáculo e concertos da Tuna (teatro, grupo de fado, orquestra ligeira, de câmara ou de tangos, etc.). A partir de 1984, dá-se uma ruptura radical com este modelo.

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A Tuna em Portugal - II - Notas brevíssimas sobre a cultura universitária em Portugal II Etapa: c. 1950 - c.1980

Tuna Académica de Coimbra, 1954.

TAUC, 1961-62

Tuna do Liceu de Portalegre, 1963.

Tuna Comercial de Lisboa, 1968.

Tuna do Liceu da Covilhã, 1958

Tuna do Liceu de Évora, 1963

TAUC, 1966.

Tuna do Orfeão Universitário do Porto, em 1968.

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A partir do final da década de 1960, assiste-se ao lento declínio e extinção das tunas populares tanto nos meios urbanos como rurais, a par com as tunas de liceu.

Tuna do Liceu de Évora, 1971.

TAUC, 1972.

De entre os vários factores que poderíamos apontar, destacam-se: - nos meios urbanos, a progressiva “invasão” da cultura “pop”, levando a um progressivo desinteresse por manifestações culturais tradicionais - ou entendidas como tal; - a Guerra Colonial, devido ao desenraizamento maciço de largos contingentes de população; - o surto de emigração, sobretudo para França, quer por razões económicas quer políticas. A massa humana que alimentava estes agrupamentos fica, assim, substancialmente reduzida. Compreensivelmente, o ambiente também não seria o mais receptivo a festejos. A nível estudantil, poderíamos apontar o luto académico de 1969 (1971, no Porto), com a interrupção de todas as manifestações estudantis - quer as tradicionais, como as queimas das fitas ou o uso do traje académico, quer as estritamente artísticas e/ou culturais, como orfeões, secções dramáticas ou equipas desportivas. As Tunas, essas (essencialmente a TAUC e a Tuna do Liceu de Évora), continuam vivas, mas com uma expressão mais limitada. O ambiente fortemente politizado que se seguiu à Revolução de 25 de Abril de 1974 contribuiu de forma ainda mais decisiva para a ruptura com um passado que passou a ser considerado “fascista”.

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