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Paz com voz

GLAFirA mENEzES corTi

A conversa naquele recanto de chão batido, com a lareira acesa, durou horas e horas. Ela seguiu o caminho dos curiosos sobre as definições arraigadas, nas mais diversas certezas, advindas da cultura de almanaque tão difundida e em alguns momentos inquestionáveis pelos obstinados, principalmente entre os aversos à mudança de opinião. Repentinamente começa a garoa. As brasas da lareira, aquecedor improvisado no tambor cortado pelo avô do jovem entusiasmado, puxador de papos politicamente teológicos, teve que ser colocada sob o telhado, na parte mais larga da varanda, próximo ao fogão que aquecia a água do chimarrão.

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Aproveitando o intervalo, provocado pelas gotas que flutuavam gélidas e apressadamente, o jovem aprendiz seminarista pediu licença para fazer uma oração. Propôs ao grupo louvar, pedir e agradecer ao Criador, suplicando confiança em seus ensinamentos e em suas vontades. Antes de iniciar o ângelus resolveu perguntar à uma parte do grupo, que se preparava para servir o sopão aos moradores do calçadão da rua da Graça, se alguém gostaria de apresentar uma prece. Balançou o gorro o mais novo colaborador, levantou-se e iniciou, em tom tímido, mas pertinaz: — Eu lhe imploro, converse comigo Senhor. Ajude-me a sentir sua presença nos momentos perigosos assim como nos alegres, seguir atuando de acordo com a sua vontade. Faça que eu entenda as mensagens do jeito que elas vêm, sem julgamentos prévios. Que eu saiba refletir sobre tudo o que acontece ao meu redor com clareza, para aprender e mudar meu jeito de ser, o tom e o significado de minhas falas nos momentos de danação; não ser cruel comigo, para que me amando possa amar o próximo como a mim mesmo. Unge minhas ideias com o óleo da caridade.

Ainda não havia terminado a invocação quando alguém levantou-se empunhando, no verso de um calendário antigo, a pergunta escrita com carvão: — Posso servir, também?

A voz que intercedia com a desambiguação soprou forte, espontaneamente: — Senhor, ensina-nos a dominar o medo de amar os excluídos.

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Paulistana, professora, geminiana. Participou do Congresso de Pedagogia sobre projetos para jovens em Cuba. Voluntária do Projeto Carameladas, atua como palhaça Pitanga em escolas, creches, casas de repouso e hospitais. Escreveu em várias antologias, jornais e revistas. Acredita que a palavra deve ser livre, para além de expressar a voz que existe dentro de nós, ser capaz de provocar reflexões. São seus livros publicados “Tamborilando com letras”, “Pra Você, “Versos Verdes e o infantil “Eu fizio porque quizio”. Os dois primeiros encontram-se também na versão e-book, pela Amazon. Contatos @glafiramenezescorti Facebook: @glafira.menezesdeoliveiracorti E-books - www.amazon.com

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