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Celtas e Mouros, a genética populacional

JORGE QUEIROZ Sociólogo

AGenética é a área da Biologia que analisa os processos de transmissão hereditária.

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Um dos seus ramos, a genética populacional, revela a diversidade, selecção natural, padrões de acasalamento e mutações genéticas, permite estabelecer itinerários migratórios, a “pegada humana”, disponibilizando, entre outros conhecimentos, a origem e desenvolvimento de doenças hereditárias em determinadas comunidades e grupos.

Na base da genética populacional encontra-se a investigação do ADN mitocondrial, transmissão por via feminina das características de cada ser humano, designada por “Eva mitocondrial”. As técnicas de análise do ADN mitocondrial surgiram sobretudo a partir de 1981, incidindo sobre as mitocôndrias responsáveis pela respiração e energia celulares. Hoje é possível determinar linhagens antigas, mais difícil será estabelecer a história genética recente, porque os processos de transmissão ocorrem no tempo longo e por gerações.

Em Portugal é corrente ouvir-se falar em “celtas” a norte e “mouros” a sul, como se os portugueses fossem grupos étnicos genética e culturalmente diferenciados.

Mas o que revelou a genética populacional?

Nas últimas duas décadas sete estudos internacionais, utilizando metodologias diferentes, concluíram pela presença no noroeste peninsular da linhagem U6 dos berberes, correspondendo às regiões das Astúrias, Leão, Galiza e norte de Portugal. A revelação causou surpresa por serem zonas mais distantes do Norte de África, com menor controlo político muçulmano.

Entre os trabalhos publicados, encontram-se vários de investigadores portugueses do IPATIMUP, Luísa Pereira, António Amorim e outros, divulgados nomeadamente pelo “International Journal of Legal Medicine “abordando o património genético do País.

A população portuguesa, segundo a investigação genética, integra linhagens do neolítico, o haplogru- po H, que resultam de migrações do Médio Oriente para a Europa, logo surge a linhagem característica das populações magrebinas, o haplogrupo U6, praticamente ausente no resto da Europa e ainda o haplogrupo L, resultante das colonizações do século XV-XVI, transmissões genéticas a partir de indivíduos vindos da África subsaariana por via da escravatura.

Os estudos em Portugal revelaram que o haplogrupo U6 dos berberes aparece com maior incidência no norte do País (5%), do que no centro (3%) e sul (2%), confrontando algumas teses do medievalismo tradicional.

Nos últimos anos surgiu investigação e bibliografia científica que questiona a “invasão árabe” ou “islâmica” de 711 d. C, não só porque o Islão se consolida mais tarde, também porque há registos de fixação de populações vindas do Magrebe em séculos anteriores, facto normal dada a facilidade de navegação e de atravessamento do Estreito de Gibraltar, apenas 16 quilómetros separam os dois continentes. É por outro lado conhecida a resistência berbere à colonização árabe, na- tural que comunidades berberes tenham ido para a Galiza e zonas próximas dos Pirenéus.

A “reconquista cristã” teria por objectivo recuperar territórios perdidos, justificou a unificação das Espanhas pelos reis católicos, à qual apenas o Reino de Portugal não foi incluído até 1580.

A ocupação cristã do Sul, menos povoado, fez-se com a participação das ordens militares e milícias feudais que praticavam a endogamia, os não cristãos eram separados em “mourarias” e “judiarias”, bairros de onde apenas saíam de dia para trabalhar. Para o norte e centro do País, de propriedade mais fraccionada, carecida de mão de obra camponesa, terão ido famílias muçulmanas que acabariam por se integrar e se transformar em pequenos proprietários. Por aprofundar estão as consequências das deportações para o interior da Península dos “mouriscos” revoltosos de Alpujarras (1567-1571), décadas após à queda do reino nazari de Granada. O processo de “cristianização” forçada, que atingiu primeiro os judeus, culminou com a expulsão para o Norte de África, entre 1609 e 1613, por decisão de Felipe III sob controlo da Inquisição, de cerca de meio milhão de “mouriscos”, que desde sempre viveram na Península.

Após mil anos de permanência de diferentes tradições culturais ibéricas, apareceu uma História eminentemente ideológico-religiosa, centrada na competição entre povos e culturas, na construção do Outro, baseada na lenda e na fé, explorada no interesse dos diferentes poderes. O Al Andalus é hoje reconhecido como uma das fontes da civilização europeia, evidencia-se nele características ibéricas particulares. Investigadores de diferentes origens e especialidades, identificaram neste centro de conhecimento partilhado o primeiro Renascimento que influenciou as universidades, na filosofia, medicina, ciências e artes por toda a Europa medieval. A genética populacional e outras ciências ligadas à História Cultural, permitem-nos entender melhor da história do País e do mundo, propor as revisões necessárias e normais alterações.

*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia