Ricardo vargas Entrevista com Ricardo Vargas na Revista Expansão

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#exclusivaexpansãors

RS ENTREVISTA

Graziela Sauer Branco FOTOGRAFIA William Martins fmfotoeequipe /Divulgação

TEXTO

Ricardo

viana Vargas

Ele tem 43 anos, é natural de Belo Horizonte (MG), engenheiro químico e mora há três anos em Copenhague (Dinamarca), com a esposa mineira e suas duas filhas Também é mestre em Engenharia de Produção e em Gerenciamento de Projetos. Esta última sempre foi a mais forte em sua vida. Quando começou sua carreira, era voltado para o uso das técnicas de engenharia para melhorar a capacidade de gestão das organizações. Em 1998, escreveu o primeiro

de seus 15 livros, traduzidos para o inglês, espanhol, francês, italiano e dinamarquês. Ele fala português e inglês fluente e ainda sabe um pouco de espanhol. A sua área é mais técnica e sempre atuou em empresas, com o viés lucrativo. “A minha profissão era fazer o meu cliente ganhar mais dinheiro e no final eles ganhavam. Eu acho isso perfeitamente justo e digno”, afirma Vargas. Se destacou no mundo com os prêmios - contribuição pelos livros, em 2005, pela Project Management Institute (PMI) do qual é membro, e Melhor Projeto Educacional em

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Gerenciamentos do Mundo; em 2010, escolhido a Personalidade da Década no Gerenciamento de Projetos no Brasil, e esse ano recebeu o Total Quality Management (TQM) Award, da Association for Advanced Management Cost Enerringe, pelo uso e aplicação das melhores técnicas do trabalho.

Distinção

Palestrou em setembro passado, no 12 o Seminário de Gerenciamento de Projetos da PMI/ RS, que ocorreu na PUC/RS, em Porto Alegre (RS). Já veio outras vezes ao Rio Grande do Sul e tem o maior apreço pelo povo gaúcho. O segredo de seu sucesso está no comprometimento, dedicação e planejamento. Para ele, “um ser humano de verdade tem senso

crítico, compaixão e respeito pelo próximo. É livre, capaz de discernir o que é certo e capaz de pensar na sociedade mais do que em si mesmo.” Desde 2012, trabalha como diretor do Grupo de Práticas de Gestão de Projetos da Unops (United Nations Office for Project Services), da Organização das Nações Unidas (ONU), na Dinamarca. Nesse ano, recebeu o convite para cuidar dos projetos dos escritórios. “Foi algo do tipo ‘nossa’ e, ao mesmo tempo, um misto de pensamentos como - eu nunca trabalhei para ninguém, sempre fui empresário, teria um chefe, mais a complexidade da ONU. Daí minha mulher teve um papel fundamental nesta decisão.”

Acesse este QR Code a partir de seu smartphone ou tablet Confira o restante da entrevista no portal Expansão RS

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Graziela Sauer Branco FOTOGRAFIA William Martins fmfotoeequipe /Divulgação

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Ricardo

viana Vargas

Ele tem 43 anos, é natural de Belo Horizonte (MG), engenheiro químico e mora há três anos em Copenhague (Dinamarca), com a esposa mineira e suas duas filhas Também é mestre em Engenharia de Produção e em Gerenciamento de Projetos. Esta última sempre foi a mais forte em sua vida. Quando começou sua carreira, era voltado para o uso das técnicas de engenharia para melhorar a capacidade de gestão das organizações. Em 1998, escreveu o primeiro

de seus 15 livros, traduzidos para o inglês, espanhol, francês, italiano e dinamarquês. Ele fala português e inglês fluente e ainda sabe um pouco de espanhol. A sua área é mais técnica e sempre atuou em empresas, com o viés lucrativo. “A minha profissão era fazer o meu cliente ganhar mais dinheiro e no final eles ganhavam. Eu acho isso perfeitamente justo e digno”, afirma Vargas. Se destacou no mundo com os prêmios - contribuição pelos livros, em 2005, pela Project Management Institute (PMI) do qual é membro, e Melhor Projeto Educacional em

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Gerenciamentos do Mundo; em 2010, escolhido a Personalidade da Década no Gerenciamento de Projetos no Brasil, e esse ano recebeu o Total Quality Management (TQM) Award, da Association for Advanced Management Cost Enerringe, pelo uso e aplicação das melhores técnicas do trabalho.

