A paixão de Sophie

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Renata GOBIRA

jovem




A paixão de Sophie copyright © 2018 Renata Gobira EDIÇÃO

Valéria Pergentino PROJETO GRÁFICO E DESIGN

Valéria Pergentino Elaine Quirelli CAPA

Enéas Guerra REVISÃO DE TEXTO

Maria José Navarro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

G575p Gobira, Renata A paixão de Sophie / Renata Gobira ; ilustrado por Enéas Guerra. - Lauro de Freitas - BA : Solisluna, 2018. 96 p. ; 15cm x 21cm. ISBN: 978-85-5330-006-8 1. Literatura brasileira. 2. Ficção. 3. Autoconhecimento. 4. Autotransformação. 5. Livro ilustrado. I. Guerra, Enéas. II. Título.

2018-1170

CDD 869.8992 CDU 821.134.3(81)

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura brasileira : Ficção 869.8992 2. Literatura brasileira : Ficção 821.134.3(81)

Todos os direitos desta edição reservados à Solisluna Design Editora Ltda. 55 71 3024.1047 | 3369.2028 www.solisluna.com.br | editora@solislunadesign.com.br contato com a autora: renatagobiraalves@gmail.com


Renata GOBIRA



capítulo I •

N

ão quero que ninguém entre no meu quarto e em nenhum dos jardins até o meu retorno. Voltarei mais cedo para ficar mais tempo com a minha filha Ágata, e... – Desculpe por interrompê-lo, mas como o senhor tocou no nome dela, eu gostaria de expor a minha opinião – disse a senhorita Medyler. – Sua filha anda muito malcomportada e desmerecedora de seu agrado e preocupação. – A culpa é minha. Desde que minha adorável esposa faleceu, há dois anos, as viagens a negócios têm se tornado mais frequentes. A minha ausência, com certeza, deixou-a mais triste e solitária. Minha filha precisa de amor e... – Disciplina! – interrompeu novamente a senhorita Medyler. – Se o senhor ficar mimando esta menina, ela irá crescer e se tornar uma pessoa fútil. Se o senhor a colocasse em algum convento ou... – Não! – respondeu prontamente o meu pai. – Ela é minha filha e, principalmente, minha única herdeira. Ela terá que se casar para tomar conta da minha herança. Não pretendo demorar muito nesta viagem, senhorita Medyler. 5


Dentro de dois meses, já estarei de volta. Em relação à educação da minha filha, cuido eu. A senhorita é apenas uma simples governanta. Estas foram as últimas palavras que pude ouvir do meu pai. Logo em seguida, ouvi a porta principal se fechando e um silêncio tomou conta de todo o casarão. Após alguns minutos, consegui escutar os passos apressados da minha governanta, Emmily Medyler, em direção ao meu quarto. Fechei a porta, que estava entreaberta, e me deitei rapidamente para que, quando ela entrasse, não percebesse que eu ainda estava acordada e ouvira sua conversa com meu amado pai. Pela manhã, fui acordada bem cedo, aos berros da minha repugnante governanta. Ela reclamava de muitas coisas, e uma delas era a razão de eu existir. Dizia que eu era fruto de uma paixão que adoeceu o meu pai, mas eu sei a minha verdadeira história. Minha mãe e meu pai se amavam muito e, por obra do destino, ela partiu cedo demais. “Edgar Griffth, meu pai, um jovem alto, forte e elegante, com cabelos levemente ruivos e olhos cor de mel, era produtor dos mais refinados e saborosos vinhos e sucos de uva do sul da Inglaterra. Sua fortuna era imensurável, mas ele sempre sentiu que faltava algo em sua vida. Aos 25 anos de idade, apaixonou-se por uma simples florista que viera do norte da Inglaterra em busca de uma propriedade para cultivar sua maior paixão: flores. 6


