DESIGN MAGAZINE 13 - SETEMBRO/OUTUBRO 2013

Page 1

|1|


EDITORIAL

Tiago Krusse

Não somos designers ou arquitectos, somos jornalistas que nos debruçamos sobre os assuntos de design e arquitectura há perto de 20 anos. Parece-nos importante clarificar perante os leitores da revista que somos um media que se debruça sobre as temáticas mencionadas e que produz apenas informação sobre elas. É uma abordagem profissional e que preserva sempre o nosso estatuto de independência e a rectidão profissional que exigimos de todos nós. Produzimos e difundimos informação de forma apaixonada, interpretando e exprimindo a nossa forma de olhar para estes assuntos. Não tomamos uma atitude de soberba, muito pelo contrário, e jamais nos fazemos valer, como media, para potenciar ou menosprezar agentes que se movem nestas áreas de trabalho. Utilizamos meios próprios para a obtenção de informação, de documentos e no que respeita a imagens temos parcerias encetadas, com reputados profissionais em Portugal e no estrangeiro, bem como nos são cedidas fotografias por parte de profissionais de design e de arquitectura por esse mundo fora. Respeitamos sempre todos os créditos de quem nos permite compor informação e assumimos sempre a responsabilidade quando erramos na difusão de factos. Neste último ano temos sentido uma maior dificuldade em reunirmos elementos que nos permitem produzir uma informação mais alargada. Não é por falta de meios ou de inércia da nossa parte que esta situação se tem verificado. O que denotamos sobretudo a nível nacional é um claro tratamento discriminatório desta revista em relação a outros órgãos de informação. Continuaremos o nosso percurso dentro dos valores e princípios que defendemos, recusando sempre toda e qualquer pressão que coloque em causa a deontologia que assumimos perante os leitores e as entidades que regulam o jornalismo profissional. Este texto surge depois de uma reflexão desta equipa e tem como propósito relembrar todos aqueles que connosco interagem no campo da informação que o nosso compromisso com a liberdade e a responsabilidade não se altera por mais agrestes que se tornem as restrições ao direito de produzir informação. Somos diferentes assim!

tiago_krusse@revistadesignmagazine.com

|2|


http://www.technal.pt

|3|


SUMÁRIO

Opinão por Rodrigo Costa

16

Ensaio por Francsico Vilaça

18

Hall Design

20

Quentin de Coster

22

Georges Moanack

26

Sam Well

30

Fasm

34

Renato Costa

36

Block

38

Food Design por Toyo Ito

42

Padaria em Gondomar

44

Caves no Porto

56

Harpa em Reiquejavique

72

Leituras

86

Escutas

88

A capa desta edição é uma produção gráfica exclusiva da autoria do artista plástico Rodrigo Costa

|4|


http://www.madeexpo.it

|5|


design MAGAZINE

Director Editor Tiago Krusse Produção Gráfica e Digital Joel Costa / Cátia Cunha Colaboradores Bruno Bailly (Lyon) Carlos Pedro Sant’Ana, (Ilhabela) Francisco Vilaça (Estocolmo) Nathalie Wolfs (Bruxelas) Rodrigo Costa (Porto) Fotografia FG+SG - Fotografia de Arquitectura João Morgado - Fotografia de Arquitectura Rui Gonçalves Moreno Publicidade http://revistadesignmagazine.com/publicidade/ Contacto de redacção DESIGN MAGAZINE Jardim dos Malmequeres, 4, 2.º Esquerdo 1675-139 Pontinha (Odivelas) Portugal tiago_krusse@revistadesignmagazine.com Editora Elementos À Solta - Desenvolvimento de Produtos Multimedia Lda. Rua Adriano Correia Oliveira, 153, 1B 3880-316 Ovar - Portugal NIPC: 503 654 858 www.elementosasolta.pt Media criado e registado em 2011 Registo da Entidade Reguladora da Comunicação: 126124

|6|


http://www.cersaie.it

|7|


ERRATA

Na edição Julho/Agosto 2013 publicámos o artigo sobre a Two Six e por lapso da nossa parte escrevemos mal o nome de Cristiana Macedo, a arquitecta cuja criatividade tem ajudado ao crescimento e promoção desta editora de design portuguesa. Fomos prontamente informados pela responsável de comunicação da Two Six sobre a gralha que tínhamos deixado no nome da arquitecta. Assumimos o erro e informámos desde logo os responsáveis da editora garantindo a publicação de uma errata nesta edição. Pedimos as nossas sinceras desculpas a Cristiana Macedo, aos designers da Two Six e aos leitores da revista DESIGN MAGAZINE.

“Pinkit”, design de Cristiana Macedo para a Two Six

|8|


http://www.ifdesign.de

|9|


[D³] COMPETIÇÃO

A feira internacional de mobiliário imm cologne, cuja próxima edição decorrerá entre os dias 13 e 19 de Janeiro de 2014 em Colónia, na Alemanha, abriu as entradas para a inscrição na competição internacional de design, a [D³] Contest. De igual modo os organizadores da imm cologne possibilitam e promovem a jovens designers uma entrada no mercado através do forum [D³] Professionals, onde podem concorrer a um expositor. As datas limites para inscrição são 25 de Setembro de 2013 para a [D³] Contest e 31 de Outubro para a [D³] Professionals. Na plataforma [D³] Design Talents, idealizada para a projecção de novos nomes, a missão é estabelecer um convívio entre o design experimental e um conjunto de agentes profissionais de mercado oriundos de todo o mundo. Amos os formatos, [D³] Contest e [D³] Professionals, apresentam aos visitantes da feira uma selecção dos melhores designers de uma nova geração. A [D³] Contest é organizada pela imm cologne e numa parceira com o German Design Council. Esta iniciativa tem revelado uma capacidade de afirmação no seu segmento muito por causa do bom acolhimento que tem por parte de todos os profissionais da área como também pelas boas condições propor| 10 |

cionadas aos participantes. Faz uma década que a feira imm cologne tem vindo a convidar designers novos e estudantes da disciplina a apresentarem as suas mais recentes criações nos segmentos do mobiliário, acessórios para a casa, iluminação, pavimentos, revestimentos, têxteis e outros tipos de produtos ao grande público. Esta competição tem vindo ano após ano a despertar um maior interesse dos designers e este facto tem-se reflectido numa participação cada vez maior no concurso. Na última edição da imm, no princípio deste ano, foram registadas as participações de designers de 40 países e um total de 671 produtos submetidos para apreciação. O número de participantes selecionados por um painel de jurados fica-se sempre na ordem dos 20 nomeados. Desta selecção e inserido no Prémio de Inovação de Interiores, os jurados decidem então quais os três designers que revelaram maior talento. www.imm-cologne.com