Distinção

Palestrou em setembro passado, no 12 o Seminário de Gerenciamento de Projetos da PMI/ RS, que ocorreu na PUC/RS, em Porto Alegre (RS). Já veio outras vezes ao Rio Grande do Sul e tem o maior apreço pelo povo gaúcho. O segredo de seu sucesso está no comprometimento, dedicação e planejamento. Para ele, “um ser humano de verdade tem senso

crítico, compaixão e respeito pelo próximo. É livre, capaz de discernir o que é certo e capaz de pensar na sociedade mais do que em si mesmo.” Desde 2012, trabalha como diretor do Grupo de Práticas de Gestão de Projetos da Unops (United Nations Office for Project Services), da Organização das Nações Unidas (ONU), na Dinamarca. Nesse ano, recebeu o convite para cuidar dos projetos dos escritórios. “Foi algo do tipo ‘nossa’ e, ao mesmo tempo, um misto de pensamentos como - eu nunca trabalhei para ninguém, sempre fui empresário, teria um chefe, mais a complexidade da ONU. Daí minha mulher teve um papel fundamental nesta decisão.”

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Ricardo viana Vargas

Por que a sua esposa teve um papel fundamental na sua decisão de trabalhar para ONU? Ela achou que era uma bela oportunidade e experiência de vida, não de dinheiro, mas que eu ia ter a oportunidade de usar todo o meu conhecimento para fazer alguma coisa que não fosse meramente capitalista. Que também seria uma oportunidade de viver em um outro país e conhecer outra cultura, oportunidade de entender a dimensão do meu trabalho, de ter uma perspectiva muito mais global sobre mundo. Então, eu aceitei pelo viés humanitário e o profissional. Provavelmente, tu não conhece uma pessoa que tenha ido ao Afeganistão, ao Sul do Sudão, ao Iraque? Eu já fui nesses lugares considerados fora do mapa. Por que o senhor foi chamado pela ONU? O escritório existe há 20 anos. Eu vim para usar os conceitos de negócios para dar apoio para que esses projetos sejam melhores empregados, gastar menos dinheiro, otimizar os resultados, planejar, administrar os riscos, aumentar a taxa de sucesso dos projetos. Essa é a minha função. Não é porque o nosso projeto é humanitário que podemos ser um pouquinho mais tolerante com a parte da gestão. Eu brinco muito apesar de ser muito polêmico no que eu vou falar: eu trato o trabalho que faço como um trabalho para atender o meu acionista, eu quero dar o maior retorno para ele. A única diferença são as pessoas que necessitam muito. Dá para construir duas escolas com o preço de uma, dá para correr atrás e liberar a escola mais cedo para por mais gente, dá e assim por diante, entendeu? É esticar o limite do possível para reverter, não necessariamente para o bolso do acionista, que seria uma empresa privada ou tradicional, mas para fazer mais coisas. E como você se vê hoje? Hoje sou uma pessoa infinitamente mais madura que o Ricardo de três anos atrás. Eu tenho um entendimento da diversidade da complexidade dos fatores que me tornam. Voltando lá na minha profissão de gerente de projetos, um profissional muito mais competente para entender os diferentes aspectos que permeiam, não apenas para aplicar, quando eu voltar e tiver condições, dentro do mundo capitalista, do mundo de negócios, claro com uma outra dimensão. Hoje se fala em crise, gerenciamento dela, problema, complexidade. Eu tenho hoje uma outra dimensão da complexidade. Atualmente, qual a sua visão?

