A HORA DA RECUSA

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Acordo Ortográfico: é a hora da recusa Cecília Enes Morais

Acho difícil não me ocupar do Acordo Ortográfico, um dos assuntos mais sérios e preocupantes da actualidade. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (doravante AO90), que se nos apresenta como o “projecto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa (...) para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional”, e se diz o resultado “de um aprofundado debate nos países signatários”: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné‐Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Ortografia unificada, unidade essencial, prestígio internacional e aprofundado debate são alguns dos pontos deste trabalho, que pretende questionar a autoridade e responsabilidade de todos os intervenientes no sistema educativo português. A ortografia da língua portuguesa tem sido alvo de sucessivas reformas ao longo do último século (enunciá‐las‐ei em momento oportuno), o que tem impossibilitado a sua estabilização, factor necessário à sua afirmação e à transmissão do conhecimento entre gerações. Destas reformas, as unanimemente adoptadas pelos dois principais actores (Portugal e Brasil), foram, todas elas, posteriormente rejeitadas pelo Brasil, que nunca escondeu que adotar é dever dos portugueses (ideia deixada por Lindley Cintra, na década de 80 em entrevista ao «Expresso»). O ‘P’ da teimosia portuguesa – assim anuncia o texto oficial do AO90, Anexo II, 4.2, d) assinado pelos governantes portugueses – foi então declarado obstáculo eliminado do português euro‐afro‐asiático‐oceânico por meio do AO90 que determina a adoção dos falantes e escreventes de Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné‐Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. (É impossível não observar que, depois de quase um século de acordos assumidos e rejeitados pelo Brasil, o espírito unificador se entranhou pouco depois da entrada de Portugal para a Comunidade Europeia, que promoveu o português ao estatuto de língua oficial da mesma.) A 16 de Dezembro de 1990, Pedro Santana Lopes, então secretário de Estado da Cultura, assinou o AO90 por incumbência de Aníbal Cavaco Silva. Santana Lopes, mais de duas décadas depois, afirma, confiante, na sua coluna no Sol, que “Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)” – do que se conclui que, ou Pedro Santana Lopes se esqueceu do que leu, ou Pedro Santana Lopes se esqueceu de ler o que assinou.⁽¹⁾ Também mais de duas décadas depois de assinado 1


o «acordo», Aníbal Cavaco Silva confessa em Díli (Maio de 2012): «quando estou a escrever em casa, tenho alguma dificuldade e mantenho o que aprendi na escola».⁽²⁾ Diz o art. 2.º do AO90 que os “Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de Janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.”; e diz o art. 3.º que o “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1 de Janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa.”. Porém, o teimoso ‘P´ ficou inexplicavelmente esquecido: não se elaborou o vocabulário ortográfico comum, nem se ratificou o AO90. Até que, em 1998, surge do nada o Primeiro Protocolo Modificativo a dar nova redacção aos dois artigos (Portugal demorou cerca de dois anos a ratificar este Protocolo, apenas o fazendo a 28 de Janeiro de 2000): ₋ art. 2.º: “Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.” ₋ art. 3.º: “O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa.” Mas o teimoso ‘P’ volta a ficar esquecido, até que, em 2004 (quase década e meia depois de assinado o AO90), alguém terá percebido que Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné‐Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe o continuam a utilizar. Surge então o não menos diligente e ainda mais ardiloso Segundo Protocolo Modificativo, que volta a dar nova redacção ao art. 3.º: “entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa”, ou seja, os negociadores querem que a ratificação de três Estados baste para decidir a sorte da língua em todos os PALOP (Países de Língua Oficial Portuguesa). Nove anos depois (2013), Angola e Moçambique ainda não ratificaram o Segundo Protocolo Modificativo, pelo que não basta que três países entreguem o instrumento de ratificação do AO90 para que este entre em vigor. Mas esta e outras questões jurídicas serão analisadas no final do trabalho. Parece‐me oportuno notar a dificuldade em elaborar um vocabulário ortográfico comum (VOC), condição primeiramente necessária um ano antes (1993) da conjecturada entrada em vigor do AO90 (1994), que, nem depois de convertido em simples vocabulário de «terminologias científicas e técnicas» parece realizável. A sua elaboração, ainda que apenas no que respeita às terminologias científicas e técnicas, seria a prova da impossibilidade de qualquer unificação ortográfica (e lexical). Fica, no entanto, a pergunta: aceitam as universidades portuguesas um acordo ortográfico sem um vocabulário ortográfico comum às partes que o pactuam para o suportar?

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Entretanto a ABL (Academia Brasileira de Letras) elaborou o VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, 5.ª Edição) e Evanildo Bechara, declarou à Folha de S. Paulo (18/3/2009) que “em nenhum momento o Acordo fala em vocabulário comum” e acrescenta que o VOLP “é brasileiro, e os outros países de língua portuguesa poderão criar os seus”. No obediente Portugal, a Porto Editora e Malaca Casteleiro elaboraram um VOLP, o ILTEC (Instituto de Linguística Teórica e Computacional) elaborou um VOP (Vocabulário Ortográfico Português) e, como dois não bastam para promover o caos, fomos brindados com um VOALP (Vocabulário Ortográfico Actualizado[sic] da Língua Portuguesa) da ACL (Academia de Ciências de Lisboa, a quem, inexplicavelmente, a AULP (Associação das Universidades de Língua Portuguesa) trata por Academia das Ciências Portuguesas).(3) Temos assim 4 Vocabulários, divergentes entre si, mas todos oficiais. Se o AO90 estivesse em vigor não precisaríamos de fazer pim‐pam‐pum e escolher, pois a facultatividade seria legítima em qualquer um dos Estados da CPLP (excepto em Angola e Moçambique). O Brasil esqueceu‐se de que não pode violar tratados internacionais e fixa no seu VOLP que co‐herdeiro se pode escrever «coerdeiro», tal como denuncia a professora Thaís Nicoleti de Camargo: “ a ABL entendeu que poderia suprimir o hífen de formas como co‐herdar e co‐ herdeiro, em desacordo com o texto oficial”.(4) Antes de prosseguir, importa ainda saber de que maneira se poderá entender o profundo debate do qual resultou o AO90: de todos pareceres solicitados pelo Instituto Camões, apenas um se mostrou favorável: o da ACL, assinado em causa própria por Malaca Casteleiro, um dos autores e negociadores do «acordo».(5) Portugal aprovou o Segundo Protocolo Modificativo por meio da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 de 29 de Julho de 2008, e ratificou‐o em 2009. A referida Resolução estabelece, no artigo 2.º, que até à vigência definitiva do AO90 decorre um período de transição de seis anos, e que, no decorrer deste período as duas ortografias são legítimas. Qualquer um capaz de somar 6 a 2009 conclui que o período de transição terminaria em 2015, e que Francisco José Viegas, a quem o resultado da soma deu 2014, não sabe fazer contas. Mas há mais: os portugueses só tiveram conhecimento de que o AO90 estaria em vigor desde 2009 a 17 de Setembro de 2010 (Aviso n.º 255/2010 de 17 de Setembro de 2010), ou seja, quase um ano e meio depois. Assim sendo, e porque a data de vigência é a da publicação em Diário da República, o período de transição não terminaria em 2015, mas em 2016, pois a “falta de publicidade dos actos previstos nas alíneas a) a h) do número anterior e de qualquer acto de conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, implica a sua ineficácia jurídica” (art. 119 da Constituição da República Portuguesa). Que razões terão levado os governantes portugueses a assinar o AO90 para depois o esquecer, a esperar tanto tempo para ratificar os dois Protocolos Modificativos, e a esconder dos portugueses durante quase um ano e meio que o AO90 estaria em vigor apesar de tal poder incorrer em “ineficácia jurídica”? Talvez a resposta nos tenha sido dada por Aníbal 3


Cavaco Silva, num provável momento de distracção, a 22 de Maio último, em Díli: “Quando fui ao Brasil em 2008, face à pressão que então se fazia sentir no Brasil, o Governo português disse‐me que podia e devia anunciar a ratificação do acordo, o que fiz” (Público, 22 de Maio de 2012). Que levará os governantes e o representante do Estado Português, eleitos e pagos pelos portugueses para defenderem os seus interesses, a ceder a pressões estrangeiras? Menos de dois meses antes desta confissão de Cavaco Silva, a 30 de Março de 2012, ocorreu a VII Reunião de Ministros da Educação da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), em cuja Declaração Final podemos ler que a “Aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 no processo de ensino e aprendizagem revelou a existência de constrangimentos”, e que ficou o Secretariado Técnico Permanente (do qual Portugal faz parte) incumbido de proceder a “um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do Acordo Ortográfico de 1990”. A Declaração não especifica quais são os constrangimentos e estrangulamentos revelados no processo de ensino e aprendizagem, porém, tentarei provar neste trabalho que só podem ser duas ordens: — A aplicação ilegal do AO90, que, aliás, só é perpetrada pelo autonomeado motor do indefinido e provavelmente indefinível conceito «lusofonia» e pelo seu pressionado, porém alegre e deslumbrado, reboque: Brasil e Portugal. Os restantes PALOP continuam a escrever segundo a Convenção Ortográfica de 1945 (CO45), que, como veremos adiante, é a única que vigora em Portugal. — As imprecisões, os erros e as ambiguidades que caracterizam o AO90 e que já foram admitidas publicamente por Evanildo Bechara, que, ainda assim, tal como os outros negociadores, nomeadamente o também co‐autor português Malaca Casteleiro, teima fazer da sua confissão uma questão insignificante. Julgue‐se a confissão: “o Acordo não tem condições para servir a uma proposta normativa, contendo imprecisões, erros e ambiguidades” (Lagoa, S. Miguel, em Maio de 2008). A 24 de Abril de 2012, menos de um mês depois da VII Reunião de Ministros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a Agência Lusa informa que “O secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, garantiu hoje que não haverá qualquer revisão do acordo ortográfico”. Que poderá levar os governantes portugueses a continuar a promover sofregamente o AO90 depois de admitir constrangimentos e estrangulamentos? Como justificam as universidades portuguesas e demais intervenientes no processo educativo a adopção forçada, e não raras vezes aplaudida e promovida por docentes e discentes, de constrangimentos e estrangulamentos? Serão as instituições de ensino portuguesas isentas de autoridade e responsabilidade, tendo a seu cargo a promoção e desenvolvimento cultural e científico dos seus cidadãos? Estarão privadas de autonomia ou voz?