Ao conhecer o que parecia ser uma pequenina e simples florista, chamada Sophie, meu pai apaixonou-se por ela e, de uma maneira romântica, conseguiu conquistá-la. No seu aniversário, ele a presenteou com a maior propriedade que estava à venda naquele tempo e lhe fez uma inusitada e encantadora proposta: – Gostaria de se tornar a senhora Griffth? No dia do casamento do feliz casal, o casarão que ele havia mandado construir na propriedade da futura senhora Griffth já estava pronto. Mamãe me contava que era um casarão de dar inveja. A casa era toda branca e os muros que cercavam o imenso terreno eram cobertos por lindas rosas vermelhas. Para chegar à porta principal da casa, era preciso atravessar um enorme campo florido, onde havia uma grande diversidade de flores e plantas dos mais variados tipos e tamanhos. Nos fundos do casarão existiam vários jardins, porém um deles era especial. Era considerado, por todos da cidade, o mais belo e mágico jardim de todos os tempos. Meu pai fez questão de nomeá-lo de La passion de Sophie. Após o casamento, meu pai descobriu que Sophie, além de florista, também pintava, tocava piano e escrevia poemas em suas horas vagas. Depois de um ano de casados, em 2 de dezembro de 1827, tiveram sua primeira e única filha: eu, Ágata Griffth. O que eu poderia dizer sobre minha mãe? Ela era, com certeza, a mulher mais bondosa, carinhosa, amorosa, 7


criativa, bonita, inteligente e feliz deste mundo e de outros mundos além deste. Era alta, tinha um corpo esbelto e elegante, cabelos castanho-claros e olhos da cor de esmeralda. Durante os meus cinco primeiros anos de vida, eu, minha mãe e meu pai vivemos no casarão. Tínhamos alguns empregados, é claro, mas não muitos. Meu pai quase nunca viajava a negócios. Ele e minha adorável mãe estavam em casa comigo na maior parte do tempo. Infelizmente, as coisas não continuaram dessa forma por muito tempo. Algumas semanas depois que completei 6 anos de idade, minha mãe ficou muito, muito doente. Meu pai queria lhe dar o máximo de atenção possível e por isso, acabou contratando a senhorita Emmily Medyler para ser a governanta da casa e cuidar de mim nas horas vagas. O que meu pai não sabia era que ele estava cometendo um terrível erro. Emmily tinha mais ou menos a mesma idade da minha mãe na época, talvez fosse um pouco mais velha. Era baixa e mais reta do que uma tábua de passar roupa. Seus olhos eram escuros, quase pretos, a pele, extremamente clara, e o seu cabelo era num tom ruivo alaranjado. Apesar da bonita cor, sempre me lembrou de uma laranja estragada por causa do mau cheiro que exalava. A verdade é que a senhorita Emmily nunca gostou nem de mim, nem de minha mãe. Em minha sincera opinião, Emmily sempre teve inveja de minha mãe e de tudo que ela conseguiu conquistar apenas com o amor que tinha para oferecer. Meu pai dizia que eu era parecida com ela em tudo 8


que fazia. Então, tudo o que eu fazia ou dizia, fazia Emmily lembrar-se daquela por quem guardava ódio e rancor. A senhorita Medyler, porém, dizia ao meu pai, o único tolo que era enganado por aquela bruxa sem coração, que gostava muito de mim e de minha mãe e, como prova desse amor, ela preparava diariamente um remédio especial para que minha mãe tomasse e melhorasse o mais rápido possível. Mamãe era contra a ideia de eu ter uma governanta, mas nunca chegou a discutir esse assunto com meu pai. Passado um ano, fui proibida, pela senhorita Medyler, de entrar no quarto da minha mãe e de conversar com ela, pois ainda não se sabia se o que minha mãe tinha era contagioso. Mesmo se tratando de uma ideia absurda, meu pai não se mostrou contra essa separação de mãe e filha. Aliás, durante esse período, ele se mostrou bastante ausente. As viagens tornaram-se mais frequentes e prolongadas também. Aos sete anos de idade, cheguei à seguinte conclusão: minha família estava sendo totalmente desfeita. Minha mãe passava o dia inteiro trancada no quarto por ordens da senhorita Medyler. Dos 30 dias do mês, meu pai passava vinte e cinco viajando. Para piorar a situação, minha governanta não me deixava sair de casa, nem pintar, desenhar, tocar piano, muito menos escrever, que era um hábito que havia adquirido graças a minha mãe. Ela sempre escrevia poemas para mim. O tempo foi passando, e um mês depois do meu oitavo aniversário, tive a triste notícia de que nunca mais iria rever a minha mãe. Para mim foi um choque perceber que a 9