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A maior parte dos meus problemas não são problemas técnicos, são humanos. Como é que eu recruto um bom gerente de projetos que esteja disposto a deixar o conforto de sua casa e ir morar em um contêiner, dentro de uma zona de conflito, longe da família e dos filhos? Isso não é simples. Não é só uma visão mercantilista, paga-se mais. A equação não funciona dessa forma. Ela funciona por um determinado momento depois chega uma hora que não se quer mais, não se sustenta. O senhor está fazendo o que todos gostariam, que é mudar o mundo? Sim. Para mim, pessoalmente é uma satisfação, mas quando você fala que está mudando o mundo é preciso ser muito humilde. O que eu estou fazendo é um grão no meio de um oceano. Óbvio, se tivéssemos 7 bilhões de pessoas fazendo isso, seria diferente. Porém, acho que temos milhares de pessoas fazendo trabalhos como o que eu estou fazendo. É lógico que é pequeno, mas é um trabalho voluntário. Eu sou funcionário. Eu brinco, mas eu falo que posso fazer um belo trabalho, mas sou pago para fazê-lo, essa é minha profissão. É lógico que consegui reunir as duas coisas. É muito gratificante. Você chega em casa à noite, pensa bastante, porém é muito legal. Qual o papel da Unops? Sem dúvida, algumas unidades da ONU são muito visíveis como a Unicef. A nossa agência não lida diretamente com o beneficiário. Ela trabalha é nos bastidores. Nós administramos os aspectos operacionais dos projetos. O sistema Nações Unidas pode ser entendido de uma forma minha bem simples – são dois grandes grupos. Um grupo diplomático que fica naquele prédio em Nova York (EUA), onde tem os Conselhos de Segurança, Econômico e assembleia geral, em que os países se integram, discutem, deliberam e decidem. A partir do momento em que eles deliberam, uma ação tem que ser tomada. Essa ação é realizada pelo segundo grupo, o de desenvolvimento, em que está a Unops. A Unops é a responsável pelo suporte às demais entidades da ONU? A ONU tem inúmeras entidades para dar vários tipos de suportes. Nós damos para essas entidades o suporte em infraestrutura, compra rápida, etc. Nós construímos rodovia, escola, hospital. E quando falo muito, é muito mesmo. Por exemplo, precisamos de 15 mil tendas para ontem.

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uma decisão. As pessoas que fossem para aquela área contaminada teriam que ser voluntárias. Nós não podemos forçar ninguém. Mandamos um email para todos os funcionários da Unops perguntando quem se habilitaria, caso precisássemos de voluntários. Foi uma das coisas mais emocionantes porque conseguimos mobilizar 180 pessoas, que decidiram e escreveram: eu saio daqui e vou para lá sem problemas. Enquanto todos estavam indo embora, elas fariam o caminho inverso. Isso foi em outubro de 2014 e em 24 horas. Isso é exemplo de humanidade, de vontade e uma emergência.

São pequenas ações que fazem a diferença? Pequenas, médias, grandes. Construímos postos de saúde à reestruturação completa de uma comunidade, como estamos fazendo no Forte Nacional do Haiti, com os abrigos no Nepal depois do terremoto, nos campos de refugiados, na logística de suprimentos e de remédios contra o HIV, tuberculose e malária em Myanmar (país da Ásia). Nós fazemos um espectro de trabalho operacional muito grande, sempre voltado para três grandes grupos – infraestrutura (construção), aquisição (compramos carros, remédios, equipamento protetivo, cimentos, tijolos, absolutamente tudo) - nós somos um dos maiores compradores do mundo porque a maior parte das coisas que o sistema Nações Unidas utiliza acaba sendo comprado via nosso escritório – e a terceira é a de Project Management, em que terceirizamos pessoal para as missões, damos suporte logístico e de tecnologia. O exemplo clássico da utilização de nossos serviços é o serviço de remoção de minas terrestres das Nações Unidas. Como parceiros ajudamos na remoção de minas terrestres em 15 países. Fazemos também suporte logístico em eleição, como estamos fazendo no Haiti. Apenas logístico. Importante - não existe nenhuma iniciativa política nisso aí. Logístico é quantas cédulas de votação, quantas cabines, como você movimenta a cabine, como que você faz para garantir a contagem de cédulas e toda a operação.

Quanto se gasta para isso tudo e de onde são oriundos os recursos financeiros? O escritório de Serviços e Projetos tem recursos de US$ 1,3 bilhão anual. Desse montante, divido em três áreas, eu sou diretor de Infraestrutura e de Gerenciamento de Projetos, ou seja, desses três pilares – Infraestrutura, Gerenciamento de Projetos e Suprimentos -, eu sou diretor de dois. Na minha carteira, eu sou responsável por algo em torno de US$ 1 bilhão anuais em ajuda humanitária e de desenvolvimento. O que muita gente não sabe é que a Unops é autossustentável. Isso significa que nenhum montante desse dinheiro vem de contribuição dos países do sistema Nações Unidas. Todo o dinheiro que recebemos é orientado por projetos. Por exemplo, um determinado governo, como o governo japonês, deseja apoiar iniciativas no Afeganistão na área de transporte, então, o governo transfere para nós e nós aplicamos. Tudo é por meio da captação de recursos? Sim. E precisamos ser muito eficientes. Porque se não tiver projeto, não temos trabalho. Esse é o novo modelo dentro do sistema Nações Unidas, em que a gente não recebe fundos simplesmente por receber, simplesmente por fazer parte do sistema, não! Recebemos fundos quando existem projetos. Nós temos que provar para os nossos parceiros que somos capazes de irmos lá e implementar os nossos projetos.

Vocês atingem sucesso em todos os projetos? Eu não posso dizer 100% porque é importante ressaltar que o nosso trabalho é realizado em áreas instáveis. Já aconteceu de construirmos e depois de ser destruído. Hoje, qual o principal foco do trabalho da Unops? São os refugiados da Síria? É muito difícil dizer qual é o trabalho principal porque o mundo é muito grande.

Qual foi a situação mais marcante? O que aconteceu em outubro do ano passado, no caso do ebola. As Nações Unidas decidiram criar um programa especial para o combate à doença nos países afetados. Isso imediatamente implicou em ações operacionais. Eu tinha mais de 80 pessoas em campo, fazendo logística e apoiando. Essa situação me surpreendeu muito. Tivemos que fazer uma mobilização rápida de recursos e tomar

O que foi construído pela Unops em 2014? Cerca de 5 mil quilômetros de rodovias, 35 hospitais, 40 escolas e 60 pontes. E por que rodovia? Porque na maioria das vezes nós precisamos desenvolver infraestrutura onde o setor privado não tem interesse em desenvolver. Desses 5 mil quilômetros que construímos, mais de 4 mil são no Afeganistão. E daí você se pergunta: qual a empresa privada que tem interesse econômico em

Como se define o que é prioridade? Nós temos hoje tantas inciativas e desafios e alguns deles se tornam mais públicos do que outros. Por exemplo, hoje o que nós vimos nos refugiados é um desafio tremendo. Agora se você for olhar o que está acontecendo no Sul do Sudão, que pouco se noticia, são as pessoas perdendo a vida por estarem muito abaixo da linha da pobreza. São o que chamamos de estados fragilizados. Os

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Com isso, se permite o desenvolvimento? Sim, o desenvolvimento, o acesso, a comunicação, a melhoria nas condições de vida. Nós fazemos aquilo que a iniciativa privada, ou não tem interesse, ou não tem condições ou não aceita os riscos. Hoje, atuamos em 120 países, somos quase 8 mil pessoas e trabalhamos na implementação de projetos. Por exemplo, nesta semana (setembro) estou em Porto Alegre (RS), semana que vem estou em Niamey, capital do Níger (país da África Ocidental), onde estamos construindo cinco maternidades para poder melhorar as condições da mulher e da criança no nascimento. O trabalho é realizado com o foco no desenvolvimento local e regional? Nós tentamos, ao máximo, utilizar a mão de obra, recurso, talento, tudo locais. Por quê? Porque não é simplesmente construir um hospital. Você gera todo um ecossistema ao redor dele para que gere melhorias na qualidade de vida daquela comunidade. Se eu pensar em construir apenas paredes e portas, o que vai acontecer? Dentro de dois a três anos, o hospital estará sucateado, caso as pessoas não saibam fazer a manutenção e utilizar os equipamentos. O hospital tem que se tornar operativo e precisa ter médicos. Por isso, nós temos todas as nossas parcerias e as outras agências da ONU, para termos a certeza de que existe uma continuidade dos projetos.

estados frágeis são lugares onde existem um desafio muito grande para o governo cobrir, ou existe um conflito inerente, ou uma instabilidade muito grande, ou existe um desastre natural ou catástrofe, esse é o nosso foco de construir e dar essa resiliência a elas todas. Quantas situações instáveis o senhor já verificou in loco? Muitas, muitas e muitas situações. Eu fui praticamente em todos os lugares que você possa imaginar de conflitos. Eu não tenho que estar lá, mas eu gosto de ir porque é muito importante você ver o problema. Uma coisa é presenciá-lo à distância, outra é entrar em um campo de refugiados. Depois da implantação dos projetos, o senhor retorna para visitá-los? Sim, visito, mas, na verdade, a maior parte da minha equipe está em campo. Dessas 8 mil pessoas, cerca de 7,6 mil estão em campo, elas não estão em Copenhague. Na capital da Dinamarca, somos cerca de 400 pessoas. Eu não gerencio todas elas, o gerenciamento é distribuído. Porém, eu sou o responsável por assegurar que as melhores práticas de relacionamento, as construções sejam sustentáveis, que nós vamos construir usando material local e de manutenção porque senão é tudo destruído em alguns anos.

Ricardo viana Vargas

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conectar vilarejos? Por isso, a ONU.

Outro exemplo, quando montamos um corredor humanitário para liberar o norte do Iraque e permitir uma passagem das pessoas para um local mais seguro, tivemos que fazer uma compra muito grande. Entramos no Iraque com mais de 40 contêineres, em 24 horas. Imagine a operação logística urgente para colocar isso tudo lá, abrir um corredor humanitário. Isso foi em junho de 2014, as pessoas estavam sendo dizimadas. Esse é um exemplo das ações rápidas que acontecem por meio das parcerias. Nós tentamos sempre integrar da melhor forma possível as diferentes iniciativas e as agências.

Quantas áreas instáveis são assistidas pelas Nações Unidas? Hoje, são 11 missões de Paz (www. un.org). Se existe uma Força de Paz das Nações Unidas é porque existe uma força natural de percepção pelo Conselho da ONU de que existe instabilidade. Na minha opinião, a instabilidade é maior que a estabilidade. Tudo que queremos é chegar ao ponto em que o nosso tipo de trabalho seja desnecessário. Por quê? Os países têm capacidade de fazer o trabalho, de fornecimento, de know-how e de tecnologia. Eu sou muito positivo em achar que temos desenvolvido engenheiros locais, gestores locais e temos feito um trabalho de capacitação local. No ano passado, treinamos 2,4 mil pessoas em gestão de projetos in loco, mais 2 mil pessoas por meio do nosso treinamento on-line. Tudo isso gratuita-

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uma decisão. As pessoas que fossem para aquela área contaminada teriam que ser voluntárias. Nós não podemos forçar ninguém. Mandamos um email para todos os funcionários da Unops perguntando quem se habilitaria, caso precisássemos de voluntários. Foi uma das coisas mais emocionantes porque conseguimos mobilizar 180 pessoas, que decidiram e escreveram: eu saio daqui e vou para lá sem problemas. Enquanto todos estavam indo embora, elas fariam o caminho inverso. Isso foi em outubro de 2014 e em 24 horas. Isso é exemplo de humanidade, de vontade e uma emergência.

São pequenas ações que fazem a diferença? Pequenas, médias, grandes. Construímos postos de saúde à reestruturação completa de uma comunidade, como estamos fazendo no Forte Nacional do Haiti, com os abrigos no Nepal depois do terremoto, nos campos de refugiados, na logística de suprimentos e de remédios contra o HIV, tuberculose e malária em Myanmar (país da Ásia). Nós fazemos um espectro de trabalho operacional muito grande, sempre voltado para três grandes grupos – infraestrutura (construção), aquisição (compramos carros, remédios, equipamento protetivo, cimentos, tijolos, absolutamente tudo) - nós somos um dos maiores compradores do mundo porque a maior parte das coisas que o sistema Nações Unidas utiliza acaba sendo comprado via nosso escritório – e a terceira é a de Project Management, em que terceirizamos pessoal para as missões, damos suporte logístico e de tecnologia. O exemplo clássico da utilização de nossos serviços é o serviço de remoção de minas terrestres das Nações Unidas. Como parceiros ajudamos na remoção de minas terrestres em 15 países. Fazemos também suporte logístico em eleição, como estamos fazendo no Haiti. Apenas logístico. Importante - não existe nenhuma iniciativa política nisso aí. Logístico é quantas cédulas de votação, quantas cabines, como você movimenta a cabine, como que você faz para garantir a contagem de cédulas e toda a operação.

Quanto se gasta para isso tudo e de onde são oriundos os recursos financeiros? O escritório de Serviços e Projetos tem recursos de US$ 1,3 bilhão anual. Desse montante, divido em três áreas, eu sou diretor de Infraestrutura e de Gerenciamento de Projetos, ou seja, desses três pilares – Infraestrutura, Gerenciamento de Projetos e Suprimentos -, eu sou diretor de dois. Na minha carteira, eu sou responsável por algo em torno de US$ 1 bilhão anuais em ajuda humanitária e de desenvolvimento. O que muita gente não sabe é que a Unops é autossustentável. Isso significa que nenhum montante desse dinheiro vem de contribuição dos países do sistema Nações Unidas. Todo o dinheiro que recebemos é orientado por projetos. Por exemplo, um determinado governo, como o governo japonês, deseja apoiar iniciativas no Afeganistão na área de transporte, então, o governo transfere para nós e nós aplicamos. Tudo é por meio da captação de recursos? Sim. E precisamos ser muito eficientes. Porque se não tiver projeto, não temos trabalho. Esse é o novo modelo dentro do sistema Nações Unidas, em que a gente não recebe fundos simplesmente por receber, simplesmente por fazer parte do sistema, não! Recebemos fundos quando existem projetos. Nós temos que provar para os nossos parceiros que somos capazes de irmos lá e implementar os nossos projetos.

Vocês atingem sucesso em todos os projetos? Eu não posso dizer 100% porque é importante ressaltar que o nosso trabalho é realizado em áreas instáveis. Já aconteceu de construirmos e depois de ser destruído. Hoje, qual o principal foco do trabalho da Unops? São os refugiados da Síria? É muito difícil dizer qual é o trabalho principal porque o mundo é muito grande.

Qual foi a situação mais marcante? O que aconteceu em outubro do ano passado, no caso do ebola. As Nações Unidas decidiram criar um programa especial para o combate à doença nos países afetados. Isso imediatamente implicou em ações operacionais. Eu tinha mais de 80 pessoas em campo, fazendo logística e apoiando. Essa situação me surpreendeu muito. Tivemos que fazer uma mobilização rápida de recursos e tomar

O que foi construído pela Unops em 2014? Cerca de 5 mil quilômetros de rodovias, 35 hospitais, 40 escolas e 60 pontes. E por que rodovia? Porque na maioria das vezes nós precisamos desenvolver infraestrutura onde o setor privado não tem interesse em desenvolver. Desses 5 mil quilômetros que construímos, mais de 4 mil são no Afeganistão. E daí você se pergunta: qual a empresa privada que tem interesse econômico em

Como se define o que é prioridade? Nós temos hoje tantas inciativas e desafios e alguns deles se tornam mais públicos do que outros. Por exemplo, hoje o que nós vimos nos refugiados é um desafio tremendo. Agora se você for olhar o que está acontecendo no Sul do Sudão, que pouco se noticia, são as pessoas perdendo a vida por estarem muito abaixo da linha da pobreza. São o que chamamos de estados fragilizados. Os