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Assinalo de seguida alguns dos muitos erros, imprecisões e ambiguidades que o AO90 apresenta ao longo das 21 bases que o compõem, e para o qual “de entre os princípios em que assenta a ortografia portuguesa se privilegiou o critério fonético (ou da pronúncia) com um certo detrimento para o critério etimológico.” (ponto 5 do Anexo II do AO90). Começo pela base IV, aquela que apresenta mais e maiores consequências pedagógico‐ didácticas. Pode ler‐se na página de Internet da FLUP, Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos, código MTSL015, que “Pelo estudo das bases greco‐latinas das terminologias científicas procurar‐se‐á aumentar a capacidade de expressão e o rigor terminológico” e que “no fim do semestre os alunos devem ser capazes de (...) 3. deduzir o significado de palavras de diferentes nomenclaturas a partir dos seus constituintes”. É sabido que a esmagadora maioria do léxico técnico e científico especializado tem a sua origem no latim e no grego: “A large proportion of the vocabulary of specific content areas is built on Greek and Latin elements”(6), carácter etimológico que o inglês, língua onde encontramos a maior parte da literatura científica e técnica e cultural, não só preserva, mas promove. Quanto maior é o grau de literacia, maior é a estabilidade ortográfica: e a evolução da língua consiste nisso. Há um ganho suplementar nessa estabilização ortográfica que a literacia assegura: quanto maior é mais fidedigna será a transmissão do património escrito entre as gerações. A falta de bibliografia técnica e científica traduzida para língua portuguesa faz do recurso a obras em língua estrangeira uma necessidade. O AO90, suprimindo sequências consonânticas (e não «consoantes mudas» como são erradamente chamadas), afasta‐nos «da raiz», e, por consequência, afasta‐nos também das línguas que podem suprir a falta de manuais em língua portuguesa. Este afastamento dificulta ainda a aprendizagem do português como língua estrangeira, como facilmente nos permite concluir Norman Herr (California State University): “Root words – A knowledge of Greek and Latin prefixes, suffixes, and roots can greatly enhance student understanding of scientific terms and facilitate a better understanding of English and other European languages. Approximately 50% of all words in English have Latin roots, many of which are shared with Spanish, French, Portuguese and Italian. Learning scientific root words thereby helps one understand the vocabulary of a variety of languages, particularly English (1.1, 1.2, 1.3, 1.4). Cognates – Many science terms are used internationally. Identify such terms (2.3, 2.4) and ask your students to notify you whenever they recognize a new term that is pronounced or written similarly in their first language. This helps build your knowledge of cognates (words that are similar in two or more languages) so you can help future learners master science vocabulary”.(7) Assim, e tal como atesta a FLUP, muitas das erradamente chamadas consoantes mudas que o AO90 quer eliminar são, afinal, fundamentais para um processo cognitivo de reconhecimento e aprendizagem racional de terminologia técnica e científica.

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Mas não é o único erro da base IV: lê‐se no ponto 4.1 do Anexo II, a respeito das erradamente chamadas consoantes mudas que “na norma gráfica brasileira há muito estas consoantes foram abolidas, ao contrário do que sucede na norma gráfica lusitana, em que tais consoantes se conservam”. Pois eu preciso do ‘C’ para pronunciar ‘corrector’, doutro modo pronunciarei da mesma maneira que pronuncio ‘corretor’, e não quero confundir o corrector que tenho na gaveta da secretária com as pessoas que trabalham na bolsa de valores ou nas agências de seguros; eu preciso do ‘P’ para pronunciar ‘recepção’, «receção» pronuncio da mesma maneira que ‘recessão’, e para recessão já me chega a económica; eu preciso do ‘P’ para pronunciar ‘concepção’, «conceção» pronuncio da mesma maneira que pronuncio ‘concessão’, e eu não quero conceder tudo aquilo que concebo. Peço a quem não «ouve» a diferença que leia em voz alta baptismo e «batismo», baptizado e «batizado», afectivo e «afetivo», colectivo e «coletivo», lectivo e «letivo», factura e «fatura», adopção e «adoção», efectivo e «efetivo»,... Os brasileiros não precisam dos cês, pês e acentos nessas palavras pois dizem de modo indistinto «para» e pára», «corrector» e «corretor»... Porém, para nós, as erradamente chamadas consoantes mudas têm, na maioria dos casos, um valor diacrítico essencial à correcta pronunciação. Aconselho vivamente a leitura do único trabalho científico realizado até hoje a respeito (da base IV) do AO90 e que desmistifica o logro das erradamente chamadas consoantes mudas: OS LEMAS EM ‘‐ACÇÃO’ E A BASE IV DO AO90.(8) Que terá levado estes iluminados negociadores a alegar aproximação da fala à escrita e unificação ao mesmo tempo, quando qualquer que veja uma das muitas telenovelas com que se entretêm os portugueses repara no contra‐senso, isto é, repara que as diferenças de pronunciação não o permitem? O desvario não só continua como se agrava: lê‐se ainda na Base IV que é “inevitável que se aceitem grafias duplas”. Vejamos algumas inevitáveis duplas grafias: ‘recepção’ em Portugal deve escrever‐se «receção», e no Brasil continua a escrever‐se ‘recepção’; ‘percepção’ em Portugal deve escrever‐se «perceção», e no Brasil continua a escrever‐se ‘percepção’... Será este mais um “passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional.”? Já agora: qual unidade e qual prestígio? A unidade não existe nem poderá existir (as divergências semânticas e sintácticas já não o permitem), e o prestígio obtém‐se pela estabilidade e pela ordem, como tão bem exemplifica a língua inglesa. Apesar da estranha supressão de pês e cês em palavras que no Brasil se continuam a grafar com os cês e os pês, creio que a esta altura já todos terão percebido que (sobretudo) a base IV impõe a sete países que escrevam como se escreve no Brasil. E quem esteja minimamente atento ao que se passa nas redes sociais, páginas de Internet oficiais e, pasmem‐se!, leia o Diário da República, já reparou que ‘facto’ e ‘contacto’, apesar do que nos diz a base IV do AO90, são constantemente grafadas sem cê, ou seja, como no Brasil, e que os mais activos acordistas também já referem discretamente a inadaptação à estranha ausência dos cês e dos pês nas palavras que para os falantes brasileiros são necessárias. Quem não acredita que o 6