http://www.lisboadesignshow.fil.pt

| 11 |


TALENTS 2014

O processo de candidaturas ao Talents da feira Ambiente 2014, evento organizado pela Messe Frankfurt e que decorrerá entre os dias 7 e 14 de Fevereiro de 2014, continua aberto até ao próximo dia 8 de Outubro de 2013. Os designers, em início de carreira, terão de preencher um formulário, enviar imagens de trabalhos e incluir um currículo breve, em Inglês. Os trabalhos apresentados devem dirigir-se aos segmentos de mesa e cozinha ou artigos de decoração para a casa. O envio deve ser efectuado para o seguinte email talents@messefrankfurt.com , ao cuidado de Ulla Diekmann. Aos designers selccionados pela Messe Frankfurt para participarem no Talents 2014 será atribuído um stand onde se inclui tapete, instalação eléctrica, iluminação, bilhetes de expositor e convites, segurança durante o período da noite, registo no catálogo oficial da Ambiente, material para promoção, produção de brochuras e poster mas divulgação junto da imprensa. Uma boa oportunidade para os designers apresentarem os seus trabalhos publicamente num evento que atrai profissionais das mais diversas áreas. Fotografia – Cortesia da Messe Frankfurt Portugal www.ambiente.messefrankfurt.com

| 12 |


http://www.festivalin.pt

| 13 |


http://issuu.com/lucasfernandes/docs/dmbr-edicao_00_novo

| 14 |


http://www.elementosasolta.pt

| 15 |


OPINIÃO

Rodrigo Costa

O Processo de Bolonha … ou a repetição de viagens que levam aos mesmos sítios

www.rodrigo-costa.net

| 16 |

… Sem querer, penso que os mentores do cruzamento entre a ciência e a experiência escolar e a ciência e a experiência colhidas por conta-própria criaram problemas adicionais às universidades portuguesas, na medida em que Portugal continua pântano ingovernável, onde a mediocridade enlodada se digladia, entre si, para manutenção da coutada e de coisa nenhuma; ou seja, a defesa de posições e de títulos – em muitos casos – sem grande ou mesmo qualquer substância. Com a preocupação de recuperar ou consagrar a experiência de vida e de trabalho de indivíduos, maiores de 23 anos, que, por uma razão ou outra, evoluíram à margem da Escola, pareceu aos ideólogos do projecto que há escolas e há vida e há vidas de trabalho e estudo, para além das janelas instituídas; gente que poderia ser útil às sociedades e, como espécie de benefício colateral, compensar, de algum modo, a acção dos medíocres que ocupam lugares de ensino e que vitimam jovens talentosos mas sem personalidade suficientemente estruturada; sem a informação provinda do natural amadurecimento e do trabalho em terreno e em tempo reais que lhes permita o questionamento, a objecção a propostas de ignorantes e de perversos. Porém, tal como se equivocaram, quando decidiram aceitar Portugal no projecto Europeu, voltaram a enganar-se, pelo facto – o mesmo – de não terem tido em conta a realidade do contexto Português ou, se se preferir, da mentalidade vigente, que, culpando Salazar, não abdica da ideia de perpetuidade. De acordo com o Decreto-Lei nº 74/2006, artigo 17º, ponto 1, “podem candidatar-se ao acesso ao ciclo de estudos conducente ao grau de mestre, todos os indivíduos licenciados”, e, segundo a alínea d, do mesmo ponto e do mesmo artigo, “detentores de um currículo escolar, científico ou profissional que seja reconhecido como atestando capacidade para realização deste ciclo de estudos pelo órgão científico, estatutariamente competente, do estabelecimento de ensino superior onde pretendem ser admitidos”… Porém, sé é verdade que o princípio é perfeitamente compreensível, a passagem à prática torna-se problemática, porque faltam, no Ensino Superior –na área artística, a que melhor conheço e que trato no texto –, encantadores de “cavalos selvagens”; dou-


tores capazes da compreensão e do convívio com a realidade que os ultrapassa. Como mote e exemplo, sirvo-me da Faculdade da Belas-Artes da Universidade do Porto, porque o que me parecia ser um espaço interessante e privilegiado para a discussão de ideias e a concretização de projectos, olho-o, agora, também como ninho de interesses nada recomendáveis, espaço, inclusive, de gente que a Natureza dotou de cálculos que não permitem grande crescimento; gente à qual os complexos não dão descanso. Como sempre, procuro debruçar-me sobre situações que me são próximas e que, por isso mesmo, me permitem a noção dos fenómenos e de alguns pormenores. E, em função das incoerências, fico sem saber – sabendo – quais os critérios para admissão das candidaturas ao mestrado em pintura, por exemplo; e como é interpretada a forma da Lei, no que refere ao currículo dos proponentes; havendo quem, licenciado em tudo e mais alguma coisa, mas sem a mínima ideia do que é pintura, com três ou quatro exposições no currículo, seja, sem qualquer hesitação, colocado; e pessoas – com trajecto e vida dedicada ao assunto e com portefólio e currículo que podem ser testados – impedidas por obstáculos pensáveis, expectáveis, mas que só lembrariam ao Diabo. É verdade, sabe-se, que, para além dos interesses escuros e particulares, tem vindo a instalar-se, na FBAUP, uma espécie de filosofia que pretende extinguir o estudo da Pintura e, por outro lado, usurpando-lhe o espaço, usá-lo para incremento da “arte contemporânea” – um ou mais incapazes terão decidido que a Pintura, no seu estado puro, é coisa que não celebra o Richter, o Rothko ou outros medíocres quaisquer que possam ser vistos como ícones que devem ser seguidos; e, já agora, completando a “reformulação do estado”, fica em descanso o Pensamento e é poupado o tempo e a necessidade de compreensão, pelo exercício, porque as questões de ordem técnica deixam de fazer sentido, por ser injusta a discriminação da incontinência. Sim, eu sei, dir-se-á que a FBAUP não está só. Por isso eu digo que Portugal não passa de um País de equívocos e de personalidades enxertadas – volto a citar Amadeo e a lembrar como é que ele daqui partiu e como aqui regressou: compilação de “vozes”