pessoa que mais importava neste mundo tinha ido embora sem se despedir. A minha governanta deixava sua felicidade estampada no rosto. Parecia até que ela estava feliz, como se a justiça tivesse sido feita. Meu pai entrou em depressão e, depois do enterro da mamãe, acho que para ocupar a mente, viajou a negócios durante seis meses. O corpo de minha mãe foi enterrado em seu tão amado jardim, que foi trancado logo em seguida, por ordens de meu pai. Ele disse que o jardim permaneceria trancado para sempre, ou até que alguém conseguisse desvendar o segredo da fechadura e pudesse destrancá-lo, pois a chave que estava em suas mãos seria destruída. Depois do enterro, mais precisamente às dezessete horas e dezessete minutos, uma densa tempestade caiu sobre a maior parte da Inglaterra. Meu pai estava na biblioteca, bebendo um chá de camomila sem açúcar que a senhorita Medyler havia preparado para ele e para os demais convidados: o padre, os seus amigos de trabalho e os funcionários de nossa própria casa. Todos fingiam sentir muito pelo ocorrido. Nenhum deles aparentava estar verdadeiramente triste. Acho que foram para tomar um chá da tarde e não em respeito à minha adorável e falecida mãe. Nesse dia, fiquei horas parada em pé, olhando, por uma janela não muito grande, o portão do jardim da mamãe com um enorme cadeado e muitas correntes em volta de suas belas e douradas grades. Não conseguia fazer nenhum tipo de barulho ou até mesmo sussurro, porém lágrimas e mais lágrimas escorriam 10


sobre a minha fina pele de criança, como as gotas da chuva escorriam pela vidraça da janela, deixando-a fria e úmida. Naquela tarde de inverno, que por alguma desventura estava chovendo e não nevando, meu pai me entregou uma caixa bem lacrada e me disse: – Sua mãe havia separado alguns dos pertences dela para lhe dar. Abri a caixa e, realmente, havia coisas pessoais de minha mãe, como lenços, poemas, alguns desenhos, partituras de piano e uma corrente de ouro que possuía um lindo coração pendurado, muito refinado, com vários detalhes dourados. Na verdade, a corrente em si aparentava ser bastante antiga, mas era um lindíssimo presente dado para mim de coração. – Sua mãe gostaria que você a usasse – disse meu pai, colocando a corrente no meu pescoço. Naquele instante, eu percebi o quanto a minha mãe era importante para nós dois. Ao me olhar nos olhos, uma lágrima que não sei se era de orgulho, alegria ou tristeza, escorreu sobre o rosto do meu pai e resolvi lhe dar um forte abraço, afirmando com toda a certeza do mundo: – Ela sempre vai estar conosco, papai. Eu podia ter apenas 8 anos de idade, mas já começava a entender algumas coisas da vida, como a morte. Esse meu momento com meu pai durou pouco, pois a minha governanta nos interrompeu, dizendo da forma mais rude e indelicada possível: – Sua carruagem já o espera senhor. 11


Prontamente nosso abraço foi interrompido. Meu pai me soltou, deu-me um beijo na testa e foi embora. Emmily ficou olhando fixamente a corrente que estava no meu pescoço. Parecia que ela já tinha visto a tal corrente antes e não gostou nem um pouco de vê-la pendurada no meu pescoço. No mesmo instante, ordenou que eu a tirasse e a quebrasse, porém o meu amor pela minha mãe e por tudo que aquela corrente representava para mim falaram mais alto do que a razão e o medo: – Não! Você pode destruir a minha vida me tratando mal e não cuidando de mim, mas o amor que minha mãe sentia por mim você nunca conseguirá destruir! Antes que ela pudesse dizer algo ao meu respeito, peguei a caixa com os pertences da mamãe e me tranquei no meu quarto. Naquele exato momento, eu não sabia o que fazer. Não sabia se deveria me sentir triste, assustada ou até mesmo feliz, por ter sido mais forte do que pensava que poderia ser, enfrentando a senhorita Medyler pela primeira vez. Desse dia em diante, percebi que, se eu quisesse viver de algum modo feliz naquela casa, teria que ter coragem para enfrentar a senhorita Medyler outras vezes também. De todos os pertences de minha mãe que estavam naquela caixa, dois pedaços de papel chamaram bastante a minha atenção. Em um deles estava escrito: ‘Não tome o remédio!’ Já no outro, havia um poema que demorei para entender o que significava:

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