«acordo ortográfico» é o instrumento para pôr todos os PALOP a escrever, e por consequência, a médio prazo, a falar brasileiro, deveria começar a preocupar‐se seriamente: para estas e/ou outras alterações “os próximos passos serão definidos no primeiro trimestre de 2013, altura em que tem programada uma visita a Portugal.”, disse a 7 de Dezembro um ministro brasileiro alegando que assim “poderemos ser uma língua da ONU”.(9) Os interesses políticos e económicos do Brasil não deveriam ser atingidos à custa do prejuízo dos portugueses. Pedro Passos Coelho, questionado em 2008 por um cidadão, respondeu que o AO90 “não representa nenhum benefício para a língua e cultura portuguesa”. No mesmo ano é concedido o título de cidadão honorário do Rio de Janeiro a Miguel Relvas... E a negociata energicamente reiniciada pelo governo de José Sócrates continua. Mas nem os portugueses tiram nenhuma vantagem dos benefícios concedidos ao maçon, nem Portugal lucra com as aspirações políticas e económicas de outros países, por muito que elas sejam apresentadas sob a forma de doces promessas. Outra das graves consequências da base IV é o aumento exponencial do número de homografias, mas já iremos. “Não se emprega o hífen nas ligações da preposição de às formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, hão de, etc.”, diz‐nos a base XVII. Leio Hamlet, e a certa altura diz o príncipe da Dinamarca que “algo há de mal”... eu também digo, a respeito do AO90, que algo há de mal, mas que o mal há‐de ter fim quando for sensatamente rejeitado por todos os intervenientes do sistema educativo. Pela base XV ficamos a saber que cor‐de‐rosa e água‐de‐colónia continuariam a escrever‐se com hífen por causa da consagração pelo uso. Mas que um cão‐de‐guarda passaria a ser um qualquer cão que esteja de guarda, e que os fins‐de‐semana também perderiam o hífen porque sim. Como justificam os professores estas e demais arbitrariedades aos seus alunos? E aos alunos estrangeiros que queiram aprender a língua portuguesa? Dirão que Malaca Casteleiro e Evanildo Bechara querem que seja assim? De Zamora, Espanha, já chegou a Portugal um manifesto de 88 estudantes aprendentes da Língua Portuguesa contra o AO90.(10) Se lerem a base XIX, verão que o Estio passaria a verão. Dezembro também passaria a dezembro porque sim. A mui nobre e invicta deixaria de ser cidade do Norte e passaria a cidade do norte. Em Lisboa, Santo António passaria, facultativamente, a santo António. Nas universidades portuguesas os cursos de Filosofia passariam, facultativamente, a cursos de filosofia. E, também facultativamente, a disciplina de Lógica passaria a uma qualquer disciplina de lógica. Fazendo um percurso desde a base VIII até à base XIII com passagem pelo Anexo II (a Nota Explicativa), não encontramos um rol de alterações menos anedótico. Os sábios negociadores admitem que o sistema de acentuação gráfica não se limita “a assinalar apenas a tonicidade das vogais sobre as quais recaem os acentos gráficos, mas distingue também o timbre destas.”, e salientam que o acento circunflexo se manteria na “forma verbal pôr, para a distinguir da preposição por.”. Porém, dizem também que seremos obrigados a escrever 7


‘ninguém para a AE da FLUP’. Eu prefiro saber que alguém foi para a AE da FLUP e que ninguém pára a AE da FLUP. Ler, na Base IX, enormidades como esta que determina que passa a ser “facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do Indicativo, de tipo amámos, louvámos, para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos)” deveria bastar para que qualquer instituição de ensino ou professor repugnasse o AO90. Por esta altura já todos terão percebido que o AO90 não só não cumpre o que se propôs como cria problemas até agora inexistentes. A exponencial multiplicação de palavras homógrafas é igualmente inqualificável. Alegarão os acordistas a este respeito que estas já existem na língua portuguesa. Eu acrescento que não existem apenas na língua portuguesa, que existem em todas as que conheço; contudo, afirmo também que a justificação ou a desculpa da sua multiplicação com o facto de já termos casos como casa (habitação) e casa (terceira pessoa do singular no presente do indicativo do verbo casar), é fundamento inaceitável por quem se paute pelo rigor. Rui Estrela Oliveira proibiu a aplicação do AO90 no tribunal de Viana do Castelo(11): “Se há campo onde há mais mudanças, na intensidade de utilização de certas palavras, é no Direito. Pode provocar, com o mesmo texto, um sentido totalmente diferente. Isto nunca foi pensado nem acautelado de nenhum modo. Juridicamente é muito importante o que se diz e o modo como se diz”, afirma o juiz, para quem a ambiguidade de interpretação em documentos jurídicos é inadmissível, e exemplifica com esta frase de sentido indecifrável: “De início, o corretor da sala 3 assumia a função de corretor do corretor da sala 2, para depois passar a ser o corretor de todos, até do corretor da última sala que, confrontado com a situação, esboçou um sorriso”. A inaceitável ambiguidade de interpretação não é (como veremos) o único factor que permite ao juiz proibir a aplicação do AO90 no seu tribunal; todavia, parece‐me o bastante para que alunos e professores de Direito lhe sigam o exemplo. A língua portuguesa, que tem duas ortografias oficiais (a do Brasil e a dos restantes países da CPLP), passaria, com a aplicação do AO90, a permitir o caos ortográfico em qualquer um dos PALOP. Vejamos um exemplo: no Brasil escreve‐se Rua de Santo Antônio, em Portugal e nos restantes 6 países da CPLP escreve‐se Rua de Santo António; segundo o AO90, Rua de Santo António, Rua de Santo Antônio, rua de Santo António, rua de Santo Antônio, Rua de santo António, Rua de santo Antônio, rua de santo António e rua de santo Antônio, seriam igual e facultativamente maneiras correctas de escrever em língua portuguesa, dentro e fora da CPLP. Que o AO90 é um instrumento que atenta contra o sistema educativo e que fragiliza a língua portuguesa, já terá ficado assente. Que a alegada «unificação» é impossível, também (o próprio AO90 atesta‐o pelos milhares de múltiplas grafias que anuncia e outros milhares que cria). De resto, as diferenças ortográficas entre a língua falada e escrita no Brasil e a língua 8