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Com isso, se permite o desenvolvimento? Sim, o desenvolvimento, o acesso, a comunicação, a melhoria nas condições de vida. Nós fazemos aquilo que a iniciativa privada, ou não tem interesse, ou não tem condições ou não aceita os riscos. Hoje, atuamos em 120 países, somos quase 8 mil pessoas e trabalhamos na implementação de projetos. Por exemplo, nesta semana (setembro) estou em Porto Alegre (RS), semana que vem estou em Niamey, capital do Níger (país da África Ocidental), onde estamos construindo cinco maternidades para poder melhorar as condições da mulher e da criança no nascimento. O trabalho é realizado com o foco no desenvolvimento local e regional? Nós tentamos, ao máximo, utilizar a mão de obra, recurso, talento, tudo locais. Por quê? Porque não é simplesmente construir um hospital. Você gera todo um ecossistema ao redor dele para que gere melhorias na qualidade de vida daquela comunidade. Se eu pensar em construir apenas paredes e portas, o que vai acontecer? Dentro de dois a três anos, o hospital estará sucateado, caso as pessoas não saibam fazer a manutenção e utilizar os equipamentos. O hospital tem que se tornar operativo e precisa ter médicos. Por isso, nós temos todas as nossas parcerias e as outras agências da ONU, para termos a certeza de que existe uma continuidade dos projetos.

estados frágeis são lugares onde existem um desafio muito grande para o governo cobrir, ou existe um conflito inerente, ou uma instabilidade muito grande, ou existe um desastre natural ou catástrofe, esse é o nosso foco de construir e dar essa resiliência a elas todas. Quantas situações instáveis o senhor já verificou in loco? Muitas, muitas e muitas situações. Eu fui praticamente em todos os lugares que você possa imaginar de conflitos. Eu não tenho que estar lá, mas eu gosto de ir porque é muito importante você ver o problema. Uma coisa é presenciá-lo à distância, outra é entrar em um campo de refugiados. Depois da implantação dos projetos, o senhor retorna para visitá-los? Sim, visito, mas, na verdade, a maior parte da minha equipe está em campo. Dessas 8 mil pessoas, cerca de 7,6 mil estão em campo, elas não estão em Copenhague. Na capital da Dinamarca, somos cerca de 400 pessoas. Eu não gerencio todas elas, o gerenciamento é distribuído. Porém, eu sou o responsável por assegurar que as melhores práticas de relacionamento, as construções sejam sustentáveis, que nós vamos construir usando material local e de manutenção porque senão é tudo destruído em alguns anos.

Ricardo viana Vargas

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conectar vilarejos? Por isso, a ONU.

Outro exemplo, quando montamos um corredor humanitário para liberar o norte do Iraque e permitir uma passagem das pessoas para um local mais seguro, tivemos que fazer uma compra muito grande. Entramos no Iraque com mais de 40 contêineres, em 24 horas. Imagine a operação logística urgente para colocar isso tudo lá, abrir um corredor humanitário. Isso foi em junho de 2014, as pessoas estavam sendo dizimadas. Esse é um exemplo das ações rápidas que acontecem por meio das parcerias. Nós tentamos sempre integrar da melhor forma possível as diferentes iniciativas e as agências.

Quantas áreas instáveis são assistidas pelas Nações Unidas? Hoje, são 11 missões de Paz (www. un.org). Se existe uma Força de Paz das Nações Unidas é porque existe uma força natural de percepção pelo Conselho da ONU de que existe instabilidade. Na minha opinião, a instabilidade é maior que a estabilidade. Tudo que queremos é chegar ao ponto em que o nosso tipo de trabalho seja desnecessário. Por quê? Os países têm capacidade de fazer o trabalho, de fornecimento, de know-how e de tecnologia. Eu sou muito positivo em achar que temos desenvolvido engenheiros locais, gestores locais e temos feito um trabalho de capacitação local. No ano passado, treinamos 2,4 mil pessoas em gestão de projetos in loco, mais 2 mil pessoas por meio do nosso treinamento on-line. Tudo isso gratuita-

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Ricardo viana Vargas

mente. O nosso foco foi a capacidade nacional, treinando os integrantes dos governos locais, de organizações não-governamentais e etc, para fazer os projetos, porque daí criamos massa crítica intelectualmente e tecnicamente preparada para dar sustentabilidade ao desenvolvimento.

um País maravilhoso e que tem grande potencial, mas lógico que ele precisa de ajuste, como qualquer outro país, Porém, o ajuste obviamente vem das pessoas. Em qualquer lugar no mundo são as pessoas que são capazes de resolver os problemas e tem muita gente boa querendo fazer as coisas.

Qual a sua opinião sobre o Brasil? O Brasil, com todos os desafios naturais, está muito longe da realidade que a vejo em outros países. Eu digo que as pessoas têm o direito de ficarem críticas às condições, mas uma coisa que eu aprendi muito é viver uma realidade muito cruel. Uma coisa é você ver a situação dos refugiados, outra é ir lá. Eu fui no Iraque recentemente ver as pessoas que deixaram suas casas e hoje estão em campos refugiados. É desafiador você ver como as pessoas perdem tudo. Isso sem dúvida nenhuma gera uma energia adicional para fazer a diferença. O Brasil tem tantas coisas boas, apesar de não sermos tão positivos. A questão é que os problemas que eu vejo hoje no mundo tornam os problemas que vejo no Brasil absolutamente irrelevantes. Do fundo do meu coração, a gente reclama demais porque não consegue trocar o carro pelo carro do ano ou porque o filho perdeu duas semanas de aula em uma greve, enquanto eu olho pessoas que ficaram 30 anos sem ter acesso a um pedaço de papel para aprender a ler e escrever.

É uma questão de compaixão? É. Em uma entrevista que dei recentemente, me disseram que muitas pessoas falam que os refugiados vieram e estão invadindo o seu espaço. Porém, esquecem que essas pessoas estão fugindo da morte, da miséria, da fome, do frio, são pessoas fragilizadas e são pessoas que necessitam da compaixão do mundo para receber um pouco de humanidade. Às vezes, infelizmente, isso não existe. É algo que nós, como um todo, e a sociedade precisamos desenvolver e rápido - a compaixão para as coisas acontecerem. Eu sou muito feliz com o trabalho que eu faço porque, pela natureza de estar um pouco mais na linha de frente, vejo uma compaixão muito grande dos meus colegas, que abrem mão de muitas coisas para ir em alguma área de conflito e fazerem as coisas acontecerem. Isso gera uma alegria muito grande.

As pessoas têm o direito de querer o melhor? Claro que tem! Tudo é uma questão de perspectivas. Temos o direito de querer o melhor, mas precisamos entender que o contexto é diferente e que precisamos ser um pouquinho mais gratos por tudo que temos. Eu brinco dizendo para todo mundo: se você tem problemas, conversa comigo por dez minutos que seus problemas acabam na hora. É que é uma realidade tão dura, tão cruel que vivencio. As pessoas sentem quando uma criança morre, e, imediatamente, você pensa: podia ser a minha, se eu tivesse no lugar errado, na hora errada, na estrutura errada, podia ter sido a minha. Muito dos problemas existentes no mundo são causados pela má vontade? Nós temos muita capacidade de mudar, adoramos colocar a capacidade de mudança nos outros, mas temos muita e é só a gente fazer. Eu já visitei de 80 a 90 países e cada um tem uma cultura, uma coisa diferente. Eu sou um otimista por natureza, eu sempre vivi em desafios e sempre consegui superá-los em minha vida profissional. O Brasil é

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Qual a sua mensagem para o Brasil? Gente, ser pessimista não ajuda em nada. Ser pessimista, achar que tudo vai acabar, que o mundo vai acabar, que as coisas estão ruins e só vão piorar, não ajuda a resolver o problema. O que ajuda a resolver o problema é levantar da cadeira e fazer as coisas, ter atitude e ter a pró-atividade, dar bons exemplos, para a gente construir uma geração saudável, inteligente, com espírito crítico, capaz de trabalhar e de mudar, porque quando você começa a ver isso, é igual a uma contaminação. Se eu começar a achar que nada tem solução, em nada que eu faço, eu não faço mais nada. É isso que muitas vezes me entristece, quando eu vejo um brasileiro com esse tipo de pensamento, porque isso não resolve nada. Se resolvesse, eu chamaria todo mundo para chorar junto, mas não resolve o problema. O que resolve é levantar da cadeira e correr atrás. Por exemplo, se a pessoa perde o emprego. Ela tem o direito de ficar triste por um dia, no outro dia você tem que levantar da cadeira e seguir para a frente. Senão você perde a guerra. Tem que levantar, acordar mais cedo e dormir mais tarde, e trabalhar para reverter essa situação. Ficar triste, claro, somos humanos, mas não podemos deixar essa tristeza interferir na nossa capacidade de agir.

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