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O Livro da Vida365MeditaçõesDiárias de J. Krishnamurti

ração literária Poesia 61, da qual fez parte, e que foi “um dos últimos grupos de vanguarda” literária (com Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Teresa Horta e Casimiro de Brito). Cabral Martins prossegue, afirmando que os poemas de Neto Jorge revelam “uma pesquisa rigorosa”.

-recolhidos, em relação às duas posteriores, igualmente publicadas pela Assírio & Alvim.

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Além destes textos, oriundos de diferentes publicações, a nova "Poesia Completa" inclui ainda poemas que aparecem nas edições originais de “A Noite Vertebrada”, “Quarta Dimensão” e “Terra Imóvel”, que não fizeram parte de "Poesia - 1960-1989", também organizada por Fernando Cabral Martins, que a Assírio & Alvim publicou pela primeira vez em 1993 e que reforçou em 2001, com alguns dispersos.

"Poesia - 1960-1989" assentava sobretudo em “Sítios Sitiados” (1973), a primeira recolha da obra feita pela própria autora, originalmente editada pela Plátano, e "A Lume" (1989), edição póstuma, com texto fixado e anotado pelo seu companheiro, o escritor, tradutor e crítico de teatro Manuel João Gomes (1948-2007).

O “toque inconfundível” da verticalidade da palavra

Luiza Neto Jorge publicou poesia “durante onze anos, de 1973 a 1984", refere Cabral Martins. "Mas há uma outra parte da sua obra, de longe a mais vasta, que se intensifica nesse intervalo temporal: por um lado, as traduções dos franceses, poetas como Verlaine, Nerval, Roussel ou Breton, romancistas como Boris Vian ou Céline e, por outro lado, a sua escrita para espetáculos de teatro e para filmes”.

“Não poderá associar-se o silêncio poético desses onze anos aos trabalhos que entretanto a ocupam”, afirma Cabral Martins realçando a “forte relação" de Luiza Neto Jorge com a língua francesa.

Luiza Neto Jorge viveu em Paris na década de 1960 e, tardiamente, como sublinha Cabral Martins, escreveu poemas em francês.

Sobre a sua poesia, destaca o “toque inconfundível” da "verticalidade da palavra", numa linha de desarticulação do discurso excessivo, "em que todos os elementos resultam de uma decantação que exclui o acaso”.

Neste contexto, Cabral Martins aponta a poesia de Neto Jorge “como se fosse uma ciência, longe da retórica da expressão de si ou da agenda ideológica”, procurando “ver o que se esconde nos interstícios da sensação e da verbalização”, o que se entende no quadro da ge -

“Tudo o que há para encontrar está, de algum modo, contido no modo de procurar. Mas há uma sobriedade na poesia assim entendida que contribui para tornar o mundo visível claro e nítido, sendo que a luz dos olhos é também uma luz mental”.

A “poesia de Luiza é descritiva. O que é raro”, salienta Cabral Martins, aproximando-a, nessa perspetiva, de poetas como Cesário Verde (1855-1886) ou Ruy Cinatti (1915-1986).

Cabral Martins refere ainda que “existem também laços da sua poesia com pintores como Carlos Cobra”, a quem ofereceu três poemas em 1966, José Escada, a cuja morte dedicou o poema “Fractura”, ou Carlos Nogueira, a quem ofereceu para o catálogo de uma exposição o poema “A Quem se Interesse”.

O investigador Fernando Cabral Martins refere ainda a amizade de Luiza Neto Jorge com o artista Jorge Martins e as “realizações conjuntas” que fizeram, nomeadamente o livro do artista “O Ciclópico Acto” (1972), a partir de um poema epónimo de Neto Jorge, ou o livro ”11 Poemas”, publicado em Silves, em 1983, em que, lado a lado, são apresentados poemas manuscritos e desenhos, assim como outras colaborações posteriores entre ambos. Esta terceira edição da antologia de Luiza Neto Jorge inclui ainda uma lista com a origem dos poemas, desde “A Noite Vertebrada” até “Éclaircissements”, publicado neste volume com uma tradução de Cabral Martins, e originalmente publicado na revista Colóquio/Artes, em 1983.