que, sendo muitas, não chegaram a ser nenhuma. Tendo em conta o conceito experimentado e em uso, assumo o meu cepticismo, relativamente à democracia; tendo, no entanto, a noção da razoabilidade dos regimes de complementaridade. O que me preocupa é o vazio de raciocínio e a ausência do cuidado qualitativo como suporte dos projectos… que podem ser “contemporâneos”, na medida em que a inteligência e o conhecimento, expressos em harmonia, em equilíbrio, são elementos que, pela palavra, pelo som e pela imagem, através de discursos diversos, conseguem cruzar e ligar os tempos como módulos do Tempo único; e lamento que, num País desgastado pela sua transexualidade intelectual, a FBAUP, como escola de ensino superior – haverá outras, ou Portugal teria outro aspecto –, não estimule a formação e ou o reforço do amor-próprio de futuros autores que, enquanto tal, acabarão vítimas da originalidade alheia e induzida; seres anulados e transformados em “copy paste” comuns e afectivamente vazios, sem o apoio do imprescindível equilíbrio emocional. Procura-se a explicação… e os responsáveis escondem-se, porque os argumentos sérios escasseiam. Porém, a paciência não tem limites, e o Ministério da Educação terá, com certeza, alguma resposta para o estado do sítio; alguém acabará por explicar, reafirmando ou retocando a Lei; e, se for o caso, dirá que o Processo de Bolonha não tem, propriamente, em conta os conhecimentos e a capacidade dos cidadãos “civis”; que a oportunidade e a relevância têm por objecto candidatos que, mesmo se ineptos, sejam licenciados, primos, amigos ou tenham interesse comum em qualquer negócio envolvendo mesmo membros dos órgãos científicos. A partir daí, a situação tornar-se-á clara e ninguém se candidatará ao engano. Por mim, poderão continuar a vigarizar-se uns aos outros e a acumular galões em ombros que não existem. E voltamos à coisa política e à contestação às medidas governativas. Pois! Vou pensar nisso. Por agora, analiso as medidas dos que são críticos e se dizem oposição…

| 17 |


ENSAIO

Francisco Vilaça

“Nada que possa ser feito devagar deve ser feito à pressa” Robert Louis Stevenson

Intervalar Da noite nasce o silêncio. A escuridão emerge conduzida pela aragem que corre fugaz e inconsequente atrás dos últimos raios de Sol a pousar no horizonte. Do lado de fora a árvore bate levemente na janela, produzindo sob o toque profundo de um cafuné, o mais belo dos poemas. O farfalhar das suas folhas agita-me a alma que sussurra por não querer incomodar ninguém, diz que as palavras existem-me para apagar aquilo que os olhos não conseguem entender e que os ouvidos não sentem, instalando a confusão no labirinto dos meus próprios pensamentos. Mesmo sabendo-me condenado a um pleonástico falhanço, em breve voltarei a tentar colorir a folha branca. Impregnado de dúvida e desacerto, tento entender porque quererá a árvore inteligente distrair-me de mim, porque não me deixa dormir ou tão pouco pensar com a clareza desejada durante ansiado descanso, num embalo lento, que vai tomando conta do peito até estar ao comando, para que ali nasçam as palavras que realmente interessam, filhas do esquecimento, órfãs da matéria, inquilinas do intervalo de dois momentos distintos, habitantes do mesmo palácio, apenas separadas por um fechar de olhos prolongado, que vagueia entre o real e o ideal e que só pode existir no intangível, onde a sua beleza permanece virgem e inalterada.

A todos aqueles que acreditam que o sonho realmente comanda a vida.

Fotografia de Francisco Vilaça | 18 |


| 19 |


EM FOCO

Hall Design

A Hall Design é uma nova agência de design, localizada na capital francesa e apoiada pela Câmara de Comércio de Paris. Os objectivos traçados pela agência são o de produzir design acessível para pequenas e médias empresas francesas. Actualmente a Hall Design faz pesquisa e desenvolvimento de soluções de design propondo a sua especialização de serviços em três áreas principais: design industrial, design gráfico e design multimedia. Os fundadores da agência, François-Xavier Martouzet e Guillaume Diolez, decidiram unir esforços e conhecimentos depois de terem ganho experiência profissional ao longo dos anos trabalhando para empresas ou em regime independente. Tem ambos percursos distintos, Martouzet iniciou carreira na MDB Design e passados dois anos foi para a Argentina onde trabalhou no Estúdio AR, em Buenos Aires. O trajecto | 20 |

de Diolez começou na empresa francesa Advansolar, sedeada em Nice, e seguindo-se a abertura da sua própria empresa. O regresso de Martouzet a França proporcionou o reencontro entre os dois designers, que em 2012 decidem lançar-se na aventura empresarial com a Hall Design. A agência lida com distintos tipos de projectos, desde o momento da produção em série até ao apoio ao cliente. A diversidade dos projectos e a complexidade dos pedidos são os factores que lhes permite explorar a sua criatividade. Abordam cada projecto com as suas especificidades e entregam-se em exclusivo até à conclusão dos trabalhos. Para aproveitarem ao máximo a diversidade de cada tarefa, os designers não hesitam em empregar técnicas de meios distintos. A sua visão de negócio assenta numa percepção de que o design faz parte de


“BB Little Garden”

“Hx22”

um forte progresso baseado na relação do Homem e o seu meio ambiente. E este processo evolutivo permitirá dar resposta ao conjunto de constrangimentos voltando a criar uma harmonia pelos sólidos conhecimentos artísticos, técnicos, ergonómicos, industriais e muitos outros. Tomam por isso a consciência de que o design desempenha um papel importante a diversos níveis: histórico, cultural, social, geográfico, emocional, tecnológico e económico. Texto: Bruno Bailly / Design !ndex Fotografia:cortesia da Hall Design

www.hall-design.fr

“Sun Pod Nomad”

| 21 |


EM FOCO

Quentin de Coster

Nascido em Liége, na Bélgica, em 1990, Quentin de Coster tem desde a sua infância um interesse pela arte e em particular pelos objectos. Foram estas empatias que o levaram a estudar design industrial na ESA Saint-Luc, em Liége, e no Politécnico de Milão, em Itália. Foi em 2012 que o jovem designer belga fundou o seu estúdio na cidade natal começando a partir daí a comercializar linhas de produtos da sua autoria.

| 22 |


“Albero”, 2011, para a Vange

| 23 |


O objectivo de Quentin de Coster passa pelo desenvolvimento de projectos com parceiros internacionais, abrangendo uma gama de produtos desde o grande consumo à produção de mobiliário. A sua visão enquanto criativo caracteriza-se por um profundo interesse em processos de manufactura, memória colectiva e a essência das coisas. Os projectos que desenvolve são parte de novas interpretações de cenários que oferecem aos utilizadores experiências exclusivas e com referências a um vasto leque de arquétipos. No seu processo criativo, o designer pretende chegar a um produto que exceda a sua função e ao mesmo tempo manter-se fiel ao essencial. Em cada objecto conta uma história e deixa um perfil da entidade dos seus donos. É um defensor de uma abordagem que una arte e industria, num processo criativo pelo qual as funções e as formas possam coexistir. Não é adepto de produtos que apenas evidenciem um estatuto poderoso e numa existência sem utilidade. Tem a convicção de que ser um artista consiste em criar zonas de conforto no dia-a-dia. É isso que tenta fazer com o seu trabalho. A produção de Quentin de Coster define-se por uma criação de objectos do quotidiano, caracterizada por um lado lúdico e inovador sem deixar de ser funcional. Estas particularidades podem ser observadas em produtos como “Spot”, uma gaiola que parte da tradicional caixa de madeira mas agora estrutura| 24 |