falada e escrita nos restantes PALOP nunca representaram dificuldades à comunicação. O que verdadeiramente impede o entendimento claro e imediato entre os falantes e escreventes das duas variantes é o léxico, a semântica e a sintaxe: se eu entrar numa loja em Portugal para comprar balas, é provável que o dono do estabelecimento chame a polícia; mas a quem pede balas no Rio de Janeiro é‐lhe vendido rebuçados. Eu digo que o Vítor Baía foi um guarda‐redes, mas os brasileiros dizem que o mesmo Vítor Baía foi um goleiro. A língua falada e escrita no Brasil teve influências diversas e diferentes das sentidas na língua falada e escrita em Portugal ou nos restantes PALOP, sobretudo em virtude dos dialectos indígenas e do multiculturalismo. Mas estas não são as únicas causas do afastamento da variante brasileira: justificando‐as como meio de alfabetização, as reformas/acordos ortográficos dão‐se, nos dois lados do Atlântico, desde o início do século passado: em 1907 a ABL (Brasil) propôs uma reforma unilateral; a de 1911 foi primeiramente adoptada pelos dois países, mas posteriormente rejeitada pelo Brasil (em 1919); em 1943 o Brasil fez outra reforma unilateral; a de 1945 foi novamente rejeitada pelo Brasil dez anos depois de a perfilhar (em 1955), que, dando mais uma vez o dito pelo não dito, continuou a usar a ortografia que, unilateralmente, estabeleceu em 1943. Fernando Pessoa nunca aceitou esta maneira tão simplista de encarar o problema da alfabetização iniciada em 1911 (Evanildo Bechara, co‐autor e negociador do AO90, afirmou ao Expresso, a 20 de Outubro de 2012 que «Fernando Pessoa [1888‐1935] não aderiu à Reforma 1945») e escreveu a sua poética philosofia até ao fim dos seus dias: “Mas odeio, com ódio verdadeiro (...) a ortografia sem ípsilon (...). A palavra é completa vista e ouvida. E a gala transliteração greco‐romana veste‐ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha”. As sucessivas reformas impedem a estabilidade necessária à afirmação duma língua, mesmo (ou sobretudo) para os seus falantes e escreventes naturais. Alegar a simplificação (que nem é o que se verifica com o complicador AO90, por muito que aleguem o contrário) como meio de alfabetização, em vez de investir no ensino, é tratar a língua e os seus falantes e escreventes por incapazes. Os resultados da habilidade são estes: — o pressionado mas maravilhado reboque é um dos países com menor taxa de alfabetização da Europa e consegue estar 21 lugares abaixo da vizinha Espanha; — o motor da lusofonia (conceito por mim ignorado, mas que a muitos maravilha) consegue ficar 7 lugares abaixo do Zimbabwe; a grande potência mundial consegue ainda obter o penúltimo lugar no «ranking global de qualidade de educação» de um recente estudo levado a cabo pela britânica Economist Intelligence Unit.(12) Diversas causas terão contribuído para resultados tão vergonhosos, no entanto há muito não se podem alegar com justiça. E como diz a professora Thaís Nicoleti de Camargo à Folha de S. Paulo, a 22 de Abril de 2009, “A ideia de unificação, que produziu um discurso politicamente 9