OLivro da Vida - 365 Meditações Diárias, de J. Krishnamurti, com tradução de Paulo Ramos, publicado pela Planeta no início deste ano, é uma obra clássica de um dos maiores filósofos e líderes espirituais do mundo. Krishnamurti viajou por todo o mundo para proferir palestras, desde 1930 até 1986, ou seja, durante mais de seis décadas, até ao final da sua vida com cerca de 90 anos. Nas suas palestras o essencial, para si, era promover um diálogo aberto com a plateia que o acolhia. Procurando não impor o seu pensamento, apontava a necessidade de as pessoas se transformarem através do autoconhecimento, da autoconsciência dos seus pensamentos e sentimentos no dia a dia, e de como estes se espelham nos seus relacionamentos.

Para um filósofo, escritor e educador com mais de sessenta obras publicadas (e mais de 5 milhões de exemplares vendidos) que acreditava que a verdade não podia ser acumulada, O Livro da Vida não se pode propriamente considerar um livro escrito pela sua pena, antes resulta de uma compilação do seu pensamento e discurso transcrito em várias das suas obras. O leitor pode ou não optar por ler apenas um texto por dia; o certo é que as palavras de Krishnamurti mantêm-se atuais e tocam na intemporalidade da essência humana. Este conjunto de textos, vertidos numa linguagem fácil e acessível, resulta assim de uma antologia de reflexões proferidas nas suas palestras, algumas delas inéditas – no final do livro referencia-se a fonte de cada um dos textos.

Um livro inspirador que convida o leitor a uma viagem de descoberta pessoal através de 365 meditações diárias sobre temas que eram recorrentes nos ensinamentos de Krishnamurti, como a liberdade, desejo, desenvolvimento pessoal, vida plena, amor, tristeza e morte.

O Livro da Vida apresenta 365 textos diários, agrupados não só por meses do ano, mas também por temas, sendo que cada semana corresponde a um tema (Por exemplo, em abril, podemos ler sobre Desejo, Sexo, Casamento e Paixão). O título do livro explica-se por uma questão lançada em 1934, quando o autor perguntou aos seus ouvintes porque queriam ser estudantes de literatura, se podiam estudar a própria vida. Nas suas conversas, o filósofo destacou várias vezes que o mundo deveria ser lido como um livro e que o livro da vida era o único que valia a pena ser lido, pois tudo o resto converte-se num pensamento em segunda mão.

J. Krishnamurti (1895-1986) é considerado um dos grandes filósofos e figura espiritual do século XX. Não reivindicou ligação a nenhuma casta, nacionalidade ou religião. Também nunca se vinculou a nenhuma tradição. O seu objetivo era libertar a humanidade das limitações destrutivas da mente condicionada.

ANÁLISE e Perspectivas Turísticas (23)

Elidérico Viegas

OPINIÃO | Empresário e Gestor Hoteleiro

O Que Está a Mudar

No plano conjuntural aponta-se, entre outros aspectos, a crise pandémica, a guerra na Ucrânia, a desvalorização do euro, a instabilidade derivada das ameaças e ataques terroristas, a subida do preço do petróleo, a fiscalidade elevada, a inflação e o aumento dos preços.

E se tudo isto é verdade, com reflexos negativos evidentes nas procuras turísticas mundiais, quem poderá afirmar, convicta e objectivamente, que estes problemas são apenas conjunturais e, por conseguinte, transitórios, ou se pela sua natureza, não poderão ser considerados duradouros, logo estruturais.

Será que a recessão económica mundial tem um fim à vista, ou tem raízes mais profundas? O comunismo, considerado uma heresia do capitalismo, não seria antes uma das suas vitaminas?

Não terá a queda do comunismo provocado uma alteração substancial no sistema capitalista tradicional? Rússia e China aí estão para confirmar esta dura realidade.