da em polistireno e alumínio, ou em “Citrange”, um espremedor manual composto em duas partes para melhor se adaptar aos vários diâmetros dos citrinos. Um outro bom exemplo do seu trabalho é o “Loop”, um candeeiro produzido em aço e fio que proporciona uma nova forma de direccionar a luz. Na maioria dos casos pouco estético, o cabo eléctrico do “Loop” serve com uma espécie de leme que direcciona a luz transformando-se assim num agradável elemento gráfico. As suas últimas produções incluem uma nova interpretação da clássica caixinha dos remédios. O “Doll” é inspirado na composição das famosas bonecas Matrioskas, o desenho desta nova caixa de remédios permite que os seus utilizadores levem consigo os seus medicamentos de uma maneira segura e elegante. Utilizando uma gama de materiais inovadores, Quentin de Coster deu origem a um produto sofisticado que é acessível a diferenciados grupos de consumidores. Uma nota final para referir que Quentin de Coster e os seus produtos têm merecido o interesse por esse mundo fora, participando em exposições no Reino Unido, França, Alemanha, Estados Unidos da América, China e no seu país. O seu trabalho faz parte da colecção permanente Architecture & Design do Instituto de Arte de Chicago, nos Estados Unidos da América.


Texto: Nathalie Wolfs / Design In Belgium Fotografia: Quentin de Coster – Design Studio

www.quentindecoster.com | 25 |


EM FOCO

| 26 |

Georges Moanack


“ES 01” para a Punkt

Georges Moanack nasceu em Bogotá, na Colômbia, em 1979. Licenciou-se em design industrial, na Universidade dos Andes, em 2003, e durante os estudos na sua cidade natal foi começando a criar produtos para algumas empresas locais. Esta experiência fora do mundo académico deu-lhe uma percepção e um conhecimento sobre vários tipos de processos de produção. Cedo viu os seus produtos a ganharem utilidade na vida quotidiana de Bogotá, salientando que o seu projecto de fim de licenciatura denominado Trazo – um sistema modular concebido para organizar o fluxo pedestre – foi utilizado pela empresa pública de transportes da sua cidade. Deu início ao seu estúdio de design e logo após, desloca-se para Londres, no Reino Unido, em 2007, onde tira um mestrado em design de produto, no Royal College of Art. Desde 2009 vive em Barcelona, Espanha, cidade onde comissiona e desenvolve produtos. Este ano Georges Moanack captará as atenções do mercado através do produto ES 01, uma extensão de tomadas de electricidade, desenvolvida para a empresa suíça Punkt, cuja direcção de arte é dirigida por Jasper Morrison. O objectivo de Georges Moanack ao desenvolver esta tomada foi o de acabar com o inestético entrelaçado de cabos eléctricos que

normalmente se amontoam em torno das tomadas. Para além disso também foi seu propósito eliminar o tempo que se perde a desentrelaçar os cabos das tomadas. A Punkt apresenta assim uma tomada que recebe 5 entradas, deixando-as todas dentro de uma plataforma que se fecha e abre com facilidade de um toque. Incorpora um interruptor que liga e desliga simultaneamente as entradas mais um difusor de luz led que indica o seu estado. No interior o ES 01 foi pensado para receber as tomadas e permitir sem qualquer tipo de atritos o encaixe de adaptadores eléctricos com diferentes tipos de tamanhos e formas. Os cabos que saem da extensão são harmoniosamente agrupados através de um clip de borracha que acaba de vez com a inestética trapalhada de fios. A extensão tem um fio de 3 metros e estará disponível em várias versões que têm em conta os diferentes valores de corrente de cada país. O ES 01 é produzido em Itália e junta-se assim a um conjunto de produtos da Punkt, empresa criada pelo norueguês Petter Neby, cuja filosofia passa pela reformulação de aparelhos electrónicos. Os desígnios da Punk são a função, design e simplicidade. Tiago Krusse

| 27 |


| 28 |


http://www.g-moanack.com http://www.punktgroup.com | 29 |


EM FOCO

| 30 |

Sam Well


Após dois anos a trabalhar para o produtor de mobiliário Aïtali, especializado em impressão em acrílico, e enriquecido por um conjunto distinto de experiências profissionais a nível internacional, onde destaca uma especial colaboração com Karim Rashid, o jovem designer francês Sam Well cria em 2006 o seu próprio estúdio. Salienta na sua informação pessoal as suas diferentes heranças familiares e assume por completo o facto de ser autodidacta. O seu percurso de vida e profissional levam-no para longe de qualquer processo de aculturação, indo buscar inspiração em diferentes partes do mundo. Para ele são as diferentes riquezas culturais que lhe permitem compreender hábitos e costumes de diferentes povos e assim absorver distintas informações que acabam por influenciar o seu trabalho. Sam Well identifica duas tendências actuais na produção de mobiliário: por um lado o design científico em sintonia com tratamento numérico e utilização de produtos e materiais de alta tecnologia e pelo outro o design produzido à mão e que para si tem outro tipo de valor emotivo e de qualidade ecológica. Refere que é graças à sua capacidade de observação e de adaptação que consegue reformular a utilidade de materiais utilizados em produtos dispensados. Neste seu novo percurso abraça então o desafio de trabalhar com materiais naturais, deixando de parte o acrílico. Agora manuseia madeira bruta de peças dispensadas, dando-lhes uma segunda utilidade e uma nova harmonia estética. Desde sempre associado ao seu trabalho com materiais acrílicos, Sam Well pretende orientar-se para um novo percurso com um matéria-prima pela qual tem uma enorme empatia, derivada do aspecto visual de conforto que a madeira transmite. Associado à empresa H&A, o designer francês dá uma nova utilização a barris mais em concreto às tábuas que compõe o seu corpo. Aponta a qualidade da madeira e a sua forma singular como pontos fortes e a partir daí inicia um processo de reformulação e de utilidade das madeiras. Para lá do gosto por estas madeiras específicas Sam Well não esquece o seu historial e dá enfase à ideia para as quais foram trabalhadas. Isso fica bem patente na forma como deixa que o tom escurecido das madeiras, derivado | 31 |


do processo vinícola, permaneça impregnado dando-lhes assim tonalidade únicas e cheias de passado. Este processo de reciclagem enaltece a autenticidade do material e deixa patente o seu historial e significado no processo de vinificação. A reformulação da utilidade das tábuas de carvalho atribui a estes novos produtos um historial enriquecido e enaltece duas qualidades principais do material: força e originalidade. Tiago Krusse Fotografias: Sam Well Design

http://www.samwelldesign.com

| 32 |


| 33 |


EM FOCO

fasm

A fasm é uma marca que nasce da conjugação de interesses de Filipe de Sousa Lopes e de Manuel Moreira, ambos de Freamunde, concelho de Paços de Ferreira. Os percursos académicos de Filipe e Manuel são distintos, o primeiro é licenciado, desde 2005, em Design de Equipamento pela Escola Superior de Artes e Design, em Matosinhos, e o segundo concluiu, em 2008, um mestrado em Arquitectura, na Faculdade de Arquitectura da Universidade Lusíada, no Porto. Aos estudos de Filipe de Sousa Lopes juntam-se as recentes conclusões de mestrado em Ensino de Artes Visuais, na Universidade Católica Portuguesa de Braga, e pós-graduação em Design de Mobiliário na Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, no Politécnico do Porto. A fasm desenvolve projectos de design de produto e mobiliário, sendo um seguimento do atelier proje| 34 |