positivo em torno do assunto, além de não ter utilidade prática, gera vultoso gasto de energia e de recursos, que bem poderiam ser empregados no estímulo à educação e à cultura”. Mas voltemos à «unificação» e analisemos este artigo de Paula Neves Blank (Público, 28/10/2012), licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela FLUP: “O meu trabalho consiste, em suma, na revisão de traduções do Inglês para o Português de manuais de instruções e interfaces do utilizador de equipamento médico. (...) O que me chega às mãos está 90% das vezes muito longe do nível de qualidade que seria de esperar para qualquer tradução, quanto mais para traduções nesta área. Os exemplos são infindáveis, mas escolhi um que servirá para demonstrar aquilo de que falo. Na tradução do manual de um ventilador, feita por um tradutor brasileiro, lê‐se: “Usar o ventilador de maneira diferente como foi instruída pode causar danos ao digitalizar de RM”. Uma tradução correcta do original em Inglês poderia ser assim: “A utilização do ventilador de maneira diferente da que foi indicada nas instruções, pode causar danos ao aparelho de RM (ressonância magnética)”. Em praticamente todos os manuais traduzidos para Português do Brasil, e também no deste exemplo, chama‐se “vazamento” a fuga, “cabo de força” a cabo de alimentação, “tela” a ecrã, “plugue” a ficha (um “plugue” que se “pluga”, do verbo “plugar”), “jack” a tomada, “leiaute” a disposição, “acurácia” a precisão, diz‐se que a impressora “está aquecendo”, que “você tem de acessar isso” (aceder) ou “você deve apertar aquilo” (pressionar), os verbos reflexivos são conjugados ao contrário (“isso se faz assim” em vez de “isso faz‐se assim”), etc. O manual de um dispositivo de suporte de vida chega a ter 300‐400 páginas e o deste exemplo era uma tradução que estava autorizada, em utilização em Portugal, e que só foi corrigida (1) quando o fabricante passou a fazer parte da gama de comercialização de certa empresa e (2) porque, depois de muita argumentação, o fabricante acabou por concordar em produzir uma versão em Português de Portugal. (...) A maioria dos manuais traduzidos no Brasil que eu revi estão escritos assim e, provavelmente, no Brasil até são textos perfeitamente aceitáveis, não sei, nem discuto. Mas em Portugal não. As traduções utilizadas em Portugal têm forçosamente que ser feitas por tradutores portugueses, em Português de Portugal, para que se possam cumprir os critérios exigíveis. (...) A realidade é que os fabricantes pressionam os distribuidores portugueses a utilizar as traduções brasileiras em Portugal. Os argumentos são sempre os mesmos: (1) só se produz uma versão em Português e, dado que o Brasil é um mercado maior, a versão a produzir será em Pt‐Br ou (2) temos que reduzir custos, por isso há que anular uma das versões em Português; o Brasil é um mercado maior, portanto eliminamos a versão Pt‐Pt. Ponto final. Contra‐argumentar dizendo que a sintaxe e a terminologia não são aceitáveis para textos que se destinam a profissionais clínicos, que os erros podem provocar acidentes de proporções mais ou menos sérias, é por regra inútil. Algumas vezes, felizmente, o esforço de argumentação é recompensado, e os médicos e enfermeiros em Portugal podem usufruir do privilégio de ler as instruções do dispositivo médico, que adquiriram em Portugal, num Português de fácil e natural compreensão. (...) É, portanto, com profunda consternação 10


que vemos o Governo português, que devia defender os nossos interesses, assinar um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que (defendem alguns) visa unificar a ortografia e resolver todas as diferenças entre ambos os registos do Português. O Acordo Ortográfico, ao criar esta falsa noção de uniformidade, extremamente nefasta para o Português‐padrão, tem um resultado terrível para a tradução, porque enche o mercado português de instruções que quanto mais técnicas, mais incompreensíveis são. (...)”. Destas palavras de Paula Blank já alguns dos mestrandos em Tradução e Serviços Linguísticos da FLUP se sentirão inquietos a respeito do seu (já incerto) futuro profissional. Consideremos mais alguns factos: ₋ A bandeira brasileira é cada vez mais utilizada para identificar a língua portuguesa:

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O Público noticiou, a 4 de Janeiro de 2012, que o grupo editorial “Leya despede em Portugal e aposta no Brasil”. O “G1, dedica espaço alargado à expansão do ensino do português do Brasil na Europa”.(13) A francesa Larousse, que parece já ter entendido o significado de «lusofonia» (os portugueses continuam ofuscados com a miragem), editou (em 2012) o dicionário “Français‐Brésilien / Bréslien‐Français”, que uma das empresas do grupo Porto Editora (que não se cansa de dizer que a língua no Brasil e em Portugal é a mesma) disponibiliza:

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Só os mais distraídos é que não terão ainda reparado nas alterações que certamente não solicitaram no Office (ou outro)... O jornalista e escritor Manuel António Pina, falecido em Outubro último, deixou‐nos este desabafo: “Ainda não vi ninguém queixar‐se (e, que diabo!, não acredito que seja só eu o eleito e o escolhido): fui atacado por um “hacker” anónimo ao serviço da Kultura e do dr. Malaca Casteleiro e, em silêncio, sem aviso, o meu Word adoptou o celerado Acordo Ortográfico. Mesmo agora acaba de sublinhar a vermelho a palavra “adoptou” (e voltou a fazê‐lo!). Não tenho conhecimentos de informática nem tempo para tentar desactivar (outra vez!) no corrector (de novo!) ortográfico o cavalo de Troia nele alojado não sei por que sinistro Torquemada linguístico, e irrita‐me saber que alguém vigia o modo como escrevo pois, a seguir a isso, há‐de vir também a vigilância sobre aquilo que escrevo. (O biltre sublinhou o “há‐de” a vermelho; só falta notificar‐me, como nas cartas de condução, de que já cometi x ou y infracções (outra vez!) ortográficas graves e de que ficarei impedido de escrever durante um mês ou, sabe‐se lá, para sempre). Que fazer? A quem pedir satisfações? Ao Windows Update? Ao dr. Miguel Relvas? Ao SIS? À Loja Mozart? Por que obscura porta se terá infiltrado a Coisa no meu computador? Poderá entrar igualmente pela minha consciência e pela minha vontade dentro, censurando a vermelho o que penso e o que quero como censura o que escrevo? Já pensei voltar a escrever à mão, mas temo que até esferográficas e lápis tenham já sido programados pelo dr. Casteleiro para não me deixarem escrever consoantes mudas”. Creio que serão igualmente os mais distraídos os únicos que ainda não repararam na proveniência do resultado das pesquisas que fazem na Internet. Segundo a Newmediaconsulting, “Desde a implementação no novo (des)acordo ortográfico que muitas empresas e marcas online em Portugal sentem uma quebra significativa nas visitas ao seu site e no volume de negócios daí provenientes”.(14) Como salientou Augusto Manuel Seabra: “acho sumamente lamentável a insistência no Acordo Ortográfico, que não só é uma barbaridade em termos de língua e linguística, o que tantos já devidamente assinalaram, como vai ser mais um instrumento para a expansão das indústrias culturais brasileiras – e mesmo sendo a 'brasileirofilia', de Viegas, espanta‐me que ele, sendo editor, não saiba que há congéneres brasileiras a adquirir os direitos universais de obras de língua portuguesa”. (Público, 06/07/2001 no artigo «Um governante e o seu programa») Maurício Silva, professor da Universidade Nove de Julho, São Paulo, não dissimula: “não estamos mais dispostos a aceitar que tomamos a língua deles emprestada e nos cabe apenas respeitá‐la. Afinal somos a maioria”, e acrescenta: “Assim, pode‐se dizer que grande parte da discussão em torno da ortografia da língua portuguesa – como, de resto, em torno da própria língua – redunda na tentativa de afirmação nacionalista de uma vertente brasileira do idioma, em franca oposição à vertente lusitana”.(15)

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É legítimo, e louvável, que o Brasil queira o expansionismo da sua língua e economia; mas é inadmissível que o procure à custa do empobrecimento cultural alheio. Sobre o Acordo Ortográfico, até a imprensa estrangeira noticiou que: “Portugal adopts Brazilian spellings” (Chicago Tribune); “Brazilian devours its mother tongue” (Gulf Stream Blues); “Le créole brésilien remplace officiellement le portugais au Portugal” (Témoignages); “In portogallo si parlerá brasiliano” (Oz Traveller). O prestígio internacional e demais «potenciais» duma língua não se conseguem com ambiguidades, imprecisões e erros técnicos; só a ingenuidade e a ignorância, acalentadas com falácias e estatísticas de ilusão, acreditam que o AO90 é um passe de mágica para a afirmação do português no mundo, como adverte Desidério Murcho.(16) O inglês, língua de referência mundial, nunca «acordizou» inglês britânico com inglês americano, mas a sua estabilização secular contribui certamente para a sua afirmação. Assim sendo, a pergunta da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros) é da maior pertinência: “Se o Acordo não serve, a quem serve o Acordo?”. Acrescenta a APEL no mesmo comunicado de imprensa (Estudo revela inutilidade do Acordo Ortográfico): “ao contrário do que é dito pelos seus defensores, não se afigura a aproximação das diversas variantes do Português, mas sim a consagração das diferenças naquilo que é fundamental – a sintaxe, a semântica e o vocabulário – com clara vantagem para a variante do Brasil. (...) pois não haja quaisquer dúvidas que as instituições internacionais, a partir do momento em que Portugal ceder às intenções do Brasil, não hesitarão em ter como referência o Português daquele país. Assim, com base neste estudo que agora se torna público, a APEL convida todos os agentes políticos, culturais e educativos a reflectirem com profundidade sobre este assunto. Ainda não é tarde demais para se evitar uma catástrofe, pois, certamente, o Acordo Ortográfico não serve a Portugal”.(17) O lucro imediato contribuiu para que muitos portugueses, sobretudo formadores, entidades formadoras e fazedores de manuais do tipo auto‐ajuda para aprender a porra da nova ortografia (como lhe chamou a cantora brasileira Rita Lee), se aliassem a este atentado cultural. A Porto Editora é o caso mais flagrante: em 2005 emitiu parecer bastante negativo ao AO90, salientado as “consequências muito graves a nível económico”, o facto de “as diferenças da Língua Portuguesa nos vários países lusófonos situam‐se ao nível semântico e sintáctico” e “os problemas de ambiguidade criados”, mas depois aproveitou a oportunidade obter lucro propagandeando o que considera não só inútil como nefasto. No Anexo II do AO90 os negociadores perguntam, como quem atenua a culpa: “como é que uma criança de 6‐7 anos pode compreender que em palavras como concepção, excepção, 13


recepção, a consoante não articulada é um p, ao passo que em vocábulos como correcção, direcção, objecção, tal consoante é um c?”. Eu diria que as curiosas crianças, que tudo querem aprender e saber, perguntarão por que é que têm que escrever o ‘h’ da onestidade dos omens que as mandam escrever assim, já que é esse ‘h’ o que não lêem; provavelmente também se lhes terá que explicar o que significa ‘arbitrariedade no uso de critério’ e ‘consagração pelo uso’. A ingenuidade dará lugar à compaixão pelas crianças inglesas, francesas ou espanholas, obrigadas a escrever psychology, jouet e diccionario. Porém, mais tarde, quererão que lhe expliquem por que é que o dinheiro e o empenho gastos a desestabilizar a língua portuguesa não foi investido no ensino. Como disse o escritor Vasco Graça Moura (Diário de Notícias, 30/05/2012) é “pela boa aprendizagem de uma língua que se torna possível a formulação eficaz do pensamento abstracto nas suas implicações filosóficas, matemáticas, científicas. É por aí que se chega ao conhecimento e ao progresso”. Na língua e na aprendizagem, “como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível. Porque é batota!” (Património em risco, Jornal de Angola, 08/02/2012) Como se justifica tanto investimento de recursos se o AO90, mesmo que não criasse os problemas que cria, não conseguiria melhorar a comunicação entre os PALOP? Quem diz que o AO90 unifica ou simplifica a ortografia ou vê outro tipo de vantagens neste «acordo», ou repete acriticamente o que ouve ou age de má‐fé. Não é o caso da organização mundial de escritores P.E.N., que anunciou em Setembro último que o “P.E.N. Internacional condena por unanimidade o Acordo Ortográfico”.(18) Nem o caso da Sociedade Portuguesa de Autores, que se recusa a adoptá‐lo. Quem leu com atenção o depoimento de Paula Neves Blank e tenha percebido o que foi dito ao longo deste trabalho, concordará com Lyris Wiedemann, professora da Universidade de Stanford, que afirma que “it is virtually impossible for a native speaker of one variety of Portuguese (European or Brazilian) to do a good translation into the other. Although there are unfortunately people who may feel, and announce themselves, as capable os translating or editing for both varieties, their work usually does not pass the simplest scrutiny of a native speaker”. Também considero inaceitável “a perda de tempo e recursos a reformar a ortografia em vez de concentrar os esforços na produção de boas obras de divulgação, gramáticas e dicionários de qualidade, que realmente ajudem o público a dominar a sua língua e a escrever cada vez melhor nela”.(19) Por fim, faço minhas as palavras do juiz de Viana do Castelo que garante que quem escreve segundo o AO90 dá erros ortográficos, visto o «acordo» não estar em vigor no Estado português (comunicado em anexo). Angola e Moçambique não ratificaram o AO90, pelo que, Portugal, tendo aderido à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados em 2003, a qual determina que um Tratado

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Internacional só vigora depois de ratificado por todos os seus signatários, não o pode aplicar oficialmente (art. 24.º). Do que se disse resulta ainda a ilegalidade da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 de 29 de Julho de 2008, ao tentar sobrepor‐se ao Decreto‐Lei n.º 35.228, de 8 de Dezembro de 1945, que não foi revogado e que determina a aplicação da Convenção Ortográfica de 1945. José de Faria Costa e Francisco Ferreira de Almeida, Professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, dão prova dessa ilegalidade num artigo publicado em Fevereiro último no Diário de Notícias, que anexo e cuja leitura recomendo. Anexo ainda a “Pergunta ao Governo” de 23 de Novembro último pelos Deputados João Bosco Mota Amaral, Joaquim Ponte e Lídia Bulcão, onde podemos ler que “Interesses económicos poderosos pressionaram no sentido da imediata aplicação de um tratado internacional que nem sequer está em vigor”. Espero que este trabalho contribua para que todos compreendam a urgência de travar este atentado e unam esforços para que as crianças e jovens não sejam obrigadas a mais um ano de «aprendizagem» segundo um “açordo ortopédico” como lhe chama o Prof. Doutor José Barata‐Moura(20). O açordo apresenta “pontos escandalosos do ponto de vista técnico‐ linguístico, como o da facultatividade ortográfica, que coloca grandes problemas de natureza pedagógico‐didáctica”, como declarou Vítor Manuel Aguiar e Silva após ter‐se demitido do cargo de coordenador da Comissão Nacional de Língua Portuguesa por lhe ter sido negado acesso ao texto final do AO90, depois de ter dado um parecer negativo ao anteprojecto de 1998. Chegou a hora de todos os intervenientes no sistema educativo rejeitarem o açordo. Porto, 15 de Janeiro de 2013 ________________________ (1)

http://sol.sapo.pt/inicio/Opiniao/interior.aspx?content_id=41357&opiniao=Opini%E3o http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=2536190 (3) http://aulp.org/noticias/revista‐de‐imprensa/ensino‐superior/1478‐academia‐de‐ciencias‐defende‐ alteracoes‐ao‐acordo‐ortografico (4) http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2204200909.htm (5) http://issuu.com/roquedias/docs/pareceres‐icamoes2005/1 (6) http://beyond‐the‐book.com/strategies/strategies_041608.html (7) http://www.csun.edu/science/ref/language/teaching‐ell.html (8) http://issuu.com/roquedias/docs/fmv_diacritica24‐1‐1 (9) http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=26&did=88283 (10) http://networkedblogs.com/FISeq (11) http://www.asjp.pt/2012/03/14/juiz‐de‐viana‐do‐castelo‐proibe‐aplicacao‐do‐novo‐acordo‐ortografico ‐no‐ tribunal/ (12) http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/11/121127_educacao_ranking_eiu_jp.shtml (13) http://www.ciberduvidas.pt/aberturas.php?id=1556 (14) http://www.newmediaconsulting.pt/artigos/desacordo‐ortogr%C3%A1fico‐afecta‐desempenho‐online/ (15) http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5%2815%2958‐67.html (16) http://dererummundi.blogspot.nl/2008/04/para‐qu‐o‐acordo‐ortogrfico.html (2)

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(17)

http://www.apel.pt/pageview.aspx?pageid=118&langid=1 http://proximidade.penclubeportugues.org/2012/09/peninternacional‐condena‐por.html (19) http://criticanarede.com/ed1.html (20) http://www.tvi.iol.pt/programa/4601/videos/249776/video/13769141/1 (18)

Publicado na Biblioteca do Desacordo Ortográfico a 7 de Abril de 2013 http://www.jrdias.com/acordo-ortografico-biblioteca.htm

Subscreva a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico http://ilcao.cedilha.net/docs/ilcassinaturaindividual.pdf

Veja também como vai A Choldra Ortográfica em Portugal http://www.jrdias.com/acordo-ortografico-biblioteca.htm

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