A retoma económica está longe daquilo que todos ambicionamos. Dir-me-ão que as forças de mercado e a própria economia acabarão por resolver o problema. É verdade. Mas quando? E como? E a que preço?

As guerras, por outro lado, têm prazo marcado? Quem nos garante que o preço do petróleo e outros combustíveis vai baixar? Quando e quanto? Tantas perguntas para tão poucas respostas e, todas elas, com impactes directos na indústria das viagens e turismo em todo o mundo.

O discurso da retoma, designadamente no que se refere à gestão das expectativas, consubstanciadas na difusão de uma mensagem positiva, segundo a qual tudo se resolverá no curto prazo e que a partir daí teremos novamente um mar de rosas no turismo do Algarve e na economia em geral, não só não colhe como não preenche os anseios e preocupações da malta cá do burgo.

Para além destas, existem outras razões mais complexas, essas sim de ordem estrutural, quer do lado da procura, quer do lado da oferta, que explicam o que mudou, está a mudar ou vai mudar no Turismo do Algarve, bem como o que, em devido tempo, não foi e deveria ter sido feito. As crises de 2004 e 2008, a pandemia e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia, vieram colocar em evidência alguns destes factores estruturantes.

Em primeiro lugar, a transformação do modelo de negócio turístico, traduzido no sistema de empacotamento e distribuição de férias que vem sendo assegurado por grandes organizações consolidadas horizontal e verticalmente – os Operadores Turísticos. Em segundo lugar, uma procura crescente, aparentemente estruturada, mas hoje altamente informada, capaz de escolher e que aprendeu a tirar partido de novos sistemas de distribuição, como o recurso às novas tecnologias, transporte aéreo, etc.

E o que dizer da afirmação plena do turismo residencial, caracterizado pela compra de casa de férias, uma invariante do turismo do Algarve e que vem assumindo, progressivamente, um cariz cada vez mais estruturante na nossa oferta turística.

Mendes Bota | OPINIÃO

Este processo iniciou-se nos anos sessenta, a partir do turismo de estrutura rudimentar, traduzido na trilogia “operador turístico/charter/hoteleiro”, dando origem na actualidade a um sistema económico, social e cultural complexo, variado e multifacetado, sem alternativas credíveis à vista e do qual estamos irremediavelmente prisioneiros.

O Algarve confronta-se com uma série de problemas associados a uma perda de competitividade estrutural, entre os quais a fragilidade derivada dos chamados factores dinâmicos, como a educação e os recursos humanos, por exemplo. Não investimos o suficiente nos chamados factores de aceleração do crescimento, estando, portanto, manifestamente atrasados a nível organizativo, tecnológico e de gestão. Daí que, a competitividade do nosso turismo dependa, essencialmente, de uma aposta séria, realista e empenhada na economia do conhecimento.

O que vai mudar no Turismo do Algarve? Neste contexto, a adaptação à mudança passa, inevitavelmente, por um período de transição mais ou menos prolongado. Este período de transição, por mais dura que a afirmação possa parecer, e quer se queira quer não, está a ser e, vai continuar a ser, muito doloroso para os todos os algarvios em geral.