two onde já desenvolviam em conjunto trabalhos nos campos do design de produto, industrial, interiorismo e arquitectura. Na sua recente actividade a marca tem vindo a conquistar alguma notoriedade por intermédio de participações em concursos e prémios de design, em Portugal e no estrangeiro. Fotografia: cortesia da fasm

www.fasm.com.pt


| 35 |


EM FOCO

Renato Costa

Nasceu a 21 de Julho de 1990 em Vila Real, Trás-os-Montes, e licenciou-se em design industrial, em 2011, na Universidade da Beira Interior. Está neste período a desenvolver uma tese de mestrado de design gráfico na Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha. Entre o fim da licenciatura e a tese de mestrado, Renato Costa estagiou em Barcelona, Espanha, no atelier Archikubik, e de seguida abraçou outro estágio na Pedro Gomes Design. O designer transmontano refere na sua pequena biografia que o trabalho que foi permitido desenvolver na empresa de Pedro Gomes o marcou de forma muito positiva o seu desenvolvimento profissional. Focado na conclusão da sua tese de mestrado o designer começa a dar os primeiros passos como profissional independente, desenvolvendo projectos para outras entidades e tentando promover o seu próprio trabalho. Na edição do Lisboa Design Show de 2013, Renato Costa inscreve-se num dos concursos promovidos durante o evento, através de um projecto desenvolvido a pensar numa produtora nacional, a SPAL Porcelanas. Divulgamos aqui o projecto “Waterfall” desenvolvido pelo designer e proposto a concurso, que permite desde já retirar algumas reflexões sobre a abordagem de Renato Costa ao mundo da produção industrial. http://be.net/renatocosta

Imagens: Cortesia de Renato Costa

| 36 |


| 37 |


NOVIDADE

Block

A linha Block, da autoria da dupla de designers Magda Alves Pereira e Daniel Pera, é uma das recentes edições da editora de design Boa Safra. De linhas simples e de configurações com o intuito de proporcionarem uma grande flexibilidade a diversos tipos de ambientes, o mobiliário revela uma clarificação de propósitos relativos a uma intenção de prolongar a durabilidade no tempo e naturais alterações de utilidade nos espaços. À força visual das madeiras de carvalho ou nogueira foram aliados acabamentos com uma preocupação ambiental, introduzindo óleos e lacados ecológicos. A colocação dos módulos é possível em posição suspensa ou pousada e existência de peça H torna-se essencial para criar um jogo de ligação entre os módulos, tornando-os ligados em altura ou em largura. Uma simplicidade compreensível e consistente, dentro do espírito do regresso à pureza.

| 38 |


| 39 |


| 40 |


www.boasafra.pt | 41 |


FOOD DESIGN

Toyo Ito

O arquitecto Toyo Ito, nascido em 1941, em Seul, Coreia do Sul, licenciou-se na Universidade de Tóquio, Japão, em 1965, tendo trabalhado para o atelier de Kiyonori Kikutake até 1969. Dois anos depois lança o seu próprio atelier, Urban Robot cujo nome é alterado em 1979 para Toyo Ito & Associates Architects. Toyo Ito apresentou este ano o MU, um serviço de cutelaria desenhado para a marca italiana Alessi. O serviço é estruturado em aço inoxidável com uma percentagem 18/10. O conjunto de talheres foi criado em 2006, por altura da apresentação do serviço de porcelanas KU, também ele desenhado para a Alessi. A comunicação de MU dá-se apenas agora em 2013, no catálogo Primavera/Verão, pois que só no ano passado é que foram superadas dificuldades técnicas na linha de produção destes talheres. Este facto ficou a dever-se à complexidade das formas propostas para o serviço. Os desenhos de Toyo Ito para MU para além das especificidades técnicas pensadas para a função de cada talher traziam logo de início uma forte componente geométrica que iriam colocar à prova a linha de produção da marca. É o próprio Alberto Alessi que reconhece que “as formas esculturais delicadas das partes em aço” trouxeram dificuldades à produção. E os empresários italianos sabem dar especial importância a estes desafios, que para lá de colocarem em causa a capacidade de resposta das suas empresas aos desígnios estéticos de diferentes artistas tornam-se também elas em pontos de viragem na evolução tecnológica e industrial do tecido produtivo das marcas. | 42 |


| 43 |


PADARIA EM GONDOMAR Arquitectura: Paulo Merlini Arquitectura Texto: Tiago Krusse Fotografia: João Morgado – Fotografia de Arquitectura

| 44 |


| 45 |


A percepção do espaço e o conjunto de características do mesmo tendo em conta a sua funcionalidade, utilidade e necessidades são qualidades que sobressaem neste trabalho do arquitecto Paulo Merlini, que contou com a colaboração de André Santos Silva. Um projecto do presente ano e que operou uma reforma numa área de 460 m2 de uma padaria em Gondomar, no Porto. O traçar dos planos teve em especial atenção a proposta de lugares que pudessem criar empatias com os clientes, pondo à sua disposição um conjunto de elementos compostos que rapidamente lhes dessem oportunidade de se servirem do espaço consoante as suas predisposições. É aqui que, na nossa opinião, surge de facto a característica do arquitecto como aquele que procura satisfazer os desejos humanos. E esta preocupação em satisfazer é produzida quer da perspectiva da necessidade comercial da padaria como da afluência de clientes e usufruto dos serviços. As ideias propostas reordenaram o espaço e deram uma nova qualidade estrutural à padaria. As qualidades estéticas são por demais evidentes e para lá de criarem o fascínio nos utentes dão resposta eficaz a uma procura de comodidade a todos níveis. A presença do tecto era marcante e partir dela surgiu a oportunidade de aproveitá-la para promover um novo tipo de relacionamento com os clientes, estimulando as harmonias visuais por apontamentos plásticos. As intenções nestas intervenções procuram criar um laço sensitivo mais forte entre os clientes e a sua passagem pela padaria. O partido que se retira daí é uma maior ligação dos clientes ao espaço e por consequência o aumento de predisposição em adquirir os serviços da padaria. O tecto e as divisórias criadas servem também para criar uma atmosfera com uma luminosidade e uma acústica de maior conforto. As intenções e os partidos estéticos assumidos pelo arquitecto tornaram o espaço marcante, numa expressividade voltada sobretudo para um fomentar de boas sensações por parte dos clientes da padaria respondendo também às legítimas aspirações comerciais do espaço. www.paulomerlini.com

| 46 |


| 47 |


| 48 |


| 49 |


| 50 |


| 51 |


| 52 |


| 53 |


| 54 |


| 55 |


CAVES NO PORTO Arquitectura: Luís Loureiro Projecto de ambientes: P06 – Nuno Gusmão Texto: Tiago Krusse Fotografia: Rui Gonçalves Moreno

| 56 |


| 57 |


Da estação ferroviária das Devesas, em Vila Nova de Gaia, às caves da Grahams são menos de 5 minutos num percurso feito de automóvel. Localizado nas proximidades de Portucale, no topo de uma colina, o edifício apresenta-se de forma sóbria resguardando o seu interior e a as suas vistas para a zona ribeirinha. Percebe-se desde logo as diferentes cotas e não é à primeira vista que tomamos a devida percepção da volumetria do todo. A manhã está soalheira e a temperatura quente. Somos recebidos pelo arquitecto Luís Loureiro e por Nuno Gusmão, que nos fazem uma breve introdução à obra de reabilitação e reforma das caves. Ao entrarmos no edifício deixamos para trás uma impressão de uma estrutura de linhas simples, de arquitectónica sóbria mas elegante. Complementamos agora outras expressões de simplicidade, com uma área de recepção marcada pela forte presença da madeira, no pavimento e na estrutura da cobertura. Um grupo de turistas russo circula na área de recepção e nem mesmo a numerosidade de pessoas conversando ou o som de saltos altos percorrendo o hall são capazes de se sobrepor à comodidade acústica sentida. A presença da madeira, no seu tom natural e pintada a branco, produz um contraste harmonioso de bom apuro visual. A forma estruturada da cober| 58 |

tura ganha aspectos de monumentalidade e remete-nos para antigas sapiências ligadas às engenharias da construção. Uma grande mesa de exposição introduz-nos a um pequeno espaço dedicado ao historial das famílias escocesas, Grahams e Symington, cujas diferentes gerações foram responsáveis pela evolução dos processos de produção vinícola e de projecção de uma marca. E percebemos de forma cronológica o progresso da missão e como ela se tornou tão reputada na produção de vinhos do Porto vintage. Simplicidade na apresentação, suportada por um grafismo bem pensado e atraente. Ainda neste piso visitamos um pequeno auditório, sóbrio e adequado ao programa estabelecido. Aos poucos vamos interiorizando e consolidando os valores do historial, a antiguidade do terreno e os percursos das famílias. Mais do que as vontades e as afinidades dos donos em relação ao terreno, são-nos transmitidos os valores que trazem até ao presente as memórias e desígnios antigos das famílias. Por detrás de grandes investimentos financeiros há sobretudo um forte carinho pela região, cujo historial exibido nos revela. Há uma forte tradição e um saudável peso de uma continuidade com um profundo respeito pelo passado e revelador da vontade de novas conquistas. Não é uma afirmação gratuita de


| 59 |


| 60 |


| 61 |


uma qualquer estratégia comercial ou de um elogio em boca própria, é o expressar de um sentimento conservador e protector de uma identidade. De facto a construção do armazém data de 1890, e foram sobretudo as belas formas dessa estrutura que foram mais intervencionadas, não só por aspectos ligados ao envelhecimento dos materiais como aqueles ligados à sua eficiência e salubridade. Há também o novo programa do edifício, pensado para receber as visitas e que alterou sentidos e propósitos de fluxo de pessoas pelo seu interior mas sem colocar em causa a função primordial do armazém. Deixaram também de existir espaços descaracterizados para darem lugar a novos recantos sempre com um propósito definido e com elementos plenos de sentido. O arquitecto Luís Loureiro fala-nos de uma intervenção de reabilitação e reforma numa área de 3 mil e 600m2. E refere como foram desafiantes todos os dias desde o início à conclusão da obra. O estaleiro das obras foi montado em pleno coração do edifício e ao mesmo tempo preservando com segurança as condições dos muitos cascos de vinho que ali permaneceram. E isto transmitiu-nos a precisão do planeamento feito, que não só teve de contabilizar a preservação da maturação dos vinhos em cascos como as etapas da obra sempre sujeitas às condições | 62 |

climatéricas. Foram certamente dias de muita pressão mas nos olhares de quem fez obra denotamos a satisfação de missão cumprida. Descendo para as caves, também elas ligeiramente intervencionadas, somos postos ao corrente da preservação da terra batida, e aproveitamos para olharmos para algumas preciosidades engarrafadas e preservadas durante largos anos. É-nos explicado como certos elementos foram removidos deste espaço e como esta controlada atmosfera imersa na escuridão foi reorganizada de maneira a permitir um percurso turístico agradável pelo programa sem colocar em perigo o repouso dos vinhos. Ao contar-nos o episódio de remoção de uma escada, intitulada de pirata, o arquitecto permitiu-nos compreender melhor a questão do património. A reabilitação e a reforma do espaço tiveram sempre presentes a preservação de todas as coisas originais que dão corpo ao todo permitindo, sem interferências, que novos elementos pudessem complementar o património e o imaginário familiar sempre presente. E isso também foi conseguido pela persuasão de Luis Loureiro e Nuno Gusmão à família Symington. É curioso que um armazém pensado para o envelhecimento dos vinhos possa, de certa forma, rejuvenescer sem adulterar os traços primeiros dos elementos originais que compõe a estrutura.


| 63 |


Despois de realizarmos e percebemos o trabalho posto nas madeiras, Luís Loureiro fez questão de mencionar os rebocos de cal e a ajuda dos ensinamentos preciosos que usufruiu do trabalho dedicado pelo engenheiro Cartaxo no campo da pesquisa e de desenvolvimento de argamassas. E isto salienta, reforça, o trabalho das diferentes equipas. Os novos ambientes trouxeram oportunidades, utilidades e soluções sempre integradas num espírito. Entendemos como Nuno Gusmão retirou da atmosfera e imaginários das famílias escocesas todos os elementos que lhe permitiram criar os novos ambientes, com propostas contemporâneos, sem sair do carácter conservador ou destoar com o tempo intrínseco do lugar. Percebe-se a pesquisa feita e a interiorização dos valores das tradições familiares e foi-nos transmitida a paixão com que a equipa do atelier P06 se lançou na produção de um conjunto de elementos. Novos elementos e atmosferas em sintonia com o espírito da casa e “escavando” sempre o passado e o imaginário histórico, quer para preservar valores como para enaltecê-los ainda mais pela complementaridade. E Nuno Gusmão também nos deixou um testemunho do carinho com que o trabalho foi abordado em estreita ligação com a equipa. Da produção de um conjunto de peças de mobiliário, em consonância com o espírito vintage, o pormenor que nos transmitiu da enorme mesa presente no espaço de recepção, cujos desenhos dos pés, inspirados numa peça do museu de etnografia de Lisboa, nos coloca ao corrente do fascínio presente no decorrer dos trabalhos. E a mesa é bem mais do que pés pois as suas dimensões revelam os desafios encarados e aceites. A produção de mobiliário, toda ela com eficaz resposta nacional, dá bem a entender que temos de facto capacidade de idealizar e produzir em série com boa qualidade. Mas o trabalho de Nuno Gusmão vai ao encontro das identidades do edifício, contrastando pelo mobiliário, elementos gráficos e programa de cor. E todos estes elementos se compõem com uma clara intencionalidade estética que os faz sobressair na pureza das linhas das paredes, no contraponto ao rendilhado da cobertura ou na complementaridade às cores dos materiais de construção existentes. Há uma coerência em todos os ambientes criados, por| 64 |

menores deliciosos para os olhares mais atentos e, sobretudo, decisões estéticas que nos inspiram dentro dos espaços. Apreciámos a atmosfera das salas de prova, que nos levaram para o imaginário forte dos restritos clubes britânicos, e na forma como a área de restauração foi integrada e pensada para ser entendida com uma continuidade de um percurso. E fantástica experiência gastronómica no Vinum, plena, com enfiamento para a tranquilidade escura das adegas e para uma fantástica vista para zona ribeirinha do Douro. Um armazém que é muito mais do que um resguardo de vinhos, é um edifício que preserva matrizes e cuja obra de reabilitação e reforma soube projectar uma evolução dentro da continuidade de um percurso antigo. Que bem passado dia!


| 65 |


| 66 |


| 67 |


| 68 |


| 69 |


| 70 |


| 71 |


HARPA EM REIQUEJAVIQUE Arquitectura: Henning Larsen Architects e Batteriid Architects Texto: Tiago Krusse Fotografia: Nic Lehoux

| 72 |


| 73 |


| 74 |


| 75 |


Revelamos esta Harpa localizada em Reiquejavique, na República da Islândia. O edifício situado entre a terra e o mar é um trabalho de arquitectura da autoria dos ateliers Henning Larsen e Batteriid. As fascinantes fachadas desta construção foram criadas numa estreita colaboração entre a Henning Larsen, o estúdio de Olafur Eliasson e as empresas alemães de engenharia Ramboll e ArtEngineering. Estrutura idealizada para sala de concertos e de conferências, tem uma área de 28 mil m2 e encontra-se num ponto do porto de Reiquejavique com uma vista desafogada para o mar e as montanhas em seu redor. O edifício funciona com uma área de chegada e foyer, quatro salões no seu interior e uma área posterior com escritórios, serviços administrativos, sala de ensaios e vestuário. Os três maiores salões estão situados juntos uns dos outros, com acesso público pelo lado Sul, sendo que o acesso aos bastidores é efectuado pelo | 76 |

lado Norte. O quarto piso é um salão multifuncional com espaço para espectáculos e banquetes mais intimistas. No foyer a percepção conjunta dos salões forma a impressão de se estar perante uma montanha semelhante às de rocha basáltica, entrando ela num contraste forte e directo com a fachada escultural aberta para o exterior. No centro da Harpa o principal e maior salão para concertos apresenta-se num vermelho forte, em festa. No final da década de 80 os estrategas do planeamento da capital islandesa olharam para a cidade e perceberam a necessidade para toda a comunidade da existência de um edifício para a realização de concertos de música e de congressos. Com o decréscimo de actividades industriais no porto de Reiquejavique, as autoridades guardaram um lote para a construção de tal infraestrutura. Para além da sua forte componente cultural e de resposta aos anseios lúdicos da


| 77 |


| 78 |


| 79 |


| 80 |


comunidade, a municipalidade desde logo percebeu a necessidade de reintegrar o porto com o centro da cidade. A construção bem integrada do novo edifício veio aproveitar a área privilegiada da zona ribeirinha e criar novos fluxos de circulação entre o centro e o porto. Olhando para a expressividade da obra entendemos logo à partida como ela brilha naquele ponto da cidade e na forma como estabelece diálogos com toda a envolvente. Tornou-se um marco arquitectónico da cidade e seria difícil passar despercebido mas o que nos parece mais interessante é notarmos que o edifício consegue criar uma harmoniosa relação no planeamento existente. Ele não se sobrepõe e não estigmatiza a parte mais velha da cidade ou até mesmo de outras áreas do porto ainda não intervencionadas. Foi criado um elo e os arquitectos compreenderam essa necessidade de servir a comunidade num

local onde a utilidade de certas infraestruturas vinha a diminuir progressivamente tornando esses espaços terrenos pouco estimulantes para a população. A Harpa, que como a memória descritiva do projecto nos informou, é para além da palavra que designa o instrumento musical o nome dado ao primeiro mês do calendário nórdico. E por aqui também compreendermos a carga emocional que o edifício trouxe à cidade, deixando-lhe uma mensagem de esperança e uma nova dinâmica para os desafios futuros que se apresentam no horizonte. A imponência da fachada assume sem dúvidas essa intenção de promover sentimentos e de servir de estímulo a uma sociedade em mutação. Esta bela Harpa foi distinguida com o prémio Mies van der Rohe 2013. http://www.henninglarsen.com | 81 |


| 82 |


| 83 |


| 84 |


| 85 |


LEITURAS

Spatial Murmuring – Migration of Spaces and Ideas Autoria: Sónia Nunes Henriques e Jan-Maurits Edição: Papadakis

| 86 |


Os autores e coordenadores deste “Spatial Murmuring – migration of spaces and ideas”, editado em 2012 pela Papadakis e com o apoio do British Arts Council, são Sónia Nunes Henriques e Jan-Maurits Loecke. Esta dupla de arquitectos, com laços em Lisboa, Portugal, e Colónia, Alemanha, fundou em 2002, em Londres, Reino Unido, a He-Lo Architects depois de terem passado por experiências profissionais com outros colegas. Os autores desta edição têm um trajecto marcado por envolvimento em trabalhos de pesquisa, exposições, debates e produção crítica sobre a arquitectura. Este “Spatial Murmuring – migration of spaces and ideas” foi lançado por ocasião da cerimónia de abertura da XIII Bienal de Arquitectura de Veneza, Itália, em 2012, no Palácio Ca’Giustinian, tendo como orador Benedetta Tagliabue e uma exposição contendo trabalhos de Álvaro Siza Vieira, da He.Lo Architects e Hildgard Weber. O tema proposto pelo comissário da bienal do ano passado, David Chipperfield, foi “Common Ground”, o que para nós, na latura, foi entendido como uma espécie de proposta para expressar um mea culpa da classe, de uma admissão de que a arquitectura se tinha separado do seu desígnio e, mais do isso, que o espaço se tinha tornado um terreno meramente visto como recurso para a política e a economia. Nesta edição de Sónia Nunes Henriques e Jan-Maurits Loecke fica definido, entre outros propósitos, a ambição de iniciar um princípio de optimismo e o propagar de uma ideia de migração de um ponto de vista arquitectural sobrepondo-o à percepção limitada dos aspectos económicos e políticos. Foi com uma ideia bem definida que os autores convidaram a participar neste livro 15 personagens provenientes de diferentes áreas, no sentido de dar arranque a uma conversa sobre migração. Os convidados a participar no livro foram Hans-Ulrich Obrist, Saskia Sassen, Álvaro Siza Vieira, Aaron Betsky, Rick Burdet, Oscar Niemeyer e Paolo Sergio Niemeyer, Richard Parkinson, Hildegard Weber, Victoria Bell, Wilhelm Bruck, Michael Jansen, Beatrice Galilee, Rita Kersting e Marcus Altfeld. E outros elementos foram importantes na produção deste livro e mencionados nele, como por exemplo o tributo feito a Brian Shafton, falecido em Janeiro de 2012. A edição conta ainda com existência de desenhos e mapas feitos à mão por Sónia Nunes Henriques e Jan-Maurits Loecke mais 4 desenhos da autoria de Álvaro Siza Vieira. O livro é composto por 14 textos, atribuídos aos con-

vidados, e neles as abordagens ao tema migração é produzido de diferentes formas, focando desde abordagens filosóficas em torno das procuras das harmonias, os aspectos sociais e emocionais ligados à cultura nos espaços das cidades, a organização esquemática e não esquemática dos grandes centros urbanos, aspectos demográficos e planeamento virado para o futuro, a expressividade arquitectónica, o aumento progressivo de exigência no trabalho dos arquitectos, a capacidade de olhar para o Mundo e de retirar as percepções das gentes que se movem pelos espaços em mutação, as questões sobre os equilíbrios da construção e da produção, as responsabilidades éticas e morais de quem constrói, a paisagem e as alterações climáticas que condicionam e alteram os estados emocionais dos que ocupam o espaço, a ordem das coisas naturais e seus códigos estruturais, as ameaças à saúde pública colocadas pelas enormes deslocações geográficas de pessoas ou um simples enaltecer de um manifesto que este livro é. O aspecto mais cativante neste livro é conseguirmos aceder de forma clara a um conjunto diferenciado de abordagens, de gente com experiência em olhar para o Mundo e o Homem, sobre temas que vêm ao encontro do interesse que temos em ficar a par de visões críticas sobre factos desta realidade comum. É um acesso à informação e à comunicação de gente que se debruça sobre os aspectos da realidade e que nos deixa caminhos para as reflexões. E nesta voracidade do tempo e de enormes vazios, é fundamental dar-nos espaço para reflectirmos sobre assuntos para os quais nem sempre temos a predisposição para entrarmos ou a oportunidade para tentarmos entende-los. Não são imposições de ideias ou de orientações políticas para como definir espíritos de época. São testemunhos que nos confrontam com uma série de aspectos para os quais também contribuímos, directa ou indirectamente. Em todos os textos conseguimos criar um elo com os pensamentos dos eus autores e para lá de assimilar a experiência deixada por cada um deles, somos também nós chamados a participar. Não são apenas relatos mundanos, são dissertações em voz alta de um conjunto de circunstâncias ligadas a esse espaço comum que é a realidade. No seu todo é interessante percebermos uma linha transversal de preocupação sobre o espaço comum e retiramos deles um conjunto de críticas sustentadas sobre os diversos ruídos provocados pela acção do Homem. A importância dos diálogos antes da acção… Tiago Krusse | 87 |


ESCUTAS

Três anos passados desde “Madrugada” os bracarenses Peixe Avião voltam aos escaparates com novo álbum. O colectivo composto por André Covas, José Figueiredo, Luís Fernandes, Pedro Oliveira e Ronaldo Fonseca trazem-nos 9 temas numa abordagem sónica bem distinta do registo de 2010. A abertura com Prismas coloca-nos desde logo num patamar de construção musical de um rock estruturado por duas fortes malhas de som que dialogam com o registo vocal da letra cantada. Percebemos um conjunto de influências ligado ao um certo pós-punk britânico e até mesmo ao imaginário nacional como os Telectu. O que nos agradou neste alinhamento foi a capacidade em criar atmosferas próprias. Dramático e consistente, pensamos que o álbum poderia ter ganho um ainda maior arcaboiço em termos de produção.

Peixe Avião PAD

A Nome Comum é uma banda integrada por Bernardo Palmeirim, Madalena Palmeirim, Gonçalo Castro e Nuno Morão. Neste seu Cuco, álbum de estreia, o que nos agrada de sobremaneira é a diversão sentida nos aspectos de composição e no gosto por essas vozes límpidas, brincando com os tempos e as métricas. Poesia quebrada com balanços de dinâmicas conseguidas de géneros muito ligados ao imaginário lusófono. E num rendilhado de simplicidades rítmicas há sempre uma harmonia musical conseguida na coluna de cada tema. Sentimos estas afinidades com uma música popular portuguesa e que não se fica numa memória, parte para outras paisagens com impressões de música erudita. Está brilhantemente conseguido este Cuco, temos para nós que foi todo ele muito bem planeado e registado com muita paixão. Nome Comum Cuco

| 88 |


Ryan Merchant e Sebu Simonian são Capital Cities, uma dupla oriunda da Califórnia, nos Estados Unidos da América, e que têm vindo a merecer atenção de um sem fim de audiências desde 2011. Este In A Tidal Wave of Mistery é o seu álbum de estreia e traz-nos uma pop demasiadamente hipnótica sem nunca deixar de revelar os ingredientes fundamentais para se instalar nas orelhas viciadas e com reflexos condicionados a fórmulas pensadas ao pormenor. O registo açucarado e monocórdico da voz pavoneia-se por um sem-fim de lugares comuns de alguma música electrónica barata e de gosto dúbio. Estamos perante um registo barroco impregnado de Moroder, nessa excessividade de sintetizadores e de pistas repletas de pozinhos de perlimpimpim, nalguns casos a roçar o enjoo.

Capital Cities In A Tidal Wave of Mistery Capitol Records / Universal Music

Mayer Hawthorne junta este Where Does This Door Go a mais uma nova peça no seu percurso musical. Feito com qualidade, quer de composição como de produção, o autor traz-nos uma paisagem musical trabalhada. Temas como Allie Jones atiram-nos com um manancial de afinidades de estilos, num composto de camadas sonoras que fundem géneros conseguindo entregar uma frescura inovadora. O que nos fascina na audição deste álbum é a capacidade de estabelecer terrenos definidos e trazer-lhes colagens a tempo de reforçar a profundidade de uma miscelânea de afinidades rítmicas. Os shuffles apropriados de bateria dialogando com um solo de guitarra linear e uma tonalidade de voz agradável levam-nos a uma sedução natural. É um álbum de ritmos definidos e encantos bem conseguidos. Uma excelente companhia.

Mayer Hawthorne Where Does This Door Go Universal Republic Records

| 89 |


http://revistadesignmagazine.com/subscreva/

| 90 |


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.