No início da década de oitenta, as forças vivas do Algarve tocaram a rebate e juntaram-se em torno de uma campanha denominada “O Algarve é Branco”, liderada pela extinta Comissão Regional de Turismo do Algarve, à época presidida por Ismael Ribeiro da Cunha. As autarquias, todas as autarquias independentemente da cor da fachada partidária, foram o braço armado no terreno. Estava então em curso um processo acelerado de descaracterização cultural do Algarve visível, além de outros aspectos, no número alarmante de azulejos de casa de banho que passaram a revestir casas e apartamentos, quando não de pinturas berrantes, de telhados pretos e verdes de inclinação mais própria para países do Norte onde neva abundantemente que da bonomia pluvial do Algarve. Muitos emigrantes, ao construir a casinha dos seus sonhos no torrão natal, tinham tendência a replicar em Portugal (fenómeno geral) modelos arquitectónicos dos países de acolhimento. Fora desse contexto e dessa explicação, estar-se-ia perante casos de simples mau gosto, ou de reflexo tipo macaco de imitação. Na altura, rapidamente se estancou a epidemia. Cada Câmara Municipal impôs um crivo no licenciamento de novas construções, onde o branco das fachadas passou a ser a orientação dominante, e a chamada telha tradicional reocupou o seu lugar. Não foi pouco, mas também não se passou muito disso até tempos mais recentes em que as preocupações de preservação do que se convencionou chamar de arquitectura tradicional algarvia atingiram o grau zero, e o zénite no processo de desaparecimento daqueles elementos definidores da estética e da paisagem desta região. Claro que não existe um conceito unificado de arquitectura algarvia. Da Costa Vicentina à Serra de Monchique, da beira-mar e do Barrocal à Serra, do Caldeirão ao Vale do Guadiana, há diferenças assinaláveis. Existem modelos de arquitectura popular e erudita, do rural puro ao urbano sofisticado dos palacetes e dos “chalets”, das casas senhoriais às casas pobres e térreas. Há diferentes processos de construção, da taipa ao adobe, diferentes materiais cerâmicos, e pedra, muita pedra, xisto da Serra, calcário no Barrocal, grés vermelho de Silves, foiaíte de Monchique. No processo de preservação desta memória colectiva sente-se um défice de orientações urbanísticas e vontade política, existe uma permissividade excessiva para com os interesses da especulação imobiliária e uma subalternização das políticas de reabilitação urbana. É a prática do deita abaixo e ergue-te oh! cimento armado, tão alto quanto possível! A modernice da arquitectura tipo caixote disseminada em meio rural, então, é de bradar aos céus. Mas a ameaça mais recente, fenómeno da moda, da finta e do desenrasca, em fase de crescimento explosivo, vem das casas pré-fabricadas. Fora das urbes, crescem como cogumelos, não importa onde, de muito duvidosa legalidade, e mais que certa ausência de fiscalização por parte das autarquias. Só não vê quem não quer. Não têm nada a ver com a arquitectura mais antiga ou mais recente do Algarve. Uma autêntica praga, um espécime invasivo na paisagem imobiliária, um elemento estranho que, se não for atalhado borrará a pintura do postal ilustrado que tem caracterizado o reyno. Se nada for feito, no conclave da AMAL, no triunvirato da CCDRA, na comunidade de projectistas, urbanistas e técnicos diversos, desse Algarve construído de outrora sobrará uma escassa percentagem de zonas e edifícios que sirvam de mostra. E, nas bibliotecas, jazerá um considerável espólio de investigação sobre o tema reunido em livros, teses de doutoramento e álbuns de fotografias. Mas, cá fora, onde brilha o sol, se honra o passado e se exibe o presente com orgulho, adeus lindas chaminés algarvias, símbolos identitários dos donos das casas e do seu estatuto social. Adeus elegantes platibandas, criatividade feita de geometria e cores. Adeus, abóbadas pintadas de Silves. Adeus, telhados de quatro águas, perfume oriental que impregnou Faro e Tavira. Adeus, açoteias cubistas de Olhão, donde se vigiava o mar no regresso da faina, secavam figos, amêndoas e peixe e se descansavam corpos e espíritos nas noites de Verão. Adeus fornos, silos, azenhas, cisternas e moinhos. Adeus, escaiolas, verdadeiras obras de arte, herança romana prolongada nos tempos de geração em geração. Claro que o mundo é composto de mudança, já dizia ou cantava Sérgio Godinho (estamos em Abril…). E a arquitectura não é excepção. Mas não deixa de ser triste ver o Algarve d’enjoelhos ser culturalmente decapitado, peça por peça, edifício por edifício, rua a rua, por indiferença, desconhecimento, insensibilidade, conivência ou inacção. Um verdadeiro terramoto selectivo. Silenciosamente ensurdecedor.

*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia